Vejo, logo escuto: A OSESP segundo Kiko Farkas

September 25, 2017 | Autor: Carla De Bona | Categoria: Graphic Design, Poster Design, Semiotica, Design gráfico, Semiotica Visual
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Vejo, logo escuto: A OSESP segundo Kiko Farkas Carla Marangoni De Bona1

Resumo: O presente trabalho analisa a construção do simulacro visual da Orquestra Sinfônica de São Paulo, depreendido da série de cartazes desenvolvida pelo designer Kiko Farkas para as apresentações da OSESP entre fevereiro e dezembro de 2003 e que compuseram também a exposição “Imagens da Música”, apresentada na VII Bienal de Design Gráfico em 2004. Tendo como moldura teórica a semiótica de origem francesa, buscam-se identificar as reiterações na dimensão plástica da imagem da orquestra enquanto destinadora, bem como iluminar a problemática da linguagem do design gráfico. Palavras-chave: semiótica, design gráfico, simulacro, cartazes.

Introdução No ano de 2003, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) passou por uma espécie de reformulação mercadológica. Buscando renovar o espírito e a identidade da orquestra e conquistar novos públicos, o maestro e diretor artístico John Neschling implementou estratégias que passaram pela renovação do repertório e também pela adequação do material gráfico de divulgação das apresentações da orquestra. Segundo o maestro, a nova identidade visual deveria traduzir a nova postura e o novo momento da OSESP. Para tal missão, foi encarregado o designer Kiko Farkas (Máquina Estúdio). Neschling (in Imagens da Música por Kiko Farkas, 2004), na primeira reunião com Farkas, justificou a escolha entre tantos outros estúdios pelo que havia visto do seu portfólio: cores e irreverência, num trabalho que guardava grande relação com aquilo que seria a própria proposta da Orquestra. Desta parceria entre o maestro e o designer foram desenvolvidos, entre fevereiro e dezembro de 2003, 67 cartazes para anunciar, a cada semana, na entrada da Sala São Paulo, os concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Além dos cartazes, todo o material gráfico da Orquestra – programa de concerto, anúncios e muitas peças menores – também foram criados por Farkas e sua equipe. Desse intenso trabalho, 50 cartazes tornaramse a exposição “Imagens da Música”, apresentada na VII Bienal de Design Gráfico em 2004 e, são eles, esses cartazes, corpus de análise deste artigo. Com a finalidade de investigar a construção da identidade da OSESP explorando sobretudo a dimensão plástica desses cartazes, tomam-se como base os estudos semióticos de tradição francesa. Em tal contexto, o pressuposto estruturalista parte da noção de texto, o todo de sentido, dentro do qual uma estrutura (sintaxe) se manifesta em qualquer objeto e assim operacionaliza sua dimensão semântica. A palavra texto extrapola a condição restritiva dos estudos linguísticos. “Um ritual, uma peça de teatro, um número de balé, uma pintura, entre tantas outras manifestações de linguagem, podem ser considerados textos, ou seja, discursos enunciados.” (Ramalho, 2005, p. 46). 1

Carla Marangoni De Bona é técnica em design pela SATC (2002), bacharel em design gráfico pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2008) e mestre em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012). Tem experiência profissional em design gráfico e webdesign.

Figura 1 – 50 Cartazes criados para OSESP – Apresentados aqui seguindo a ordem sequencial do catálogo [in Imagens da Música por Kiko Farkas, 2004]

É este pressuposto que permite que os objetos do design, nesse caso, os cartazes, possam ser tomados como um todo de sentido, já que estão acabados, completos, finalizados, enfim, são discursos formalizados e que podem ser apreendidos como um texto. Nos textos visuais, como é o caso do design gráfico, a dimensão de sua manifestação (seu plano de expressão) é campo particularmente rico para a investigação semiótica, já que o conteúdo se dá através e somente através das relações entre os elementos básicos da visualidade. Hjelmelsev, ao desenvolver a proposição de Saussure sobre a linguagem, aponta para esta relação: A função semiótica é, em si mesma, uma solidariedade: expressão e conteúdo são solidários e um pressupõe necessariamente o outro. Uma expressão só é expressão porque é a expressão de um conteúdo, e um conteúdo só é conteúdo porque é conteúdo de uma expressão. Do mesmo modo, é impossível existir (...) um conteúdo sem expressão e uma expressão sem conteúdo (Hjelmelsev, 1961, p.54).

Como se pode observar, é necessário, no momento da análise, reconhecer os elementos constituintes da manifestação visual que são recorrentes e se articulam no plano de expressão, pois o plano da expressão conforma o plano do conteúdo e vice-versa. Essa conformidade entre significante/significado é indicativa das seleções e combinações feitas pelo designer e revela os inúmeros sentidos do texto.

Um modelo para ver imagens Em se tratando de método de análise, o escolhido foi o modelo fundado na matriz Greimasiana: a semiótica plástica. O propósito de analisar o universo das imagens por meio dessa linha é esclarecer os mecanismos de linguagem operados, tendo assumido que o texto

vai além do que o conteúdo apresenta, pois adentramos nos domínios labirínticos de sua forma de expressão onde os elementos constituintes se articulam, enunciando os significados. Segundo Ramalho, a investigação ocorre da seguinte forma: Para penetrar na complexidade da imagem, com vistas a uma leitura que contemple o seu todo, ou para que se perceba integralmente seu plano de expressão, ou seja, tudo aquilo que é perceptível ao olhar, é necessário vasculhar o texto, inicialmente tentando definir a linha ou as linhas que determinam a macro estrutura da imagem visual, também chamada de estrutura básica. (...) É uma diagonal? É um eixo vertical? Diagonais que se cruzam, horizontais paralelas, figuras geométricas, ângulos ou um ponto central? Estas são as primeiras indagações que uma imagem deve suscitar (Ramalho, 2006, p.49).

Determinada a estrutura básica, parte-se em busca de identificar as minúcias, ou seja, a os elementos constitutivos, aqueles que Dondis (1997) determina como elementos básicos da linguagem visual: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o movimento. Por poucos que sejam, são a matéria-prima de toda informação visual em termos de opções e combinações seletivas, e a identificação dos mesmos será fundamental no jogo de decodificação dos significados. Apontados os elementos constitutivos, parte-se, então, em busca das relações que existem entre eles. Nessa parte do processo de análise, a leitura passa a ser um processamento de relações, em que os significados se desvelam através dos procedimentos relacionais dos arranjos adotados pelo sujeito criador. Enfim, deve-se questionar como estão organizados os elementos no texto. “Os arranjos do plano de expressão são uma condição indispensável para podermos avaliar as ordenações de cores, de tessituras, de acentuações, de ritmos visuais etc. e assim compreendermos a teia de significados no plano de conteúdo.” (Ramalho, 2006, p.51).

A escolha “inocente” Dos cinquenta cartazes da coleção, foram escolhidas apenas oito peças para análise. Entretanto, cabe salientar que foram escolhidas as peças que pudessem ser tomadas como parte representativa do todo, já que desse modo a análise cobriria metonimicamente todo o sistema. Cabe ressaltar ainda que, se por ventura as 50 análises fossem feitas, depois de certo ponto elas tornar-se-iam repetitivas e extenuantes. Para evitar tal desconforto e garantir ainda a legitimidade da metodologia, foram identificados cartazes que pertencem ao mesmo núcleo compositivo, ou seja, imagens que partem de elementos formais similares. Desta forma, as peças foram agrupadas em famílias, com intuito de facilitar o processo de análise dos cartazes. Em alguns conjuntos, como se pode verificar no esquema a seguir, são bem claros os elementos que os unem. Em outros, as ligações são mais sutis. Restam, ainda, os cartazes que caberiam em mais de uma família, ou em nenhuma, que juntos formam o que aqui vai se intitular a “anti-família”. Essa família, ou melhor, anti-família, é caracterizada pela individualidade de cada cartaz, como se cada peça tivesse uma identidade exclusiva. O que significa que esses cartazes, na verdade, não estão agrupados pelo critério da semelhança, como todas as outras famílias; aqui, o critério é a diferença.

Figura 2 – Cartazes agrupados em famílias

Por fim, com as famílias definidas, escolheu-se um cartaz de cada uma, com exceção da anti-família. O critério de seleção se deu pelo destaque que a peça tinha no seu próprio grupo, além da preocupação de formar um grupo que fosse a representação da série como um todo. Na figura, apresentada a seguir, encontram-se os cartazes a serem analisados.

Figura 3 – Cartazes selecionados

Cartaz 1 Na leitura visual deste cartaz, observam-se alguns aspectos que se sobressaem de imediato na estrutura compositiva dessa imagem: um grafismo que se insinua verticalmente em contraponto com sua base de apoio horizontal e, ainda, uma organização praticamente simétrica, não fosse a presença do slogan no lado direito. O slogan, por sua vez, provoca uma ligeira instabilidade visual que instiga, surpreende e chama a atenção do observador. A imagem se decompõe em cinco unidades principais. O fundo, totalmente chapado e na cor vermelha, é de fácil identificação, exceto quando entra em contato com a unidade central, o emaranhado de linhas. Estes formantes eidéticos ordenam-se com precisão geométrica na mesma medida em que adquirem grande espontaneidade a partir do eixo vertical central da composição. Em grupo, compõem três faixas constituídas por inúmeras linhas equidistantes: a faixa na cor magenta com as linhas de espessura mais fina, a faixa na cor laranja com as linhas de espessura mais grossa e a faixa na cor amarela com linhas de espessura média em relação às anteriores. O contato entre figura e fundo é bastante indistinto pela combinação de cores muito próximas na paleta cromática – são todas quentes e saturadas (vermelho, magenta, laranja e amarelo). Além disso, as inúmeras linhas equidistantes e também a estrutura formal das unidades reforçam essa ilusão, a de que as três faixas se entrelaçam e se misturam com o fundo. Vale ressaltar que isso é mera ilusão ótica. As faixas não estão entrelaçadas, mas colocadas umas sobre as outras, sendo a magenta em primeiro plano, a laranja em segundo e a amarela no último plano. Ainda sobre as três faixas, cabe dizer que elas se iniciam na linha horizontal inferior e crescem infinitamente, extrapolando a moldura do cartaz. Aliás, no ponto onde a figura extrapola a imagem, se vê, com certa dificuldade, a marca da OSESP, já que a mesma não possui forte pregnância visual. A linha horizontal de base dá suporte para a marca “Sala São Paulo”2, esta sobreposta ao emaranhado de linhas. A marca é relativamente pequena em proporção à área do cartaz, mas como tem boa pregnância da forma e se apresenta na cor preta, o que caracteriza uma relação de contraste com o resto do cartaz, acaba se tornando um ponto visual de destaque no todo. Da linha horizontal que se faz base ao emaranhado de linhas e à marca “Sala São Paulo”, vê-se uma caixa em formato retangular com as marcas dos patrocinadores e apoiadores. As marcas aparecem em branco e a caixa num tom de vermelho levemente mais escuro do que o vermelho do fundo. Por fim, a última unidade aqui descrita é o slogan “pode aplaudir que a orquestra é sua”, localizado no lado direito e praticamente centralizado em relação ao eixo vertical. Além de ser na cor preta, a tipografia usada é condensada e em negrito. Isso já lhe confere um peso natural, mas o autor do cartaz ainda reforça seu o destaque visual quebrando o texto em cinco linhas e criando uma forma gráfica mais concentrada. A interação encontrada nesta imagem não nos leva a deslumbrar a majestosa estrutura da OSESP, mas o que ela nos faz sentir. A casa da OSESP está lá, presente, sobre um horizonte claramente perceptível. Tem-se um horizonte, logo também se tem um “céu”, céu esse que extrapola a moldura na sua imensidão. Nesse céu, encontra-se a música da OSESP, imponente por si só, o que a levou a extrapolar o espaço da sua própria “casa”, a Sala São Paulo. A música, aqui, toma o cartaz. A sala São Paulo ficou pequena para comportar a força e a vivacidade da OSESP, a linguagem deixa de se restringir ao público decano, não resta outro caminho a não ser tomar o “céu” e apresentar a sua música para todos. Não é à toa que o slogan diz: “Pode aplaudir que a orquestra é sua”.

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Sala São Paulo é sede da Orquestra Sinfônica de São Paulo, o local onde acontecem as apresentações.

O cartaz “toca” para o observador, a música entra pelos olhos num conjunto de três tons diferentes, entretanto numa mesma harmonia. O conjunto nas suas particularidades é equilibrado e possui ritmos declarados. Ora uma unidade “toca” sozinha, ora as unidades “tocam” em conjunto. Na regularidade curiosa das linhas (meticulosamente dispostas), uma grande figura entrelaçada se constrói e se ergue, diáfana como uma bailarina que rodopia esfuziante e extrapola os limites da página. A composição geométrica ganha movimento, calor e vida, e ascendente, contínua ao infinito, rompendo o limite da topologia proposta pelo formato padrão do cartaz.

Cartaz 2 Este cartaz, em que predominam linhas orgânicas e contínuas, é uma das poucas imagens dessa coleção com alguma figuratividade. Não é uma representação fiel da realidade, entretanto é um dos poucos cartazes nos quais é explícito o desejo de “figurar” alguma coisa. A estrutura compositiva da obra se dá através do desenho de linhas, o eixo vertical se apresenta inclinado, assim como também a direção de composição das caixas de textos informativos. Isso nos dá duas retas paralelas, uma maior e a outra menor, além da linha de base horizontal que sustenta a figura. Suas unidades formais se dividem em seis partes. Dessas seis unidades, vamos nos deter nas três principais: figura, fundo e textos informativos. Isto porque as unidades 3, 4 e 5 seguem a mesma estrutura da análise anterior, e descrevê-las novamente significaria criar um texto demasiadamente enfadonho, sem acréscimos significativos ao leitor. A figura é o elemento mais significativo desta imagem e ocupa praticamente todo o espaço do cartaz. É composta por linhas de espessura finas, com insinuações de continuidade e na cor preta. Cabe salientar a sensação de segurança no traço, reiterada pelos contornos firmes e contínuos, executado com grande precisão, tal qual o deslizar exato e infalível do arco sobre as cordas. Remete também à ideia de desenho rápido, de um esboço, como se o autor estivesse captando o momento vivenciado, reproduzindo com grande espontaneidade e firmeza o balé do corpo-instrumento. Consegue-se identificar, primeiramente, o instrumento musical e, ainda, afirmar com veracidade que é um violoncelo. Isso ocorre porque os arranjos das linhas indicam que é um instrumento de cordas da família do violão, baixo, violino, violoncelo, cavaquinho etc. Em segundo lugar, e o que realmente nos dá a entender que é um violoncelo, é a proporção do instrumento em relação à representação da figura humana do cartaz, tendo, inclusive, o desenho do espigão (espigão é a haste de metal na extremidade do instrumento que serve para apoiá-lo no chão devido ao seu tamanho vultoso). Se, para afirmar que o instrumento musical é um violoncelo, foi usado o instrumentista que está em relação com o objeto, cabe agora descrevê-lo. A imagem humana não é exatamente fiel à representação real, porém existe uma proporção muito próxima da realidade, e através dessa proporção consegue-se identificar a estrutura de braços que envolvem o instrumento, pernas que sustentam o corpo e um rosto de perfil. Os traços delicados trazem à tona uma imagem ambígua, não se consegue afirmar se quem toca o violoncelo é um homem ou uma mulher, o que se pode afirmar é que há traços de feminilidade, não só na face da figura humana, mas em toda a imagem (como o cabelo alongado e o sapato que parece ser de salto). Ainda sobre a figura humana e sua relação com o instrumento musical, verifica-se que o violoncelo se destaca minimamente através do excesso de linhas que o contornam, porém o que se vê através da continuidade das linhas é que o violoncelo e a pessoa são “uma coisa só”. Essa ocorrência visual também deixa clara a existência dos dois. Sem esse recurso

formal, provavelmente seria mais difícil visualizar a figuratividade desse cartaz e, possivelmente, ele se enquadraria nas imagens abstratas. Por fim, pode-se afirmar ainda que o violoncelo está realmente emitindo sons, pois existe um movimento de linhas que vão e vêm, repetidamente, no lugar da boca do instrumento, onde usualmente se vê a movimentação do arco que o instrumentista usa para tocar as cordas quando está executando alguma música. Prosseguindo, o fundo do cartaz é totalmente chapado e na cor roxa e o roxo também está presente na figura. Aliás, a imagem inteira é tomada por essa cor, como se o fundo tivesse invadido a figura. A onipresença dessa cor em todo o cartaz transmite a sensação de algo forte, que se apossou do todo, em contraponto com a delicadeza e suavidade das linhas da figura. Essa cor só encontra proximidade de força nas linhas específicas que indicam que se está tocando o violoncelo. Ainda nos resta descrever a unidade dos textos informativos, que devem todo o seu destaque visual para a cor branca, em alto-contraste com o fundo. Sem isso, esses textos seriam praticamente imperceptíveis, já que as massas textuais apresentadas são relativamente muito pequenas proporcionalmente à área do cartaz. Enfim, o que esse cartaz quer significar? Por que trazer a figura única de uma parte da orquestra? O que se capta é que, mais uma vez, a música da orquestra extrapola o limite da Sala São Paulo. A orquestra não está somente lá dentro, ela, agora, ocupa um lugar de destaque na sociedade. E por falar em destaque, temos, aqui, um solista. Existe a nítida impressão de que o autor registrou esse momento da orquestra, como se fosse uma fotografia: a música ficou em suspensão nas linhas de vai e vem do cartaz, lembrando também o gestual do próprio maestro, que desenha no ar, em gestos absolutamente hipnóticos, uma imagem da música. Pode-se sentir a paixão e a intensidade das notas que ficaram presentes nesta imagem; é o momento da apresentação em que as luzes se direcionam ao solista que, naquela circunstância, representa a orquestra como um todo. É como se a moldura, os limites topológicos do cartaz, reproduzissem uma “bolha” de concentração e entrega na qual o instrumentista se insere para conseguir a máxima confluência entre ele e o instrumento. Não se sabe ao certo o que é um e o que é o outro, entretanto o que se pode afirmar é a parceria e a harmonia entre os dois e que essa parceria e essa harmonia é que fazem daquele “único” o todo da orquestra.

Cartaz 3 Nesta imagem, pode-se apreciar a ordem e a regularidade absolutamente equacionadas numa imagem rigidamente simétrica, desconsiderando, é claro, as marcas e o texto. O eixo compositivo, na verdade, é um circulo com vários raios em diversas direções de peso visual similar. Para efeitos de análise se separa a imagem em seis unidades básicas: o fundo branco, a marca da OSESP, a marca da Sala São Paulo, o texto informativo, a caixa cinza, o círculo preto e suas unidades menores. O foco principal da análise é, sem sombra de dúvida, o conjunto da figura. As descrições de algumas unidades específicas serão ocultadas por não se fazerem necessárias. Neste cartaz, a figura é o elemento de destaque e a composição se apresenta através de um círculo preto completamente chapado. Sobre ela existem inúmeras circunferências concêntricas, ou seja, dois círculos distintos que usam o mesmo centro. Esses conjuntos circulares, por sua vez, arranjam-se sobre os raios do círculo maior, dando a ideia de uma

mandala3. Olhando a partir do centro do círculo preto, percebe-se que os conjuntos de círculos concêntricos são equidistantes. Em cada raio há um conjunto de círculos, que, num ritmo cadenciado de seis círculos por fração, vão crescendo gradativamente à medida que se aproximam do contorno do círculo. Essa estrutura se repete por todos os raios “visíveis”. Ainda sobre a estrutura: percebe-se que o “círculo-mãe” abarca dentro dele inúmeras cores e combinações, tornando praticamente impossível a descrição de todas elas. Por causa disso, pode-se afirmar que há, nos círculos concêntricos, uma quebra de padrão visual, ou seja, o que se dá na realidade é um padrão desigual de cores e combinações. O padrão se arranja através de cores vivas e cores neutras. Entretanto, devido aos arranjos das cores, as neutras praticamente passam despercebidas. O que se vê são cores vibrantes e saturadas. O arranjo das cores e a disposição repetida dos círculos concêntricos criam uma ilusão ótica de movimento. A imagem parece vibrar como se fosse um conjunto de luzes que piscam num contínuo movimento de repetição, lembrando as imagens da op art4. Em oposição declarada temos o fundo, totalmente branco. Enquanto o fundo silencia, a figura vibra. Por fim, as marcas e os textos quase passam em “silêncio”, não fosse pela escolha do autor de alinhá-las por uma linha invisível (à esquerda) das próprias manchas. Esse fato desequilibra o eixo simétrico da imagem, o que faz com que essas manchas efetivamente se apresentem, em segundo plano, aos olhos do observador. Caso elas seguissem rigidamente a simetria proposta na imagem como um todo, provavelmente a informação não seria vista, ou seja, o designer mostra sua ampla compreensão sobre a sintaxe da linguagem visual e bom uso que faz dela. Nada é por acaso nesses cartazes. Resta assumir que a imagem pulsa. Dentre todos os cartazes, talvez seja este o que de maneira mais motivada recupera a noção espacial e física da música. Apresenta tudo aquilo que remete a linguagem em paralelo: método, repetição, projeção, ondulação, rigidez, concentração, expansão, regularidade, pausa, clareza, simplicidade, e, contradizendo, complexidade, sutileza, sequencialidade, ritmo etc. Ao mesmo tempo, apresenta uma espontaneidade sutil, uma energia que vibra, centrífuga, expandindo-se e abarcando o todo, e que volta num processo de contração até o início central, e, no centro, restaura a energia para voltar a expandi-la. Tudo nesta imagem é contínuo, é pulsante, é ritmo. A exposição plástica da energia vital da orquestra está nessa representação de continuidade, de renovação constante. Não por acaso está num formato de mandala. A orquestra se apresenta como algo iluminado que se conecta ao divino através da música que produz.

Cartaz 4 Esta composição, que reúne vários objetos situados dentro de um plano aberto, apresenta como pontos de interesse três unidades interatuantes, que são: as duas marcas, 3

Mandala é uma palavra sânscrita, que significa círculo. Mandala também possui outros significados, como círculo mágico ou concentração de energia. Universalmente a mandala é o símbolo da totalidade, da integração e da harmonia. [Disponível em http://www.mundodasmandalas.com/html/pagina_o_que_e.html. Acesso em 02/10/2008.]

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A arte op, ou “ótica”, foi desenvolvida em meados dos anos sessenta pela pintora inglesa Bridget Riley, pelo franco-húngaro Victor Vasarély e pelos americanos Richard Anuszkiewicz e Lawrence Poons. Esse estilo combina cor e motivos abstratos para produzir ilusões óticas de movimentos pulsantes. (STRICKLAND, 2004, p. 176)

respectivamente a da OSESP e a da Sala São Paulo, que se posicionam nas extremidades da moldura superior e da moldura inferior e também são centralizadas em relação ao eixo horizontal; e o texto informativo, que se posiciona à esquerda e praticamente centralizado em relação ao eixo vertical. As marcas e o texto se apresentam como três pontos distintos, que conectados formam um triângulo irregular. Das unidades compositivas resta, ainda, citar o fundo, que só aparece efetivamente no canto superior, e por isso se sabe que ele é cinza e chapado. A figura é composta por um emaranhado de planos azuis, transparentes, sobrepostos, e, por último, temos a caixa preta, onde se apresentam as marcas dos patrocinadores, além de ser o horizonte da marca da OSESP como em todos os outros cartazes já analisados. Assim como na primeira peça analisada, a figura deste cartaz o extrapola, dando a ideia de que essa composição continua moldura afora. Trata-se de uma organização visual onde imperam os fatores de irregularidade, fragmentação e desordem. Sua estrutura possui várias unidades formais criadas através da sobreposição de planos transparentes, assim há uma fragmentação dos planos em diversos polígonos irregulares. Mesmo com as semelhanças nas estruturas compositivas, o aspecto formal da figura é caótico e confuso, o que é reiterado pela profusão das linhas, que por sua vez, apresentam-se desalinhadas e descontínuas, dando a sensação de que cada uma se direciona para pontos diferentes. Tal qual um grande vitral estilhaçado, a imagem surge como um ruído, intensa e quase aterrorizante, de maneira abrupta e extremamente incerta. Entretanto, interfere nesta desarmonia a rigidez do formante cromático, criando uma favorável harmonia visual. Todos os tons de azuis derivam do azul mais claro do cartaz. Os níveis mais escuros e profundos surgem da sobreposição dos planos azuis transparentes. Aliás, é devido a essa transparência que se consegue o jogral de azuis. Cabe ainda ressaltar a existência de um degradê de azuis que vai do mais escuro ao mais claro (azul original). Esse degradê demonstra que os planos não foram colocados ali aleatoriamente, na verdade estão dispostos de tal forma para que os tons mais escuros ficassem na parte inferior do cartaz e, à medida que a figura ficasse mais próxima da moldura superior, os tons ficassem gradativamente mais claros, chegando ao tom de azul original (que também indica a extremidade da figura, como se, quando se alcançasse este azul, a figura terminasse). Por fim, cabe tecer alguns comentários específicos das unidades. Na logo da OSESP, verifica-se algo incomum no mundo do design gráfico: a figura poligonal invade o canto inferior esquerdo da marca, não respeitando a área de respiro da mesma. Esse fato evidencia a importância da estética dos cartazes, tudo, sempre, está em função da reiteração das imagens da música que o designer criou. A caixa de texto possui ritmo determinado pela variação do peso visual das fontes usadas, além de se destacar através do contraste com a figura, não por acaso o texto informativo é branco e se sobrepõe em uma parte escura. Mais uma vez as marcas dos patrocinadores, os textos, as marcas da orquestra sedem destaque visual para a figura e, assim, apresentam-se relativamente pequenas proporcionalmente à área do cartaz. Diferente de todas as outras imagens analisadas até agora, esta está envolvida por uma aura de mistério, as evidências dos efeitos de sentido estão todas ali, num jogo que mostra e esconde ao mesmo tempo, aguardando o observador para desvelá-las. As cores passam por vários tons de azuis, mas nenhum é claro e suave. Todos são escuros, num uníssono de características melancólicas, e quanto mais se aprofunda no cartaz, mais denso e melancólico tende a ficar a percepção. Isso ainda é reiterado pela conjectura do degradê que, como já foi dito, quanto mais próximo da moldura inferior, mais escuro fica. As

cores possuem uma frequência baixa na escala tonal, evitando cores dissonantes e vivas, a estrutura cromática é repetitiva, reforçando por todos os lados a sensação de “blues”5. Além disso, as estruturas formais trazem um grafismo que remete a algo em pedaços, a estar em pedaços, reforçando essa aura melancólica. Realmente pode se afirmar com consistência a presença de várias unidades (pedaços) na imagem, entretanto se percebe que esses fragmentos fazem parte de um todo bem definido. As partes são diferentes e possuem cada uma suas particularidades, porém, essas particularidades não se sobressaem ao ponto de ser uma anomalia no conjunto, há uma harmonia entre as peças. Poderia se afirmar isto da orquestra: um conjunto de pessoas, com vidas diferentes, instrumentos diferentes e ideais diferentes, mas que quando tocam, atuam juntas e coexistem, sem destaques para as diferenças. A orquestra é um conjunto. O autor trama uma imagem que mostra que a Orquestra vai além de si mesma (expandindo-se no cartaz) e busca nas relações humanas os elementos que vão compor suas músicas, ora alegres, por vezes tristes.

Cartaz 5 Na leitura visual deste cartaz há uma profusão de elementos que abarrota a composição. O excesso de elementos é tão grande que um se sobrepõe ao outro, numa estrutura visual complexa e aleatória. Assim, o destaque estrutural acaba ficando para os textos, pois se diferenciam de todo o resto. Contudo, verifica-se que a estrutura compositiva da imagem se dá através das inúmeras formas circulares dispersas por toda a área do cartaz. Esta é mais uma das imagens que extrapolam os limites da moldura, como se essa composição fosse apenas um recorte de um todo maior. Dada a estrutura, foca-se o olhar no elemento que compõe todos os arranjos existentes nesta imagem. O que se percebe é o que o elemento é figurativo e se faz mostrar através da figura amarela, e por isso podemos afirmar que o elemento é uma “borboleta”, ou melhor, a representação simplificada da mesma. Apresentar primeiramente a estrutura compositiva antes do elemento figurativo ressalta que o significado da imagem está na representação e não na coisa em si (no caso, a borboleta). Aliás, o próprio Farkas cria várias tramas com o elemento figurativo até o ponto em que ele perde a figuração, tornando-se qualquer outra coisa que não mais a representação da borboleta. Contudo, dos inúmeros paradigmas disponíveis, o autor escolheu a borboleta, e não um beija-flor, por exemplo. Isso quer dizer que a figura da borboleta também produz sentido. Há nesta imagem diversas relações de dualidade. A primeira se estabelece através da própria estrutura compositiva. Existe uma sequencialidade estabelecida em cada forma circular, entretanto o modo como essas formas estão dispostas dá a impressão de espontaneidade. Como se existisse uma ordem desordenada, ou uma desordem ordenada. Seria um indício da teoria do caos? Os movimentos caóticos, quando são analisados através de gráficos, passam de aleatórios para padronizados. Depois de uma série de marcações das

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Blues: n pl Am. Mús. "blues": 1 canção melancólica de origem negra. 2 (com the ) estado de tristeza, melancolia. [in MICHAELIS]

análises do gráfico, o mesmo passa ter o formato de borboleta. Gráfico esse conhecido por Atractor de Lorenz6. A borboleta se repete por todo o cartaz, alias é ela o elemento base para todas as estruturas formais da imagem, com exceção dos textos e marcas. Ao investigar as minúcias desta peça gráfica, consegue-se encontrar diversas borboletas solitárias, porém a que mais se destaca devido às suas proporções exageradas e sua cor vibrante, e pelo fato de ser opaca, e não transparente, é a borboleta amarela, que está levemente deslocada para a esquerda em relação ao ponto central do cartaz. Em oposição às borboletas solitárias, existem os diversos agrupamentos de borboletas, que constroem formas circulares de inúmeros tamanhos. Percebe-se que em todas essas formas, as borboletas aparecem equidistantes uma das outras. Outro item de destaque nesta composição é a existência de sobreposições e transparências por todos os lados. Essa profusão de elementos gera uma complexidade visual que faz com que não se veja o fundo da imagem, tem-se a ilusão de que existem borboletas cobrindo todo o cartaz. Num segundo olhar mais atento, descobre-se o fundo na cor preta, que é mais visível no canto superior e pontualmente em algumas áreas da imagem. O fundo preto ressalta o contraste entre as inúmeras cores fortes, saturadas, que vibram o tempo todo, dando dinamismo à imagem, como se houvesse um movimento constante de idas e vindas. Esse movimento contínuo transpõe as cores e alcança, inclusive, as estruturas circulares, que ora parecem se aproximar, ora parecem se distanciar. Aliás, essa sensação de movimento, o excesso de cores e as inúmeras formas que se apresentam no cartaz remetem à ideia de um caleidoscópio, como se houvesse um aparelho desse tipo gerando as combinações das borboletas. Neste cartaz, a marca Sala São Paulo não se apresenta mais sobre o horizonte, mas junto com as outras marcas, próxima à moldura inferior. Todas as marcas praticamente são invisíveis neste cartaz. O que realmente se vê são cores, círculos e borboletas. Os textos se destacam levemente através do contraste de cores, mas, na verdade, ressalta-se efetivamente porque suas estruturas se diferenciam do todo, sendo contrastantes também no aspecto da forma. O texto que mais se evidência é o da “Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo” pela sua horizontalidade, pois é um arranjo formal praticamente inexistente no todo, além de estar sobre um dos pontos de destaque do cartaz, a borboleta amarela. As borboletas (pelas características de seus movimentos e por suas formas) denotam delicadeza e suavidade, e essas características ainda se reforçam através das transparências presentes na imagem. Além disso, a borboleta traz consigo o significado da transformação, de algo que é “feio” para algo que é “belo”. Não seria essa a trajetória da OSESP? Uma orquestra que passou por anos de silêncio e que hoje se apresenta renascida pela sua bela música e boas iniciativas? Além disso, outro aspecto formal chama atenção. Na distribuição, ora ordenada, ora caótica, das borboletas, que aparecem tanto solitárias quanto em pequenas revoadas 6

As equações de Lorenz foram introduzidas, em 1963, como um modelo simples do movimento convectivo nas camadas superiores da atmosfera. Lorenz descobriu que, para certos valores dos parâmetros ró, beta e sigma, o sistema nunca tende para um comportamento previsível a longo prazo e que, por essa razão, não é possível também fazer previsões do tempo meteorológico a longo prazo. Trata-se de um sistema caótico e a mais ínfima variação nas condições iniciais pode produzir comportamentos a longo prazo muito diferentes. Por isso, pode-se dizer, por exemplo, que o bater de asas de uma borboleta no Porto pode acabar por influenciar o aparecimento de um tufão em Macau. [Disponível em http://tocampos.planetaclix.pt/fractal/lorenz.html. Acesso em 10/11/2008]

centrífugas, esse cartaz reverbera a complexidade de papéis e relações dentro do conjunto de que busca falar. Isso porque mesmo com elementos isolados, esses elementos só se destacam na possibilidade de serem percebidos como alinhados a outros. Sem as relações que existem entre os elementos, a imagem não capitalizaria a beleza da fragmentação, e é por isso que o conjunto é tão rico. A orquestra no seu íntimo é um conjunto, aliás, um conjunto de inúmeras pessoas, não só os músicos, mas todas as pessoas que estão por trás da magia que ela cria quando se apresenta. O figurino tem que estar impecável, a luz tem que estar em harmonia com a música, os instrumentos têm que estar afinados. Em outras palavras, para cada setor existem pessoas responsáveis. A orquestra não é só um conjunto de músicos, mas um conjunto de pessoas que fazem o todo da orquestra funcionar. Neschling, o maestro e diretor artístico, talvez seja a pessoa que mais se destaque na orquestra. Mas o destaque dele só existe porque há um todo de partes interatuantes para fazer a máquina (neste caso, a orquestra) funcionar. Por fim, vale destacar as inúmeras qualidades que esse cartaz tem: a multiplicidade, a vibração, a alegria, o movimento, a vida, a transformação, as conexões etc., e como se estivesse ali para dizer a quem pertencem essas qualidades, o texto central: “Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo”.

Cartaz 6 Diferente da imagem anterior, este cartaz está mais para o minimalismo do que para o romantismo das borboletas. A imagem basicamente é estruturada por um fundo totalmente branco e uma pincelada de tinta preta, posicionada no limite, do lado esquerdo da página, tanto que a mancha gráfica é cortada pela moldura. O cartaz pode ser separado em cinco unidades principais: o fundo e a pincelada, já citados; o texto informativo com características similares às dos cartazes anteriores; o texto-destaque colorido e posicionado sobre a pincelada; e as marcas dos apoiadores, organizadores e patrocinadores. A novidade nesse cartaz é que, pela primeira vez, o texto-destaque é tratado como elemento formal, gerando um grafismo. Isso quer dizer que a informação verbal fica em segundo plano. Não se consegue identificar ao certo o que está escrito, mesmo porque algumas palavras estão cortadas. Há um movimento implícito, como se os textos estivessem adentrando a imagem da esquerda para direita. O colorido da imagem se condensa todo na tipografia, são cores dessaturadas. Isso fez com que as cores ficassem mais frias, distanciando-as do espectador e tirando o poder de destaque que o grafismo possuía formalmente. O texto informativo parece se desenrolar da palavra São Paulo, como se ele caísse gradativamente até terminar de se montar. Esse tipo de texto dos cartazes é ritmado pela diferença entre a variação do peso visual das fontes usadas e também tenta não aparecer, porém neste cartaz ele é de fácil identificação e um dos pontos de destaque, já que existem poucos elementos para tomar olhar. A figura e o fundo estão em relação declarada: um não seria o que é sem o outro. Eles se completam. O equilíbrio visual reside numa delicada composição, em que o branco se expande pela área do cartaz e o preto se contrai numa área relativamente pequena. Como se diz popularmente, é preto no branco. Esse contraste entre a presença e ausência de luz nos remete à dualidade: yin e yang, bom e mal, paz e guerra, etc.

Ainda sobre a figura, há uma textura sutil que nos faz declará-la uma pincelada. Na verdade, há duas pinceladas: uma na horizontal e outra na vertical. Através dessa colocação, pode-se afirmar também que a figura foi cortada, que havia uma continuidade de desenho para a esquerda, ou seja, esse cartaz é um fragmento de algo maior. O que nos remete ao mistério e à dúvida: o que mais haveria com essa pincelada? Além disso, a própria conformação topológica da composição, seu enquadramento e a disposição dos elementos em relação aos limites da página sugerem uma espontaneidade extremamente expressionista, quase num flagrante de fugidio da expressão gestual de uma pincelada raivosa. O gesto abrupto, que na orquestra encontra lugar nas mãos do maestro, na ressonância da percussão, no martelar do piano e em todo o conjunto das cordas, parece metonímia da própria relação do artista com seu canvas, sua área de trabalho, que acaba impressionado e marcado por tamanha veemência. Observando as cores, percebemos uma oposição: o clássico se apresenta na combinação do preto e branco sendo quebrado pela escolha do autor por cores que, mesmo esmaecidas, inserem na composição um espírito jovial. Não seria essa a OSESP? Que possui uma estrutura clássica, uma música conhecida por erudita, o que leva a concebê-la como algo “careta”? Entretanto o espírito da OSESP é jovem, jovem pelo pouco tempo de vida depois do seu ressurgimento, jovem pelas ações da desmistificação da música erudita, jovem por buscar transgredir normas, jovem por buscar público além do decano. Além disso, essa composição é ousada. O equilíbrio visual se dá no limite, é uma composição espirituosa. Uma composição que na sua ousadia mostra a face contemporânea da orquestra.

Cartaz 7 A primeira coisa que se vê nesta imagem é a variedade de elementos que compõem a peça. Não há nenhum ponto de destaque evidente, os olhos ficam caminhando pela imagem em busca de um ponto de repouso. Nesta busca por repouso, descobrem-se três pontos focais de interesse, mas mesmo assim não se define em qual dos três há mais pregnância. Do lado esquerdo se apresentam duas destas unidades. A primeira é a letra “M” em caixa alta. Esse “M” tem companhia de outros “Ms” menores que, juntos, criam um caminho pela imagem. O ponto inicial é o “M”, em destaque, na cor preta. Logo após colocar-se o olhar nele, vê-se o “M” laranja, vibrando e desvelando todos os outros “Ms” e, assim, desvelando também o caminho existente. Além disso, os “Ms” parecem estar flutuando, isto é, demonstrado pela rotação de cada um, reforçam a ideia de movimento, como se estivessem dançando. Por baixo do “M” maior, ainda se percebe uma forma sinuosa, destacando o orgânico vs geométrico da letra, e reforçando a ideia da conciliação e do contraste. Essa forma se apresenta para equilibrar a relação do “M” com os grafismos, sem a qual provavelmente a imagem estaria em desarmonia. Em oposição a essas duas, do lado direito aparece um grafismo cheio de detalhes que se espalha por toda a imagem, inclusive na área vermelha. Entretanto como o destaque visual está no grafismo maior, um olhar desavisado nem perceberá os outros grafismos. Esses grafismos lembram os desenhos da caverna: a arte rupestre. Tanto na arte rupestre como aqui, o observador se sente instigado a buscar alguma forma que reconheça, algum símbolo que o faça compreender a imagem, como se isso ajudasse a desvelar o mistério da intenção por trás do desenho. Nessa busca por algo “seguro” e conhecido, consegue-se ver infinitas “coisas”. Isso porque as formas abstratas são altamente subjetivas, pois têm pouco grau de motivação. E o que se vê nelas está ligado ao repertório e memórias de cada um. Para elucidar, pode-se

dar alguns exemplos das infinitas associações que a imagem possibilita: costela, carcaça, ossada, esqueleto, folhagem, samambaia etc. Destes exemplos, o que realmente nos é útil na compreensão do simulacro que o cartaz cria para orquestra é a descrição de sua dimensão plástica, plasmada no movimento orgânico e contínuo das formas visuais. Ainda nos resta falar sobre as cores do cartaz, que, com exceção do “M” laranja e do “M” verde, têm o seu brilho reduzido, como se tivesse sido adicionado cinza às misturas de cada uma. Em tese, os dois “Ms” com cores vivas deveriam vibrar juntos no cartaz, porém como o fundo é num tom de verde apenas, o “M” laranja realmente se destaca através da sua vibração cromática. A busca por equilíbrio e harmonia, mesmo numa estrutura formal complexa e numa variedade significativa de cores, é evidente. Não por acaso se usam cores complementares para compor a imagem (verde e vermelho). O autor escolhe tomar o fundo com verde (menos vivo) e pontuar com a cor oposta (vermelho), no círculo cromático, a área do cartaz que precisava de peso visual para entrar em equilíbrio com o outro lado rebuscado de formas (a parte dos grafismos). A imagem, em termos gerais, dá a sensação de leveza, reiterada pelas formas sinuosas, até mesmo pelos “Ms”, que, sendo polígonos de linhas retas, conseguem parecer leves pelas inclinações da letra e pelo movimento em “S” que fazem em conjunto. Aqui, mais uma vez, reiteram-se características que não são só deste cartaz, ou dos outros, mas da imagem mental que a OSESP busca transmitir ao público: o dinamismo, as inter-relações que formam o todo, a extensão da orquestra além do seu limite etc. A grande novidade, neste caso, é o desprendimento. Esta imagem se liberta dos pressupostos visuais da “boa forma”, e se apresenta através de uma ousada experimentação visual, como a orquestra que buscou sair da rigidez e formalidade da música clássica e se aproximar do grande público. Por fim, essa análise não poderia terminar sem mencionar a letra “M”. Afinal, por que a letra “M”? Poderia ser “O” de OSESP, mas é “M” de música. “M” de movimento, e, quer queira, quer não, é “M” de OSESP...

Cartaz 8 Este cartaz se apresenta num formato quadrado, quebrando o padrão topológico das peças gráficas até então retangulares. A figura é composta por quatro formas irregulares e abstratas, sendo que as três unidades menores estão sobrepostas à unidade maior. A estrutura compositiva da obra é circular,o que nos permite envolver a figura em uma circunferência, englobando-a. Através dessa marcação, nota-se que o ponto mais pregnante da imagem é a área onde se encontra o slogan. Suas unidades formais se dividem em quatro partes, das quais a primeira (figura) já foi descrita no parágrafo anterior. Resta ainda o fundo que, como todos os cartazes analisados, é totalmente chapado e tem uma única cor (laranja). As marcas que seguem o padrão de posicionamento dos cartazes anteriores, porém, estão mais próximas no eixo vertical, já que a altura da peça desse cartaz é menor. E o slogan é na cor branca sobre um fundo preto. Neste cartaz, a figura é, sem sombra de dúvidas, o elemento de destaque. Nela se vê contornos que suavizam todas as tentativas de extremidades pontiagudas. A forma, na cor preta possui três partes em angulações diferentes que apontam para o slogan.

A paleta cromática deste cartaz possui 6 cores: preto, magenta, vermelho e azul, presentes nas formas da figura, laranja ao fundo com branco na tipografia. As cores são todas fortes, exceto pelo azul esmaecido, que torna a composição mais harmoniosa. Por fim, cabe tecer algumas considerações sobre a estrutura do texto. Este se apresenta em uma linha horizontal reta, o que contradiz toda a estrutura formal do cartaz. Esse estranhamento de formas faz com que o texto se apresente ao olhar do observador como que dizendo “leia-me”, e isso é reiterado, pois, como já foi mencionado, o texto está posicionado sobre a área de mais destaque. Mesmo sendo uma figura abstrata, percebem-se indícios de figuração nas unidades menores. São figuras com uma sinuosidade bem marcada em uma das faces, sendo que essas sinuosidades estão todas voltadas pra dentro da forma maior, como se estivessem tentando cobri-la. Dão a ideia de mãos, sendo que uma, vermelha, ainda apresenta cinco projeções, como dedos. Mãos essas que conformam uma “massa” totalmente abstrata, e dela extraem os sons da orquestra. Estas mãos também podem ser a do público, afinal o próprio cartaz declara: “Pode aplaudir que a orquestra é sua”.

Considerações Finais As análises aqui realizadas revelam que o conjunto das imagens articula a identidade visual da OSESP, ou seja, como ela se faz mostrar. O resultado semiótico destes cartazes aponta o simulacro que a série constrói. O diálogo entre linguagens distintas (visual e musical), que neste caso se apresenta de forma direta, decorreu da capacidade do designer de criar algo por seu próprio entendimento e sensibilidade do que são “Imagens da Música”. Segundo Farkas (in Imagens da Música por Kiko Farkas, 2004), o processo se deu da seguinte forma: Procuramos trabalhar com os elementos que estão presentes na linguagem musical e que podem ser re-interpretados visualmente. Ritmo, harmonia, composição, conjunto, pausa, som, textura, tessitura, direção, dinâmica, melodia, ordem, desordem, paralelismos, e tantos outros. Uma vez que decidimos o caminho, tudo era válido desde que expressasse alguma emoção relativa à música (Farkas, 2004).

O que se vê é que não restam vestígios do modelo visual que se tem da música erudita. A abstração não se deu só nas composições visuais, mas também no ato de transgressão da estrutura vigente. Não se vê aqui aquela atmosfera padrão, onde as peças gráficas trabalham com fundo escuro, iluminação barroca, tipografia clássica e uma paleta de cores que gira em torno dos marrons e dos beges. A OSESP não só estabeleceu um novo modo de se mostrar, mas também novos paradigmas para a fruição da música erudita. Farkas (in Imagens da Música por Kiko Farkas, 2004) assim o expõe: A OSESP não é apenas um conjunto de pessoas fazendo música, ela é geradora de cultura. Todas as suas ações devem levar a marca de seu espírito moderno. É claro que a eficiência e a clareza na comunicação de todas as peças não podem ser esquecidas, mas a função de geradora de um movimento de renovação e modernidade deve ser seu objetivo estético. (Farkas, 2004).

Dentro dessa estratégia de montagem da imagem da OSESP, o que se fez foi aproximar a orquestra do público em geral. Dessa forma, conseguiu-se exonerar o medo que se tem em relação a tudo o que é erudito. Nenhuma peça gráfica nos leva a deslumbrar a majestosa estrutura que a OSESP tem. O que se vê é música. O que se vê é um universo visual jovem, irreverente e mais informal. O movimento que se apresenta em todos os cartazes não é apenas

uma qualidade visual das imagens, mas também uma qualidade da OSESP. Ele relata todo o dinamismo das ações da OSESP, além de configurar uma conexão direta com a sociedade contemporânea, que tem no movimento a sua força propulsora e que, por isso, identifica-se com os cartazes (e com a orquestra). Não só o movimento, mas a multiplicidade de formas e cores faz da orquestra uma imagem do seu tempo. O clássico e o erudito dão espaço para o espírito jovem e mais informal, numa combinação tão autêntica e experimental quanto inusitada. O alvoroço visual das imagens está sempre em função da reiteração de proximidade com o público. O próprio slogan, de forma categórica, expõe o quanto a orquestra se coloca numa posição generalista. Não importa quem você é, o importante é a sua disposição para a música e o que ela faz você sentir. Se isso lhe é possível, a orquestra é sua. Enfim, o que se percebe é que esses cartazes se apresentam como poesias visuais, poesias essas que expõem plasticamente a energia musical da orquestra. Tal construção busca o contato com as pessoas através de uma linguagem que abusa dos elementos mais simples da comunicação para criar estruturas complexas, variadas e ousadas, em que o sentido é resultante de uma construção mais interativa com o público, dando qualidade ao pensamento através das apropriações, sugestões e associações suspensas em cada imagem. Isso gera imagens além da arbitrariedade, daquilo que é estabelecido como padrão. Transgride-se a norma não só pelo caráter libertador da transgressão. Mas porque efetivamente o significado passa a ser menos estereotipado, e, assim, requer do público uma nova aproximação, o significado passa a ser uma construção dinâmica, articulada na relação sujeito-objeto, e não um dado arbitrário, fechado. Os círculos, as linhas, as cores, as texturas, podem não ganhar vida, pulsação ou movimento através de um olhar descomprometido. Mas aquele destinatário cujos olhos se abrirem para ouvir (e não apenas olhar), identificarão por sinestesia que tais formas arranjam-se de maneira rítmica e harmoniosa em melodias e sons, tais como notas sobre uma partitura. Cobra-se do público que ele transponha o comprometimento que ele já tem com a música para as imagens. O que se quer é estabelecer uma relação de planos sensoriais diferentes, e, mais ainda, uma relação significativa com as imagens. O que se quer é “tocar” pelos olhos. Não por acaso, o título deste trabalho é “Vejo, logo escuto”. Quando “vejo”, na verdade estou me dispondo a “escutar” os sons que se escondem em cada cartaz.

Referências Dondis, Donis A. (1997). Sintaxe de linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. Hjelmslev, Louis. (1961). Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva. Tad. Por José Teixeira Coelho Netto. Instituto Tomie Ohtake. (2004). Imagens da Música por Kiko Farkas. São Paulo. O atractor de Lorenz - O efeito borboleta num atractor estranho. Retrieved November 10, 2008, from: http://to-campos.planetaclix.pt/fractal/lorenz.html O que é mandala. Retrieved October 02, 2008, from: http://www.mundodasmandalas.com/html/pagina_o_que_e.html. Ramalho e Oliveira, Sandra. (2005). Imagem também se lê. São Paulo: Edições Rosari. Strickland, Carol. (2004). Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Rio de Janeiro: Ediouro.

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