Vivendo o equilíbrio – uma releitura de Gênesis 1-2

July 17, 2017 | Autor: Stefan Kürle | Categoria: Ethics, Theology, Ecology, Hebrew Bible/Old Testament
Share Embed


Descrição do Produto

ARTIGO

DA ÁREA DE

BÍBLIA (2)

VIVENDO O EQUILÍBRIO – UMA RELEITURA DE GÊNESIS 1-2 Stefan Kürle1

RESUMO O mundo está sofrendo. Este artigo propõe uma avaliação bíblica dos motivos para essa dor e tenta estabelecer uma base no Antigo Testamento para uma atitude decididamente cristão para com a criação. Assim, este artigo pode ser considerado uma contribuição para o vasto e novo campo de ecoteologia. Assumindo o desafio de Sl 8, vamos descobrir um desequilíbrio que se origina a partir do papel divinamente estabelecido à humanidade na criação. Salientando a importância de cosmovisão para os sistemas de valores humanos, e, portanto, o seu comportamento, voltamos para Gn 1-2, a fim de estabelecer os fundamentos para uma teologia de um cuidado responsável da criação. O ponto focal desta releitura são os conceitos de ordem e caos e a linguagem de templo que permeia o relato da criação de Gênesis. Com base nesses conceitos básicos e a narrative da queda humana (Gn 3), tentarei, em uma última etapa, tirar algumas conclusões pelas razões teológicas subjacentes da negligência contínua referente o cuidado da criação. A ideia principal é que o Antigo Testamento nos dá um mandato profundo e urgente para o cuidado da criação que não pode, e não deve, ser negligenciado por qualquer pessoa que tenta basear a sua cosmovisão e o seu sistema de valores na literatura bíblica.

PALAVRAS-CHAVE Criação; cuidado do meio-ambiente; ecoteologia; estilo de vida equilibrado; Gn 1-2; Sl 8; Antigo Testamento

ABSTRACT The world is suffering. This article proposes a biblical evaluation of the reasons for this pain and trying to establish an Old Testament foundation for a decidedly christian attitude towards creation. Thus this article can be considered a contribution to the vast new field of ecotheology. Taking the lead from Ps 8 we will discover an imbalance which stems from the divinely established place of humanity in creation. Stressing the importance of worldview for human value systems, and thus behaviour, we turn to Gen 1-2 in order to establish the basics for a theology of responsible creation care. The main focal point of this re-lecture are the concepts of ordering the chaos and the temple language that permeates the Genesis creation account. Based on these core concepts and the story of the fall (Gen 3), I will attempt, in a last step, to draw some conclusions for the underlying theological reasons for the ongoing neglect of creation care. The main thrust is that the Old Testament gives us a thorough and urgent mandate for creation care which cannot and should not be neglected by any person that tries to base its worldview and value set 1

Doutor em Teologia pela University of Gloucestershire, Grã Bretanha. Professor da Faculdade Teológica Sul Americana. Email: [email protected]

1

on biblical literature.

KEYWORDS Creation; environment care; ecotheology; balanced lifestyle; Gen 1-2; Ps 8; Old Testament

1. É tudo uma questão de equilíbrio Sl 8:3 Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste, 4 pergunto: Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes? 5 Tu o fizeste um pouco menor do que os seres celestiais e o coroaste de glória e de honra. 6 Tu o fizeste dominar as obras das tuas mãos; sob os seus pés tudo puseste: 7 todos os rebanhos e manadas, e até os animais selvagens, 8 as aves do céu, os peixes do mar e tudo o que percorre as veredas dos mares. 9 Senhor, Senhor nosso, como é majestoso o teu nome em toda a terra! Olhando para o céu a noite pode ter o efeito de ajustar um pouco o ponto de vista do espectador. O temor de espaço absoluto, a beleza de tirar o fôlego, os segredos inson dáveis que só se pode imaginar, mesmo em uma idade em que algum conhecimento so bre a física do universo pode ser considerado bem distribuído – tudo isso deixa-nos di minuir, gera a questão se há qualquer valor ligado a nós – seres humanos meros e de curta duração. O mesmo aconteceu com o nosso poeta. Salmo 8 reflete sobre este dese quilíbrio percebido entre a vastidão da criação (v.3) e a importância da humanidade: “Que é o homem?” Quanto a um israelita nos tempos antigos o ateísmo não era uma op ção. Assim o poeta enquadra a questão a partir de um perspectiva mais teológica, mais existencial: “O que importa o homem a Deus?” (v.4) Alguém pode pensar que o poeta passa a dar uma resposta. Mas v.5 realmente só complica as coisas ainda mais. A história ressonando por trás da alegação de que os se res humanos são apenas menores que os seres celestiais e são coroados de glória e honra é, obviamente Gn 1-2, um outro grande poema. Aqui chegamos ao cerne da nossa pre 2

sente reflexão: A Bíblia hebraica pinta um retrato da humanidade, que é maravilhosa mente equilibrado e cheio de nuances.

-

Proponho que a falta de equilíbrio e nuance, evidente ao longo de qualquer tem po e época, é a razão que necessita, no primeiro lugar, a nossa reflexão sobre a ecoteolo gia. Sl 8 mantém esse equilíbrio entre a honra superior e a aparente insignificância do ser humano (não poderia o mundo muito bem existir sem nós?). Há uma tensão saudá vel entre o nosso poder e nossa limitação. Como este Salmo foi escrito num mundo onde a força destrutiva do pecado era bem conhecida, podemos acrescentar à nossa re flexão o equilíbrio entre prazer e responsabilidade, que é desenvolvido no movimento poético do salmo. O louvor a Deus, o reconhecimento da posição humana que acompa nha o louvor, e, ao mesmo tempo, o peso da tarefa de “dominar” este mundo estão fir memente unidos nesta peça poética muito densa. Não é fácil viver este salmo – mas cer tamente deve ser maravilhoso. Isso é algo a se ter em mente, quando olhamos para Gê nesis 1-2 que retrata um mundo ideal. Felizmente há algumas coisas que aparentemente não mudaram por causa da queda. Nas páginas seguintes, gostaria de refletir sobre algumas questões-chave da teo logia bíblica que pode formar uma base sólida para futuros pensamentos sobre outras questões da ecoteologia. Um lugar óbvio para começar é Gn 1-2 olhando para os ideais que expressam os fundamentos da cosmovisão bíblica. Dado que o Antigo Testamento, e Deus, aliás, são tão realistas como eles podem ser, devemos ter um olhar bem atento a Gn 3 e às repercussões do mesmo em toda a Bíblia hebraica. Devido às limitações desse artigo não vou poder tocar em detalhe qualquer sobre a Torá, a literatura sapiencial, nem nos profetas. Isso seria muito interessante, pois a “lei” e a sabedoria tiveram como objetivo moldar a vida prática e cotidiana de Israel – e uma teologia ecológica não deveria fazer algo diferente do que levar diretamente para a práxis da vida cotidiana! Um olhar para a esperança que a Bíblia hebraica expressa, iria destacar o fato de que a nossa própria esperança escatológica moderna muitas vezes pa rece terrivelmente estreita de visão, muito individualista, muitas vezes gnóstica e até mesmo francamente egoísta, em comparação com o que os antigos almejavam e espera vam que Deus fizesse. 2. Cosmovisões Equilíbrio, propus acima, está no coração da ecoteologia: para alcançar um equi líbrio temos que tomar decisões entre as opções que a nossa caminhada de vida coloca diante de nós. E aí vem o problema. Num mundo pós-moderno não é mais tão fácil decidir as coisas, porque não te mos valores comuns; não temos mais critérios que nos permitem realmente decidir qual caminho tomar. Em tempos idos, havia ideologias como o marxismo, o idealismo, o ma terialismo ou mesmo a lei do mercado que norteavam nossas decisões de uma maneira muito profunda. Antes disso, havia convicções religiosas, sociedades de perto que ma lhavam com os seus sistemas culturais e, claro, instituições como a igreja, reis, líderes de clãs e patres familias. 3

Hoje em dia estes conceitos organizando os valores tornaram-se algo profunda mente desconfiável. E com muita razão. Já estava na hora de apontar aos muitos abusos evidentes (e os menos evidentes) de poder por essas instituições e ideologias. O rigor da rejeição, no entanto, deixou o pêndulo longe para o oposto. Hoje, depois da grande lim peza ideológica, não restou nenhuma meta-história que permitimos guiar nossas de cisões de forma consciente. Não existe mais um sistema global em que este mundo faz sentido. Alguém poderia argumentar que isso é muito melhor do que ter meta-histórias totalitárias como as quais as diferentes ideologias modernas forneceram. O problema que parece ser cada vez mais evidente é, quanto mais tempo de pós-modernismo passa, sempre existem pessoas que conseguem dominar os outros a fim do próprio benefício, mas deixam de existir opções reais para limitar esses “ bullies”. Eu acho, que, nessa situação, nós, cristãos, temos uma nova e assustadora tarefa: comunicar e viver de acor do com uma cosmovisão que oferece uma meta-narrativa saudável e profundamente não-totalitária. A Bíblia oferece exatamente isso. Encontramos um Deus que se envolve, tem como objetivo o melhor para todo o mundo, exigindo responsabilidade de todos. Hoje em dia temos tanto medo da natureza autoritária e abusiva de sistemas que acla mam algum tipo de “teocracia”, que consideramos, sem análise mais profunda, esse tipo de meta-narrativa como sendo demasiadamente aberta a abusos. A memória de um clero mal humorado e de um legalismo opressivo ainda está muito presente, por isso estamos tentados a propor e pregar um Deus bonzinho e gentil, que está preocupado principalmente com duas coisas: mostrar uma maneira fácil de entrarmos em bemaventurança celestial, ou servir como um exemplo inspirador para vivermos como adultos pacíficos e socialmente envolvidos. A cosmovisão bíblica, porém, é muito mais desafiadora do que isso, muito mais radical, e assim abre a perspectiva de um ser humano muito mais relevante. Ecoteologia não é tentar incluir de novo o ambiente natural maltratado, a fim de ter uma visão um pouco mais holística no mundo muito “espiritual” da teologia. Não se trata apenas de ser um pouco mais verde e mais gentil com os nossos semelhantes, com os sapos, joani nhas e florestas tropicais. Ecoteologia é repensar os erros que cometemos em nossa ten tativa de viver uma vida na qual Deus não tem mais uma voz (isso, aliás, é, fundamen talmente, o que Gn 3 queria fazer). Precisamos nos recuperar de uma amnésia muito an tiga (séculos, talvez milênios) que nos cega, não nos deixando ver o mundo como ele realmente é. Isto é o que quero dizer quando falo de ser remodelado pela cosmovisão bíblica. O lugar óbvio para começar parecem ser os primeiros capítulos da Bíblia. Os parágrafos a seguir deverão oferecer uma nova leitura da história fundacional, tão bem expressada em nada menos do que linguagem poética. 3. A história bíblica – de caos a cosmos Gênesis 1-11 é uma história fundamental. Vemos respostas dadas às questões bá sicas da humanidade: De onde viemos? Em que tipo de lugar estamos? Como deveria ser este mundo? Como é que é mesmo? Por que estamos aqui? O que deu errado neste mundo? Quem é o responsável? As respostas a estas questões tendem a tornar-se ao que hoje chamamos, cosmovisões. O que complica a nossa leitura é o fato de que qualquer texto pressupõe um certo conhecimento referente a cosmovisão subjacente no contexto 4

do leitor e do escritor. Em outras palavras, Gn 1-11 não apenas estabelece uma certa cosmovisão, mas fá-la sobre e contra uma já estabelecida. Isso é preciso manter sempre em mente ao ler estes textos, porque é seguro assumir que a nossa própria cosmovisão atual é muito diferente da que implicitamente foi pressuposta pelo escritor. Houve muitas leituras (de Gn 1-2 especialmente), que têm sido ignorantes em relação as diferenças óbvias em termos de cosmovisão entre um leitor do antigo Oriente Médio e um leitor (pós-)moderno. Existem as leituras fundamentalistas, que gostam de defender o texto que ele essencialmente dê uma explicação científica sobre o que real mente aconteceu no início do mundo como nós o conhecemos, ainda que reconhecida mente usa uma linguagem cientificamente limitada a esses tempos antigos. Outros se re ferem a esses textos como sendo mitos, no sentido de contos, que tentaram dar sentido a um mundo totalmente incompreensível. Com o progresso das ciências exatas não precisamos mais de nenhum mito. Nós temos superado esses mitos porque temos a capacida de de dizer “como as coisas realmente são”. Ambas as opções, no entanto, resumem a mesma base: Nossa visão científica do mundo é a ótica através da qual estes textos estão sendo lidos. A primeira é mais confiante de que eles realmente fazem sentido científico, enquanto a segunda os considera uma tentativa fracassada de fazer sentido científico. Em termos de uma hermenêutica responsável ambas as leituras não levam a sério os textos – em seus próprios termos. Em seguida quero oferecer uma tentativa de ler Gn 1-3 prestando atenção no contexto cultural e conceitual do antigo Oriente Próximo. O foco da interpretação, no entanto, são sempre as perguntas principais da ecoteologia. Faz muito sentido entender Gênesis 1:1 sendo o título da seguinte narrativa: “Deus fez o mundo” (... e agora vou dizer-lhe como ele fez isso ...). Verso 2, obviamen te, não fala em termos de “no começo não existia nada, mas agora existe.” A terra sim plesmente é. Mas ela está sendo qualificada: “A terra era sem forma e vazia.” A segunda linha repete a ideia em outras palavras: “Havia trevas sobre a face do abismo.” No anti go Oriente Próximo a falta de forma ou estrutura representa o caos, assim como a escu ridão e o mar profundo são símbolos do caos. Este é um mundo sem ordem, sem dife renciação e função. Como tal, ele está ameaçando qualquer forma de vida. Na termino logia grega antiga “caos” é exatamente o oposto do “cosmos”. O texto aqui não é grego, mas compartilha exatamente essa ideia. Nos textos egípcios antigos encontramos a mes ma ideia de novo: uma forte ligação entre existência e ordem – caos é considerado como inexistência (WALTON, 2006, p. 184–188). Num raciocínio semelhante nosso texto he braico passa a contar a diminuição gradual do caos, retratando Deus trazendo diferenciação e ordem, tornando este mundo hospitaleiro para a vida. Pode ser o melhor continuar lendo o v.5: “E Deus chamou a luz dia e as trevas chamou noite.” Por que Deus não chama a luz de luz? Esta pergunta revela nossa cos movisão moderna centrada a questões materiais. Estamos com sorte, o texto define as palavras para nós. Chamar a “luz” de dia, significa chamá-la um período de claridade. Semelhante as trevas são “noite”, ou seja, um período de trevas. Assim Deus criou no primeiro dia a sequência do tempo, os períodos do dia e da noite. Isso faz muito mais sentido do que tentar provar cientificamente como se pode separar a luz das trevas, que se torna muito difícil, pois a escuridão é a ausência de luz. No entanto, a coisa mais cho 5

cante é, para a nossa mentalidade, de que Deus não cria qualquer coisa material. “Criar” para nós, naturalmente, implica que alguém fez algo concreto, algo que não estava lá antes. Em Gn 1:3-5, no entanto, vemos como Deus traz estrutura e ordem ao caos, que basicamente é uma espécie de criação não-material. A luz de v.3 espelha e contrasta a escuridão caótica de v.2. A importância do ritmo fundamental de noite e dia se repete ao longo de todo o capítulo onde os dias são contados como períodos compostos de dia e noite. Observe que o período de escuridão chamado a noite, não é mais descrito como caótico e contra a vida. Muito pelo contrário, o tempo estruturado foi considerado “bom”. O ritmo de sete subjacente, estabelece a semana como os judeus a conheceram. As “luzes”, sol, lua e estrelas, também estão incluídos na estruturação de tempo (v.14), chegando a reafirmação da separação diária luz/escuridão, que está sendo “go vernada” pelo sol e pela lua, respectivamente (v. 18). Aqui nós já encontramos um as pecto interessante de “governar”, o que, no presente contexto, parece significar “dar es trutura”, “estabelecer ordem”. Isso será de grande importância quando passamos a ver a “função” da humanidade em 1:28. O que é de maior interesse para o autor é, aparentemente, a função dos diferentes aspectos da criação. A delimitação entre existência e inexistência é desenhada por fun ção, não pela materialidade. Assim, poderíamos falar de uma “ontologia funcional”: algo existe quando cumpre um propósito, quando tem uma função, não apenas por ocu par espaço (WALTON, 2006, p. 88–89) . Isto é fundamentalmente diferente de uma on tologia moderna que tantas vezes admitimos como certa assumindo que a existência está ligada à extensão ou estrutura material. Biblicamente falando, chegar a existir significa ter uma função positiva para esta criação. O aspecto material de tudo isso é, no máximo, subjacente, mas certamente não é o objetivo principal da comunicação na presente nar rativa. O mesmo conceito de função está por trás do firmamento entre as águas acima e as águas abaixo (v.6-7). Basicamente lemos aqui sobre meteorologia, a ordenação do tempo. Gênesis não aponta para uma descrição cientificamente correta do universo ma terial. O ponto principal do texto em sua própria temática teria sido que Deus é respon sável pela manutenção da ordem referente ao clima. A ideia de que deve haver algum lugar para a água acima da terra é necessária em virtude da constatação de que existe algo como a chuva – este é apenas um reflexo da antiga topologia do Oriente Próximo (KEEL, 1980, p. 31). A função de separar domina este segundo dia e também o terceiro dia em que a terra fica separada da água do mar (v.9-10). Tudo isso é necessário, nos olhos antigos – e eu também suspeito em olhos modernos, para que a vida humana seja possível. Novamente, não quando algo passa a existir materialmente que se encontrar á no cerne da narrativa, mas o fato de ter uma função significativa indica que algo existe. Os efeitos positivos da nova ordem podem ser vistos ainda mais nos próximos dias, onde o espaço, assim ordenado, está sendo povoado. Mas a ênfase ainda não está na existência material, o mero “ato” de ocupar espaço. A ênfase óbvia no quarto dia é a ação de brotar, o milagre maravilhoso de colocar uma semente na terra e lá virá a cres cer uma planta, e depois outra e todos os tipos diferentes também (v.11-13). A comida está sendo prestada, novamente com a erradicação de caos em suas trilhas para que a germinação das plantas seja muito ordenada: “cada um, segundo a sua espécie”. Esta é a 6

fiabilidade necessária para o florescimento humano. O enchimento do céu para fins de datar e medir tempo já foi abordado anterior mente. Mas a mesma ênfase em ordem é verdade para o mundo animal nos dias cinco (v.20-22) e seis (v.24-25). Primeiro, os animais aquáticos e os que habitam o ar, que es tão, naturalmente, um pouco mais distantes da humanidade, recebem um espaço pró prio. Curiosamente, e obviamente fortalecendo a argumentação presente, o monstro ma rinho está sendo chamado com explicitude. No antigo Oriente Próximo o monstro mari nho ocupa um lugar de grande importância no mundo metafórico (ou mitológico): é o epítome do caos e da destruição (KEEL, 1980, p. 41–45, 62–66) . Este monstro de caos recebe aqui seu devido lugar e, portanto, é totalmente desmistificado (cf. Sl 104:6-9). Ordem no reino animal é estabelecida novamente citando a frase “cada um segundo a sua espécie”. Multiplicação é vista como positiva, como também no caso da vegetação. O que talvez é ainda mais importante nos olhos do antigo Oriente Médio seria o fato de que a procriação é algo que funciona, mesmo antes da chegada, e assim independente, dos seres humanos. Procriação simplesmente pertence à ordem criada. Isto significa er radicar a necessidade de recitações mitológicas anuais para manter esta ordem criada (IRSIGLER, 2013) ela funciona porque Deus a criou e porque ele próprio a mantém (Gn 8:21-22). A outra ordenação do mundo animal é novamente baseada na separação. Desta vez, os animais selvagens foram separados dos animais domesticados (v.24-25), que por sua vez tem a finalidade de dar sustento à humanidade. O principal “evento” de ordena ção no sexto dia, no entanto, é a criação do homem (v.26-30). Novamente, é a função que dá sustância à existência dos seres humanos. A ênfase está clara desde a primeira frase: “Façamos o homem em nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” (v.26) Configurar uma “imagem” de si mesmo significa, no contexto do antigo Oriente Médio, estabelecer um representante. Há mais implicações que são muito importantes para a compreensão, mas por hora basta o presente argumento . O objetivo dado a este portador de semelhança divina é o exercício do “domínio” sobre, em primeiro lugar, o mundo animal, por implicação (v.29-30) e explicitamente (Sl 8:6), também sobre toda a criação. A existência humana recebe sua justificação funcional n a tarefa de ordenar o mundo na mesma maneira como Deus ordenou o cosmos. Isto implica que a nossa tare fa como seres humanos é empurrar para trás as forças sempre fortes do caos e da des truição, a fim de refletir e manter a ordem divinamente criada. Regar e cuidar do jardim (2:4-25) seria uma outra imagem profunda e contundente descrevendo a mesma tarefa. Observamos o homem lidando com este trabalho, nomeando e assim trazendo ordem para o mundo animal (WALTON, 2006, p. 188–195). Tal como Gn 1, o segundo capítu lo da nossa narrativa fundacional está cheio de borbulhamento e vida pacífica. Manter e sustentar essa maravilhosa ordem criada é a essência do ser humano à imagem de Deus. Gn 1 fornece diversas origens funcionais, e não origens materiais. Lendo o texto de outra forma o tornaria inadequado – ou esticar seu significado para fins errados. O foco em funções nos ajuda a entender a relevância deste texto formando a cosmovisão fundamental para o nosso cuidado com a criação. Não é apenas o fato de Deus ter cria do tudo e, portanto, precisamos preservá-lo. Nossa tarefa é muito mais profunda: Temos um papel dado por Deus nesta criação que define nosso próprio destino, a nossa razão 7

de ser. E, curiosamente, talvez, pelo menos para muitas pessoas criadas dentro da men talidade moderna, este destino é não se limita à autoexpressão ou autossatisfação. Tam bém, chocante talvez para muitos cristãos, a nossa existência não se limita a finalidades espirituais, como adorar a Deus ou falar de Jesus aos outros. Nosso destino dado por Deus é muito material, muito social e – é claro – também muito espiritual. Um outro as pecto da história da criação se relaciona com isso fortemente – sua “linguagem de tem plo”. 4. “linguagem de templo” Até agora pulamos dia sete da narrativa da criação, talvez o mais importante de todos dias. Qualquer leitor do antigo Oriente Próximo lendo Gn 2:1-3 teria dito: “Ah, este texto fala sobre um templo!” Esta conclusão pode parecer um tanto obscura para muitos leitores modernos. Mas como já foi muitas vezes reconhecido 2, a narrativa de Gn 1:1 a 2:3 pinta um quadro da criação como ela sendo o templo de Deus. O templo (incluindo os jardins, normalmente ligados aos templos, que serviam como importante extensão do edifício principal), em qualquer antiga cultura do Oriente Médio, poderia ser descrito como o lugar de descanso dos deuses. Lá, o deus local iria se sentar e descansar (WALTON, 2006, p. 124–125, 196–199) . As conotações desse conceito de templo são de que o templo é um lugar de paz, de ordem e tranquilidade, e, se bem conservado, garantiria que a presença dos deuses na cidade e nas terras ao redor manteria estabilidade e ordem, nas quais os seres humanos iriam florescer e encontrar realização. Olhando a narrativa de Gn 1 a partir dessa perspectiva, fica óbvio que Deus não precisava descansar após o trabalho duro de criar toda esta ordem. Descrever Deus descansando após a obra da criação expressa que o autor imagina Deus assumindo o tro no – que Deus habita no templo. O descanso divino significa que ele deixou tudo sob seu controle. Agora a “normalidade” pode permear tudo, dar estabilidade e equilíbrio para a vida. O sábado de Deus é o clímax da criação porque ele habita a sua criação bem or denada, muito bem trabalhada. Deus monta o cosmos como um espaço sagrado, como seu templo. 3 É verdade que na concepção literária de Gn 1-2, a humanidade é o benefi ciada por toda essa estrutura, ordem e função. Mas a criação continua sendo o espaço sagrado de Deus, o lugar que ele escolheu para estar em comunhão com a sua criação, 2

Já cedo na interpretação judaica as ligações semânticas e conceituais entre a história da criação (espe cialmente Éden) e do templo de Jerusalém foram reconhecidas. Foi Gordon J. Wenham, no entanto, que em primeiro lugar ofereceu uma leitura compreensiva simbólica da narrativa da criação em termos de linguagem templo (WENHAM, 1994_1986). Após este breve artigo muitos aceitaram essa leitura e continuaram a elaborar sobre o conceito. Outro artigo importante foi o de J. D. Levenson (LEVENSON, 1984).

3

A duração de sete dias da inauguração do templo de Salomão também espelha os sete dias da criação. Só por esta cerimônia de inauguração o templo tornou-se um templo, o espaço sagrado de Deus. Isso também implica que a idade da terra não tem nada a ver com os sete dias da criação. A idade da terra é uma questão material e não uma questão funcional, assim, o relato de Gênesis, muito provavelmente, nunca tentou responder à questão da idade da terra. Demorou sete dias para moldar o espaço sagrado de Deus, que a nós seres humanos, oferece um lugar perfeito para a vida – aquela ideia estava no foco do escritor. 8

especialmente a humanidade. Os templos do antigo Oriente Próximo incluíram imagens como representações da presença do respectivo deus (WALTON, 2006, p. 114–118) . E de novo há um link importantíssimo com a especial vocação do ser humano. Agora, a fim de aprofundar um pouco este aspecto da linguagem do templo de Gn 1:1 a 2:3, olhamos para o Salmo 132, que traz os temas em conjunto, que já observamos aci ma. Sl 132:7 “Vamos para a habitação do Senhor! Vamos adorá-lo diante do estrado de seus pés! 8 Levanta-te, Senhor, e vem para o teu lugar de descanso, tu e a arca onde está o teu poder. 9 Vistam-se de retidão os teus sacerdotes; cantem de alegria os teus fiéis”. 10 Por amor ao teu servo Davi, não rejeites o teu ungido. 11 O Senhor fez um juramento a Davi, um juramento firme que ele não revogará: “Colocarei um dos seus descendentes no seu trono. 12 Se os seus filhos forem fiéis à minha aliança e aos testemunhos que eu lhes ensino, também os filhos deles o sucederão no trono para sempre”. 13 O Senhor escolheu Sião, com o desejo de fazê-la sua habitação: 14 “Este será o meu lugar de descanso para sempre; aqui firmarei o meu trono, pois esse é o meu desejo. 15 Abençoarei este lugar com fartura; os seus pobres suprirei de pão. 16 Vestirei de salvação os seus sacerdotes e os seus fiéis a celebrarão com grande alegria. 17 “Ali farei renascer o poder * de Davi e farei brilhar a luz * do meu ungido. 18 Vestirei de vergonha os seus inimigos, 9

mas nele brilhará a sua coroa”. Esta é uma definição maravilhosa do que acontece, ou melhor, deve acontecer no templo de Deus, não apenas em Jerusalém (Sião), mas em todo o mundo, seu templo cósmico da criação. Deus é rei e ele mesmo vai criar e manter um rei (humano). O efei to desses dois aspectos é o bem-estar e a ordem para que Jerusalém possa florescer. Ha verá o suficiente para comer, haverá justiça e segurança. Isto é o que uma pessoa antiga queria dizer quando falava sobre as bênçãos do templo no meio deles. Gn 1, com a sua linguagem de templo retrata todo o cosmos como sendo o templo de Deus, significa que haverá o suficiente para comer, haverá justiça e segurança em toda a terra. Templos sempre tem a ver com a presença do divino entre os seres humanos – essa presença é realizada em todos os tipos de comunicação (sacrifício, oração, ensino, partilha, etc.) A mesma ideia é expressa também pela ênfase da segunda parte do relato da criação (Gn 2:5 ss): a comunhão de Deus com a humanidade. No capítulo seguinte, onde lemos sobre a queda (Gn 3), o assunto continua sendo a comunhão, embora o foco agora sejam as consequências da decisão da humanidade para tentar viver sem essa co munhão. Este será o tema do nosso próximo assunto. Antes de continuar, no entanto, quero resumir o nosso caminho até agora. Se o relato da criação é realmente sobre a função e não tanto sobre a matéria, em consequên cia uma nova perspectiva se abre em nossa relação com a criação de Deus. Primeiro de tudo, este mundo é de Deus (Dtn 10:14, Sl 24:1; cf. BOOKLESS, 2008, 1: Creation Speaking of God ). Isso significa: o mundo não é nosso. Em segundo lugar, nós somos parte da criação e não estamos ao lado dela. Isto significa: quando cuidamos da criação, automaticamente também cuidamos de seres humanos, assim a ecologia tem muitos as pectos sociais e espirituais. Em terceiro lugar, o cosmos é um espaço maravilhosamente organizado em que cada parte tem de desempenhar o seu papel, a fim de que o todo continue a exercer o seu papel – ser um lugar de vida que floresce e borbulha, de beleza ex traordinária e de descanso reconfortante. Isso significa que: há um equilíbrio a ser man tido. Nós, como imagens de Deus, como seus representantes neste mundo, precisamos explorar esse equilíbrio e nos esforçar para mantê-lo. Com grande poder vem grande responsabilidade. Basicamente, quando não estamos cumprindo nossa tarefa dada por Deus para manter e trazer ordem ao mundo, nós desfazemos a criação, e do cosmos vem o caos. 5. O problema: alienação e o desejo de dominar Deus deu a nós seres humanos, responsabilidade especial para cuidar do cosmos. Como é que nós vivemos nessa bagunça meio ambiental ultimamente? Obviamente, o mundo parece fora do ideal. O que deu errado? É só que estragamos o equilíbrio delica do da proporção de gases na atmosfera e, portanto, o aquecimento global parece agora inevitável? O que aconteceria, se os cientistas encontrassem uma cura milagrosa para este problema e pudéssemos atrasar 200 anos o relógio do clima da terra? Infelizmente teríamos de admitir, que muitos problemas continuariam a existir, a extinção de espéci es, a destruição dos recursos hídricos, a erosão, e assim por diante. Parece que esses problemas são as consequências e não a raiz. 10

Depois de termos pensado sobre a vocação humana de manter ordem e descanso, logo descobrimos a raiz do problema: a desconexão humana em relação a Deus e o de sejo humano de dominar de forma egoísta. De acordo com Gn 3, o que aconteceu? Deus determina que a criatura terrestre ( adamah - adam) precisa de ajuda, e assim cria a mu lher (Gn 2:18-23). Juntos, eles formam a imagem de Deus e assim, eles têm a responsa bilidade de cuidar do jardim, e, finalmente, de toda a terra. Mas surgiu um problema. Carol Johnston o coloca desta forma: “Assim, a vocação humana original era cultivar e guardar o jardim: cultivar ou assentar plantas, e manter ou cuidar do que já estava lá. Por que não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal? Talvez porque eles precisassem olhar para Deus para que ele pudesse ajudá-los a distinguir o bem e o mal; sem a confiança em Deus isso nunca daria certo.” (JOHNSTON, 1997, p. 9). Há um aspecto interessante nessa linguagem de “ajudar/ajudante” – um fato regularmente negli genciado por muitos leitores modernos: “ajudante” na Bíblia hebraica se refere, na maioria das ocorrências (90%!) ao próprio Deus, ou a outro companheiro humano no mesmo nível social ou superior, e não a receber a ajuda (WEBB, 2001, p. 128). Isto, obviamente, tem algumas consequências maravilhosamente libertadoras para o valor per cebido das mulheres em muitas sociedades. Mas, além disso, há a forte implicação de que, sem maior ajuda os seres humanos não irão realizar a tarefa dada a eles em relação ao resto da criação. No entanto, aparentemente, os seres humanos tendem a pensar ao contrário. O ato de tomar e comer da árvore do conhecimento foi um ato de rejeitar a dependência de Deus sobre as questões sobre o que seria certo ou errado. Independência, desde então, se tornou um dos principais objetivos da humanidade. Queremos fazer tudo por conta própria, sem responder a um superior, sem aceitar ajuda. Seria um pensamento humilhante para muitos que pensam em si mesmo como “ grown ups”. E, de fato, muitos intérpretes modernos, mais notavelmente Friedrich Schlei ermacher, argumentaram que a única maneira de os seres humanos poderem “crescer” e deixar o estado sonolento de inocência antes de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, e assim a “queda” chegou a ser uma coisa boa. Outros descartam a história como um mito que não é mais útil, uma vez que os seres humanos têm de fato “crescido” (JOHNSTON, 1997, p. 10). Mas será que somos realmente tão independentes? Será que foi uma boa ideia conseguir este tipo de “conhecimento do bem e do mal”? O atual estado do planeta parece indicar que realmente não tinha sido uma boa ideia nos emancipar de Deus. Alguns argumentaram que, até certo ponto, a serpente estava certa e Adão e Eva não morreram no local. Nossa leitura do relato da criação como um texto na linguagem de templo parece apontar em outra direção. A expulsão no Éden, de fato foi a morte real da humanidade – excluídos do santuário sem acesso à presença de Deus, a fonte da vida. A serpente não estava certa de que eles não morreriam instantaneamente, ao contrário, ela estava interpretando literalmente, quando uma interpretação simbólica teria sido muito mais adequada (WENHAM, 1994_1986, p. 404) . Agora, a conquista de ter capa cidade para julgar independentemente foi comprada pelo preço de perder o lugar que sustenta a vida e dá descanso – ou seja, tudo o que o cosmos iria oferecer como templo divino. O decreto de procriar ainda estava em vigor, mas agora o parto era cheio de complicações, dor e muitas vezes levava a morte (da criança e/ou da mãe; 3:16). A terra não produzirá os seus frutos sem o esforço por parte do agricultor (3:17-18). O pecado está constantemente à procura de espaço para se desdobrar e fazer o seu pior aos seres humanos e à criação em geral, como o assassinato de Abel e as espirais de vingança 11

posteriores tipificam (4:1-24). A maldade aumentou e a destruição seguiu (Gn 6-9). Muitas vezes, o foco das interpretações desses textos era a relação do ser huma no com Deus (a morte espiritual). Às vezes, as implicações sociais dos mesmos foram enfocadas (o racismo, o sexismo, o etnocentrismo, o nacionalismo, a escravidão …). E com razão. A reconciliação trazida por Jesus afeta nossa relação com Deus, bem como a relação com nossos companheiros, outros seres humanos. Mas precisamos nos lembrar das consequências do pecado para toda a criação como Paulo destaca em Romanos 8:19-21: 19 A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os fi lhos de Deus sejam revelados. 20 Pois ela foi submetida à inuti lidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança 21 de que a própria nature za criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

Muitas vezes, é difícil apontar exatamente como devemos imaginar uma criação que não inclui morte e carnívoros. No entanto, parece algo assim que está no horizonte do quadro pintado pela esperança bíblica para uma nova criação, uma criação maravi lhosamente restaurada (por exemplo, Isaías 11). Claro, a humanidade nunca desistiu de tentar consertar os danos causados, mui tas vezes com intenções muito nobres, mas consequências imprevistas (só veja as “bên çãos” mistas de CFCs, das estações de força nuclear, das sementes híbridas ou das plan tas geneticamente modificadas). Que obtiveram sucesso devido ao nosso mandato divi no constante para manter a ordem e estrutura. É ainda a criação de Deus que habitamos, ainda somos criações em sua própria imagem (quer dizer que ainda temos a mesma fun ção dentro da criação) e Deus continua sendo o sustentador primário (Gn 8:22). Muitas vezes erramos ao longo do caminho – isso pode muito bem ser devido à tendência hu mana de agir independentemente da orientação divina. O efeito do pecado sobre a terra é descrito em Os 4:1-3: 1 Israelitas, ouçam a palavra do Senhor, porque o Senhor tem uma acusação contra vocês que vivem nesta terra: “A fidelidade e o amor desapareceram desta terra, como também o conhecimento de Deus. 2 Só se veem maldição, mentira e assassinatos, roubo e mais roubo, adultério e mais adultério; ultrapassam todos os limites! E o derramamento de sangue é constante. 3 Por isso a terra pranteia, 12

e todos os seus habitantes desfalecem; os animais do campo, as aves do céu e os peixes do mar estão morrendo. Israel estava negligenciando a aliança com o seu Deus, não só em termos espiri tuais, mas também em termos sociais muito tangíveis. O efeito sobre o resto da criação era tão evidente, que Oséias pode usar a descrição do efeito para dar peso retórico a sua acusação. Curiosamente, não é um flagrante “pecado ecológico” que levou à situação – aqui estão descritos os efeitos de se viver de forma insustentável por causa do excesso de consumo egoísta (4:8-11). Precisamos estar cientes, não podemos deduzir que as pes soas que mais sofrem com os catástrofes ambientais são os maiores pecadores. Nem todo ato moralmente duvidoso terá resultados rastreáveis ou imediatos sobre o meio am biente. Em vez disso, devemos pensar globalmente e apontar para nós mesmos e nossos estilos de vida egoístas que podem causar este tipo de problemas a longo prazo. No cer ne da questão está a nossa ignorância referente ao nosso chamado divino para sermos bons e fiéis mordomos da criação (BOOKLESS, 2008, p. Pain and suffering in a fallen world). A terra vai “vomitar” as pessoas que forem contra a aliança. Olhando pela pers pectiva da criação como templo, esta metáfora faz muito sentido. Assim como o taber náculo ou o santuário em Jerusalém teve que ser guardado em sua santidade, em sua distinção como espaço habitado por Deus, a terra precisa ser mantida “santa”. Trans gressões morais e espirituais trazem impureza para a terra, que por sua vez vai sofrer e, portanto, se tornará inabitável para o povo. A punição do exílio é a consequência direta para a desconsideração com a terra, porque a terra pode, então, descansar e ser restaura da dos efeitos do pecado e da impureza.

-

6. Conclusão Como terá reconhecido, é difícil limitar-se a apenas alguns capítulos do Antigo Testamento que abordam de forma significativa as questões referentes à ecologia e ao cuidado com nosso meio ambiente maravilhoso. Parece estranho que tantos leitores da Bíblia analisaram esses mesmos textos, ignorando as implicações que a convicção de uma boa criação e de Deus, o sustentador comprometido desta criação, tem. Lendo a lei, o mesmo nos equiparia com um conjunto fascinante de sugestões sobre como proceder para cuidar deste mundo. Lá encontramos uma chamada para acharmos e vivermos em equilíbrio – basta lembrar do sábado. Há uma chamada para a parceria confrontando e resolvendo problemas juntos, isso a partir de uma motivação não de simpatia (ou mesmo de interesses financeiros), mas a partir do valor e da honra de toda a criação. O chamado para a justiça é um chamado à vida sustentável. Muitas vezes, os problemas causados pelo nosso estilo de vida ocidental esbanjador são senti dos, em primeiro lugar, por pessoas de países pobres que não participam das bênçãos que a exploração descontrolada de recursos globais trazem. Pensando sobre o chamado dos profetas, encontramos temas similares de justiça e de preocupação com os outros. Lá, o horizonte se abre além dos limites de um Israel nacional para a inclusão de todas as nações. A importância global de ser o povo de Deus 13

entra em foco. Parece ser por interesse no coração de Deus que Israel vive em equilíbrio se preocupando com o outro. Essa nova perspectiva nos leva para fora de nossas zonas de conforto limitadas porque tornamo-nos conscientes das consequências de nossas ações e atitudes, e assim somos convidados a repensá-las completamente. Ecoteologia não é sobre abraçar árvores ou ajudar sapos a atravessarem a rodovia em segurança. Ecoteologia é aceitar que todo o mundo é de Deus e não nosso (Sl 24:1) e é a tentativa de dizer isso em termos de uma busca por justiça global e uma vida individual equilibra da e sustentável. Referências bibliográficas BOOKLESS, D. Planetwise. Dare to Care for God’s World . Nottingham: Inter-Varsity Press, 2008. JOHNSTON, C. And the Leaves of the Tree are for the Healing of the Nations. Biblical and Theological Foundations for Eco-Justice . . [S.l.]: Presbyterian Church (U.S.A.), 1997. KEEL, O. Die Welt der altorientalischen Bildsymbolik und das Alte Testament: Am Beispiel der Psalmen. 3. ed. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1980. LEVENSON, J. D. The Temple and the World. The Journal of Religion , v. 64, n. 3, p. 275–298, 1984. MYTHOS. In: IRSIGLER, Hubert. (M. Bauks, K. Koenen, & S. Alkier, Org.) WiBiLex. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2013. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2014. WALTON, J. H. Ancient Near Eastern Thought and the Old Testament. Introducing the Conceptual World of the Hebrew Bible. Grand Rapids: Baker, 2006. WEBB, W. J. Slaves, Women & Homosexuals: Exploring the Hermeneutics of Cultural Analysis. Downers Grove: InterVarsity Press, 2001. WENHAM, G. J. Sanctuary Symbolism in the Garden of Eden Story. In: HESS, R. S.; TSUMURA, D. T. (Org.). I Studied Inscriptions from Before the Flood: Ancient Near Eastern, Literary, and Linguistic Approaches to Genesis 1-11 . Sources for Biblical and Theological Study. Grand Rapids, Michigan: Eisenbrauns, 1994_1986. p. 399–404. Dis ponível em: .

14

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.