VIDEOCLIPE, FANCLIPES, PUBLICIDADE E MUITO MAIS: O CAMINHO DE SINGLE LADIES NA CULTURA DA CONVERGÊNCIA

June 9, 2017 | Autor: C. Sabino Caldas | Categoria: Music Video, Participatory Culture, Fan Cultures, Media Convergence, Videoclipe
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VIDEOCLIPE, FANCLIPES, PUBLICIDADE E MUITO MAIS: O CAMINHO DE SINGLE LADIES NA CULTURA DA CONVERGÊNCIA 1 Carlos Henrique Sabino Caldas2 Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Bauru, SP RESUMO Este artigo analisa o videoclipe no ambiente da cultura da convergência e suas reverberações nos meios de comunicação. O objetivo é identificar um possível caminho que o videoclipe percorre e os fenômenos que tangenciam o comportamento do público/consumidor, dos produtores de conteúdos midiáticos e das empresas do ramo do entretenimento, descrevendo algumas formas de participação e fruição dos mesmos. Para isso, escolhemos examinar o videoclipe Single Ladies, da cantora Beyoncé. PALAVRAS-CHAVES: videoclipe; fanclipes; participação; convergência. INTRODUÇÃO As novas gerações estão sofrendo e experimentando uma série de contatos com os novos veículos de entretenimento e de comunicação, que exercem novos padrões comportamentais, perceptivos e participativos em relação à espacialidade do mundo atual. Videogames, celulares, ipods, entre outras tecnologias, estabelecem formas de acesso a informações e conteúdos a níveis de percepções estéticas e intelectuais diferenciadas jamais vistas em relação às gerações anteriores. Entender como isso tem impactado o mundo seria muita pretensão, mas podemos focar em uma área que irá ao encontro desse ambiente de convergência, que aqui delimitamos como objeto de estudo, o videoclipe na cultura da convergência. O videoclipe nasceu em um contexto de forte influência de novas tecnologias de imagem e som incorporadas ao fazer artístico. Mas, ao mesmo tempo, dentro de um ambiente de mídia de massa com forte presença da lógica de mercado e venda de produtos, e hoje tem evoluído para as novas mídias num processo emergente e rápido. Podemos ver esse formato em filmes publicitários, no telejornal, em documentários, nos filmes. Conforme Souza (2004, p. 176), o videoclipe foi “feito inicialmente para o gênero musical, tornou-se um formato de

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Trabalho apresentado no I Pró-Pesq PP – Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda. De 26/08/2010 a 27/08/2010. CRP/ECA/USP. 2 Publicitário, Especialista em Arte Educação pela FCT-UNESP. Atualmente cursa a disciplina: Narrativas audiovisuais nas mídias digitais em regime de aluno especial pela FAAC-UNESP, email: [email protected].



apoio a várias produções”. Ele também afirma que os gêneros o usam “para dar leveza” e, muitas vezes, para “mostrar a criatividade da produção e a qualidade da edição”. Segundo Machado (2000, p. 173), “o videoclipe aparece como um dos raros espaços decididamente abertos a mentalidades inventivas, capaz ainda de dar continuidade ou novas consequências a atitudes experimentais inauguradoras”. Ele nos remete a buscar suas influências ainda no “cinema de vanguarda dos anos 20, o cinema experimental dos anos 50 e 60 e a videoarte dos anos 60 e 70”. Já para Aufderheide, [...] os videoclipes ultrapassaram também os limites do próprio aparelho de TV, invadindo as salas de exibição, tomando conta de paredes de shopping centers e lojas de departamentos, e se fazendo presente até mesmo nas performances ao vivo e na cena dos clubes (2000 apud MACHADO, p. 179).

A partir disso, podemos perceber como o videoclipe está inserido no cotidiano das pessoas de uma maneira viva, sendo, assim, um forte candidato para contribuir no ambiente da convergência midiática e da cultura participativa. Isto nos levou às seguintes indagações: Como o videoclipe tem se portado nesse ambiente de convergência e participação, já que acreditamos que ele vive um processo de reinvenção3? Quais são as perspectivas do consumidor a respeito dessas transformações e como os líderes desta indústria estão agindo perante esse mercado em transição? Neste sentido, propusemos a pesquisa que irá analisar o videoclipe Single Ladies, da cantora Beyoncé, no ambiente da convergência midiática e cultura participativa. A finalidade é identificar um possível caminho percorrido pelo videoclipe e os fenômenos que tangenciam o comportamento do público/consumidor, dos produtores de conteúdos midiáticos e das empresas do ramo do entretenimento, descrevendo algumas formas de participação e fruição dos mesmos. O crivo para a escolha deste videoclipe foi a sua popularidade, tanto nos meios de comunicação de massa e na internet, quanto na publicidade, no sucesso de vendas e prêmios conquistados pela música/álbum/cantora. Separamos, aqui, o artigo em quatro tópicos que nos ajudará a melhor compreender as ideias aqui defendidas, sendo o primeiro deles o mundo numa ótica convergente; o segundo,



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O termo “reinvenção se encontra no livro de Arlindo Machado, A televisão levada a sério. O autor, brilhantemente, nos chama atenção que é “preciso prestar mais atenção aos videoclipes”, pois a visão de apenas um simples “formato audiovisual” já foi superada como uma forma de vender CDs, bandas ou promover artistas. O videoclipe se mostra grande em “ambições”, pois “explodiu os seus próprios limites e está se impondo rapidamente como uma forma de expressão artística de maior vitalidade em nosso tempo” (2000, p.173).



Single Ladies, Beyoncé; o terceiro, o caminho; e o quarto e último tópico apresentando nossas considerações finais.

O MUNDO NUMA ÓTICA CONVERGENTE Necessariamente, para entender como o videoclipe está se reinventando e se comportando neste contexto de convergência, devemos explicitar o que é convergência. Para isso, recorremos àquele que muitos denominam de o profeta da convergência, Henry Jenkins. Jenkins é professor de Ciências Humanas e fundador/diretor do programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT – Massachusetts Institute of Technology e propõe a discussão sobre o fenômeno em que a convergência se tornou, tanto nas transformações tecnológicas, culturais e sociais quanto mercadológicas no cenário atual dos meios de comunicação. Jenkins (2008) trabalha relacionando três conceitos na construção de seu argumento: “Convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva4” (p. 27). Segundo Jenkins (2008), a convergência é compreendida [...] ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam (p. 27).

“Fluidade” é o termo que ele utiliza para apresentar a ideia de coexistência dos conteúdos em múltiplos sistemas midiáticos (JENKINS, 2000, p. 334). Jenkins contesta a ideia de convergência como “um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos”, definindo-a como “uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos” (p. 27-28). Outra definição para a qual consideramos necessário o aprofundamento é o termo cultura participativa, que Jenkins (2008) define como “cultura em que fãs e outros consumidores são convidados a participar ativamente da criação e da circulação de novos conteúdos” (p. 333). Para ele, essa cultura existe há mais de cem anos e se potencializou em

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Por inteligência coletiva, termo cunhado por Pierre Lévy, Jenkins entende a “capacidade de comunidades virtuais de alavancar o conhecimento e a especialização de seus membros, normalmente pela colaboração e discussão em larga escala” (JENKINS, p. 337).



torno da internet, que a tornou acessível. Jenkins define o comportamento desse consumidor, denominado por ele de fan fiction ou fanfic, que são aqueles que [...] conversam sobre ideias para histórias como se estivessem batendo papo no café da manhã; leem e comentam os materiais compartilhados entre eles; e constroem as plataformas nas quais circulam as suas criações. O escritor de fan fiction existe ao lado do cosplayer5, que bola roupas e encarna personagens; o fã de música que cria, grava e circula faixas; o sujeito que reedita e remixa vídeos, e por aí vai. Esse tipo de cultura participativa existe há mais de cem anos, mas a internet a tornou acessível para um leque muito maior de participantes (PORTO, 2010, p. 1).

Neste mesmo raciocínio, Jenkins (2008) define que o estado atual em que vivemos é “onde as velhas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (p. 328). E, dentro dessa imprevisibilidade elucidada, o videoclipe insere-se como uma peça chave juntamente com o maior fenômeno da cultura participativa que transformou a mídia e a sociedade6, o Youtube. Um site desde o seu nascimento simples e ilimitado, o Youtube conquistou seu espaço na vida das pessoas até chegar às grandes corporações. Fundado em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawes Karim, o Youtube se transformou no maior site de uploads7 de vídeos que já existiu, oferecendo “funções básicas de comunidade, tais como a possibilidade de se conectar a outros usuários como amigos, e gerava URLS e códigos HTML que permitiam que os vídeos pudessem ser facilmente incorporados em outros sites” (BURGESS E GREEN, 2009, p. 18). Nesse intenso crescimento, a Google se adiantou e “pagou 1,65 bilhão de dólares” pelo site (p. 18). Vale ressaltar que “a cada minuto é feito upload de mais de 20 horas de vídeo; e cerca de 81,9% dos vídeos inseridos em blogs são do YouTube” (PORTO, 2010), aumentando essa estatística agora mesmo, sendo que seus [...] colaboradores constituem um grupo diversificado de participantes – de grandes produtores de mídia e detentores de direitos autorais como canais de televisão, empresas esportivas e grandes anunciantes, a pequenas e médias empresas em busca de meios de distribuição mais baratos ou de alternativas

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Cosplay é a confluência das palavras inglesas “costume” (fantasia) e “play” (jogar). É uma atividade em que pessoas se caracterizam e interpretam seus personagens preferidos de animações e quadrinhos, principalmente japoneses. Disponível a definição completa no site http://henshin.uol.com.br/wcs/o-que-e-cosplay/. 6 Esse termo é cunhado na capa do livro Youtube e a revolução digital.

aos sistemas de veiculação em massa, instituições culturais, artistas, ativistas, fãs letrados de mídia, leigos e produtores amadores de conteúdo (BURGESS e GREEN, 2009, p. 14).

Mas não podemos deixar de citar o que Burgess e Green (2009) ponderam como essencial para o entendimento sobre a cultura popular do Youtube, que “não basta tentar criar distinções claras entre a produção profissional e a amadora, ou entre práticas comerciais e de comunidade”, devemos pensar que todos os usuários que “fazem uploads, comentam ou criam conteúdo para o Youtube [...] são participantes potenciais de um espaço em comum; um espaço que comporta uma gama diversificada de usos e motivações, mas que tem uma lógica cultural coerente”, a que não são apenas produtores de conteúdos, mas audiência, que deixam rastros dentro dessa cultura participativa, tanto respondendo, comentando, usando compartilhando, tornando um ciclo evolutivo “à medida que o site evolui” (p. 82). Neste contexto, chego ao objeto deste artigo, o videoclipe e os fenômenos que tangenciam o comportamento do público/consumidor, dos produtores de conteúdos midiáticos e das empresas do ramo do entretenimento. Nesse ambiente de convergência é necessário buscar entender como esses personagens se comportam num espaço tão afetado pela cultura participativa, sendo que, no próximo tópico, trilharemos o caminho percorrido pelo videoclipe Single Ladies, de Beyoncé, descrevendo algumas formas de participação e fruição desses personagens. O VIDEOCLIPE SINGLE LADIES, BEYONCÉ Em 4 de setembro de 1981 nasceu no cenário da música pop a cantora que, em pouco tempo, se tornaria mundialmente famosa e ganharia diversos prêmios vendendo mais de 100 milhões de discos8. Seu nome é Beyoncé. Casada com o rapper Jay-Z, com o qual fez várias parcerias musicais, ela é considerada uma artista completa, pois, além de cantora, é também dançarina, compositora, arranjadora, produtora musical e até foi de coadjuvante a protagonista em filmes. Em sua discografia solo lançou três álbuns, sendo eles Dangerously In Love, em 2003, o B-Day, em 2006, e I Am... Sasha Fierce, em 2008. O sucesso desses trabalhos sempre esteve acompanhado por premiações e videoclipes. Em Crazy in Love, música de trabalho do primeiro álbum solo, Beyoncé conquistou o Grammy Awards de 2004, ganhando o título de

8 De acordo com a Sony Music, se juntar as vendas de discos de Beyoncé e do Destiny's Child, antigo grupo do qual ela fez parte, o resultado total ultrapassa mais de 100 milhões de discos vendidos.



melhor cantora, canção e disco de R&B, sendo que, em 2010, foi eleita pela revista britânica NME (New Musical Express) a melhor música da década de 2000. Na sequência, antes do segundo álbum, ela produziu mais quatro videoclipes, sendo que, até a data de produção deste artigo, ao todo, tanto como solo ou participação, ela participou de vinte e oito videoclipes. Após esse breve histórico da cantora, focaremos em especial o videoclipe Single Ladies. Single Ladies faz parte do último álbum, I Am... Sasha Fierce, gravado em 2008. A letra relata a história de uma mulher que não foi correspondida emocionalmente pelo antigo namorado e agora ela o esnoba, apontando para o dedo anelar e dizendo: “Porque se você gostasse de mim você teria colocado um anel no meu dedo” (tradução nossa). No refrão ela convoca todas as solteiras a protestar contra homens que não querem compromisso, erguendo a bandeira da independência feminina. Dirigido por Jake Nava, diretor e produtor musical de longa trajetória com artistas de sucesso em seu currículo, como Britney Spears, Mariah Carey, The Rolling Stones, o videoclipe traz Beyoncé com uma luva metálica em sua mão esquerda e mais duas pessoas, sendo uma mulher e outra transexual, de maiô preto, dançando freneticamente em um cenário todo branco. O Videoclipe é simples, todo em estúdio e fotografado em branco e preto. Traz uma particularidade de planos longos captados por uma grua automatizada que juntamente com a coreografia e os efeitos de iluminação sincronizados, que saturam o fundo branco, nos levam neste monocromatismo, nos leva a deter nossa atenção mais na dança e em suas expressões faciais. Vale a pena ressaltar que esse foi o terceiro videoclipe gravado em preto e branco, pois apenas os videoclipes das músicas Suga Mama e Flaws and All, ambos gravados em 2007 para seu segundo álbum, tinham utilizado esse recurso, e, em comparação com os videoclipes anteriores, o modelo empregado por Beyoncé era de cortes rápidos e cores intensas contrastantes. Lembramos, também, que a capa do terceiro álbum é monocromática, trabalhando, assim, com a mesma identidade visual atribuída ao terceiro álbum. O CAMINHO Quando falamos do lançamento de um álbum de um artista pela indústria fonográfica, devemos atentar para plano de mídia desenvolvido, pela marca que será divulgada, neste caso, a cantora Beyoncé, e para o produto que será divulgado, que, na ocasião é o CD, DVD e BLU-RAY e a marca Beyoncé. Mas qual é a maneira mais tradicional de divulgar um álbum utilizado pela indústria fonográfica? É o videoclipe! Caldas e Ferraz (2010) relatam que a indústria fonográfica logo



[...] apropriou-se desse alfabeto e o adaptou para a imagem televisiva, substituindo as apresentações um pouco estáticas em playback dos músicos nos programas de auditório por imagens movimentadas, contando histórias relacionadas com as letras ou então simplesmente exercitando a criatividade do diretor/músicos em imagens, tendo a música apenas como um elemento colaborador das mesmas. Tal autonomia de linguagem do videoclipe acabou incentivando o surgimento de canais especializados, como, por exemplo, a criação da emissora mais conhecida do gênero, a MTV (Music Television) (p. 2-3).

Mas devemos lembrar que ninguém cobra para assistir a um videoclipe, e quem investe em suas produções é a gravadora. Entretanto, neste conceito de convergência, ele se tornou muito além de uma peça promocional, pois o videoclipe evolui constantemente para algo mais autônomo ou até mesmo independente. No entanto o mercado fonográfico passa por uma crise mundial, sendo que seus modelos de negócios ruíram, tendo como marco histórico a criação do software NAPSTER9. De um lado, os usuários podiam compartilhar músicas, fotos e vídeos com o mundo inteiro, sem barreiras, mas, de outro lado, foi um duro golpe nas gravadoras, com quedas gigantescas em seus rendimentos. Para Leonhard (apud PORTO, 2009), as gravadoras “perderam seu grande negócio, que era vender cópias”, e aconselha a oferecer “a música junto de outros produtos e serviços”, dividindo seus rendimentos com provedores, empresas de internet, de telecomunicações, parando de lutar contra o que se chama hoje de pirataria. Neste ambiente, a gravadora precisa resgatar os investimentos aplicados e a marca é a que acaba sendo mais valorizada no processo. E, neste âmbito, a participação dos fãs colabora a divulgação e promoção, muitas vezes de uma maneira positiva ou negativa. Desde modo, pensamos o videoclipe no âmbito da convergência, como se ele caminhasse por uma estrada da participação dos fãs e consumidores. Seria impossível e até irrealizável citar, neste artigo, todos os caminhos percorridos pelo videoclipe Single Ladies, da cantora Beyoncé, nas mídias tradicionais e nas novas mídias. Contudo separamos alguns que consideramos essenciais para enriquecimento desta discussão.



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Napster, criado por Shawn Fanning, foi o programa de compartilhamento de arquivos em rede P2P que protagonizou o primeiro grande episódio na luta jurídica entre a indústria fonográfica e as redes de compartilhamento de música na internet. Compartilhando, principalmente, arquivos de música no formato MP3, o Napster permitia que os usuários fizessem o download de um determinado arquivo diretamente do computador de um ou mais usuários de maneira descentralizada, uma vez que cada computador conectado à sua rede desempenhava tanto as funções de servidor quanto as de cliente. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Napster.



O CAMINHO NA TELEVISÃO E NA INTERNET Preferimos iniciar esses apontamentos com a TV e a internet juntos, pois em nossos levantamentos, eles foram os meios com mais indícios de passagem do videoclipe, tanto no lançamento do álbum como na troca de vídeos da internet para a TV e da TV para internet, produzindo um ciclo. O videoclipe foi lançado junto às emissoras de TV e a sites especializados no dia 13 de outubro de 2008 nos Estados Unidos. No lançamento e divulgação do videoclipe, a gravadora primeiramente trabalhou com a estratégia de exibição em canais e programas especializados, seguido por programas de TV que interagiam ao vivo com a cantora Beyoncé. Mas temos uma peculiaridade nesta estratégia de divulgação, a participação de Beyoncé no programa de humor Saturday Night Live, da NBC, no dia 15 de novembro de 2008, um mês após o lançamento, no qual ela participou de um quadro do programa que simula a gravação do clipe Single Ladies e é surpreendida com seus parceiros de dança, em especial Justin Timberlake, de maiô e salto alto. Vemos isso como um indício do que acontecia na internet ao mesmo tempo, com mais de três milhões de exibições, só no Youtube, em um mês de lançamento10. Começava, aí, a ação dos fãs. Destacamos aqui quatro vídeos, o Single Ladies, de Shane Mercado, o Baby Dancing to Beyoncé, o Single Ladies Pomplamoose Music e Single Ladies Barack Obama11. A opção não foi por quantidade de exibições, mas pelas características próprias de cada um. Temos o primeiro vídeo com um teor de fã que aprende a coreografia do videoclipe, grava e posta na internet com a intenção de homenagear sua artista preferida. Logo após a inserção do videoclipe no Youtube, a Sony Music, gravadora responsável, exigiu que o vídeo fosse retirado do Youtube por que ele tinha se tornado muito acessado. O sucesso foi tanto que Shane Mercado foi convidado por vários programas de televisão nos Estados Unidos a executar sua performance ao vivo. No segundo vídeo temos o modelo de consumidor que possui uma câmera doméstica e grava o cotidiano familiar e surpreende-se com algum fato diferente de seu filho, um bebê que está começando a ficar de pé apoiando-se numa mesinha em frente à televisão, o qual se encanta com o videoclipe Single Ladies e começa a se movimentar conforme o videoclipe. Logo após, o pai envia o trecho do vídeo para o Youtube.

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Dados fornecidos no próprio site do Youtube, sendo a primeira indicação de pesquisa datada de 14/11/2008 com o nome “beyoncé single ladies” com 3.849.505 exibições.

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Esses quatro vídeos são encontrados no site do Youtube com essa nomeação descrita no artigo.



No terceiro caso temos um fenômeno muito peculiar, pois encontramos não apenas consumidores, mas profissionais da música e do vídeo desenvolvendo trabalhos de uma maneira bastante criativa na busca de reconhecimento do público e até pelas gravadoras. Neste caso, a dupla Jack Conte e Nataly Dawn regrava sucessos da música em seu estúdio domiciliar, desenvolvendo uma roupagem acústica e inovadora que ultrapassa apenas uma cópia da original, com uma interpretação própria e inventiva. E, por último, temos o caso em que o fã ou consumidor produz uma paródia. Esse tipo de pessoa, mesmo de uma maneira amadora, desenvolve suas produções imitando a original de uma forma, muitas vezes, irônica e debochada. Nesse caso específico, o vídeo tem como personagem principal um sósia do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que, de maneira despojada, se apresenta como um pop star demonstrando que agora as coisas vão melhorar da maneira “Barack Obama” de ser. Após essa análise dos vídeos produzidos por fãs e consumidores para a Internet, retornamos à televisão. Podemos observar que após essa ascensão do videoclipe na Internet vários programas se apropriaram deste modelo. Temos três exemplos distintos escolhidos para análise: o quadro Lata Velha, do programa Caldeirão do Huck, o teaser do seriado Glee, da Fox, e a paródia realizada no programa os Legendários, da Record. Nesses três casos há algo em comum, a reinterpretação quase fiel do videoclipe original. No primeiro caso a história gira em torno do quadro televisivo Lata Velha, que restaura um carro em condições precárias, mas, como condição, é necessário que o participante passe por uma prova. A prova escolhida, neste caso, é a reconstituição do videoclipe Single Ladies ao vivo no palco do programa. No segundo caso, foi produzido um teaser-comercial de um minuto com o ator Mark Salling, do seriado Glee, encenando juntamente com outras duas amigas a regravação do videoclipe Single Ladies com uma pequena câmera doméstica na garagem de sua casa, até que são surpreendidos com a chegada do pai, que desliga o som com o rosto de desaprovação, despertando, assim, a curiosidade do telespectador para o próximo episódio da série. Neste caso podemos perceber que a cena remete ao perfil do fã que aprende a coreografia e sonha em ficar famoso como no caso do vídeo de Shane Mercado. Agora, no último caso, temos a paródia protagonizada pelo apresentador Marcos Mion que, juntamente com outros dois humoristas, reinterpreta de uma maneira engraçada e cômica o videoclipe de Beyoncé. Vale lembrar que o videoclipe da paródia e o original são apresentados na mesma tela com a intenção de comparação, sendo o vídeo original a direita



da tela e a paródia à esquerda. Para encerrar o ciclo, esses três casos voltaram para a internet em blogs e pelo Youtube, promovendo ainda mais a participação dos consumidores e gerando outros vídeos, agora com um novo referencial, os programas que reinterpretaram o videoclipe original. Podemos também citar os vídeos do caldeirão pirata, uma versão do caldeirão do Huck para internet, em que o coreógrafo Fly Dance ensina os passos da dança Single Ladies. O CAMINHO NOS GAMES, CINEMA E PUBLICIDADE Após os apontamentos e análises realizados do caminho do videoclipe na TV e na Internet, prosseguiremos com o foco nos games, no cinema e na publicidade, relatando alguns casos que consideramos essenciais para este artigo. No caso dos games, destacamos os jogos que trabalham com simulação de vida, especificamente o The Sims e Second Life. Podemos encontrar, na internet, tanto em blogs ou no Youtube, vídeos produzidos por esses consumidores através desse suporte. O que destacamos aqui é a releitura que tais consumidores fizeram do clipe original, sendo que, em vários vídeos, muitos criaram novas histórias, rompendo a estética do videoclipe original acrescentando até outros personagens na narrativa. Já no cinema, selecionamos dois filmes que utilizam não só a música, mas o formato e a narrativa do videoclipe original. No filme Alvin e os Esquilos 2 encontramos o trio denominado as “esquiletes” que, no show de estreia, canta e coreografa a música Single Ladies. Lembramos, também, que no trailer elas aparecem como a grande surpresa do filme e a cena utilizada para caracterizar é a mesma. Encontramos a música também no filme Sex and the City 2, na performance de Liza Minelli. Já esse filme traz várias semelhanças com o discurso empregado no videoclipe, como, por exemplo, a emancipação e independência feminina na vida social, cultural, econômica e profissional. Nos dois filmes a coreografia, o figurino e até os planos de imagens seguem a estética empregada no videoclipe original. Prosseguindo agora para a publicidade, escolhemos citar primeiramente a campanha da Seara seleção do seu coração. O participante da promoção tinha que enviar três códigos de barra dos produtos da marca Seara com a frase respondendo: Qual é a marca torcedora oficial da família brasileira? No vídeo promocional da Seara foi escolhido o trio de ataque do Santos Futebol Clube que encantou o Brasil no primeiro semestre de 2010. O comercial utilizou a ideia do videoclipe Single Ladies, trocando os personagens pelos os craques do futebol Robinho, Neymar e Ganso. Eles coreografaram a dança com a bola de futebol, desenvolvendo suas habilidades de craque. Lembrando que até os movimentos de câmera e cenário são



praticamente os mesmos do clipe original. Após a veiculação desse material, tanto em redes de TV quanto no site, adveio a participação dos fãs dos jogadores e consumidores, reiniciando o ciclo de participação, produzindo paródias e clipes para a rede. Outro exemplo em publicidade é a estratégia de marketing viral12 desenvolvida pela Trident, colocando cem Beyoncés para coreografar o videoclipe na cidade de Londres. Essa estratégia é chamada de flashmob, que significa aglomerações instantâneas em um lugar público. Vale destacar também os concursos promocionais fundamentados no videoclipe, como, por exemplo, o programa Domingo Legal, do SBT, e o próprio concurso desenvolvido no site da cantora Beyoncé. No primeiro concurso o trio se inscreve e dança no programa ao vivo, passando pelo crivo da plateia. Já no segundo concurso, o fã grava o videoclipe e o envia para o site da cantora, concorrendo a prêmios. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após esses apontamentos e análises feitas ao longo deste artigo, procuramos indicar o momento de transição que vivemos e como as novas gerações estão sofrendo e experimentando esses novos padrões comportamentais, perceptivos e participativos em relação à cultura da convergência. A busca pelo entendimento do comportamento do público/consumidor, dos produtores de conteúdos midiáticos e das empresas do ramo do entretenimento, nos levou à compreensão de que os meios de comunicação de massa estão procurando soluções e novos modelos de negócios para chegar ao público, um público que quer participar, e o videoclipe se mostra, desde a sua criação, como um meio que agrega valores e dita um estilo de vida para seus fãs/consumidores. Por ele estar inserido no cotidiano das pessoas de uma maneira viva, torna-se uma obra inspiradora dentro da cultura participativa e da convergência midiática, tanto para ser imitado, copiado, utilizado como idéias de programas televisivos e filmes ou até vender um produto em uma campanha publicitária. Tanto os fãs/consumidores, produtoras de conteúdos midiáticos e até as empresas de entretenimento, se apropriam da sua linguagem e estética, participando ativamente da circulação de novos conteúdos, nutrindo, assim, essa cultura. Eis o desafio e a riqueza e, com esta pesquisa, demos os passos iniciais para futuros e necessários aprofundamentos.

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“Formas de promoção que dependem de os consumidores passarem adiante informações ou materiais para seus amigos e familiares”. (JENKINS, 2008, p. 338)



REFERÊNCIAS BURGESS, J.; GREEN, J. Youtube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade. Tradução Ricardo Giassetti. São Paulo: Aleph, 2009. CALDAS, C.H.S.; FERRAZ, C. B. O. O videoclipe: aproximações entre a arte e a comunicação. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, 15., 2010, Vitória. Anais eletrônicos... Espírito Santo: UFES, 2010. Disponível em: . Acesso em: 27 jul. 2010. GALO, B. Entrevista: Gerd Leonhard. Estadao.com.br, São Paulo, 07 out. 2009. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2010. JENKINS, H. Cultura de convergência. Tradução Suzana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2008. MACHADO, A. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1988. ______. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2000. PORTO, B. Henry Jenkins: 'O jovem é o guardião da cultura'. O globo magazine, Rio de Janeiro, 25 maio 2010. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2010.

SOUZA, J.C.A. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004.

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