Violência urbana: a vulnerabilidade dos jovens da periferia das cidades

May 30, 2017 | Autor: A. Nogales Vascon... | Categoria: Demography
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Violência urbana: a vulnerabilidade dos jovens da periferia das cidades Ignez Costa Barbosa Ferreira Ana Maria Nogales Vasconcelos Nelba de Azevedo Penna

Palavras-chave: vulnerabilidade, violência, território de risco, mortalidade de jovens, risco, estrutura de oportunidades

Resumo A violência urbana é atualmente um dos temas priorizados nos estudos das cidades, especialmente dos grandes aglomerados urbanos. Além das implicações de ordem econômica, social e territorial, a morte por homicídio vem se colocando no mundo atual como uma verdadeira endemia. As estatísticas mundiais apontam para a problemática da mortalidade de jovens entre 15 e 29 anos, vítimas de homicídios nas cidades. Estudos realizados em BrasíliaDF, Brasil, confirmam essa tendência, na qual o homicídio é uma das principais causas de morte. A busca de soluções e medidas de controle da violência é um desafio que requer a avaliação de suas diferentes dimensões em termos de suas conseqüências e injunções de ordem social, econômica, política e territorial. A partir de um estudo de detalhe para a Área Metropolitana de Brasília, o trabalho procura dar sua contribuição ao entendimento do fenômeno. Procura-se detectar as ações específicas do lugar e a oferta de oportunidades do mesmo para a população jovem e a interação destas com as condições sociais e culturais da população. Dessa interação resultaria a vulnerabilidade da população jovem face à violência, no contexto da temporalidade que marca esse momento da história da América Latina. Os resultados apontam para a ligação da violência com o território da cidade tendo-se detectado verdadeiros “territórios da violência” no espaço urbano da capital planejada espaços de grande vulnerabilidade - à semelhança do que vem ocorrendo na grande maioria das metrópoles latino-americanas.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Esse trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “Territórios de Risco no Distrito Federal”, com apoio da FAP-DF. Professora Emérita da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB). Professora Adjunta da Universidade de Brasília, do Departamento de Estatística e coordenadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB). Professora Adjunta da Universidade de Brasília, do Departamento de Geografia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB) .

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Violência urbana: a vulnerabilidade dos jovens da periferia das cidades Ignez Costa Barbosa Ferreira Ana Maria Nogales Vasconcelos Nelba de Azevedo Penna

Introdução A mortalidade dos jovens entre 15 e 29 anos, vítimas de homicídios, nas cidades, no Brasil e no mundo, torna-se uma das questões mais preocupantes da atualidade. O homicídio como uma das principais causas de morte dos jovens coloca–se como uma verdadeira endemia. Violência sempre existiu em todas as sociedades e em todos os tempos como forma de resolver conflitos entre pessoas, na família, na comunidade e entre os países. Atualmente, no entanto, convive-se com as formas tradicionais de violência e as novas, para as quais ainda há uma certa perplexidade. A mortalidade dos jovens coloca-se como um desafio não apenas pelo aspecto quantitativo, mas principalmente pela complexidade da problemática e suas conseqüências de ordem demográfica, econômica, social e de saúde. No sentido de contribuir para o entendimento desse fato, o presente trabalho analisa a experiência da Área Metropolitana de Brasília - AMB (Mapa 1) e enfoca o problema a partir de uma perspectiva territorial. Admite-se que a população de 15 a 29 anos constitua numa faixa de risco da violência e procuram-se os pontos vulneráveis dessa população. Como ela é afetada pelas oportunidades e riscos que se apresentam no território da cidade onde vivem? Como reage a população residente às carências e peculiaridades do território? Em que se constitui o risco nessa faixa etária? De um modo geral, os estudos que abordam a temática da vulnerabilidade colocam o risco em termos ecológicos e ambientais. No presente trabalho o risco é social. Procura-se detectar a estrutura de oportunidades que o território apresenta para a população jovem e a interação daquelas com as características sociais, econômicas e culturais da população. Dessa interação resultaria a vulnerabilidade desses jovens face à violência urbana. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Esse trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “Territórios de Risco no Distrito Federal”, com apoio da FAP-DF. Professora Emérita da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB). Professora Adjunta da Universidade de Brasília, do Departamento de Estatística e coordenadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB). Professora Adjunta da Universidade de Brasília, do Departamento de Geografia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/CEAM/UnB).

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Os resultados apontam para a ligação da violência com o território da cidade, detectando-se verdadeiros territórios de risco dentro do espaço urbano “territórios da violência” onde a população jovem se torna mais vulnerável à violência.

Mapa 1 – Área Metropolitana de Brasília, 2005.

O território como estrutura de oportunidades O esforço na busca de explicação para a violência que está vitimando os jovens nas cidades brasileiras leva-nos a propor o enfoque territorial da problemática. Para tanto se faz necessário uma breve referência à formação do território nas cidades e a relação do mesmo com a criminalidade. As diferenças sociais, econômicas, culturais e etc. se espacializam e, assim, se forma o território, ao mesmo tempo em que se criam os respectivos espaços dos processos sociais responsáveis por tais diferenças Essa espacialização é, por si mesma, a expressão de uma relação entre as diferenças sociais e o território. A localização de atividades ou pessoas no território depende das condições que o território apresenta e do poder de escolha dos grupos, da sua maior ou menor liberdade de escolha e das condicionantes sociais desse grupo: grupos elitizados e dominantes têm maior 3

liberdade de escolha de localização em relação às oportunidades que o território apresenta e usufruem mais vantagens locacionais. Um padrão de ocupação espacial é, então, o resultado dessas escolhas ou decisões, com graus diferentes de liberdade e de empoderamento. A espacialização só confirma as diferenciações sociais existentes e que se tornam espaciais, sem deixar de ser sociais. O padrão de ocupação do território alimenta essas diferenças e vai além delas: leva à segregação sócio-espacial e à periferização. Periferização e segregação são fatores a mais de exclusão e significam menos oportunidades de inserção da população. Em suma, quem tem mais dificuldade de acesso às oportunidades do ponto de vista social fica mais afastado delas do ponto de vista espacial. Daí o aumento dos riscos da exclusão e dificuldade de inserção. Isso configura a injustiça espacial. Assim falar de (in)justiça social seria, simultaneamente, falar de (in)justiça espacial. Espacializadas, as tendências à desigualdade e à injustiça se acentuam por inércia. Pode-se considerar que o espaço exerce uma forma de opressão e de exclusão. Trata-se da produção espacial da injustiça social, com os territórios das exclusões e da opressão. Esses territórios se formam no bojo do processo de urbanização excludente, que tem por base as desigualdades sociais e econômicas, especialmente num contexto de forte concentração de renda e de poder. É nos territórios da segregação e da pobreza, que a violência se manifesta em todos os seus aspectos: omissão do estado, quebra do contrato social, falta de acesso à saúde, à cidadania, à instrução, à formação profissional, ao mercado de trabalho, à segurança e às infra-estruturas urbanas. É a urbanização sem urbanidade, sem justiça social. Nesses locais desvalorizados, marcados pela ausência do estado e das instituições públicas, abandonados pela lei e onde o contrato social é rompido, abrigo da população excluída socialmente e espacialmente periferizada, o crime organizado se instala. As periferias pobres oferecem, então, a localização privilegiada para o estabelecimento do território do crime: a ilegalidade, a ausência de segurança pública, a ausência das instituições de controle público e a informalidade. As organizações criminosas se apropriam desses locais, os tornam seus territórios e daí articulam as ações no espaço urbano. São os territórios da violência, descontínuos, mas articulados pela ação criminosa. A organização criminosa forma seu exército com a população excluída que habita esses locais. O crime organizado arma a população para servir aos seus propósitos e a submete; traz os jovens para seu serviço e os descarta quando bem entende. Os confrontos com o estado geram violência e os conflitos dentro da sociedade armada, facilmente se transformam em homicídios. Dessa forma, a violência e os homicídios aumentam. Em contrapartida a mobilidade social da população fica bloqueada, cooptada pela ordem criminosa. Um verdadeiro desenvolvimento sócio-espacial é bloqueado pela “asfixia de organizações comunitárias, tolhimento da liberdade dos moradores” (Souza, 1996:426) Assim o crime organizado age no sentido de acentuar a exclusão social e impedir o desenvolvimento desses enclaves do espaço urbano. A criminalidade se favorece da pobreza que se torna funcional para o crime e este contribui para aumentá-la, inclusive gerando novas exclusões pela via da inclusão de jovens pobres no vício e na criminalidade, na cooptação das 4

comunidades carentes e no descrédito nas instituições da sociedade organizada. Assim como a violência, outras ações perversas atuam sobre a população, nesse lugar. Criam-se, então, os territórios de risco que alimentam as exclusões e a vulnerabilidade. Pode-se concluir que o espaço não é apenas um pano de fundo onde as ações sociais se inscrevem, nem somente o palco onde ocorrem, ou apenas, as reflete. Ele tem seu papel nos processos sociais ao reproduzi-los, mas não é determinante. O espaço se apresenta à sociedade com sua estrutura de oportunidades que é relativizada segundo o grau de liberdade de escolha e do poder de decisão do grupo social. Admite-se, então que a problemática da violência que atinge os jovens poderia ser explicada pela situação de vulnerabilidade dessa faixa de risco. Entende-se que a vulnerabilidade resultaria da interação entre as condições apresentadas pelo território (estrutura de oportunidades/riscos) e as características sociais, econômicas, culturais e políticas da população do lugar (seus ativos sociais, seus potenciais, sua inserção ou exclusão, periferização e ou segregação).

Os territórios de risco na Área Metropolitana de Brasília e a vulnerabilidade dos jovens O mapeamento da moradia dos jovens de 15 a 29 anos vitimados por homicídio na Área Metropolitana de Brasília, em 2004, mostra um padrão de localização no espaço urbano (Mapa 2) no qual o risco ao homicídio é consideravelmente menor no centro e adjacências e aumenta em locais específicos da periferia da Área Metropolitana. Esses locais apresentam condições que favorecem a vitimização de seus jovens. Eles têm em comum o fato de terem sido criados pelo poder público no caso do Distrito Federal, ou pela iniciativa privada, no caso dos municípios goianos. No Distrito Federal, desde o início da implantação da capital federal, as favelas e as ocupações informais dos pobres foram “erradicadas” da área planejada, e a população deslocada no território e transferida para os novos assentamentos promovidos pelo poder público na periferia. Nos municípios goianos, a iniciativa privada promoveu loteamentos para o atender a demanda do mercado constituído pela população de baixa renda, oriunda do Distrito Federal (Vasconcelos, et al. 2006). Com a finalidade de servir de moradia para a população carente, essas localidades e municípios foram dotados do mínimo de infra-estrutura. Assim, com a função exclusivamente residencial de população de baixa renda e de atividades ligadas à reprodução da mesma, não se desenvolveu nesses locais, o leque de atividades econômicas diversificadas que pudessem promover a elevação da renda e a geração de empregos qualificados. Em Brasília, a cidade planejada como pólo de atividades do setor terciário e quaternário, eminentemente centralizados, e a ausência de industrialização levou a não polarização periférica de empregos. A periferia fica na dependência do poder aquisitivo da população residente para expandir seu leque de atividades (Ferreira e Penna, 1996). Por outro lado, essas localidades não receberam por parte do poder público investimentos no desenvolvimento de atividades econômicas.

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Mapa 2 – Homicídio de jovens de 15 a 20 anos na Área Metropolitana de Brasília

Fonte: Ministério da Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade, 2004.

A estrutura de oportunidades desses territórios configura um quadro de precariedade da ocupação, marcado por: 1. Reduzida atividade econômica Na Área Metropolitana de Brasília, a atividade econômica se concentra espacialmente e economicamente no núcleo central, formado pelo Plano Piloto, Cruzeiro, Lago Sul, Lago Norte, Guará e Núcleo Bandeirante - (Figura 1). Com o terceiro maior PIB entre as capitais do país, o Distrito Federal tem 94,1% da sua riqueza gerada pelo setor terciário, com uma participação expressiva do setor público (59%), seguido pelo setor de comércio e serviços (20%). Os estabelecimentos públicos e privados localizam-se, sobretudo, na área central: 40% na Região Administrativa de Brasília (Plano Piloto), 17% em Taguatinga e 10,5% no Guará (SEDUMA, 2007). Essas características levam a que 78% dos empregos formais se localizem na área central (RAIS - 2005 apud SEDUMA, 2007). Fora do centro, no conjunto da Área Metropolitana, as atividades econômicas têm função eminentemente de atendimento local às demandas cotidianas da população de baixa renda, às suas necessidades elementares tanto no comércio como nos serviços. São predominantemente pequenas empresas, por vezes informais, que pagam baixos salários e empregam reduzido número de pessoas. São as fábricas de fundo de quintal, dividindo 6

espaço com a residência. São numerosas, mas de baixo nível tecnológico, de organização familiar, de baixa qualificação e de baixa rentabilidade do trabalho. O PIB dos municípios goianos formadores da Área Metropolitana expressam essa baixa atividade econômica, com exceção do município de Luziânia, oitavo PIB do estado de Goiás. O conjunto desses municípios detém 26% da população e geram apenas 5,8% do PIB da Área Metropolitana de Brasília (IBGE, 2007).

2. Desemprego, falta de oportunidades de trabalho e de geração de renda A pesquisa de emprego e desemprego (PED) do DIEESE/GDF classifica as localidades do Distrito Federal em três grupos segundo a renda média familiar. As localidades incluídas no Grupo 1 são as de mais elevada renda: Plano Piloto, Lago Sul e Norte, ou seja, parte do núcleo central da Área Metropolitana definido anteriormente. O Grupo 2 é muito heterogêneo, com localidades de rendas elevada, como Cruzeiro, de rendas intermediárias como Guará, Núcleo Bandeirante, Taguatinga e Sobradinho, e localidades de rendas mais baixas, como Candangolândia, Riacho Fundo e Planaltina.2 Já no Grupo 3 estão as localidades de menores rendas médias no Distrito Federal: Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e Recanto das Emas. Os Grupos 2 e 3 apresentam as mais elevadas taxas de desemprego em todos os anos pesquisados (ver Portal do DIEESE). A taxa de desemprego, considerando todas as faixas etárias a partir de 10 anos, foi de 10,3% no Grupo 1, 18,3% no Grupo 2 e 26,5% no Grupo 3 em 2004. Isso demonstra a menor capacidade de a população de mais baixa renda de se inserir no mercado de trabalho, principalmente, tratando-se da população jovem, para a qual a taxa de desemprego se eleva a 36,5% no Grupo 3. Essa taxa é 70% mais elevada que a dos jovens residentes no Grupo 1.3

Tabela 1 – Taxas de desemprego por grupos de localidade de residência. Distrito Federal. 2004. Grupo de localidade de residência no Distrito Federal Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

Taxa de desemprego >= 10 anos 15 a 29 anos 10,3% 21,0% 18,3% 29,0% 26,5% 36,5%

Fonte: Convênio: DIEESE/SEADE-SP/MTE-FAT/STb-GDF. PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal. 2004.

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As localidades do Grupo 2 são também internamente muito heterogêneas, com bairros ocupados por famílias de rendas média e média alta, e bairros com famílias de muito baixa renda, como o caso de Taguatinga e Guará. A cidade de Planaltina no Distrito Federal, outro exemplo, existente antes da construção da capital federal, com crescimento populacional acelerado entre 1991 e 2000, tem um centro tradicional com famílias de rendas mais elevadas e bairros caracterizados pela ocupação irregular com famílias de rendas muito baixas. 3 Em 2004, o Varjão, localidade de muito baixa renda, ainda era considerado como parte do Lago Norte. Isso certamente explica o valor elevado da taxa de desemprego dos jovens no Grupo 1, de 21%.

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3. Precariedade da infra-estrutura urbana Os dados sobre acesso à rede geral de abastecimento de água, acesso à rede geral de esgotamento sanitário e coleta de lixo do Censo Demográfico de 2000 expressam a precariedade da infra-estrutura urbana dos municípios goianos limítrofes (IBGE, 2000 e Mathieu e Ferreira, 2006), mas não são suficientes para discriminar a precariedade dessa infra-estrutura no interior do Distrito Federal. Essa precariedade se expressa pela falta de escoamento de águas pluviais, acúmulo de lixo nas vias e locais públicos, falta de pavimentação das vias, ausência de iluminação pública adequada. A poeira na época seca e o lamaçal na época chuvosa marcam a paisagem dessas localidades. A foto abaixo de uma área da periferia da cidade de Planaltina no Distrito Federal ilustra as condições precárias da infra-estrutura urbana em várias das localidades fora do núcleo central. Figura 1 – Foto da Vila Pacheco. Planaltina. Distrito Federal. 2002

Fonte: IBGE, Atlas de Saneamento, Rio de Janeiro, 2004. 4. Ausência e/ou dificuldade de acesso aos equipamentos urbanos Nos municípios goianos da Área Metropolitana, os dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC – do IBGE, em 2006 (Tabela 2), evidenciam o número insuficiente de equipamentos de lazer, cultura e de esportes existentes. A pesquisa apenas informa o número e não a qualidade e capacidade desses equipamentos. Em Luziânia e Formosa, cidades mais consolidadas, os equipamentos são em número um pouco maior que nas demais cidades surgidas após desmembramentos e de ocupação mais recente. Os equipamentos esportivos se referem, sobretudo a campos de futebol, mostrando a pouca diversidade para a prática esportiva nesses municípios. O contraste com o Distrito Federal é expressivo. No entanto, apesar de as informações não permitirem o detalhamento da 8

localização desses equipamentos dentro do Distrito Federal, é de fácil observação que eles se concentram no núcleo central. No interior do Distrito Federal, nas localidades mais afastadas do centro, e, principalmente, naquelas de mais baixa renda familiar média, a existência de equipamentos de cultura e lazer se assemelha em muito ao observado nos municípios goianos. Como se trata de localidades de baixo poder aquisitivo, os investimentos privados em equipamentos de lazer e de cultura não são estimulados pelo mercado e os investimentos públicos são pouco diversificados, pela falta de interesse político. Nesse contexto, os jovens são os mais atingidos, porque são poucas as alternativas de lazer e entretenimento. Nessa faixa etária, atividades dessa natureza são fundamentais para a formação e para a transição para a vida adulta. Tabela 2 – Equipamentos urbanos culturais, de lazer e esportivos nos municípios da Área Metropolitana de Brasília, 2006. Biblioteca

Teatro

Museu

Cinema

Centro Cultural

Equipamentos esportivos

Municípios goianos Águas Lindas de Goiás Cidade Ocidental Formosa Luziânia Novo Gama Planaltina Santo Antônio do Descoberto Valparaíso de Goiás

1 1 3 2 2 2 1 2

1 1 -

1 1 -

1 1

1 1 1

2 3 7 5 3 2 2

Distrito Federal

23

23

44

20

9

105

Localidades na AMB

Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, 2006. No que se refere aos equipamentos de saúde, além do número insuficiente de estabelecimentos e leitos nos municípios goianos, na maioria das vezes, os serviços são precários e não atendem adequadamente a população. A população desses municípios vem procurar atenção à saúde na rede pública do Distrito Federal, que mantém hospitais e unidades de saúde na maioria das localidades no interior do Distrito Federal. No entanto, se o número de equipamentos e leitos é muito superior no Distrito Federal, ele também não é distribuído de acordo com as necessidades da população. O número de leitos por habitante evidencia a concentração dos serviços de saúde, incluindo os da rede pública, no núcleo central da Área Metropolitana. (Tabela 3). Da mesma forma, os equipamentos de segurança pública nos municípios goianos da Área Metropolitana são insuficientes, precários e não atendem às demandas da população. Os índices de violência nesses municípios e a situação precária da segurança pública levaram ao deslocamento da Força Nacional de Segurança para esses municípios, como noticiado pela mídia, em 2007. Informações precisas sobre o número de delegacias e recursos humanos na área de segurança pública não estão disponíveis, mas o que tudo indica é que a situação de precariedade permanece (Portal Terra, http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2455137-EI5030,00.html; acesso em 05/04/2008).

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Já no Distrito Federal, os equipamentos de segurança pública, como os outros equipamentos urbanos, estão concentrados no núcleo central. Do total de delegacias e postos policias existentes em 2000, 35% localizava-se no núcleo central (GDF, Anuário Estatístico, 2005). Tabela 3 – Equipamentos de saúde nos municípios da Área Metropolitana de Brasília, 2006. Localidades na AMB Municípios goianos Águas Lindas de Goiás Cidade Ocidental Formosa Luziânia Novo Gama Planaltina Santo Antônio do Descoberto Valparaíso de Goiás

População 2007

Estabelecimentos

131.884 48.589 90.212 196.046 83.599 76.376 55.621 114.450

17 16 37 40 15 27 21 25

Saúde Leitos 0 40 113 114 61 92 40 33

Leitos/1000 hab 0,0 0,8 1,3 0,6 0,7 1,2 0,7 0,3

Distrito Federal 2.455.903 1721 4969 2,0 Núcleo Central 543.933 … 3280 6,0 Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, 2006; IBGE, Contagem Populacional 2007; Governo do Distrito Federal, Anuário Estatístico, 2005, (http://www.distritofederal.df.gov.br/), acesso em 03/04/2008.

5. Distância dos empregos O Núcleo Central da Área Metropolitana de Brasília que concentra a atividade econômica e os empregos, além dos equipamentos urbanos de saúde, lazer e cultura, tem apenas 17% da população residente. Essa concentração de equipamentos e de empregos, distante do local de residência da grande maioria da população, acarreta a necessidade do deslocamento diário para o trabalho a grandes distâncias. Cotidianamente, os trabalhadores devem percorrer mais de 30 Km entre a residência e o local do trabalho. Segundo os dados do Censo Demográfico de 2000, os deslocamentos dos municípios goianos da Área Metropolitana para o Distrito Federal são muito expressivos, representando, para alguns municípios, mais de 30% da população residente que trabalha ou estuda. No Distrito Federal, segundo os dados da PED-DF para 2004, 57,8% dos ocupados declarou como localidade do trabalho o núcleo central da Área Metropolitana. Esses deslocamentos dependentes do transporte coletivo constituem em mais um fator tanto para o desemprego aberto quanto para o desalento. Muitos empregadores inclusive selecionam os seus empregados segundo o local de residência, pois o valor do transporte onera os salários pagos. Os dados da PED-DF mostram como o desemprego aberto, por desalento e trabalho precário são muito mais prevalentes nas localidades dos Grupos 2 e 3, mais distantes do Plano Piloto e de outras localidades centrais que concentram a atividade econômica da Área Metropolitana. Essa situação é ainda mais grave entre os jovens nas localidades do Grupo 3, principalmente (Tabela 4).

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Tabela 4 – Taxa de desemprego segundo situação por faixa etária e grupos de localidades. Distrito Federal. 2004. Taxa de desemprego Grupos de localidades Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

>= 10 anos Aberto Desalento 7,9% 1,9% 12,8% 2,9% 14,8% 5,0%

15 a 29 anos Trabalho Trabalho Precário Aberto Desalento Precário 0,6% 16,3% 3,6% 1,0% 2,6% 21,6% 4,8% 2,7% 6,8% 22,0% 7,1% 7,3%

Fonte: Convênio: DIEESE/SEADE-SP/MTE-FAT/STb-GDF. PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal. 2004.

6. Precariedade da habitação e situação fundiária indefinida A incerteza da permanência no local de moradia, devido à ameaça de remoção, relacionada à irregularidade da situação fundiária, à obediência às normas de edificação, às restrições impostas pela legislação ambiental e à inadimplência dá um caráter de provisoriedade à ocupação e contribui para a precariedade da mesma. Segundo o relatório técnico do PDOT, estimou-se em 533.578 habitantes vivendo em parcelamentos urbanos informais, em 2006, correspondendo a 22,4% da população total (SEDUMA, 2007). Grande parte desse contingente residia em situação irregular e precária.

Todas essas características relacionadas acima mostram que a estrutura de oportunidades do local não propicia o desenvolvimento humano nem as potencialidades de seus moradores. Esses locais poderiam ser denominados territórios de risco. Assim a estrutura de risco do lugar está ligada ao processo de formação do território, à estrutura de oportunidades dos lugares periferizados e à ação local de segregação da população carente e das atividades de baixo rendimento. Por outro lado, as características da população moradora configuram um quadro de vulnerabilidades, identificado como: 1. Laços que unem a população ao território são frágeis A população dessas localidades, originariamente de baixa renda, com pouco tempo de residência no Distrito Federal ou no local de residência atual, muitas vezes transferida de outros locais, não possui oportunidades de desenvolvimento e de mobilidade social, inclusive, por sua história de transferências de residência e conseqüente desmobilização social. A situação fundiária é incerta e a possibilidade de remoção, uma ameaça constante; esses moradores não têm uma história de vida comunitária devido às diversas remoções; o trabalho no local de moradia inexiste ou é informal; deslocam-se diariamente para ir trabalhar, o que esvazia o lugar e desagrega o grupo social; não se conhecem e não construíram laços de vizinhança nem organização social, não criaram uma identidade territorial.

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Nos municípios goianos, principalmente naqueles de ocupação mais recente, a proporção de migrantes com menos de 10 anos de residência no município era superior a 40%, chegando a 84% em Águas Lindas de Goiás em 2000 (Vasconcelos et al, 2006). De um modo geral, o fluxo de migrantes para o Distrito Federal vem se reduzindo, como tem sido evidenciado pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD – para anos recentes, quando o saldo migratório para o Distrito Federal tem sido negativo. No entanto, ainda que o tempo de residência na Área Metropolitana de Brasília, tenha aumentado, muitas famílias têm pouco tempo de moradia no local de residência atual. Os dados disponíveis das pesquisas domiciliares no Distrito Federal não nos permitem analisar a migração intra-urbana, e, conseqüentemente, avaliar de modo mais preciso esse caráter de provisoriedade da moradia, sobretudo nas localidades de mais baixa renda. No entanto, as ocupações irregulares recentes, como a “invasão” do Itapoã, com população estimada em mais de 40 mil habitantes em 2004 (GDF, Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD- 2004) e a Vila Estrutural são exemplos dessa provisoriedade e dos laços frágeis com o território.

2. Condições sociais, econômicas e culturais limitam a capacidade de enfrentamento das adversidades Uma das características mais marcantes da população das localidades com maiores precariedades é a baixa escolaridade. Segundo os dados da PED-DF de 2004, nas localidades incluídas no Grupo 3, 50% da população com 10 anos ou mais não haviam completado a escolaridade básica, sendo que 5% foram classificados como analfabetos ou sem escolaridade. Nessas localidades, apenas 2% da população com 10 anos ou mais tinham nível de instrução superior completo. Comparando-se com a escolaridade dos moradores das localidades do Grupo 1, o contraste enfatiza as limitações da população residente nas localidades do Grupo 3. No Grupo 1, 41% da população com 10 anos ou mais já concluiu o ensino superior, e 14% tem superior incompleto (Tabela 5). Considerando-se apenas a população jovem entre 15 e 29 anos, as diferenças de nível de instrução são também marcantes. Enquanto que 52% dos jovens moradores das localidades do Grupo 1 tem pelo menos nível de instrução superior incompleto, essa proporção é de apenas 5% para os jovens residentes nas localidades do Grupo 3 (Tabela 5) Tabela 5 – Nível de instrução segundo faixa etária e grupos de localidade de residência. Distrito Federal. 2004. Nível de instrução Grupo 1 Analfabetos/Sem escolaridade Fundamental Incompleto Fundamental Completo e Médio Incompleto Médio Completo Superior Incompleto Superior Completo

>= 10 anos Grupo 2 Grupo 3

Grupo 1

15 a 29 anos Grupo 2 Grupo 3

1% 14%

3% 30%

5% 45%

0% 8%

1% 18%

1% 30%

11% 20% 14% 41%

19% 29% 7% 12%

23% 23% 2% 2%

20% 21% 30% 22%

29% 33% 13% 7%

33% 32% 4% 1%

Fonte: Convênio: DIEESE/SEADE-SP/MTE-FAT/STb-GDF. PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal. 2004.

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Nos municípios goianos da Área Metropolitana, a escolaridade da população com 10 anos ou mais é ainda mais baixa que nas localidades do Grupo 3 do Distrito Federal. Segundo o Censo 2000, entre 58% e 79% da população com 10 anos ou mais nesses municípios não havia concluído o Ensino Fundamental. Em Águas Lindas de Goiás, Planaltina e Santo Antônio do Descoberto, menos de 10% da população com 10 anos ou mais havia concluído ao menos o Ensino Médio. Nesses municípios, os jovens de 15 a 29 anos também têm muito baixa escolaridade. Aproximadamente 70% deles ainda não haviam concluído o Ensino Fundamental segundo o Censo 2000. Tabela 6 – Nível de instrução da população com 10 anos ou mais. Municípios goianos. Área Metropolitana de Brasília. 2000. Municípios goianos Águas Lindas de Goiás Cidade Ocidental Formosa Luziânia Novo Gama Planaltina Santo Antônio do Descoberto. Valparaíso de Goiás.

Fundamental Incompleto

Nível de instrução Fundamental Completo e Médio Médio Incompleto Completo

Superior incompleto e completo

78% 58% 68% 74% 72% 79%

15% 21% 17% 15% 17% 13%

6% 18% 12% 9% 10% 7%

1% 2% 4% 2% 1% 1%

76%

16%

8%

0%

59%

20%

17%

4%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

A baixa escolaridade, a baixa renda, a falta de acesso à cidadania delineiam o quadro de fragilidade dessa população e de falta de autonomia para mudar a realidade do lugar. Torna-se então vulnerável às condições locais porque não têm aí a possibilidade de desenvolver seu potencial e seus ativos se mantêm imobilizados. Além disso, essa situação leva à maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho e conseqüentemente, a “um bloqueio progressivo das cotas de mobilidade ascendente para as pessoas de baixa qualificação” (Kaztman e Figueira, apud Cunha, 2006). Se considerarmos a estrutura etária das populações em 2000, temos que pelo menos 62% dos jovens da Área Metropolitana de Brasília reside nas localidades do Grupo 3 da PEDDF ou nos municípios goianos. De outro lado, apenas 17% dos jovens da AMB reside no núcleo central. Essa massa de jovens da Área Metropolitana não tem formação profissional necessária e, conseqüentemente, não tem acesso às oportunidades existentes no mercado de trabalho, cada vez mais seletivo e exigente. Os dados da PED-DF são reveladores nesse sentido. Considerando-se apenas os jovens com relação de parentesco com o responsável do domicílio, ou seja, excluindo-se os jovens agregados no domicílio4, a proporção de jovens desempregados é maior do que a de inativos (28,5% contra 21,8%) nas localidades do

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Nas localidades do Grupo 1, 8,5% dos jovens são empregados domésticos no domicílio, residentes no local de trabalho.

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Grupo 3. Já nas localidades do Grupo 1, essa relação se inverte, a proporção de jovens inativos é muito superior à proporção de jovens desempregados (35,4% contra 13,5%). Entre os jovens inativos residentes nas localidades do Grupo 1, 86,4% freqüentava escola. Essa proporção cai para 54,8% entre os jovens residentes nas localidades do Grupo 3. Tabela 7 – Situação de atividade da população entre 15 e 29 anos segundo grupo de localidade de residência. Distrito Federal. 2004. Grupos de localidades Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

Situação de atividade Desempregado Ocupado Inativo Inativo que freqüenta escola (%)

13,5% 51,0% 35,4%

21,3% 52,0% 26,7%

28,5% 49,7% 21,8%

86,4%

69,5%

54,8%

Fonte: Convênio: DIEESE/SEADE-SP/MTE-FAT/STb-GDF. PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal. 2004.

Esses jovens que não exercem atividade econômica e que estão fora do sistema educacional enfrentam maiores dificuldades para a inserção no mercado de trabalho e mobilidade social. Aqueles, que conseguem se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes, o fazem de maneira precária com baixas remunerações. No Distrito Federal, onde é expressiva a participação do setor público na geração da riqueza, apenas 14,3% dos trabalhadores residentes nas localidades do Grupo 3 são assalariados vinculados a esse setor, contra 49,4% dos trabalhadores residentes nas localidades do Grupo 1. A proporção de autônomos entre os trabalhadores residentes nas localidades do Grupo 3 – cerca de 20% - revela a precariedade da inserção no mercado de trabalho, onde a maioria é autônomo para serviços ao público em geral, isto é, “ambulante”. Outra forma de inserção no mercado de trabalho dos residentes nas localidades do Grupo 3 é como empregado doméstico. No caso dos jovens, observa-se que a principal forma de inserção no mercado de trabalho é como assalariado no setor privado nos três grupos de localidades, mas apresentam diferenças quanto ao setor de atividades. Com relação aos jovens residentes nas localidades do Grupo 3, as atividades exercidas estão vinculadas ao comércio de mercadorias (32%), aos serviços de alimentação (11%) e prestação de serviços ao setor público (9%). Já os jovens residentes nas localidades do Grupo 1, as atividades estão vinculadas a serviços especializados (17%), prestação de serviços ao setor público (13%), comércio de mercadorias (12%) e serviços de educação (11%) (Tabela 8).

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Tabela 8 – Posição na ocupação por faixa etária e segundo grupo de localidade de residência. Distrito Federal. 2004. Posição na ocupação Assalariado - Setor Privado Assalariado - Setor Público Autônomo Empregador Empregado Doméstico Outros

Grupo 1 28,8 49,4 6,4 7,2 1,9 6,4

>= 10 anos Grupo 2 Grupo 3 41,0 30,5 14,0 5,5 5,8 3,2

49,7 14,3 19,7 2,5 11,1 2,6

15 a 29 anos Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 50,0 31,9 6,4 3,9 2,2 5,7

61,7 17,4 9,9 2,0 6,2 2,8

65,6 7,7 13,6 1,3 9,4 2,3

Fonte: Convênio: DIEESE/SEADE-SP/MTE-FAT/STb-GDF. PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal. 2004.

O precário quadro de inserção no mercado de trabalho representado pelo desemprego e pela ocupação de baixa remuneração tem um efeito sobre o mercado consumidor local e, conseqüentemente, retroalimenta a precariedade das atividades econômicas do lugar, referida anteriormente. Quando o crime organizado penetra nesses locais, tornando-os seus territórios, o risco se instala. A população é obrigada a se relacionar com o poder do crime organizado. O risco surge, especialmente, quando a oportunidade de trabalho vem com a ilegalidade, com o trabalho para a organização criminosa. Os jovens desempregados ou inativos que não são estudantes, e os trabalhadores com baixa remuneração e sem perspectivas de melhorar de vida são os mais expostos e tornam-se prezas fáceis das organizações criminosas. O crime arma esses jovens para servirem à organização, submete-os às suas regras e os descarta, quando não servem. As gangues de juventude, armadas, tornam-se mais perigosas. Os tradicionais conflitos se tornam crimes e mortes. As disputas de facções geram violência e mortes. O combate ao crime por parte do estado, por sua vez, se faz com violência e vítimas. São justamente as localidades que compõem os Grupos 2 e, principalmente, o Grupo 3 que apresentam as maiores incidências de homicídios, assim como, como acontece nos municípios goianos. As taxas apresentadas nos Gráficos 1 e 2 não foram calculadas para áreas geográficas detalhadas, mas revelam que as localidades de implantação mais recentes, que apresentam uma carência de estrutura de oportunidades, têm sua população mais vulnerável ao risco. A maior taxa de mortalidade por homicídio é a do Paranoá, onde se instalou a invasão do Itapoã entre 2000 e 2005. No caso do Lago Norte, os dados agregam as ocorrências de homicídio no Varjão, área com as características do Grupo 3, com muito baixa renda, que surgiu a partir de uma ocupação irregular próximo às margens do Lago Paranoá. Todas as ocorrências de homicídios registradas no Lago Norte referem-se ao Varjão (ver Mapa 2). Entre os municípios goianos, o Novo Gama, Planaltina, Luziânia e Águas Lindas de Goiás, que têm vários locais de ocupação irregular e muito recente, apresentam elevadas taxas de homicídio.5

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As taxas de mortalidade por homicídio são muito mais elevadas para a população de 15 a 29 anos do que as apresentadas para o total da população, mas as diferenças entre as localidades são semelhantes.

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Gráfico 1 – Taxas de homicídio por 100000 habitantes segundo localidades. Distrito Federal. 2000 e 2005. Distrito Federal Taguatinga Sobradinho

2005

São Sebastião Santa Maria

2000

Samambaia Riacho Fundo Rec. Das Emas Planaltina Paranoá N. Bandeirante Lago Sul Lago Norte Guará Gama Cruzeiro Cêilandia Candangolandia Brazlândia Plano Piloto

0

10

20

30

40

50

taxas por 100 mil hab.

60

70

80

90

Fonte: Ministério da Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade, CDROM-1999 a 2005.

Gráfico 2 – Taxas de homicídio por 100000 habitantes segundo municípios goianos da Área Metropolitana de Brasília. 2005.

Valparaíso de Goiás

Santo Antônio do Descoberto

Planaltina

Novo Gama

Luziânia

Formosa

Cidade Ocidental

Águas Lindas de Goiás

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

taxas por 100 mil hab.

Fonte: Ministério da Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade, CDROM-1999 a 2005. À medida que as localidades se consolidam ou recebem novas ocupações planejadas ou espontâneas, o risco se altera, aumentando ou diminuindo, instalando-se de acordo com as maiores ou menores potencialidades da população. Pode-se dizer então que a vulnerabilidade se desenvolve num processo, cujo primeiro momento se constitui no risco latente, quando as 16

condições do lugar não propiciam nem favorecem a mobilidade social nem o desenvolvimento dos potenciais da população. Os ativos sociais permanecem imobilizados e a população mais vulnerável. No segundo momento, o risco se instala e a população se submete a ele pela incapacidade de enfrentá-lo, como no caso do crime organizado. No terceiro momento, a população sofre as conseqüências do risco que aumenta a vulnerabilidade, impede a mobilidade social e expõe à morte por homicídio. As localidades da Área Metropolitana de Brasília estariam em momentos diferentes do processo de vulnerabilidade.

Conclusão Esse trabalho traz à luz a cidade real com todas as suas discrepâncias. Com isso, fica evidente que a violência é um fenômeno multifacetado e, sua relação com a pobreza não pode ser entendida como uma relação direta. As condições de vulnerabilidade, conceituada como resultado “negativo” da interação entre as condições apresentadas pelo território (estrutura de oportunidades/riscos) e as características sociais, econômicas, culturais e políticas da população do lugar, estabelecem uma mediação entre risco e oportunidades. O conceito de vulnerabilidade permite uma nova abordagem da questão social, em particular, da questão da violência juvenil, imprimindo uma matriz mais crítica ao conhecimento da dinâmica das relações sócio-espaciais. A partir dessa abordagem, fica claro que não basta ter a infra-estrutura, é preciso que a população tenha condições de desfrutar dela; não basta a estrutura de oportunidades do lugar, mas que esteja de acordo com as necessidades e anseios da população. Não basta implantar equipamentos e infra-estrutura nos lugares e com isso torná-los mais valorizados, isso poderá ter como conseqüência a expulsão da população mais vulnerável para locais com menos oportunidades. Na Área Metropolitana de Brasília, esse processo já levou à expulsão de população das áreas consolidadas para a periferia mais distante e desprovidas de oportunidades. Dessa forma, os municípios goianos limítrofes tiveram um acelerado crescimento populacional, principalmente, com a fixação de famílias jovens, no início do seu ciclo familiar. São nessas localidades, onde se concentra a população jovem, que faltam atividades econômicas, empregos e infra-estrutura urbana; são nessas localidades, onde aumentam as carências, a precariedade da qualidade de vida e a violência. As desigualdades, inerentes ao processo de formação do território das cidades como parte da produção injusta do espaço urbano tenderiam a se manter e se reproduzir, dentro do sistema capitalista. Os possíveis instrumentos de mudança seriam as políticas territoriais e as representações espaciais que agiriam sobre o território e, ao mesmo tempo sobre a população tornando-a mais preparada para enfrentar os riscos. Não obstante a Política Urbana do Distrito Federal ser eminentemente territorial, ela não age no sentido de promover adequação das estruturas de oportunidades à mobilidade social da população. A ação dessa política tem enfocado a regularização da ocupação dos lugares na mesma situação que a população se encontra, transferindo a população considerada excedente. Para a população que permanece, falta o investimento no desenvolvimento de suas potencialidades. Para a população transferida, suas condições de vulnerabilidade tendem até a aumentar. O resultado é um espaço urbano fragmentado: um mosaico de estruturas de oportunidades e situações de risco da população.

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