USOS E APROPRIAÇÃO PRIVADA DO ESPAÇO PÚBLICO: O CASO DA COPA DO MUNDO DE 2014 EM NATAL/BRASIL

July 8, 2017 | Autor: E. Esporte Socied... | Categoria: Global cities, Mega Events, Public Space
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USOS E APROPRIAÇÃO PRIVADA DO ESPAÇO PÚBLICO: O CASO DA COPA DO MUNDO DE 2014 EM NATAL/BRASIL Área temática elegida para la exposición: Estructura y dinámica de los sistemas urbanos Autores: Fábio Fonseca Figueiredo, profesor doctor del Departamento de Políticas Públicas de la Universidad Federal de Río Grande del Norte (UFRN), Natal/Brasil [email protected]; Pedro Augusto Filgueiras Albuquerque (UFRN); Abelardo Monteiro Bezerra de Melo Neto (UFRN) Resumo: A competição em escala global entre as cidades para entrar de maneira estratégica no fluxo internacional, trouxe como resultado contraditório a gradativa apropriação do que é público pelo privado. Este processo não só é responsável por um maior endividamento do Estado, como da perda de capacidade de gestão democrática, cada vez mais refém dos interesses imediatistas de alta rentabilidade privada. A produção do espaço a partir da reprodução do capital tem se traduzido na contemporaneidade em relações de apropriação do público pelo privado. O processo de criação de uma imagem para a cidade, interpretando-a como uma grown machine despertou a possibilidade da elite local, associada ao interesse do capital estrangeiro, por construir uma relação entre público e privado que não só exclui a população como procura flexibilizar as formas de controle público das ações privadas, como passar para o ente público o ônus de financiar e assumir os riscos dos investimentos que tomam forma na produção do espaço. O Plano Estratégico, notadamente empresarial, coloca como responsabilidade da gestão pública criar o ambiente propício para que o capital se instale e busque maneiras lucrativas de materialização. A cidade como lócus propício da acumulação do capital passa a constituir premissa básica do planejamento público, das políticas públicas e dos planos de governo. A presente proposta objetiva analisar os usos e apropriações do espaço urbano pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) na cidade de Natal/Brasil, uma das doze sedes da Copa do Mundo de 2014. A pesquisa empírica verificou tais usos e apropriações no entorno do equipamento esportivo Arena das Dunas (local das partidas da copa na cidade) e o espaço reservado para o FIFA Fan Fest, dois espaços públicos exigidos pela FIFA à administração pública local como necessários para a concretização do seu megaevento esportivo. Como resultados, verificamos que os espaços urbanos se privatizaram e o estado saiu de cena e deixou a cargo da FIFA a administração dos espaços de realização de atividades da copa. Palavras chave: Apropriação do espaço público; Cidades globais; FIFA Fan Fest; Megaeventos esportivos; Natal, Brasil

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1. Introdução O artigo analisa os usos e apropriações do espaço urbano pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) na cidade de Natal/Brasil, uma das doze sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014. A partir de um referencial teórico relativo aos impactos e legados de megaeventos esportivos bem como a consulta a literatura acerca do planejamento urbano das cidades referenciadas que serviram de exemplo comparativo, a pesquisa empírica realizada no mês de junho de 2014 verificou tais usos e apropriações no entorno do equipamento esportivo Arena das Dunas (local das partidas da copa em Natal) e o espaço reservado para a promoção da FIFA Fan Fest, na praia do Forte, dois espaços públicos exigidos pela FIFA à administração pública local como necessários para a concretização do seu megaevento. Além desta introdução e as considerações finais, o texto possui três outras secções, de modo que a secção abaixo traz uma reflexão teórica sobre a necessidade de planejamento estratégico das localidades para atrair os capitais internacionais que, ao chegar nas localidades, se apropriam do espaço público, tornando-o um espaço de reprodução do capital. A terceira secção discute os megaeventos esportivos globais, talvez a mais requerida forma de competição entre-cidades para receber os investimentos do capital internacional. A quarta secção mostra a atuação da FIFA em Natal, Brasil, cidade que recebeu quatro partidas da Copa do Mundo de Futebol em 2014. 2. A apropriação do público pelo privado: a bandeira do Plano Estratégico para as cidades A produção privada do espaço público para fins econômicos em uma sociedade capitalista ocorre a partir da reprodução do capital. Esta teoria nunca esteve tão referendada como com a nova dinâmica de criação de fins lucrativos para o capital excedente (HARVEY, 2011), especialmente o capital internacional. A produção do espaço, ou os fenômenos responsáveis pela sua dinamização decorre especialmente, conforme Corrêa (2011), da ação de agentes sociais concretos, com papéis não rigidamente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas espaciais que ora são próprios de cada um; ora são comuns de compreender. Portanto, conhecer quais são esses agentes e como, em determinados contextos, unem-se a partir de objetivos comuns é chave para a compreensão da atual forma de dinâmica de acumulação que parte do princípio da ação do Estado (legitimador) e do capital privado (investidor) na transformação do espaço urbano e sua reprodução. A dinâmica social é repleta de agentes de mudança que interagem entre si, de maneira, até, contraditória, são eles “os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos” (CORRÊA, 2011, p. 44) que

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transformam, materializam e dão significado à questões associadas ao status e a estética. Da relação destes agentes, é historicamente discutido a relação entre o Estado e os detentores do capital, ora flexibilizando leis, ora legitimando o lucro, assumindo e socializando os custos em detrimento do que a sociedade ou os grupos sociais marginalizados desejam/necessitam. Para Corrêa (2011, p. 45, o papel do Estado, numa democracia liberal, “desempenha múltiplos papéis em relação à produção do espaço. Essa multiplicidade decorre do fato de o Estado constituir uma arena na qual diferentes interesses e conflitos se enfrentam.” A questão, portanto, é o grau de influência que cada agente, com interesses próprios, tem do polarizar os demais. Segundo Carlos (2011), pode-se atribuir os sujeitos da ação responsável pela produção do espaço o Estado (aquele da dominação política), o capital (com diversas estratégias em que a reprodução continuada é objetivo final) e os atores sociais (tem seus desejos vinculados à realização da vida humana, sendo o espaço a condição de sua realização). As ações de interação entre esses atores no espaço-tempo, onde as estratégias mudam, mas permanece a essência de cada agente, realizam-se a partir do processo de produção, apropriação, reprodução da vida, da realidade e do espaço em seus descompassos, portanto fundamentalmente, em suas contradições. Assim, o espaço ou a construção do espaço, mesmo tratando-se de sociedades democráticas, têm sua natureza numa relação complexa de apropriação privada e do capital privado de investimento às forças políticas do Estado, que para o primeiro a certeza do retorno lucrativo é condição para a ação, enquanto que para o segundo assegura-se de legitimar o processo (criando leis, assumindo riscos e criando argumentos que sejam socialmente aceitos), ainda que a contradição seja fator recorrente deste processo. Mais recentemente, o novo contexto urbano brasileiro é expressão da ação do capital na dinamização da produção do espaço urbano. Segundo Arantes (2000), a retomada do valor empresarial do conceito de “gerenciamento” associado ao planejamento urbano, trazem governantes e burocratas em torno de um teorema-padrão “que as cidades só se tornarão protagonistas privilegiadas [...] se, e somente se, forem devidamente dotadas de um Plano Estratégico capaz de gerar respostas competitivas aos desafios globais” (p. 13). Assim, as cidades passam a ser o lócus propício do investimento privado, contanto que as mesmas apresentem vantagens comparativas e tenham a capacidade de atração do investimento do capital externo. Volta-se à ideia de cities as grown machines caracterizando por “An elite competes with other land-based elites in na effort to have growthinducing resources invested within its own area as opposed to that of another. Governmental authority, at the local and nonlocal levels, is utilized to assist in

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achieving this growth at the expense of competing localities” (MOLOTCH, 1976, p 309).

A ideia central é que as localidades apresentem atrativos diferenciais que sejam capazes de atrair investimentos externos, o que propicia um maior crescimento econômico. O papel da administração pública nesse processo é fundamental uma vez que para colocar a cidade no fluxo global de competição por estes recursos circulantes, há a necessidade de um “Plano Estratégico” que trata, em outras palavras, de o governo local se organizar gerencialmente (HARVEY, 2011) para ser capaz de oferecer as condicionantes necessárias para que o capital globalizado atue sem barreiras no local. Portanto, as cidades que melhor se organizarem para receber o investimento do fluxo de capital externo serão as escolhidas na “competição” entre cidades. Trata-se de uma maneira de cooptar o governo, unir os interesses da elite econômica local e, de maneira conjunta, criar as condicionantes para que o capital prospere, mesmo que algumas ações sejam, por exemplo, do Estado assumir custos que outrora seriam de responsabilidade do capital privado. Conforme Vainer (2011): “No lugar de planejamento moderno, compreensivo, fortemente marcado por uma ação diretiva do Estado, expressa, dentre outros, nos zoneamentos e nos planos diretores, surgiu um planejamento estratégico, que se pretende flexível, amigável (market friendly) e orientado pelo e para o mercado (market oriented)” (p: 12).

Há, portanto, a busca pela construção de uma city image que seja capaz de colocar uma localidade em evidência, legitimada por sua população que é levada, principalmente por ações de publicidade estatal, a assumir a identidade que seja melhor conveniente. A cultura tornou-se um nicho de mercado relativamente rentável e que acompanhado de novos investimentos, traz para o Estado a responsabilidade de construir um “Plano Estratégico” que possa aproveitar a oportunidade, reunindo os interesses da elite local para construção de uma força competitiva. A produção do espaço a partir da reprodução do capital nunca esteve tão presente na dinâmica de planejamento e desenvolvimento urbano, pautadas em dinâmicas não só físicas de ações materializadas no espaço, como também de construção de identidades territoriais, de valores, imagens e status que, conjuntamente com as ações de intervenção urbana, constroem uma dinâmica complexa de apropriação do público pelo privado, pela justificativa do crescimento econômico e do bem estar geral. Ainda, a cidade entra num sistema de competição urbana para recebimento do investimento de capital externo, que ao procurar fins lucrativos, observa na flexibilidade governamental e na capacidade deste assumir riscos e ônus o principal fator de decisão.

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Na sociedade global, umas das formas de reprodução do espaço a partir dos investimentos de capital ocorre através dos megaeventos esportivos (VAINER 2011). A próxima secção mostra a entrada do Brasil no âmbito da realização dos megaeventos esportivos e, consequentemente, a adequação dos espaços públicos em conformidade com as demandas de apropriação do capital internacional. 3. O Brasil na rota dos megaeventos esportivos globais Na atualidade, os países se esforçam por receber megaeventos esportivos globais vislumbrando seus impactos e legados relacionados a aspectos econômicos, sociais, estruturais, políticos, urbanos, esportivos, etc (FIGUEIREDO, LIMA e ARAÚJO, 2013). Assim, a competição internacional para hospedar estes grande eventos internacionais faz com que as localidades se moldem as exigências das promotoras desses megaeventos (FIGUEIREDO e ARAÚJO, 2013). Para Proni e Silva (2012): “Um megaevento transcende o campo esportivo. Sua realização afeta distintas esferas da vida social, em especial a esfera política e a econômica, não se restringindo às cidades que sediam os jogos, sendo capaz até mesmo de afetar a autoestima de um povo ou a imagem de uma nação no cenário internacional. Podese afirmar que, no caso dos países em desenvolvimento, hospedar este megaevento ganha importância econômica e política ainda maior” (p:20).

Até o final da década de 1990, o único megaevento esportivo realizado com frequência no Brasil era uma etapa do Campeonato Mundial de Fórmula 1, realizado initerruptamente no país a partir de 1973. Antes disso, o Brasil havia sediado a Copa do Mundo de Futebol em 1950 e outros megaeventos de menor expressão à época de sua realização. No começo dos anos 1990 houve uma intenção do então presidente Fernando Collor de Melo em sediar as olímpiadas no ano 2000 na cidade de Brasília, capital federal do país. No entanto, aquela candidatura foi considerada insuficiente no que concerne ao atendimento das exigências feitas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), órgão que realiza as competições olímpicas internacionais. A crise econômica do país naquela década somadas a forte concorrência dos Estados Unidos, que sediaram a Copa do Mundo de Futebol no ano de 1994 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 1996, desmotivaram a administração federal brasileira a pleitear outra candidatura. A partir do início dos anos 2000, sobretudo com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder central, o Brasil entra em uma vertente de relativa abundância na sua economia. A maior capacidade de financiamento público por parte do Governo Federal somada a sua política keynesiana de forte investimento na indústria de base, com destaque para a construção civil, 5

chamou a atenção dos players dos megaeventos internacionais que viram no país um local que reunia as condições ideais para a reprodução do capital a partir dos megaeventos esportivos. Assim, Para Rubio (2010) um dos motivos que fez o Brasil ser um destino possível para a realização dos megaeventos globais foram as satisfatórias projeções econômicas divulgadas pelos relatórios das agências internacionais: “O Brasil de 2010 é um país distante desse cenário dos anos 1980. O PIB (Produto Interno Bruto) avançou 8,9% entre janeiro e junho de 2010. Em valores absolutos, o PIB brasileiro somou R$ 900,7 bilhões de abril a junho deste ano. De janeiro a março, a economia acumulou riquezas da ordem de R$ 826,4 bilhões. De janeiro a junho, a indústria cresceu 14,2%, seguida pela agropecuária (8,6%) e pelos serviços (5,7%). Teriam esses dados contribuído para escolha da cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos de 2016?” (p. 14)

Assim, o país entra efetivamente na rota dos megaeventos esportivos globais de tal forma que as entidades promotoras destes megaeventos oferecem seu produto à administração pública nacional. No ciclo compreendido entre 2007 e 2016, o país realiza os Jogos Pan-americanos (2007), os Jogos Mundiais Militares (2011), a Copa do Mundo de Futebol (2014) e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos (2016) além de anualmente sediar uma etapa do campeonato mundial de Fórmula 1. Justificando o esforço no recebimento destes megaeventos a substanciais incrementos na atividade econômica a partir da preparação e posterior realização deste grandes eventos, o governo brasileiro destina parte de seu orçamento público que, embora seja percentualmente baixo, resulta em elevadas cifras econômicas para adequar as cidades conforme exigências das entidades promotoras desses megaeventos esportivos (PRONI e SILVA, 2012). As cidades gerenciadas pelo Estado e remodelada conforme demandas das entidades que promovem tais megaeventos esportivos (sobremaneira FIFA e COI) passam a ser espaços públicos de uso e apropriação privada. Associada à nova remodelação do espaço urbano, a realização desses megaeventos transforma a cidade segundo a lógica do gerenciamento empresarial (VAINER, 2011). No Brasil, que realizou a Copa do Mundo de Futebol em junho de 2014 e que se prepara para receber os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 na cidade do Rio de Janeiro, a administração federal modificou diversas normativas federais e instituiu novas legislações específicas tais como a Lei Geral da Copa, como uma forma de adequar o aparato institucional nacional a leis de mercado internacional.

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A próxima sessão apresenta como houve a apropriação do espaço público na cidade de Natal, Brasil, que recebeu 04 (quatro) partidas da Copa do Mundo de Futebol em 2014. (Federação Internacional de Futebol Associados) 4. A FIFA Fan Fest em Natal, Brasil A cidade de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte/Brasil, foi uma das doze sedes escolhidas pela FIFA que recebeu quatro partidas da primeira fase da Copa do Mundo de Futebol em 2014. Segundo Figueiredo e Araújo (2013) foram duas as justificativas técnicas e uma política que fizeram o Governo Federal incluir a cidade de Natal como uma das sedes do megaevento: “Uma delas a localização geográfica da capital potiguar já que Natal é a cidade mais próxima da Europa, o que facilita o tráfego aéreo internacional. A segunda justificativa relaciona-se a estrutura hoteleira da cidade, o que implica numa disponibilidade de 28 mil leitos, a segunda maior do país. A justificativa ‘política’ para a escolha de Natal foi o fato de o atual presidente da câmara dos deputados federais, Henrique Eduardo Alves (PMDB), ser um forte aliado do ex-presidente Lula, assim, a Copa em Natal foi uma troca de favores políticos de ambas as partes” (p: 20).

A partir da indicação de Natal como uma das sedes da copa, em setembro de 2009, houve uma intensa campanha oficial que destacava o merecimento da cidade em receber aquele megaevento local. O discurso legitimado pelo Estado e criador de um emblema para a cidade se fortaleceu com a copa em Natal. Assim, frases como “Natal, a cidade sol e mar; Natal, o paraíso turístico de belezas naturais; e, Natal, uma cidade de povo que sabe receber os estrangeiros com um sorriso” foram disseminadas. No encarte elaborado pela Secretaria Especial da Copa na cidade, SECOPA (2013), a mensagem era: “Natal, capital do Rio Grande do Norte, nascida entre o rio Potengi e as águas do Atlântico, tem uma natureza que serve de orgulho para todo o país [...] Tanta beleza inspirou o projeto do estádio de futebol Arena das Dunas, e fez de Natal uma das cidades-sede da Copa do Mundo da FIFA 2014” (p: 3)

Como todas as localidades que recebem os megaeventos esportivos globais, a cidade de Natal teve que se adequar as exigências solicitadas pela FIFA. Assim, como uma das primeiras medidas adotadas pela administração local, estadual e municipal, houve uma ampla coalizão para que o antigo estádio de futebol (Machadão) fosse demolido e em seu lugar fosse construído a Arena 7

Multiuso Arena das Dunas, palco local da realização das partidas da copa na cidade (FIGUEIREDO, 2014). Imagem 1: Complexo Arena das Dunas no primeiro dia de funcionamento

Fonte: SECOPA (2013)

Também houve a adesão das autoridades locais, governos estadual e municipal, a Lei Geral da Copa (Lei 12.663 de 2012), norma nacional atribuída as cidades sede da Copa do Mundo de Futebol que na sua letra da lei atribui que: “As responsabilidades entre o Estado brasileiro e a autoridade máxima do futebol, a FIFA, principalmente no que tange as imposições diante das relações comerciais durante o período do megaevento copa do mundo. Regida em seu segundo capítulo, ela determina em quatro seções as “ordens” da instituição organizadora, acatada pelo Estado. [...] Símbolos oficiais, marcas patrocinadoras foram asseguradas pela União o seu direito de comercialização com exclusividade nas imediações do megaevento, de forma que qualquer cidadão que comercializasse com exceção da organizadora do mundial, seria passível de multa e apreensão dos bens comercializáveis” (BRASIL, 2012).

Imbuído da obrigatoriedade de se adequar e fazer valer as determinações da Lei Geral da Copa (LGC), Natal realiza a sua FIFA Fan Fest. Nesta festa, os patrocinadores da Copa do Mundo, parceiras comerciais da FIFA, possuem a exclusividade na venda dos seus produtos de tal forma que a venda de produtos de outros fabricantes é considerado crime, a partir da Lei Geral da Copa.

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Em Natal, os locais no raio de 2km2 do entorno do estádio Arena das Dunas e uma área na praia do Forte, zona leste da cidade, tiveram que se adequar e cumprir as exigências legais da LGC. Fora do espaço interno destinado para o evento, no local que se denominou perímetro de segurança FIFA, circulavam cerca de 300 (trezentos) ambulantes cadastrados pela organização do evento. Estes ambulantes tiveram que comprar um kit vendido pela organização da festa por 480 reais e estes equipamentos de visualização eram a indicação de que eles estavam liberados para comercializar seus produtos. As pessoas que se encontravam fora da área destinada ao FIFA Fan Fest podiam comprar os produtos vendidos pelos ambulantes, no entanto, eram proibidas de entrar na área restrita à festa portando qualquer alimento ou bebida, mesmo se fossem produtos das marcas dos patrocinadores da FIFA. Conforme relatos, os ambulantes se queixavam de prejuízos econômicos em relação aos preços dos produtos uma vez que eles somente podiam vender produtos licenciados com os preços pré-fixados. A Prefeitura de Natal montou uma estrutura com capacidade para receber 20 mil pessoas na praia do Forte e no entorno do Arena das Dunas, o que resultou num gasto público aproximado de 6,5 milhões de reais. Abaixo, observamos algumas fotos da FIFA Fan Fest. A imagem 2 apresenta o croqui da área reservada ao FIFA Fan Fest na Praia do Forte, Natal. Imagem 2: Croqui da área destinada à FIFA Fan Fest. Praia do Forte, atal, Brasil

Fonte: Tribuna do Norte (2014). Disponível em http://tribunadonorte.com.br/copa2014/os-numeros-da-festa/284388

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A área destinada ao evento e o seu entorno continha segurança pública extremamente reforçada visando a garantia da segurança para as pessoas que se deslocavam àquele local. Apesar de uma das áreas destinadas à realização da FIFA Fan Fest, a praia do Forte, encontrar-se próxima de alguns bairros periféricos que registram elevados índices de violência em Natal (Brasília Teimosa, Vietnã, Rocas, Maruim e um pouco mais distante Mãe Luiza), o evento naquela área transcorreu sem problemas de insegurança. Nas proximidades do Arena das Dunas ocorreu o mesmo forte esquema de segurança policial e o fato da área do entorno ser considerado de elite, “naturalmente” houve uma sensação de segurança, também realizada pelas empresas privadas contratadas por alguns moradores e estabelecimentos comerciais da localidade. Imagem 3: Imagens diversas da FIFA Fan Fest em Natal, Brasil

Fonte: Adaptado de Prefeitura Municipal de Natal (2014). Disponível em: http://natalfifafanfest.com/

Para garantir a segurança do megaevento houve a cooperação entre os entes federativos (Governo Federal, Estado e Município). A Prefeitura destacou efetivo de sua guarda municipal para as proximidades do Arena das Dunas e FIFA Fan Fest; o governo do estado disponibilizou 200 policiais do seu batalhão de choque. Já o Ministério do Exército enviou um contingente de 4.700 militares da sua força armada nacional para Natal. Assim, durante os 17 (dezessete) dias que Natal

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esteve diretamente implicado na copa, eram visíveis os militares fortemente armados nas áreas da FIFA Fan Fest e zonas turísticas da cidade. Através da Prefeitura de Natal, a organização do evento ainda contratou 150 seguranças privados que atuaram majoritariamente nas áreas internas do Arena das Dunas e no espaço localizado na praia do Forte. Paralelamente ao destacamento deste efetivo policial para a festa do mundial de futebol em Natal, o estado do Rio Grande do Norte passa por uma crise sistêmica na sua segurança pública. Dois meses antes da Copa do Mundo foram registrados 486 homicídios no estado e 168 somente na capital. Em 2015, Natal continua conseguindo destaque negativo no que tange a segurança pública por ser considerada a 11ª colocada cidade mais violenta do mundo (biênio 2013-2014) e a sexta cidade mais violenta do Brasil, segundo classificação feita pela organização não governamental mexicana Conselho Cidadão pela Seguridade Social Pública e Justiça Penal. 5. Considerações Finais Todas as cidades, das maiores as de menor escala, almejam entrar na competição, em escala global, entre as cidades como forma de atrair os fluxos econômicos internacionais. No entanto, entrar nesta competição e promover o gerenciamento empresarial das cidades leva a resultados contraditórios no que venha a ser a cidade, como público, uma vez que uma das condições para a competição intercidades é a legitimação da apropriação do espaço público pelo capital privado. Através de uma agressiva política de internacionalização da atividade turística iniciada no final dos anos 1970 que a cidade de Natal, Brasil, entrou, ainda que perifericamente, na arena de competição inter-cidades por recursos públicos e privados. A realização do megaevento esportivo Copa do Mundo de Futebol é somente um componente a mais dessa busca por inserir-se no global cities. As profundas reformas no desenho urbano em consideráveis áreas da cidade, a Lei Geral da Copa e a realização da FIFA Fan Fest denotam a privatização e apropriação do espaço urbano e, no limite a apropriação da vida das pessoas devido os transtornos e formas de ocupação social na cidade, por um corpo estranho à cidade e que é legitimado pelo Estado, a FIFA. Referencias ARANTES, Otília. “Uma estratégia fatal: A cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. “A cidade do pensamento único: Desmanchando Consensos” Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. BRASIL. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil; altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de 11

maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Diário Oficial da União, Brasília, 6 de Junho de 2012. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2012/lei-12663-5-junho-2012613164-normaatualizada-pl.html Acesso em 31 de janeiro de 2015 CARLOS, Ana Fani. “’Da organização’ à ‘produção’ do espaço no movimento do pensamento geográfico”. In: CARLOS, Ana Fani; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSIRO, Maria Encarnação (Orgs.) “A Produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios”. São Paulo: Contexto, 2011. CORRÊA, Roberto Lobato. “Sobre Agentes Sociais, Escala e Produção do Espaço: Um texto para discussão” In: CARLOS, Ana Fani; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSIRO, Maria Encarnação (Orgs.) “A Produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios”. São Paulo: Contexto, 2011. FIGUEIREDO, Fábio Fonseca. A copa do mundo de 2014 em Natal e seus impactos e legados para o futebol potiguar. Anais do II International Conference Mega-events and the City, 2014, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em http://megaeventos.ettern.ippur.ufrj.br/sites/default/files/artigoscientificos/figueiredo_f._a_copa_do_mundo_de_2014_em_natal_e_seus_impactos_e_legados_para _o_futebol_potiguar.pdf Acesso em 31 de janeiro de 2015 FIGUEIREDO, Fábio Fonseca e ARAUJO, Marcelo. A copa do mundo de 2014 na cidade de Natal/RN e os legados para o futebol potiguar. Anais do 37º Encontro Anual da Anpocs. Águas de Lindóia, 2013. Disponível em http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=8531&Itemid =429 Acesso em 31 de janeiro de 2015 FIGUEIREDO, Fábio Fonseca; LIMA, Elaine e ARAUJO, Marcelo. Os Impactos e Legados Nefastos dos Megaeventos Esportivos no Brasil: Copa do Mundo De 2014 e Jogos Olímpicos 2016. Anais do XIV Ecuentro de Geógrafos de America Latina (XIV EGAL). Lima, 2013. Disponível em http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal14/Geografiasocioeconomica/Geografiacultu ral/31.pdf Acesso em 31 de janeiro de 2015 HARVEY, David. “O enigma do capital: e as crises do capitalismo”. São Paulo, SP: Boitempo, 2011. MOLOTCH, Harvey. “The City as a Growth Machine: Toward a Political Economy of Place”. The American Journal of Sociology, Vol. 82, No. 2. 1976. PRONI, Marcelo e SILVA, Leonardo. Impactos da Copa do Mundo 2014: projeções superestimadas. Instituto de economia UNICAMP. Campinas, 2012. Disponível em http://www.apublica.org/wp-content/uploads/2012/11/AQUI.pdf Acesso em 31 de janeiro de 2015 RUBIO, Kátia. Postulações brasileiras aos Jogos Olímpicos: considerações acerca da lenda do distanciamento entre política e movimento olímpico. Revista Biblio 3W, Barcelona, 2010. Disponível em http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-10.htm Acesso em: 31 de janeiro de 2015 SECOPA. Encarte Arena das Dunas. Natal, 2014. Disponível em http://www.secopa.rn.gov.br/download/folder_arena_das_dunas.pdf Acesso em 31 de janeiro de 2015 TRIBUNA DO NORTE. Os números da festa. Natal, 2014. Disponível em http://tribunadonorte.com.br/copa2014/os-numeros-da-festa/284388 Acesso em 31 de janeiro de 2015

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VAINER, Carlos. 2011. Prefácio. In: O jogo continua: Megaeventos esportivos e Cidades. MASCARENHAS, G; BIENENSTEIN, G; SÁNCHEZ, F. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011. 302p.

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