Utilização de Ambientes Virtuais na Reabilitação de Pacientes com Lesão Cerebral por AVC e TCE. Lidia Cardoso1, Rosa Maria M. da Costa2, Alberto Piovesana2, Juliana Carvalho1, Hebert Ferreira1, Manuel Lopes1, Ana Cristina Crispim1, Livia Penna1, Kelly Araujo1, Luna Paladino1, Rosane Sancovschi1, Raphael Mouta1, Gustavo Brandão1 1
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,fm- Dept de Psiquiatria e Medicina Legal Laboratório de Neuropsicologia e Cognição-FM/HUCFF/UFRJ 2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, IME – Dept de Informática e Ciência da Computação
Resumo Este trabalho apresenta os resultados preliminares de um estudo piloto com a utilização de ambientes virtuais na reabilitação cognitiva de pacientes com lesão cerebral causada por acidentes vasculares cerebrais (AVC) e traumas crânio-encefálicos (TCE). Os pacientes experimentaram ambientes virtuais que estimulavam as funções cognitivas e guardavam semelhança com as atividades de vida diária - um supermercado. Os resultados iniciais parecem sugerir que estes ambientes podem ser ferramentas eficientes na reabilitação de pacientes com lesões cerebrais. Palavras-chave: ambientes virtuais, reabilitação cognitiva. Abstract This article presents partial results of a pilot study that explores computer technology and virtual environments to enhance some cognitive deficits of patients who had a stroke or a traumatic brain injury. They each experienced activities that stimulate cognitive functions in virtual environments which present some activities related to day to day situations – a supermarket. Preliminaries results may suggest that these environments may be a useful tool for brain injured patients rehabilitation. Key-words: virtual environments, cognitive rehabilitation.
Introdução O uso de Ambientes Virtuais (AV) vem se mostrando adequado para apoiar, principalmente, processos cognitivos e, segundo Littman [1], isto se deve à multidisciplinaridade envolvida neste domínio. Para vários autores, dentre os quais Pantelidis [2] e Stuart [3], a exploração da Realidade Virtual (RV) apresenta inúmeras vantagens de uso em relação a outras tecnologias: provê uma interface que gera um alto nível de motivação; apresenta recursos que ilustram a compreensão de conceitos abstratos; permite a observação de cenas em diferentes distâncias e ângulos; oferece oportunidades de vivências das situações de maneira individualizada; encoraja a participação ativa do usuário; permite a participação
de pessoas com incapacidades físicas ou mentais; disponibiliza recursos para que o usuário pratique procedimentos que serão realizados posteriormente no mundo real; propicia um ambiente motivador para a aquisição de conhecimento e aprendizagem; oferece possibilidades de entretenimento e diversão; possui características que facilitam o estudo das características de desempenho humano e suas capacidades perceptuais e motoras. A exploração dos AV por pessoas com deficiências diversas, oferece novas abordagens que são impossíveis de serem realizadas normalmente. Por estas razões, estes ambientes vêm sendo utilizados para apoiar terapias médicas em uma variedade de propostas, e incluem aplicações voltadas para atacar problemas causados por desordens de alimentação [4]; fobias [5],[ 6]; autismo [7],[8] lesões cerebrais traumáticas
[9], paralisia cerebral [10], testagem de pacientes com danos cerebrais [11] e ainda, para prevenir acidentes com pacientes idosos [12]. A maioria destes exemplos é para reabilitação de funções cognitivas, mas algumas visam à recuperação de capacidades motoras. Especificamente, para a Reabilitação Cognitiva (RC), verifica-se a disseminação de produtos que vão de programas simples, que atuam no tratamento de uma única função e exploram interfaces semelhantes à prática tradicional a propostas mais sofisticadas, que apoiam-se em tecnologias promissoras como a RV. Reabilitação Cognitiva Cognição é uma complexa coleção de funções mentais que incluem atenção, percepção, compreensão, aprendizagem, memória, resolução de problemas e raciocínio, dentre outras, que permitem que o homem compreenda e relacione-se com o mundo e seus elementos [13]. Após algum tipo de dano cerebral, as pessoas perdem uma ou algumas destas funções, comprometendo todo o processo cognitivo. Neste caso, a RC é um processo terapêutico que visa recuperar ou estimular as habilidades funcionais e cognitivas do homem, ou seja, reconstruir seus instrumentos cognitivos. A RC apóia-se na capacidade plástica do cérebro, ou seja, a capacidade de substituir circuitos cerebrais lesionados; por circuitos vizinhos intactos, através de estímulos comportamentais. Este fenômeno, denominado plasticidade cerebral, pode ser explorado na reprogramação das redes neuronais, de forma a diminuir os efeitos provocados por diferentes deficiências ou danos neurológicos. Dentre os vários resultados de pesquisas nesta área, percebe-se que entre as diferentes funções que emergem das interações entre neurônios, as possíveis de serem influenciadas por fatores externos são aquelas associadas ao aprendizado (ou a capacidade de modificar o comportamento em resposta à experiência) e à memória (capacidade de guardar esta modificação por um período de tempo). Logo, a possibilidade de plasticidade cerebral, a partir de influências ambientais, é essencial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para tratamento de diversas desordens cerebrais.
reproduzir ambientes - laboratórios ou centros de reabilitação, que guardem semelhança com as situações com as quais os pacientes terão que lidar em sua “vida real”, fora dos hospitais, ou mesmo que possam predizer seu desempenho nestas situações. Na verdade, a questão mais relevante a respeito das tecnologias de reabilitação, diz respeito à sua validade ecológica, ou mesmo à ausência de programas efetivamente capazes de promover resultados consistentes, no que diz respeito à utilização por parte dos pacientes fora do ambiente hospitalar, das habilidades e conhecimentos adquiridos nos centros de reabilitação Neste sentido, o esforço que pesquisadores do campo da neuropsicologia e da RC consiste na criação de ambientes que possibilitem um treinamento cada vez mais eficaz, através do auxílio dos computadores. A tecnologia de Realidade Virtual na Reabilitação Cognitiva Nos últimos anos, a tecnologia de RV vem sendo amplamente utilizada nas mais diferentes áreas do conhecimento, em especial, nas ciências da saúde. Apesar de esta tecnologia estar em seus estágios iniciais de exploração prática devido, principalmente, aos altos custos e à complexidade dos equipamentos envolvidos, vários resultados têm apontado na direção do seu uso, ressaltando suas especificidades como fatores motivadores para a reabilitação de pacientes com diferentes tipos de danos e distúrbios cerebrais. Desta maneira, a RV pode ampliar as possibilidades terapêuticas das abordagens tradicionais, pois facilita o acesso a exercícios que estimulam habilidades variadas, sejam cognitivas ou motoras, através de AV que promovem associações mais diretas com as tarefas da vida diária. A possibilidade de desenvolver programas de RC, a partir da utilização de AV, envolve questões ligadas à Neuropsicologia, Ciência da Computação, Reabilitação e Educação, entre outras. Apesar da complexidade envolvida na integração de profissionais de áreas tão distintas, variadas experiências vêm sendo descritas na literatura, motivadas pelo grande número de pessoas atingidas por diversos tipos de deficiências.
Procedimentos usuais e questões da Reabilitação Cognitiva Um estudo de caso com uma cidade virtual A questão que atualmente se coloca para o campo da reabilitação dos pacientes com lesões cerebrais é exatamente a capacidade de criar, ou
O Projeto AVIRC2 (Ambiente Virtual Integrado para Reabilitação Cognitiva 2) estendeu a
proposta desenvolvida em uma tese [18]que criou e testou um ambiente virtual com pacientes esquizofrênicos. Os resultados positivos da tese estimularam uma extensão das aplicações para outros tipos de distúrbios cognitivos, dentre os quais se destacam os resultados do trabalho realizado com pacientes com lesão cerebral causada por Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE) [19]. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/HUCFF/UFRJ. Trata-se da elaboração de um protocolo de RC, para a reabilitação das funções executivas, memória, atenção e cálculo, que utiliza a navegação em um supermercado virtual e em uma casa virtual. Neste trabalho apresentaremos os resultados iniciais da navegação no supermercado virtual.
níveis, a quantidade de itens vai aumentando progressivamente. Os pacientes são avisados que possuem três tentativas para a execução da tarefa. Quando um produto é escolhido na prateleira do supermercado, clicando com o mouse, uma nova janela se abre mostrando notas e moedas (fig.2). O paciente deve escolher a quantidade de dinheiro exata para realizar suas compras, considerando a quantia que dispõe e a lista fornecida.
Métodos Sujeitos
Figura 1: Visão do supermercado
Seis pacientes participaram da intervenção com os protocolos de RV; todos eram destros e sofreram uma lesão cerebral de hemisfério esquerdo; as lesões aconteceram entre oito meses e dois anos antes do início desta intervenção. Os pacientes participaram de um programa de treinamento cognitivo no Laboratório de Neuropsicologia e Cognição/FM/HUCFF/UFRJ. Os pacientes estão acostumados ao uso de computadores, pois utilizam outros protocolos de treinamento com um software multimídia que vem sendo desenvolvido pela equipe do laboratório. Procedimentos
Figura 2: Exibição das notas e moedas correntes.
As tarefas foram planejadas para o treino das funções executivas, atenção, memória e cálculo. Trata-se de um treinamento a partir de um software 2D, simulando um ambiente virtual. A intervenção leva entre 20 e 60 minutos. Cada paciente realizou 12 sessões, em um total de seis semanas. O objetivo do programa consiste na compra de mercadorias em um supermercado virtual (fig 1), com uma quantia de dinheiro previamente estabelecida e uma lista de produtos. A navegação dentro do supermercado é feita através do controle do mouse pelo paciente. No total, o treino possui cinco níveis de complexidade: no primeiro nível o paciente recebe uma lista de três itens e do segundo ao quinto
Foram feitas entrevistas clínicas, de caráter qualitativo, objetivando a coleta de dados a respeito de características pré-mórbidas, da história da doença atual e da vida diária do paciente. Desta forma, avalia-se a evolução deste frente à intervenção proposta pela equipe. Outra etapa fundamental da avaliação consiste na observação direta do paciente e define comportamentos e condutas que indiquem a presença de sintomas de alterações cognitivas. Assim, identificam-se déficits de atenção, percepção, compreensão, aprendizagem, memória, resolução de problemas e raciocínio. Secundariamente a esses fatores, investigam-se os déficits de funcionalidade conseqüentes.
Resultados Os pacientes se mostraram bastante interessados e motivados a participar do treinamento. Dois pacientes com sérios distúrbios de atenção tiveram dificuldades com as tarefas no início do treinamento, pois não eram capazes de alternar entre duas tarefas: controlar o mouse e completar a compra propriamente dita. Após o terceiro treino, tais tarefas puderam ser realizadas. Observamos que aqueles pacientes com maiores dificuldades em realizar as tarefas eram exatamente os que apresentavam maiores déficits cognitivos. Em relação à realização completa da tarefa, nas três tentativas, observamos que o bom desempenho do paciente é inversamente proporcional a seus déficits de memória e de sua capacidade de planejamento (funções executivas). Observou-se ainda que ao fim dos três treinos, nos cinco níveis, houve um aprendizado, pois um maior número de pacientes pôde realizar as tarefas ao final da intervenção (tabs 1, 2 e 3). Nível Número de pacientes que executaram as seis tarefas
1º
2º
3º
4º
5º
4
4
3
3
1
9 9 8 8 10 9 7 8 8 9 5 3 5 6 9 4 3 2 4 5 3 4 4 5 5 4 4 5 5 5 8 7 8 7 6 9 8 7 6 6 Divertimento 10 10 9 8 7 10 (cada paciente) 10 9 9 9 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Tabela 1: Medidas de desempenho e efetividade nos cinco níveis durante a primeira tentativa dos seis pacientes testados. Dificuldade observada (cada paciente)
Nível Número de pacientes que executaram as seis tarefas
1º
2º
3º
4º
5º
6
6
5
3
2
7 7 8 8 10 8 6 6 6 8 4 3 5 6 8 3 3 4 4 5 2 3 2 2 3 3 3 2 2 2 8 7 7 7 6 8 7 6 7 5 Divertimento 10 10 8 7 8 10 (cada paciente) 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Tabela 2: Medidas de desempenho e efetividade nos cinco níveis durante a segunda tentativa dos seis pacientes testados. Dificuldade observada (cada paciente)
Nível Número de pacientes que executaram as seis tarefas
Dificuldade observada (cada paciente)
1º
2º
3º
4º
5º
6
6
5
5
4
1 6 3 3 1 2
2 4 3 2 1 2
4 4 3 3 1 3
6 5 4 3 1 3
10 6 5 4 1 4
10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Divertimento 10 10 10 10 10 (cada paciente) 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Tabela 3: Medidas de desempenho e efetividade nos cinco níveis durante a terceira tentativa dos seis pacientes testados.
Discussão e Conclusões Este trabalho teve como objetivo apresentar uma experiência de desenvolvimento e testagem de um AV voltado para a RC. Os resultados iniciais parecem sugerir que os pacientes aceitaram a tecnologia, se sentiram motivados a trabalhar com o computador e cumpriram a maioria das tarefas propostas pelo ambiente. Em termos de possibilitar uma rica associação, os ambientes virtuais são especialmente bem sucedidos, possibilitando uma variedade de associações não possíveis com outras interfaces homem-máquina, devido às qualidades multisensoriais e espaciais destes ambientes. No caso específico de disfunções cognitivas, a RV, com uma interface mais próxima da realidade, reduziria a barreira que existe entre o paciente e as tarefas diárias, diminuindo o medo do erro. Verificou-se que os ambientes virtuais são ferramentas valiosas para a reabilitação de funções executivas, não apenas pelos resultados clínicos desta intervenção, mas também pela satisfação dos pacientes na utilização destes recursos. Os mesmos propiciam tarefas feitas especificamente para treinar funções cognitivas necessárias para a realização das atividades de vida diária. Os ambientes introduzem o fator lúdico no treino de tarefas que poderia ser repetitivo e cansativo. Além disso, a possibilidade da utilização de cenários e situações da vida real, como fazer compras num supermercado, pode favorecer o engajamento do paciente na atividade. As principais características deste ambiente foram definidas a partir do estudo dos procedimentos neuropsicológicos para tratamento de diferentes tipos de desordens cerebrais. Ao contrário da maioria dos produtos comerciais, hoje disponíveis, este ambiente explora algumas tarefas tradicionais
sob um foco cognitivo, que explora cada função específica: atenção, memória, planejamento e cálculo, em tarefas que guardam relação com aquelas realizadas pelos pacientes em suas atividades de vida diária, no “mundo real”. Esperase com isto, que os pacientes se sintam mais motivados a prosseguir seus programas de tratamento e reabilitação. Agradecimentos Este trabalho conta com o financiamento do CNPq, através do Edital CT-Saúde, 024/2004. Referências 1 - LITTMAN, M.; 1999, “Enhancing Instruction Through Virtual Reality”; Proceedings of the 13th International Conference on Technology and Education, Lousiana. 2 - PANTELIDIS, V.; 1995, VR in Schools, V. 1(1), pp. 9, June. 3 - STUART, R., 1996, The Design of Virtual Environments, McGraw-Hill. 4 - RIVA, G., BACHETTA, M.; BAFURRI, M.; MOLINARI, E.; 2000, “Virtual Reality Environment for Body Image Modification: A Multidimensional Therapy for the Treatement of Body Image in Obesity and Realated Pathologies, CyberPsychology & Behaviour 3(3), pp 421-432. 5 - NORTH, M.; NORTH, S.; COBLE, J.; 1997,”Virtual Reality Therapy: An Effective Treatment for Psychological Disorders”, Virtual Reality in Neuro-Psycho-Physiology; Ed. G.Riva, IOS Press, Holanda. 6 - STRICKLAND, D.; 1997, “Virtual Reality for the Treatment of Autism”; Virtual Reality in NeuroPsycho-Physiology; Ed. Giuseppe Riva, IOS Press. 7 - D., KARADANOS, G., SERETI, E.; MARTAKOS, D.; 2000, “Employing Virtual Reality for aiding the organization of autistic children behaviour in every day tasks”, The 3rd International conference on Disability, Virtual Reality and Associated technologies, Itália, 147-152. 8 CHRISTIANSEN, C.; ABREU; B.; OTTENBACHER, K.; HUFFMAN, K.; MASEL, B.; CULPPEPER, R.; 1998, “Task Performance in Virtual Environments used for Cognitive Rehabilitation after Traumatic Brain Injury”; Archives
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Stroke
Contato Laboratório de Neuropsicologia e Cognição- FM/UFRJHospital Universitário Clementino Fraga Filho -11º andar, Bl. F, s. 15- Av Brigadeiro Trompowsky, s/n, Cidade Universitária-Ilha do Fundão- 21941-590, Rio de Janeiro - RJ – Brasil. Tel: +(55 21)
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