Verdade e Justica A revisao do passado violento e o Supremo Tribunal Federal Democratiza STF - Democratiza STF (2016)

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opinião

justiça de transição, justiça transicional, verdade e justiça

Por: Andrés del Río

A justiça transicional (JT) emerge como resposta concreta às violações sistemáticas aos direitos humanos durante o último regime autoritário. A Justiça Transicional tem quatro dimensões primordiais: a reparação às vitimas, a busca da verdade e a construção da memória, a reforma das instituições do Estado e o reestabelecimento da igualdade dos indivíduos frente à lei. Segundo o International Center for Transitional Justice (ICTJ): “nenhuma medida única é tão eficaz isoladamente quanto combinada com as outras”1. Quando olhamos os diferentes processos existentes na região, e observamos o caso do Brasil, notamos que aqui se começou de forma tardia e se tratou em diferentes graus cada uma das dimensões. Quando pensamos especificamente nas reformas das instituições e do reestabelecimento da igualdade dos indivíduos frente à lei, os desafios no Brasil ainda são muitos. No  processo  de  procura  da  verdade  e  justiça,  o  Poder  Judiciário  não  se  tornou  um  canal  de  entrada  para  processar  as demandas que emergiam da sociedade com relação aos temas das violações aos direitos humanos na última ditadura. Pelo contrário, o Poder Judiciário foi marginalmente chamado a decidir sobre estas questões. E para piorar o cenário, quando algum  caso  chegou  ao  Supremo Tribunal  Federal  (STF),  a  cabeça  do  Poder  Judiciário  foi  um  ator  ativo  nas  politicas  de impunidade  nacional.  Um  exemplo  é  a  lei  de  anistia  de  1979  formalmente  validada  no  ordenamento  jurídico  brasileiro democrático2,  reafirmando  continuidades  institucionais.  Ou  seja,  o  STF  se  tornou  um  resguardo  institucional  da impunidade. A  partir  destes  eventos,  duas  são  as  questões  que  demandam  compreensão  e  tratamento  adequado.  Em  primeiro  lugar,  a reforma  institucional  do  Poder  Judiciário  e  do  STF.  Em  segundo  lugar,  as  interpretações  do  STF  e  a  incorporação  da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Com  relação  à  reforma  das  instituições:  Como  indica  Abrão:  “A  ausência  de  um  processo  de  depuração  do  Poder Judiciário pós­ditadura permitiu que ali se mantivesse viva uma mentalidade elitista e autoritária…”3. Nesse sentido, de acordo  com  Koerner  a  lei  de  Anistia:  “serviu  de  apoio  para  a  permanência  dos  quadros  do  regime  autoritário  nas instituições estatais”4. Destaca­se que esses legados podem ser enfrentados fomentando reformas e valores democráticos. A  reforma  das  instituições  públicas  é  uma  tarefa  central  para  a  transformação  da  trama  pública  que  foi  parte  do  regime autoritário.  Os  valores  democráticos  e  as  políticas  de  memória  precisam  de  um  fomento  constante,  para  que  possam,  de maneira efetiva, penetrar nas instituições fortemente cooptadas pela repressão, como foi no Poder Judiciário. Sobre a jurisprudência da Corte Interamericana de direitos humanos (Corte IDH), houve a sentença no caso Gomes Lund (caso Araguaia), que responsabilizou o Estado Brasileiro pelas violações aos direitos humanos e indicou um claro norte a seguir. Mas a incorporação da jurisprudência da Corte IDH e a responsabilização individual o Brasil não foram efetivadas, com especial destaque para atuação do o STF em relação ao caso. Reforça­se  que  a  Corte  IDH  já  reafirmou  em  várias  sentenças  os  significados  e  alcances  das  leis  de  anistias5.  No  caso Gomes Lund, a Corte Interamericana concluiu: “que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão  pela  qual  não  podem  continuar  representando  um  obstáculo  para  a  investigação  dos  fatos  do  caso,  nem  para  a identificação e a punição dos responsáveis”6. A sentença da Corte Interamericana expôs de forma clara a incompatibilidade da decisão do STF na ADPF­153. A  importância  do  cumprimento  da  sentença  da  Corte  IDH  e  internalização  da  sua  jurisprudência  são  fundamentais  para superar  os  obstáculos  jurídicos  na  procura  da  responsabilização  judicial  dos  agentes  do  estado  dos  crimes  contra  a

humanidade na última ditadura. Já não se trata do direito de conhecer a verdade, senão a possibilidade jurídica de aplicação de sanções penais e civis para os autores. Um desafio para a justiça transicional brasileira em geral e do Supremo Tribunal Federal em particular. 1 OLSEN Tricia, PAYNE Leigh & REITER Andrew. (2009), Equilibrando julgamentos e Anistias na América Latina: Perspectivas comparativa e Teórica. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, N. 2 (jul. / dez. 2009). Brasília: Ministério da Justiça, pag.166. 2 Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental ADPF 153 de 2010.

3 ABRÃO, Paulo. (2011), A Lei de Anistia no Brasil. As alternativas para a verdade e a justiça. Acervo, Rio de Janeiro, v. 24, no 1, p. 119-138, jan/jun. Pag.125. 4 KOERNER, Andrei e ASSUMPÇÃO, San Romanelli. (2009), A lei de Anistia e o Estado democrático de direito no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol.24, n.69. São Paulo, fev. Pag. 196. 5 Um leading case sobre o tema: Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Barrios Altos Vs. Perú. Sentença de 14 de março 2001.

6 Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2010), Caso Gomes Lund e outros – Guerrilha de Araguaia – c. Brasil – sentença 24 de Novembro, pag.4.

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Sobre Andrés del Río Professor adjunto do IEAR-UFF e pesquisador do INCT-PPED.

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