Vale apostar na conciliação/mediação?

September 2, 2017 | Autor: F. Gajardoni | Categoria: Alternative Dispute Resolution (ADR), Conciliação, Mediação e Arbitragem, Mediação
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VALE APOSTAR NA CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO?

Fernando da Fonseca Gajardoni

Professor Doutor de Direito Processual Civil e Arbitragem da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP-USP). Doutor e Mestre em Direito
Processual pela USP (FD-USP). Juiz de Direito no Estado de São Paulo.



Sempre fui um real entusiasta da substituição da cultura da sentença
pela cultura da pacificação.

Em 2004 participei, com outros colegas, de um projeto piloto do TJSP e
do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), para
implantar, pioneiramente no Estado de São Paulo, um projeto de
gerenciamento de processos na justiça estadual de 1º grau (Processo CSM G-
37.979/04). Objetivava-se, entre outras coisas, fomentar a prática da
conciliação/mediação, estabelecendo que o magistrado, ao fazer o controle
das iniciais distribuídas, encaminhasse aqueles casos que, efetivamente,
vislumbrasse a possibilidade da autocomposição, para uma audiência
inaugural facultativa, realizada por um setor de mediação/conciliação da
unidade, composto não por juízes, mas sim por advogados voluntários,
psicólogos, assistentes sociais e estagiários. Obtido o acordo, o processo
acabava por ali mesmo. Infrutífero, o réu sabia que, a contar da audiência,
tinha o prazo de 15 (quinze) dias para contestar via advogado.

A experiência foi um sucesso total, com a celebração de acordo em
mais de 50% dos conflitos mediados/conciliados.[1] Avaliou-se que o êxito
do projeto se deveu aos seguintes fatores: 1º) a conciliação/mediação não
era obrigatória; 2º) a audiência só se realizava nos processos que os
direitos admitissem a autocomposição, mas desde que o magistrado
vislumbrasse, à luz da controvérsia e do comportamento das partes em casos
pretéritos semelhantes, a possibilidade de acordo (Tribunal Multi Portas);
3º) o ato era realizado por conciliadores/mediadores treinados/vocacionados
para a prática, e não pelos juízes (que podiam dedicar seu tempo às
decisões, sentenças, etc.); 4º) as audiências aconteciam rapidamente, em um
intervalo máximo de 90 dias da propositura da ação; e 5º) as audiências de
conciliação/mediação eram gratuitas e facultativas, podendo quaisquer das
partes, sem sanções, declinar o desinteresse na audiência ou não comparecer
ao ato designado.

O Novo CPC, de modo absolutamente correto, aposta muitas de suas
fichas na solução consensual dos conflitos. O texto base, aprovado no
Senado, usa as expressões "mediação" e "conciliação" ao menos 44 (quarenta
e quatro) vezes, colocando, entre as normas fundamentais do processo civil,
o dever do Estado de incentivar a solução consensual dos conflitos (art.
3º, §§ 2º e 3º do CPC/2015). Disciplina, ainda, a figura do
mediador/conciliador – profissional qualificado por prévio curso de
capacitação, recrutado por concurso público (cargo público) ou mediante
cadastramento junto ao Poder Judiciário (art. 167 do CPC/2014) –, que,
doravante, será remunerado conforme regramento a ser editado pelo
CNJ/Tribunais. E o mais importante: estabelece que nas ações de rito comum
(modelo procedimental que substituirá os ritos ordinário e sumário), o
juiz, logo ao despachar inicial, designará audiência de conciliação ou de
mediação, a ser conduzida, onde houver, necessariamente por conciliador ou
mediador.

Alguns fatores legislativos e materiais, contudo, podem comprometer a
eficácia desta audiência inaugural de conciliação/mediação, ou mesmo causar
perplexidade nas partes e procuradores.

De fato, a audiência de conciliação/mediação será quase obrigatória.
Só não será realizada se o direito em debate não admitir autocomposição, ou
se ambas as partes, expressamente, declinarem desinteresse (art. 331, § 5º,
do CPC/2015), vedado ao magistrado "dispensar" o ato, mesmo vislumbrando a
total improbabilidade do acordo.

Ora, um Código tão festejado por ser democrático e dar voz às partes,
contraditoriamente, não privilegia a vontade delas; não dispensa o ato, tal
como constava na versão do Senado, quando quaisquer das partes (e não
apenas ambas) declinarem desinteresse; não confia no juiz a aferição dos
casos em que a mediação/conciliação não tem a menor chance de frutificar.

A opção traz problemas práticos concretos: a) quebra-se aquilo que de
mais caro há nos métodos consensuais de solução de conflito, a autonomia da
vontade, lançada pelo próprio legislador como princípio da mediação (art.
166 CPC/2015); b) burocratiza-se a mediação/conciliação, obrigando todas as
partes, mesmo não querendo, a se submeter a ela, simplesmente porque uma
delas deseja; e c) dá azo a manobras processuais protelatórias, com um dos
demandados aceitando a audiência, apenas, para ganhar mais alguns meses de
tramitação processual, sem possiblidade de intervenção judicial para obstar
a manobra; e d) torna maior o custo do processo, pois além do pagamento
pelos serviços do mediador/conciliador, o demandado domiciliado em outra
localidade, praticamente em todas as ações, deverá se deslocar para a
audiência de mediação/conciliação no foro da propositura.

E tudo isso temperado pela cominação de que o não comparecimento
injustificado ao ato será considerado ato atentatório à dignidade da
justiça, sancionando-se o ausente com multa de até dois por cento da
vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da
União ou do Estado (art. 331, § 8º, CPC/2015).

Há, também, a questão do custo com a mediação/conciliação judicial,
atualmente prestada voluntariamente por abnegados profissionais.

Como não há almoço grátis, o Novo CPC estabelece que, ressalvada a
situação dos conciliadores/mediadores detentores de cargo público, os
demais receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada
pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo CNJ. Mas à exceção
dos beneficiários da Justiça Gratuita - cuja mediação/conciliação será
feita, graciosamente, por centros privados cadastrados ou
mediadores/conciliadores voluntários –, o Novo CPC não deixa claro quem
pagará por isto.

Pese a omissão do art. 84 do CPC/2015 (em enunciar a remuneração dos
mediadores/conciliadores como despesas processuais), cogita-se que quem
pagará pela mediação/conciliação sejam as partes, na forma do art. 82 do
CPC/2015 (o que tornará mais caro o ato de demandar). Se forem mesmo elas
como se cogita, só fará sentido o autor antecipar o pagamento se ele
desejar o ato; se não declinar, na inicial, desinteresse. Não havendo
interesse, competirá ao réu, caso também não manifeste desinteresse pelo
ato, antecipar o pagamento por ele, mesmo o processo tendo mal começado.
Realizada a audiência por ausência de declinação de quaisquer das partes,
se houver acordo, as partes deliberarão sobre as despesas processuais (art.
90, § 2º, CPC/2015). Não havendo, ao final o vencido pagará a despesa com a
mediação/conciliação (art. 82, § 2º, CPC/2015).

Ou seja, a impressão que se tem é que poucos vão querer antecipar o
custo da mediação/conciliação judicial, consequentemente, declinando
desinteresse no ato. Se quisessem, teriam pagado pela mediação/conciliação
extrajudicial. E a audiência inaugural de mediação/conciliação, de quase
obrigatória, somente acabaria por acontecer nos casos em que: a) as partes
se dispusessem antecipar o pagamento pelo ato; b) nos que MP, Defensoria
Pública e Fazendas fossem partes (já que não precisam antecipar pagamento –
art. 91 CPC/2015); e c) nos casos de partes beneficiárias da Justiça
Gratuita (onde o ato é "grátis").

Aliás, mesmo nos casos de gratuidade judiciária, o sucesso da
audiência inaugural de conciliação/mediação fica a depender da existência
de mediadores/conciliadores voluntários, ou câmaras privadas de mediação
cadastradas para prestar este serviço. Se não houver e o juiz tiver que
realizar audiência inaugural em todos os processos, será literalmente o
caos. Não só pelo atraso que isto representará no processamento dos feitos.
Mas também porque isto viola, expressamente, o princípio da
confidenciabilidade da mediação (art. 166 do CPC/2015).

Poderia se cogitar de o custeio dos honorários do mediador/conciliador
ser integralmente suportado pelos Tribunais, com verbas de seu orçamento.
Mas a opção, além de não estar clara no Novo CPC, esbarraria nas restrições
orçamentárias do Poder Judiciário, bem como levaria ao necessário aumento
das custas processuais. Certamente o Judiciário acabaria optando pelo
modelo de voluntariado que precariamente funciona atualmente.

Enfim, vale apostar na conciliação/mediação, tal como faz o Novo CPC.
Mas para ela funcionar a contento, indispensável que as partes sejam
deixadas livres para decidir pela participação ou não no ato; que haja
estrutura adequada nas unidades judiciais ou nos CEJUSCs, para que o
magistrado seja desonerado do encargo de presidir as audiências inaugurais
do rito comum (o que não é sequer recomendado tecnicamente); que o custeio
da mediação/conciliação seja repensado, melhor disciplinado, a fim de
remunerar adequadamente o profissional, mas sem inviabilizar a participação
das partes neste importante ato.

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[1] Tanto que o TJSP editou, logo ao fim do projeto piloto, e muito antes
da Resolução 125/2010 do CNJ (que trata da política nacional de resolução
adequada de conflitos pelo Poder Judiciário), os provimentos n. 893/2004 e
953/2005, autorizando a instalação dos setores de conciliação/mediação em
todas as Comarcas do Estado.
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