Veredas pragmáticas: Ironia e Sarcasmo e aspectos de sentido e uso

May 24, 2017 | Autor: Yan Masetto | Categoria: Pragmatics, Semantics, Formal Linguistics
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

“Veredas pragmáticas: Ironia e Sarcasmo e os aspectos de sentido e uso”

ALUNO: YAN MASETTO NICOLAI ORIENTADOR: DIRCEU CLÉBER CONDE

DEZEMBRO 2015

AGRADECIMENTOS Primeiramente à Deus. Em seguida, à minha família por todo o apoio recebido nestes cinco anos de graduação. Especialmente à Fernanda Lazzarini, companheira, apoiadora e pilar inabalável de nossa relação. Ao professor-orientador Dirceu Cléber Conde, um homem com o qual o trabalho se torna o mais aprazível, favorecendo continuidades em meio a tantas dificuldades e até mesmo críticas descabidas. Ao professor Renato Miguel Basso, por suporte em momentos de dúvida, além de apoio moral quando o quadro teórico e de hipóteses se mostravam adversas. Ao professor Pablo Arantes, que sendo de outra área disponibilizou muito de seu tempo para acrescentar e oferecer uma ajuda direta na pesquisa.

“A outra [saída], consiste em entender que não há modularidade, mas processamentos interdependentes: a pragmática ocorre ‘antes’ e ‘depois’ da semântica”. (OLIVEIRA, BASSO p. 9)

SUMÁRIO 1.

PERCURSO TEÓRICO .................................................................................................1

2.

DISCUSSÃO ................................................................................................................8

3.

2.1.

Percalço (s) .......................................................................................................8

2.2.

Atualidade teórica ............................................................................................8

2.3.

Paul Grice, Princípio Cooperativo e Máximas Conversacionais ......................10

2.4.

Implicaturas Conversacionais .........................................................................12

2.5.

Ironia: p → ¬ p ................................................................................................15

2.6.

Sarcasmo: complexo, sub-tópico ou inexistente? ...........................................17

2.7.

Hipóteses ........................................................................................................18

ANÁLISE DE DADOS.................................................................................................20 3.1.

Questionário 1 ................................................................................................20

3.2.

Meio do caminho... .........................................................................................21

3.3.

Questionário II ................................................................................................22

3.3.1 Percepção sarcástica ........................................................................................24 3.3.3. Percepção irônica ............................................................................................25 4.

POSSÍVEL CONCLUSÃO... ........................................................................................27

5.

ANEXOS ...................................................................................................................29

6.

5.1.

Questionário 1 – Perguntas ............................................................................29

5.2.

Questionário 1 – Respostas ............................................................................32

5.3.

Questionário 2 - Perguntas .............................................................................39

5.4.

Questionário 2 – Respostas ............................................................................46

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................56

Resumo O presente trabalho tem por objetivo observar se há diferenças entre o que se convencionou chamar de Ironia e de Sarcasmo e em que aspectos essas diferenças se dão. Segundo o Princípio Cooperativo de Grice, classicamente, a Ironia é uma implicatura conversacional particularizada, apreensível apenas pelo contexto (portanto de interesse para os estudos pragmáticos), cuja fórmula proposicional pode ser representada por p → ¬ p (ou seja, dada uma proposição p, sua interpretação é não p). O uso do termo Ironia por Sarcasmo e vice-versa, parece demonstrar algo sintomático, pois, é notório entre falantes de português (e também de outras línguas, como espanhol e inglês) intuições sobre esses termos, ou seja, para muitos há diferenças, mesmo que sutis, entre intencionalidade e efeitos de enunciados irônicos e/ou sarcásticos. Mais do que a simples metalinguagem denominativa sobre o fenômeno, procuraremos compreender se realmente uma distinção é possível e como ela então se dá no âmbito do uso. Palavras-chave: Ironia; Sarcasmo; Pragmática; Uso e Sentido.

1. Percurso teórico O aspecto pragmático da linguagem mostra-se útil para o entendimento nas interações humanas comunicativas, pois estamos diante do sistema e seu uso, cujas potencialidades são projetadas pela forma com que outros conceitos periféricos importantes devem ser levados em conta. A justificativa para uma abordagem da significação da diferença entre Ironia e Sarcasmo pelo viés semântico-pragmático baseia-se no princípio de que o fenômeno assim o requer, principalmente no que diz respeito ao conceito de implicatura conversacional (IC), conforme Grice (1967) e interpretado por Levinson (2007). De um certo modo estamos diante de uma “aposta” (OLIVEIRA; BASSO, 2007) de significação, para dar conta das lacunas que estão presentes nas falas de usuários todo o tempo. No entanto, esta aposta não se traduz em mera suposição, fato notado é que as máximas conversacionais de Grice (Levinson, 2007) revelam como as interações estão estruturadas em torno da economia (muita significação com pouco material linguístico). Assim,

Se, como indicamos, a teoria do significado nn de Grice é interpretada como uma teoria da comunicação, ela tem a interessante consequência de oferecer uma descrição de como a comunicação poderia ser conseguida na ausência de quaisquer meios convencionais para expressar a mensagem pretendida. Um corolário é que ela fornece uma explicação de como se pode comunicar mais do que efetivamente se diz, nesse sentido um tanto especial, um significado não-natural (LEVINSON, 2007 p. 126)

1

A produção do efeito de sentido é dada na interação, e todos os conhecimentos prévios, o instante em que se enuncia, tudo isso interfere e influencia para que aquele que ouve consiga decodificar e calcular em instantes alguns sentidos que estão para além da quantidade de informação material dada, para que a conversação continue sem perdas e falhas, ou seja, consiga atingir o sucesso. Omissão, incompletudes podem constituir falhas ou serem ferramentas plausíveis e cabíveis de uso para que determinados efeitos sejam atingidos, como por exemplo o uso de ambiguidade, polissemia etc. Além disso, há a necessidade da presença de proposição (gerada a partir de sentenças), a partir da qual se geram os sentidos “apostados”, “apostas” objetos de estudos da Pragmática. Muito embora pareça existir uma ideia corrente de que a língua é instável, podemos afirmar que não, pois, justamente o fato de se ter possibilidades de uso é que as línguas são versáteis, mas de forma também sistemática. Há sim um componente estável: a significação referencial que permite o uso, por exemplo de ‘água’ para me referir ao que eu desejar, mas ‘água’ tem um lugar sistemático

na

‘teoria’

semântica

do

falante

e

essa

sistematicidade entra nos jogos de aposta que caracterizam a interpretação. O falante disse ‘água’ que, eu aposto, significa na fala dele o mesmo que ‘água’ significa na minha fala. E ‘água’ na minha fala significa a contribuição que ela dá em todas as sentenças em que ela ocorre. A referência ocorre no confronto da semiose, na triangulação entre falante, ouvinte e objeto (mundo) (OLIVEIRA, BASSO, 2007, p. 8)

Supor que há uma estabilidade inabalável pode ser desfeita no ato comunicativo cotidiano, e desfeito com certa facilidade. Tal

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instabilidade que se instaura vem ao encontro de como fica complicado explicar uma troca de sentenças como (1) abaixo: (1) A – Que horas são? B – O lixeiro já passou!

se constrói, ou seja, com tão pouca informação, podemos inferir como um diálogo desse pode ser significativo. No diálogo (1), o falante A pergunta a B para adquirir um novo conhecimento – que horas são? –, e a resposta de B é, em primeiro plano, escusa, irrelevante e incompleta. Se avaliarmos friamente o que B disse, A não recebeu uma resposta plausível, apenas que o lixeiro já havia passado. Trocando em incógnitas, A queria x e ganhou y. Porém, até que ponto y não contribuiu para que A conseguisse, realmente, saber que horas eram? É então que A roda a “máquina interpretativa” para fugir da sentença ali disposta, para conseguir aproximar-se, ao menos, daquele x pretendido inicialmente. E eis que, em pouco, compreende que B ajudou-o sim a chegar até x: A e B compartilham que o lixeiro tem determinada hora para efetuar sua passagem, e que, se ele já passou, já se passava daquele determinado horário (se passa às 9h, já eram mais de 9h, por exemplo). Para tal, há uma explicação: eles cooperaram, mesmo que, em primeira instância, não houvesse como conceber isso. Eles seguiram um princípio, o Princípio Cooperativo, que estabelece:

Faça sua contribuição como for exigido, na etapa na qual ela ocorre, pelo fim ou direção aceitos da troca conversacional em que você está envolvido. (Grice apud Levinson, 2007, p. 125-6)

3

Grice procurou compreender como se cobrem as lacunas interpretativas, nas quais os conteúdos existiam, mas não estavam na superfície das sentenças, e como esse direcionamento levou à capacidade interpretativa encontrada em (1). Desse princípio decorrem as Máximas Conversacionais (MCs), quatro regras que são consideradas primordiais para o bom funcionamento da interação comunicativa em condições regulares de comunicação. No entanto, tais regras são muito pouco compreendidas, pois elas não são, necessariamente condições sine qua non para a comunicação, mas sim uma parametrização para a implicatura conversacional, ora derivada da observância desses princípios, ora da sua exploração. Assim, as MCs são representações do esforço comunicativo entre os falantes. São como divisores de águas, opondo obediência e exploração, esta, por sua vez, capaz de levar a ICs específicas como a Ironia ou o Sarcasmo. Vejamos tais princípios: (3) A máxima da qualidade Tente fazer com que sua contribuição seja verdadeira, especificamente: a.

Não diga o que acredita ser falso

b.

Não diga coisas para as quais você carece de evidências

adequadas.

(4) A máxima da quantidade a.

Fala com que sua contribuição seja tão informativa quanto

for exigido para os presentes fins do intercâmbio b.

Não faça que sua contribuição seja mais informativa do que

é exigido.

4

(5) A máxima da relevância Fala com que sua contribuição seja relevante.

(6) A máxima do modo Seja perspícuo e, especificamente: a.

Evite a obscuridade

b.

Evite a ambiguidade.

c.

Seja breve.

d.

Seja ordenado. (idem, 2007)

Grice, quando propôs essa descrição, já se atentara para as falhas das MCs e seus usos explorados: sabia que nos diálogos ocorriam, na maior parte do tempo, a observância das MCs, mas a exploração poderia garantir determinados sentidos de modo a racionalizar o uso: dizer mais com menos. E para tal informação implícita da língua, ele argumentou a existência de implicações que cobrissem estes espaços em brancos, estas aparentes “falhas”, as Implicaturas Conversacionais (ICs). ICs são interpretações das sentenças que podem, dentre várias funções superar a aparente falta de conteúdo, ou que o conteúdo seja restrito em sua porção proposicional (e sentencial), e que vem a ser calculado depois da enunciação. Elas são, em verdade, uma das funções que determinam o funcionamento da língua em momentos de aparente rompimento das máximas; ademais, é uma das ferramentas do território pragmático dentro dos estudos da linguagem

Ora, a noção de implicatura oferece uma saída para este conjunto de dilemas, pois permite afirmarmos que as expressões das línguas naturais realmente tendem a ter sentidos simples, estáveis e unitários (em muitos casos, pelo menos), mas que sobre este núcleo semântico estável há muitas vezes uma camada

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pragmática instável, ligada ao contexto – isto é, um conjunto de implicaturas” (id ibidem, p. 124)

Para tal, as ICs funcionam como a argamassa para a interpretação de cada ouvinte se completar e não deixar com que as lacunas sejam vistas e causem desconforto e falta de compreensão. Grice propôs, também, a divisão das ICs, por assim dizer, para aquelas que usamos extrapolando inconscientemente as MCs (7.A) e aquelas em que o foco é a ostensiva extrapolação (7.B): (7) A – Entrei em uma casa ontem B – Sua camiseta é linda (para a pessoa que está vestindo uma roupa que o enunciador não gosta)

Em (7.A), o enunciador permite que façamos o cálculo de que a casa em que entrou não pertencia a ele, pelo fato de proferir “uma casa”. A inferência é pertinente, se pensarmos que, se fosse realmente dele, ele diria “minha casa”, para não desacatar a Máxima de Qualidade, e nem a de Quantidade. Em (7B), ocorre que se enuncia algo (achar “lindo”), porém deseja dizer o seu oposto, a ideia dissociativa: ou seja, teríamos aqui um processo chamado de Ironia (p → ¬ p)1, segundo Grice. Essa fórmula lógica reflete a extrapolação das MCs ostensivamente para criar um efeito: uma implicatura particularizada. Nesse aspecto, um ato irônico ofereceria ao enunciador uma margem de proteção, pois, em princípio, a sentença enunciada é a positiva, não a dissociativa.

1

Leia-se A diz p implica que A não acredita em p; isto é, a intenção do falante, ao proferir p é, na verdade, comunicar que não acredita que p seja o caso.

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Ou seja, uma sentença como em (7.B) traz consigo a necessidade de um contexto, de que ocorra um conjunto de fatores para que seja um uso irônico, ou apenas seria uma constatação de uma vestimenta na qual se considera “linda”. E isso se completa com a ideia de distinção entre as ICs, já que as implicaturas conversacionais generalizadas são as que surgem sem que seja necessário nenhum contexto específico ou roteiro especial, em contraste com as implicaturas particularizadas, que exigem contextos específicos. (id ibidem, p. 156)

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2. Discussão 2.1. Percalço (s) Com o exposto anteriormente, surge a primeira dúvida sobre o fator da fórmula da Ironia: será que a segunda parte (¬ p), na verdade, não apenas signifique o oposto do dito (num processo matemático, de x para não-x), mas sim uma dissociação em um espectro não exato (não uma variação 0 a 1), uma dissociação que levaria a interpretações de (7.B) não de apenas lindo x feio, mas de desarrumado x lindo, ou até mesmo de velho x lindo? Essa inexatidão traz consigo até o próprio Sarcasmo, também em foco pelo trabalho: em que ponto se instalaria a oposição entre Ironia x Sarcasmo, como se formaria essa diferenciação (se realmente houver)? Se seguirmos a linguagem lógica como dissociação (¬ p), ambos nada mais seriam nomenclaturas diferentes, mas em sua produção em nível profundo, seriam iguais. A dúvida persiste, mas temos certeza é de que

sempre que surgir alguma convenção ou expectativa da linguagem, surgirá também a possibilidade da exploração não convencional dessa convenção ou expectativa (id ibidem, p. 140)

2.2.

Atualidade teórica Mais do que isso, a teoria de Grice tem suas falhas. De tal forma,

para Deirdre Wilson (1981, 2012), o uso linguístico sempre tem como norteador a Relevância.

De acordo com a Teoria da Relevância, enunciados geram expectativas de relevância não porque falantes obedeçam a um princípio de cooperação ou a alguma outra convenção, mas

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porque a busca pela relevância é uma característica básica da cognição humana (SPERBER, WILSON, 2007, p. 223)

A proposta dos autores não contribui em si na teorização das condições necessárias para a produção de sentido em trocas de fala entre os falantes de determinada língua, mas traz, em verdade, uma nova visão ao fenômeno da Ironia e do Sarcasmo. Outro autor que os lê muito bem define a ideia dos primeiros de uma forma coesa, seguindo com uma hipótese que nos faz, do presente trabalho, reforçar que

Portanto, tanto a Ironia e o Sarcasmo são, na verdade, casos nas quais as formas proposicionais do enunciado não necessitam coincidir-se com a forma proposicional do pensamento. (NEBOT, 2009, p. 17)

Em outras palavras, há a retomada do teor dissociativo da parte enunciada junto à intencionalidade. Esta forma de lidar se aclara com o princípio abordado por Wilson (2012)

Atitudes dissociativas, por si só, são amplas, caem em qualquer lugar de um espectro em que há tolerância através de várias sombras de resignação/desapontamento para fazer piadas, desgostar, irritar ou até zombar. Quanto mais específico for o alvo, e mais agressiva a atitude, haverá mais marcas para ser julgada como ofensivo ou algo parecido (WILSON, 2012, p. 8)

Com isso, trazemos à discussão fatores importantes para a compreensão do fenômeno: há que ter um processo de oposição, de dissociação, em seu mais amplo significado; dissociar no sentido de romper com a expectativa,

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tomar uma direção diferente do que se espera conversacionalmente. Este processo dissociativo já está no quadro explicitado anteriormente (na extrapolação das Máximas Conversacionais e seu desvio ostensivo), no qual sua apresentação seria oposta (não diametralmente oposto p → ¬ p), sugerindo um espectro de possibilidades. Na continuidade de seu artigo, Wilson (2012) salienta algumas características marcantes para a formulação da Ironia, tais como Intencionalidade e Dissimulação. Para tais, ela argumenta ter uma Atitude Irônica pressuposta para que, juntamente a essa equação venha à tona a possibilidade de um enunciado irônico (ou mesmo sarcástico). Entretanto, não há maior aprofundamento dessa ampliação, mantendo nebulosa a circunstância de uma sentença poder ser chamada de irônica ou ironia sarcástica. A pesquisa de distinção entre Ironia e Sarcasmo encontra-se em aberto, com alguns apontamentos pertinentes sobre o tema. Ademais, faz-se necessário o comentário de que é um assunto pouco abordado, e dentro daqueles que o abordaram nunca houve uma resposta pertinente e com comprovações cabais; aliás, as propostas de inúmeros autores é praticamente a retirada do foco da Linguística em detrimento à Cognição, Sociologia, etc. Entretanto, o trabalho não visou combater ideias já postas, muito menos as que envolvam outras áreas; o foco foi perseguir a forte intuição de que há distinção entre Ironia e Sarcasmo. Inicialmente, recobremos a memória quanto a alguns tópicos.

2.3.

Paul Grice, Princípio Cooperativo e Máximas Conversacionais

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Paul Grice é o autor base para a discussão pragmática da pesquisa. Ele postulou, em 1969, que a comunicação humana seguia regras, regras específicas com o qual objetivava-se sempre a manutenção do processo comunicativo, sem que houvesse alguma perda/desvio. Para essa manutenção denominou-se Princípio Cooperativo (PC), o norte para toda relação em que há dois falantes interagindo. O PC manifesta-se constantemente, em qualquer instante da conversa. Quando se trata desse fenômeno ditado por Grice, há que se considerar as máximas para seu funcionamento: as Máximas Conversacionais (MC). Assim, ao conversar com outro, o falante sempre compreenderá que o ouvinte o entende, segue o princípio e se ruma pelas máximas. Obviamente, seria ilógico tratar as MCs como regras absolutas2 das quais se dispõe toda capacidade sempre, o que leva ao patamar de que não temos originalidade – e nem liberdade – para produzirmos enunciados próprios. As MCs carregam em sua denominação a capacidade: elas são para apontar a possível área de atuação entre falante x ouvinte; isto é, para abrangerem e demonstrarem, teoricamente, a atuação, mas que não exclusivamente será obedecida. A ilogicidade de pensar que todos os seres humanos funcionam como robôs com capacidade única e somente de forma engessada já demonstra que os equívocos de muitos contra-argumentadores da teoria não se atentam suficientemente bem para sua real função: a de pilastras finais, não causais. Como já observado, não é novidade que a utilização das MCs quase não ocorra, ou melhor, ocorra com muitas extrapolações das mesmas. Para isso, Grice denominou Implicaturas Conversacionais (IC), das quais carregam o significado-nn (não-natural), que é produzido com intencionalidade em determinado contexto, ou seja, não é algo espontâneo. A extrapolação é outra 2

Uma analogia pertinente é posta aqui a título de exemplificação: todos os seres humanos, que vivem nas cidades modernas, precisam se vestir e utilizar calças/shorts para saírem de casa. Existe uma convenção social que nos obriga a isso, mas não há nenhuma obrigatoriedade de sairmos com roupas íntimas por baixo das vestimentas inferiores.

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ferramenta para, ao descumprir com as MCs, o PC continue agindo, ligado e presente. Antes de passar ao próximo tópico, há exatamente uma elucidação sobre o PC: não há como imaginar que a extrapolação supracitada seja a vilã e destitua os poderes deste princípio, por mais que, ao utilizar-se da extrapolação, já haja em si a intenção de transgredir, de ir além, e não é irracional, exatamente por sempre objetivar a continuidade conversacional entre falante e ouvinte, mesmo com transgressão; a transgressão vem, em verdade, mostrar que a parte estrutural linguística não é a única capaz de gerar sentido, que há formas distintas, mas que dependem, obviamente – e o que faz a Pragmática uma subárea da Linguística -, de uma materialização, de uma estruturação da língua – proposição, sentença, etc – para que a conversação seja efetiva e bem sucedida. Portanto, contar com a irracionalidade da extrapolação para usar como contra-argumento do PC (um “meta-contra-argumento”) se engana pelo equívoco no entendimento da teoria griceana, e o próprio princípio se recria da sua desestruturação inicial, para que a conversa continue, sem que se perca a cooperação ao interagir falante x ouvinte.

2.4.

Implicaturas Conversacionais

As ICs são processos de produção de sentido. Esta produção se dá, como já abordado acima, através da extrapolação das Máximas Conversacionais, com a intenção clara de, durante o rompimento da máxima, produza-se um significado implícito, uma inferência. A inferenciação contribui para a manutenção do Princípio Cooperativo, para dar continuidade à comunicação. Entretanto, produzir intencionalmente uma IC não é uma

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atitude caótica, mas sim segue um conjunto de regras para que se formule de maneira satisfatória tal implícito. As regras são

F dizer que p produz conversacionalmente a implicatura q se e somente se: i.

Se presume que F está observando as máximas ou, pelo

menos (no caso de infrações), o princípio cooperativo; ii.

Para preservar essa suposição, deve-se supor que F pensa

que q; iii. F pensa que F e o destinatário O sabem mutuamente que O pode calcular que se exige q, como condição para que a suposição (i) seja confirmada. (LEVINSON, 2007, p.139)

Atentemos a cada parte do processo. A intencionalidade de F (falante) ao produzir uma proposição qualquer p, em realidade se fez com o objetivo de que fosse produzido uma inferência q, de natureza implícita. A estrutura linguística se apresenta, para que, através da extrapolação, formule-se o sentido pretendido. Em (i) F demonstra que observas as Máximas Conversacionais, e mesmo se as extrapola, o Princípio Cooperativo permanecerá em cena. Que fique claro que, para a criação implicatural não se necessita de extrapolar todas as MCs simultaneamente, podendo haver apenas de uma, de duas3, etc.

3

Grice expõe que, em seus exemplos trazidos por Levinson (2007), a IC sempre surgirá de uma extrapolação de MC, não de outras ao mesmo tempo. A discussão que Sperber e Wilson (2007) trazem, com a Teoria da Relevância, é que não há nenhuma MC além da Relevância: se se deseja extrapolar, dissociar-se ao comunicar, o falante apenas fere a esta máxima, a de Relevância.

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Em (ii), F pensa q, o implícito pretendido, sabe que q é possível e pensado. Assim, o F já demonstra a intencionalidade de que se produza a significação através da inferência, não da estrutura visível. Por fim, em (iii), F diz p → q, exatamente por saber que O (ouvinte) é capaz de entender isso, e de calcular q, ou seja, o significado implícito. Com isso, demonstra-se que para haver IC é necessário um padrão, um processamento que passa por refinamentos em meio a interação comunicativa. Há que pontuar que não é um processo psíquico, de clarividência ou telepatia, mas exatamente de que o PC já demonstra um reconhecimento de que F e O dividem de um mesmo pano de fundo, de conhecimentos mútuos. Outro questionamento se formula: e os desajustes, os mal-entendidos? Exatamente ocorrem, e não são poucos, mas reforçam (iii) acima: se não se cumprir essa alínea, (i) se torna falso e a implicatura não é calculada. Grice propôs exatamente características para as ICs, porém aqui uma realmente é de valia: a anulabilidade, ou seja, a de que O pode não ser capaz de calcular q pretendido por F, e o entendimento se perde, não o PC. Por fim, as ICs se bifurcam entre duas (até então conhecidas): as generalizadas, que ocorrem sem a necessidade contextual exata; a particularizada, em que há obrigatoriedade de haver um contexto específico. Ainda existem as Implicaturas Convencionais, pois, como presente em Levinson (2007), elas não são derivadas de princípios pragmáticos mais gerais como as máximas, mas são simplesmente ligadas pela convenção a itens ou expressões lexicais específicos (p. 158)

Retomando, A pergunta para B “que horas são?” (p), e B responde “o lixeiro já passou”, demonstrando que B não sabe com exatidão que horas são, mas que entre os dois há um conhecimento mútuo de que horas o lixeiro passa,

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de tal forma que A entenderá que já são mais do que certa quantidade de horas (q) que o serviço de coleta passa naquele local. Para a segunda, teremos as extrapolações pontuais, como as da Máxima de Qualidade, com a qual se refere diretamente a Ironia, já apontada por Paul Grice em seus argumentos.

2.5.

Ironia: p → ¬ p

A extrapolação da Máxima de Qualidade requer, em verdade, o rompimento com a regra de “dizer somente o que sabe ser verdadeiro”. Há definições para Ironia distintas. Em inúmeros locais ela é vista como um enunciado de tom jocoso, um processo de zombar, sem carga ofensiva, uma dissociação daquilo que foi falado. Essa característica foi levada em consideração para a elaboração do questionário II, nos anexos. A nível de intuição de falantes, enquanto questionados abertamente sobre o que pensavam, se eles percebiam uma distinção entre Ironia e Sarcasmo, por exemplo, sempre respondiam positivamente. Poucos tangenciavam a questão de haver uma diferença no quão ofensivo você seria, porém, a explicação oferecida por eles e por dicionários, páginas da internet, se coincidiam. Outra caraterística presente era a de que se queria dizer outra coisa do que o realmente dito. Entretanto, Wilson (2012) apresenta a dissociação como fator fundamental da Ironia. Fica mais claro que, em vez da proposição em si ser afetada pela implicação ¬ p, a intencionalidade de enunciar a proposição p dissocia-se, ou seja, enunciar algo querendo que seu significado seja o oposto aponta, se seguirmos as regras de implicação, exatamente o ganho para que a extrapolação da máxima seja pertinente e esclarecedora, além de produzir novo significado quando usada.

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A título de exemplo: quando uma amiga A encontra a outra amiga, B, e, após um corte de cabelo de A, B diz “você está bonita! ”, mesmo que não tenha realmente achado isso, diz para dissociar o dito, o enunciado exposto. B enuncia exatamente para que seja calculada a inferência, mas abusa da particularidade de que é implícito, servindo, no caso, como meio de defesa em que (Sb) → ¬ (Sb) seja reconsiderado, ou melhor, ¬ (Sb) seja anulado4. Entretanto, defender somente a fórmula lógica já traz em si um problema: por se tratar de ferramentas usadas para uma área exata, colocar o símbolo de implicação (→) funciona sempre da mesma forma – necessita respeitar a tabela de condições de verdade com o qual relaciona valores de verdade entre duas orações. Aqui, o risco é grande de aplicarmos o sistema lógico e cairmos em hipóteses não comprováveis, ou até mesmo falácias maiores, pois tratamos de eventos pragmáticos que necessitam de contexto, e contextos funcionam de maneira particulares e complexas. Antes do próximo passo, há ainda um notório fenômeno contemporâneo que, em meio à intuição e pesquisa, tornou-se famoso nas redes sociais – e também na prática oral: o uso de -só que não (coloca-se o hífen anteriormente ao lexema exatamente para demonstrar que a construção se encaixa, ou seja, tendo como escopo todo o enunciado anterior). Este fenômeno chamou-nos atenção por uma situação idiossincrática: toda vez que se usava –sqn (forma abreviada presente na escrita dos usuários pela rede cibernética) apontava a dissociação - → ¬ p – da Implicatura Conversacional irônica. Ela, em verdade, fazia o oposto de uma IC: ela trazia do campo implícito para o

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Reforçamos aqui, para fins científicos, de que não há interesse em se descobrir se mulheres ironizam mais, ou se há mais falsidade entre mulheres, ou mesmo que em determinadas faixas etárias produz-se mais ironias, ou até mesmo se ironizar está vinculada ao meio social, estrato social, escolaridade, etc. Aliás, não descartamos que há características tais que influam para a produção/uso irônico, mas que não são da ossada da Linguística, indicando aqui como possível pesquisa para outras áreas, tais como Sociologia, Antropologia, Psicologia, etc.

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explícito, ela se estruturava como enunciado-dito para apresentar a oposição da proposição p antes formulada. Portanto, este fenômeno se apresenta como a retirada da Ironia do campo inferencial para a parte superficial da língua, mostrando que, ao usar –sqn após o enunciado significaria “dissocio tudo o que foi falado na proposição anterior”, negando-a. Assim, a fórmula irônica ¬ –sqn é, por si, aponta para a comprovação da hipótese teórica dissociativa exposta anteriormente, e ainda é percebido a tal ponto de sofrer mutabilidade de uso, uma ressignificação de inferência para o nível superficial. Ainda não há estudos mais aprofundados, e o presente trabalho não se focou em analisa-lo, mas tal fenômeno já vale de alerta para reforçar a hipótese apresentada acima.

2.6.

Sarcasmo: complexo, sub-tópico ou inexistente?

Sarcasmo continua nebuloso. Todos os traços possíveis, desde o princípio da pesquisa até então apontam para uma complexidade na produção desse fenômeno, mas difícil de ser capturado em termos pragmáticos, ao menos em primeira vista. Os teóricos apenas o consideram como sub-tópico de Ironia (Wilson, 2012; Gibbs, 2009), ou seja, um potencial escalar da matriz – com traços determinados, uso especifico, etc. Porém, em nenhum instante, apontam para a formulação descritiva dele, ficando ainda mais nebuloso o que se tende a nomear como Sarcasmo. Pela ausência teórica, ou melhor, pela baixa referenciação teórica a qualquer estrutura subjacente a este termo, hipóteses iniciais foram descartadas e uma nova ganhou força: Sarcasmo seria produzido, através de uma fórmula bi-implicatural. Funciona assim: para a Ironia, temos p → ¬ p, em que a dissociação afeta proposição e intencionalidade do falante. A máxima extrapolada é a da Qualidade, máxima esta que abrange o dizer o que sabe ser verdadeiro (LEVINSON, 2007). Para o Sarcasmo, em vez de determiná-lo imediatamente como mero subordinado da Ironia, necessita da

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mesma parte p → ¬ p, e que, entretanto, não dá conta de captar o que realmente é: precisa-se, ainda, outro componente na fórmula, o de p → ¬ p → q. Assim, a hipótese vigente seria a de que Sarcasmo constitui-se através de duas extrapolações consecutivas, a da Máxima de Qualidade (p → ¬ p) e uma outra das três máximas (→ q). Esta caracterização em relação ao Sarcasmo dá conta, de antemão, ao processo complexo citado por falantes intuitivamente: essa complexificação no cálculo/produção do termo ocorreria exatamente pela necessidade de dois passos/níveis de inferenciação. A título de exemplo, temos o encontro entre duas amigas após muitos meses sem se ver, e uma delas engordou (A)

(8) A – Oi, tudo bem com você? Faz tempo, hein? B – Pois é. E, nossa, menina, olha seu corpinho!

O enunciado em (8-B) se remete a um processo de dissociar – a falante B não acredita p, que o corpo da amiga esteja melhor; e não somente não acredita p, como também tem a intenção de, a partir da negação proposicional, dizer que não é somente o caso de não acreditar p, como também de que o corpo da amiga está em péssimas condições por ter engordando (uma implicação de não acreditar p em q). Entretanto, e muito importante relembrar, ser uma hipótese pertinente não significa descrever o fenômeno. O questionário II será analisado posteriormente e, adiantando uma parte das conclusões, o uso lógico da implicatura não satisfaz uma descrição, apenas se apresenta como uma hipótese forte, mas não comprovável.

2.7.

Hipóteses

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As hipóteses que se apresentam para a análise dos dados de ambos os questionários são: 1. Identificar se há distinção entre Ironia e Sarcasmo, apelando para a intuição dos falantes/participantes; 2. Se houver qualquer possibilidade de distinção, como ela se dá; 3. Adentrar o caminho da diferenciação através de protótipos: Ironia como sendo uma produção invocando um tom de humor, jocoso, além de ser estruturalmente defensável; Sarcasmo como uma ofensa, um ataque não velado; 4. Ironia se forma a partir de uma gradação negativa para positiva, enquanto o Sarcasmo segue o caminho oposto, de positivo para o negativo; isto é, haverá a seleção de termos e da interpretação do enunciado dito de tal modo (dizer que é feio enquanto quer dizer que é bonito), e vice-versa para o segundo, assim como dizer que alguém é inteligente enquanto se pretende dizer que o alvo não o é.

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3. Análise de dados A pesquisa visou avaliar se há distinção entre Ironia e Sarcasmo através de questionários do Drive do Google. Assim, por meio eletrônico, os participantes responderam, observando sua confidencialidade.

3.1.

Questionário 1

Este questionário visou comprovar a intuição dos falantes se existe ou não diferença entre Ironia e Sarcasmo. Nele, feito ao início de 2014, utilizamos 10 (dez) questões com três possíveis respostas: Ironia; Sarcasmo; Não sei5. Para todos, aquele que se disponibilizou a responder, teria que selecionar uma das três opções após ler uma situação que remontava comunicações cotidianas. Para tal questionário, obtivemos 122 respostas, das quais 110 foram positivas em relação a haver diferença entre os objetos de estudo, e apenas 12 disseram que não. Entretanto,

este

questionário

apresenta

alguns

problemas:

primeiramente, o uso de metalinguagem (Ironia/Sarcasmo) faz com que o falante não atue o mais próximo do corriqueiro possível. Ele ativa um aspecto racional que oculta a intuição, o que procurávamos de antemão. Os participantes, com o espaço para comentários ao fim de responder o questionário, nos disseram que faltava contexto em muitas situações, sendo muito difícil definir se era uma resposta irônica ou simplesmente uma resposta literal, problema transparecido em duas questões (a de número 2, 5 e 9, do apartado 5.2 abaixo) Essa dificuldade de detectar se mostrou pertinente, pois fez com que o questionário II trouxesse uma grande

5

As perguntas e respostas do questionário I está no tópico 5.1 e 5.2 abaixo, sessão de Anexos (capítulo 5)

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preocupação para com o contexto, com o objetivo de deixa-lo o mais claro e nítido possível, não gerando esta ambiguidade (implicação x literal). Por fim, em relação a este questionário, algo positivo saiu para o II: em meio a vários comentários, os participantes, em sua maioria, nos ofereceram uma nova hipótese – a de que Ironia era uma brincadeira, que nela, ao ser trazida para a comunicação, se pretendia ter uma intenção jocosa, pouco (ou nada) agressiva. Já o Sarcasmo seria indefensável, pois ficava nítido seu uso e serviria, principalmente, para ofender. A hipótese inicial se comprovou com ressalvas, oferecendo mais perguntas para o futuro do que respostas naquele instante.

3.2.

Meio do caminho...

Antes da criação de outro questionário, avaliamos, novamente, se havia teoria nova por meios digitais. Como esperado, nada foi encontrado. Entretanto, a visita do professor Pascal Amsili (Paris-Diderot), até a instituição UFSCar, pelo período de seis meses, ajudou e muito para elucidarmos alguns aspectos da pesquisa. Primeiramente, como falante, intuitivamente também defendia a diferenciação de ambos os termos. Disse, em reuniões, ser possível um sistema diferenciado para definir Ironia e Sarcasmo, e que a intuição que muitos traziam levavam para mecanismos distintos, próximos, porém distintos entre si, avaliando como plausível a presença de tal pesquisa se alocar na Linguística. Embora o direcionamento continuasse, de certa forma, no mesmo caminho, ele ressaltou um grave problema: o uso de ferramentas lógicas. Para ele, usar o símbolo de implicação (→) era equivocado, pois, para cada situação comunicativa p → q (p implicando em q), teria valores diferentes, e

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isso era um erro mediante o uso implicatural, sempre fixo (mediante os valores de verdade da sentença). Para tal, disse que a hipótese p → ¬ p → q seria algo irracional, retomando o próprio argumento para defender que isso não poderia ser um mecanismo de cálculo do conteúdo da sentença implícita. Como a tabela abaixo mostra exatamente a motivação do argumento do professor francês P Q P⇒Q V

V

V

V

F

F

F

V

V

F

F

V

Assim, ele nos orientou a abandonar os instrumentos lógicos em detrimentos de especificidades de traços. Inicialmente, fazer a conferência se os participantes do questionário I estavam corretos ao afirmar que Ironia continha o traço do tom jocoso – e por isso haveria mais defesa quando usada; enquanto Sarcasmo era uma ofensa, menos velada e mais direta. Por esta via, a complexidade da produção do Sarcasmo seria, na verdade, o conjunto de traços que ele traria consigo, não um sistema bi-implicatural, como dito anteriormente.

3.3.

Questionário II

O segundo questionário teve como ideia inicial partir do princípio dos protótipos para tentar definir se Ironia e Sarcasmo eram usados a partir de traços característicos. Outra mudança qualitativa em relação ao primeiro se deu exatamente no acréscimo de contexto, para ser o mais claro possível, já que esta foi uma das queixas principais do anterior. Outra mudança foi retirar

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a metalinguagem, para tentar apreender o máximo da intuição dos falantes; e, por fim, oferecer respostas em gradação, com níveis de 1 a 5, sendo que 1 seria uma resposta Nada (ofensiva ou brincalhona), e 5 seria uma resposta Bastante (ofensiva ou brincalhona). A proposta era detectar que, se houvesse realmente a percepção do implícito irônico, a marcação estaria mais voltada para o tom de brincadeira, enquanto o implícito sarcástico teria uma marcação de maior ofensividade em detrimento ao tom de humor. Foram 15 questões, e em cada uma delas havia a barra de gradação 1-5 de Nada ofensiva até Bastante ofensiva; Nada brincalhona até Bastante brincalhona. Obtivemos 55 respostas, desta vez todos de falantes nativos de português, e eles selecionavam, após a leitura de uma situação referenciandose o mais fiel possível ao cotidiano comunicativo. Inicialmente, em meios aos testes, tentamos também levantar se algum tipo de proximidade maior entre os falantes da cena (amiga x colega) interferiria em algum aspecto na obtenção das respostas. Entretanto, com os comentários ao final, muitos participantes levantaram a questão que havia repetição de perguntas, mostrando, na verdade, que a atenção do falante não está na relação social posta, mas sim sempre na condução e intencionalidade da resposta. Inclusive, ao ver os dados das respostas, quando se tem “amiga“ (questão 1), a tendência foi marcarem nível 4 e 5 para o tom de ofensividade (43 respostas), enquanto a tendência da brincadeira ficou nos níveis 1 e 2 (com 34 respostas). Ao verificarmos a resposta 1 com o termo “colega”, a mudança foi pouca, sendo 4 e 5 no tom de ofensividade (42 respostas), contra 35 respostas em brincadeira (níveis 1 e 2). Os números mostram que, intuitivamente, o próprio falante não se atenta, pelo menos em nível de leitura, a esta distinção, mas sim o foco está em que foi respondido de A para B. Além dessa situação, o questionário mostrou uma pequena falha pela escolha dos termos definitórios para se graduar: o tom de resposta brincalhona

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confundiu os participantes, pois não foi pensado que tipo de humor poderia ser (há vários ramos de piadas, como, por exemplo, as piadas de humor negro, que são com teor mais preconceituoso, enquanto piadas mais inocentes e de trocadilhos, etc). Isso se reflete em respostas como as questões 3, 4, 6, 7,10 e 11. Elas trazem as barras de gradação em muitos níveis, sendo muito imprecisa a definição se, por um acaso, a frase seria irônica (tom de brincadeira em detrimento ao tom de ofensividade), mas isso não acontece. Os números apontam para situações com tom de humor e, simultaneamente, com ofensas.

3.3.1 Percepção sarcástica A percepção sarcástica em 1, 2, 12 e 13 se mostram pelas escolhas dos níveis: B enuncia sobre o “corpinho” da colega/amiga, com a intenção de dizer algo muito oposto do perceptível (a colega/amiga está claramente acima do peso), não existindo uma defesa clara, mas quase uma ofensa dizer o oposto de tal maneira explícita (seria considerado algo grosseiro). Em 12, modifica-se o tempo passado desde a última vez que se viram (desde a formatura x desde o último mês); isso pouco interferiu nas respostas também, pois a ofensa ainda era o foco dos participantes, servindo como proteção este implícito detectado. Inclusive quando a resposta não é diretamente ao outro falante (de A para B, mas sim A e B falando de C), a percepção dos participantes foi idêntica e permaneceu o tom sarcástico. O mesmo ocorre em 9, pois a resposta de B salienta não uma brincadeira em relação à festa que, como todos sabem, é conhecida como bem desanimada. A percepção dos participantes foi a mesma que a anterior, o oposto de 1 e 2, pois há aquela cobertura defensiva, fica clara a intenção de camuflar sua intenção real para seu ouvinte/alvo. A implicatura criada é a de que a parte “irada” e “animada” será após a prometida festa “irada”, ou seja,

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é a negação por meio do implícito que a festa não é irada, e que é uma promessa que não se cumprirá. Em 14 a ofensa permanece, sendo claro que o técnico não queria que houvesse a implicação de que não apenas eles não contratam cegos para a arbitragem, mas que os contratados eram inexperientes e não estavam fazendo um bom trabalho. Não há forma de se defender, fica clara a intenção.

3.3.2. Percepção irônica Das questões do questionário, uma só conseguiu refletir a hipótese de que a Ironia seria, na verdade, formulada a partir de um protótipo de humor, um tom jocoso, sendo usada como uma brincadeira. Inclusive, dentre os comentários finais, alguns participantes levantaram os termos propostos por este trabalho, mas salientaram a dificuldade de identificar o tom de brincadeira (principalmente), por causa da ausência de entonação na voz, as feições ao falar, etc. Sem dúvida há que se levar esses aspectos em consideração, mas não eram impeditivos, para o momento, de se dar uma resposta, mas refletiram, na verdade, na questão já apontada ao final de 3.3. acima. Claramente, em 5, há a apreensão irônica em relação ao enunciado: o falante B, ao se deparar com uma clara disparidade socioeconômica refletida pelas notícias, mostra o encaminhamento do uso implícito de brincadeira para “cutucar”, revelando um mal-estar sobre tal situação, mas ironizando a escolha das reportagens pelo jornal. A questão 15 apresenta o traço pretendido: os dados apontam para um grande número de respostas tendendo à ausência de ofensividade, em detrimento a respostas que sejam brincalhonas. Novamente, há inexatidão

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para a contabilização da segunda escala exatamente pela falta de acurácia na terminologia empregada (brincalhona).

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4. Possível conclusão... A pesquisa se mostra ainda em aberto, exatamente pelo fato de sua complexidade e, também, por causa da ausência de apoio teórico já apontado anteriormente. Por ambas circunstâncias, aportar o problema é relevante, exatamente porque poucos ousaram pisar nesses terrenos. A confusão inicial se dá que, buscando a intuição do falante, Ironia e Sarcasmo são definidos como distintos, e apenas o que tange à intencionalidade se mostra saliente e mais palpável: aquele ser uma brincadeira, enquanto este se utiliza para ofender indefensavelmente. Isso é muito pouco perto do que, com os dois questionários (principalmente o segundo), já se demonstrou, mesmo que vagamente. Por fim, dentro do avaliado, o ganho é considerável. O primeiro aspecto a ser dado como andamento positivo está exatamente no fato do uso de ferramentas da Lógica não serviriam para ajudar, pelo contrário, seriam um complicador. Ao mesmo tempo, a reconfiguração a partir desse passo também aponta que, independente de qual seja o tipo de Implicatura, ela sempre será uma quebra de expectativa, ela sempre oferecerá o aspecto da negação proposicional (imaginando que Grice, na verdade, pretendia dizer isso ao aplicar p → ¬ p – uma quebra de expectativas do que se pretendia dizer em relação ao dito). Porém, podemos afirmar que não é exclusivo da Ironia (nem do Sarcasmo). Outro aspecto que se mudou foi o levantamento de que o caminho estaria pelos protótipos. Não podemos concluir que isto seja um equívoco; entretanto, há que se tomar cuidado que isso apenas defina a possível distinção defendida desde o começo. Aportar um em certo ponto, enquanto o outro estaria em outra área (brincadeira, ofensa, ameaça, etc). Além disso, a

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falta de acurácia no termo utilizado (brincalhona) realmente atrapalhou qualquer possível conclusão previa em relação ao que tange a Ironia. Em contrapartida, tal discussão se ampliou para a conclusão parcial deste trabalho: com a hipótese dos protótipos, surgiu o teor implicatural irônico e o teor implicatural sarcástico. Para o primeiro, teríamos a proposição com o objetivo de teor negativo, isto é, utilizar um termo que seja considerado negativo (burro, não estuda, preguiçoso, etc), para se dizer o oposto – salientar quão inteligente, quão esforçado, etc, é o alvo. Para o segundo, ocorreria o oposto: o enunciado superficial seria dado pelo teor positivo, enquanto o pretendido seria o negativo (ser legal, ser linda, etc), enquanto se quer implicar que é chata, é feia, etc. Outro aspecto interessante, não testado, mas que se apresenta saliente, é o fato de que o teor implicatural irônico se pode utilizar com objetos e entes inanimados – dizer que o dia de chuva está bonito, enquanto claramente o falante não o considera assim, pretendendo criar a implicatura desse teor irônico. O teor sarcástico, por outro lado, se consolida muito bem quando envolve uma terceira pessoa no comentário dos falantes, como nos casos apontados em 3.3.1. É o mais conclusivo dos fatos, que se mostraram, mesmo não sendo este o objetivo, pertinentes e aplicáveis.

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5. Anexos 5.1. Questionário 1 – Perguntas

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30

31

5.2.

Questionário 1 – Respostas

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37

38

5.3.

Questionário 2 - Perguntas

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5.4.

Questionário 2 – Respostas

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