Wagner Pralon Mancuso, Bruno Wilhelm Speck: Os preferidos das empresas

June 14, 2017 | Autor: Bruno Wilhelm Speck | Categoria: Latin American Studies, Political Campaigns, Brazilian Studies, Election Studies, Lobbying, Campaign Spending
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OS PREFERIDOS DAS EMPRESAS: UM ESTUDO DE DETERMINANTES DO FINANCIAMENTO ELEITORAL EMPRESARIAL Wagner Pralon Mancuso e Bruno Wilhelm Speck

Introdução Há muitas interfaces entre o mundo empresarial e o mundo da política (HAGGARD; SCHNEIDER; MAXFIELD, 1997). Este trabalho focaliza uma das mais importantes: o financiamento de campanhas eleitorais pelo empresariado. No Brasil, o financiamento das campanhas eleitorais é misto. Uma parte dos recursos é fornecida pelo poder público, como é o caso do fundo partidário234 e da propaganda eleitoral gratuita em rádio e televisão235. A outra parte é fornecida pela sociedade, isto é, por pessoas físicas, pessoas jurídicas ou pelos próprios candidatos, além de outras fontes residuais, tais como rendimento de aplicações financeiras, comercialização de bens e realização de eventos. Nas eleições brasileiras de 2010, as empresas privadas foram responsáveis por nada menos que 75% dos recursos procedentes da sociedade (SPECK, 2011; MANCUSO; FERRAZ, 2012). A metade de todas as doações de empresas privadas foi feita por um seleto subgrupo de apenas setenta empresas ou grupos empresariais de grande porte, num total de mais de 19 mil empresas doadoras (MANCUSO; FERRAZ, 2012). Em 2010, as doações eleitorais de empresas privadas tiveram três destinos: partidos, comitês e candidaturas. No caso dos partidos, as empresas doaram para os diretórios nacionais e estaduais. No caso dos comitês, as empresas doaram para comitês nacionais (os comitês financeiros para presidente e vice-presidente da república) e estaduais/distritais (comitês financeiros únicos e comitês financeiros para governador, senador, deputado federal e deputado estadual/distrital). Finalmente, as empresas também doaram para candidaturas nacionais (presidente e vice-presidente) e estaduais (governador, vice-governador, senador, 1º e 2º suplentes de senador, deputado federal e deputado estadual/distrital). Neste trabalho focalizamos exclusivamente as doações diretas de empresas privadas para os candidatos a deputado federal em 2010. Certamente, as doações diretas não representam o total de recursos de origem empresarial investido nestas candidaturas, pois elas também receberam repasses de partidos, comitês e outros candidatos, que por sua vez também foram financiados por empresas (SPECK; MANCUSO, 2011). Os critérios que regem o repasse de recursos empresariais recebidos por partidos, comitês 234 A distribuição do fundo partidário é regida pelas Leis n. 9.096, de 1995, e 11.459, de 2007. 235 O poder público concede compensações fiscais às emissoras de rádio e TV obrigadas a veicular a propaganda eleitoral gratuita. A propaganda eleitoral gratuita é regida pelas Leis n. 9.504, de 1997, e 12.034, de 2009. O financiamento eleitoral é regido pelas mesmas leis, e também pela Lei n. 11.300, de 2006. 217

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores)

e candidatos para outras candidaturas permanecem como uma questão aberta à investigação. A dúvida geralmente gira em torno da medida em que tais repasses obedecem a estratégias partidárias ou visam a dissimular doações previamente “carimbadas” para candidatos específicos – isto é, as chamadas “doações ocultas”. Não temos evidências para dirimir esta dúvida neste trabalho. Segundo Mueller (2003), quando os financiadores escolhem determinadas candidaturas para apoiar, eles podem perseguir dois objetivos que não são mutuamente excludentes e, na prática, frequentemente se sobrepõem. Um dos objetivos é afetar o resultado eleitoral. Neste sentido, os financiadores escolhem candidatos e doam-lhes recursos para que os invistam em suas campanhas e assim aumentem suas chances de êxito eleitoral. Outro objetivo é afetar a atuação pós-eleitoral dos candidatos vencedores. Uma vez eleitos, os candidatos tornam-se decisores públicos e as decisões que tomarão podem vir a afetar os interesses dos contribuidores. Neste caso, a contribuição eleitoral é um investimento feito pelo financiador, na expectativa de que o candidato, uma vez eleito, leve em conta os interesses de quem o financiou. Como veremos na próxima seção, o financiamento eleitoral empresarial concentra-se em poucos candidatos, ao invés de ser distribuído igualmente entre todos eles. O objetivo deste trabalho é identificar fatores que explicam a preferência dos financiadores empresariais por determinados candidatos. A apresentação e o teste das hipóteses relativas a esses fatores estão contidos na terceira seção, que é seguida pelas considerações finais.

1. A concentração do financiamento empresarial em alguns candidatos Conforme informações do TSE, 4.369 indivíduos candidataram-se a deputado federal em todo o Brasil, no ano de 2010, e prestaram contas de suas receitas de campanha à Justiça Eleitoral. O valor das doações empresariais oficiais feitas diretamente para candidaturas à Câmara em 2010 foi de R$ 371.070.701,16. Este valor corresponde a um terço do total doado por empresas, oficialmente e diretamente, a todas as candidaturas majoritárias e proporcionais no mesmo ano – valor este que chegou a R$ 1.113.699.432,70236.

236 Estes valores foram apurados em fevereiro de 2013, nas planilhas do “Repositório de Dados Eleitorais” do TSE (http://www.tse.jus.br/eleicoes/repositorio-de-dados-eleitorais). O TSE atualiza constantemente a base de dados, ao receber retificações enviadas por partidos, comitês ou candidatos. Naturalmente, os valores mencionados no artigo não incorporam atualizações posteriores à data de apuração. Além disso, durante as eleições de 2010, uma quantidade de recursos muito difícil de mensurar pode ter sido repassada pelas empresas aos candidatos, sem declaração à Justiça Eleitoral. Trata-se do “caixa 2”. Admitimos a possibilidade do “caixa 2”, mas este trabalho focaliza exclusivamente o financiamento lícito, devidamente declarado à Justiça Eleitoral. 218

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia TABELA 1 - VALOR ABSOLUTO E PORCENTAGENS DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS PARA CANDIDATURAS A DEPUTADO FEDERAL, POR ESTADO; PORCENTAGENS DO ELEITORADO NACIONAL, POR DISTRITO (2010). % cumulativa eleitorado

Distritos

Doações (R$)

% doações

% cumulativa doações

% eleitorado

SP

102.848.062,84

27,7

27,7

22,3

MG

53.909.617,05

14,5

42,2

10,7

33,1

GO

24.960.254,76

6,7

49,0

3,0

36,0

RS

24.422.831,43

6,6

55,6

6,0

42,0

RJ

21.746.491,46

5,9

61,4

8,5

50,6

PR

19.584.102,43

5,3

66,7

5,6

56,2

BA

17.598.677,90

4,7

71,4

7,0

63,2

PE

13.596.817,55

3,7

75,1

4,6

67,8

SC

13.123.177,21

3,5

78,6

3,3

71,2

CE

10.685.145,02

2,9

81,5

4,3

75,5

ES

8.752.666,07

2,4

83,9

1,9

77,4

MT

7.572.852,54

2,0

85,9

1,5

78,9

MS

6.964.323,21

1,9

87,8

1,3

80,2

AM

5.836.742,33

1,6

89,4

1,5

81,7

PA

4.948.585,72

1,3

90,7

3,5

85,2

TO

4.772.293,84

1,3

92,0

0,7

85,9

AL

3.762.124,98

1,0

93,0

1,5

87,4

DF

3.697.972,48

1,0

94,0

1,4

88,8

MA

3.351.593,63

0,9

94,9

3,2

91,9

RN

3.307.480,00

0,9

95,8

1,7

93,6

RO

3.159.716,79

0,9

96,6

0,8

94,4

AC

2.805.546,71

0,8

97,4

0,3

94,7

PI

2.670.317,84

0,7

98,1

1,7

96,4

RR

2.328.332,51

0,6

98,7

0,2

96,6

PB

2.116.636,45

0,6

99,3

2,0

98,6

SE

1.772.697,00

0,5

99,8

1,1

99,7

100,0

0,3

100,0

AP

775.641,41

0,2

TOTAL

371.070.701,16

100,0

22,3

100,0

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

219

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores)

Alguns distritos abarcaram grande parte das contribuições empresariais para candidaturas a deputado federal. A tabela 1 mostra, por exemplo, que os dois distritos de maior magnitude, São Paulo e Minas Gerais, obtiveram, respectivamente, 27,7% e 14,5% de todas as doações deste tipo. No entanto, a distribuição das doações empresariais entre os distritos se aproxima bastante da distribuição da população entre eles. Uma das formas de medir a concentração do financiamento corporativo entre os distritos é pelo coeficiente de Gini, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior a concentração. Por este indicador, a concentração do financiamento entre distritos é baixa, com um valor de 0,14, indicando que não houve muito descompasso entre o percentual de financiamento destinado aos distritos e o percentual de eleitores desses distritos237. TABELA 2 - ÍNDICES DE CONCENTRAÇÃO/FRAGMENTAÇÃO DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS, POR DISTRITO (2010) Distritos

RJ

SE

PI

SP

AC

MS

DF

MG

RN

PR

MT

RO

MA

ES

PB

PE

SC

PA

BA

AM

RS

GO

AP

AL

RR

CE

TO

Coeficiente de Gini

0,93

0,92

0,92

0,92

0,92

0,91

0,91

0,91

0,90

0,90

0,89

0,89

0,88

0,87

0,87

0,87

0,87

0,86

0,86

0,86

0,85

0,85

0,84

0,84

0,83

0,82

0,80

Índice de fragmentação

33,1

3,6

5,9

80,0

1,8

6,6

7,7

45,3

6,6

21,0

6,7

6,1

14,2

8,8

8,1

19,1

14,8

14,1

20,4

7,9

36,5

17,0

9,4

8,2

8,1

16,2

7,0

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

Total candidatos

608

48

75

1.054

34

70

82

472

59

241

66

69

128

74

72

122

140

101

184

52

230

100

59

50

51

90

38

237 Os leitores interessados em replicar nossos cálculos podem enviar uma mensagem para e solicitar nossas bases de dados. 220

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia

A realidade é totalmente outra dentro dos distritos. Há nítidas evidências de elevada concentração do financiamento corporativo direto em todos eles. A tabela 2 apresenta dois indicadores que atestam este ponto. A segunda coluna mostra o coeficiente de Gini de concentração do financiamento corporativo entre os candidatos. Em todos os casos, o coeficiente é bastante alto, situando-se entre 0,80, em Tocantins, e 0,93, no Rio de Janeiro. A terceira coluna contém outro índice, de fragmentação do financiamento corporativo, inspirado no “número efetivo de partidos”, proposto por Laakso e Taagepera (NICOLAU, 2005)238. O baixo nível de fragmentação é perceptível quando se compara este índice ao número absoluto de candidatos a deputado federal, apontado na quarta coluna. Diagnosticado o alto nível de concentração do financiamento corporativo direto em todos os distritos, nosso próximo passo é tentar identificar as características que favorecem um candidato a situar-se entre os que mais recebem recursos deste tipo, em seu distrito. Mais precisamente, procuraremos identificar as características que favorecem a presença de um candidato no decil mais alto de financiamento corporativo de seu distrito eleitoral. A tabela 3 mostra, para todos os distritos, o valor de corte que define o decil mais alto em termos de financiamento corporativo direto, bem como o número de candidatos que integram este decil239. TABELA 3 - DECIS MAIS ALTOS DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO (VALOR DE CORTE E NÚMERO DE CANDIDATOS, POR DISTRITO, EM 2010) Distritos

Número de candidatos

%

GO

Valor de corte (R$) 1.266.625,99

10

2,3

PE

558.390,55

12

2,8

AM

520.950,00

5

1,2

CE

501.648,00

9

2,1

RS

500.491,61

23

5,3

ES

448.800,00

7

1,6

MT

412.682,15

6

1,4

(continua)

238 A fórmula do índice é 1/∑pi², onde pi é a proporção do financiamento corporativo direto obtido pelo candidato i. Speck (2011) utilizou índice semelhante para medir a fragmentação de recursos de pessoas físicas e jurídicas entre os partidos políticos brasileiros, no Brasil como um todo, nas eleições de 2010. 239 É arbitrária a definição do ponto a partir do qual se considera que um candidato integra o subgrupo dos que recebem mais financiamento corporativo. Optamos pelo critério do decil mais alto em cada distrito por duas razões. Em primeiro lugar, para que a variação do financiamento corporativo entre os distritos seja considerada – afinal, é nos distritos que a competição ocorre. Em segundo lugar, para que a proporção de candidatos dos distritos na amostra se aproxime da proporção de candidatos dos distritos na população, isto é, no Brasil como um todo. Um critério alternativo para identificar os mais financiados seria o nível de “concentração de recursos corporativos” (ou seja, a proporção do financiamento corporativo total do distrito obtida pelo candidato), mas este critério sobrerrepresentaria os distritos com menos candidatos. Outro critério seria o valor absoluto de financiamento corporativo recebido pelos candidatos, mas, a depender do tamanho definido para o subgrupo, e preservada na amostra a proporção de candidatos por distrito da população, este critério sub-representaria os distritos em que houve maior volume de financiamento corporativo. 221

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores) TABELA 3 - DECIS MAIS ALTOS DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO (VALOR DE CORTE E NÚMERO DE CANDIDATOS, POR DISTRITO, EM 2010)

(conclusão)

Distritos

Número de candidatos

%

TO

367.540,08

3

0,7

SC

337.729,31

14

3,3

MG

317.462,00

47

10,9

AL

317.349,98

5

1,2

BA

273.498,80

18

4,2

RN

238.585,00

6

1,4

MS

228.133,00

7

1,6

PA

218.480,00

10

2,3

SP

204.581,13

105

24,4

PR

184.850,00

24

5,6

RR

147.392,00

5

1,2

AC

145.356,90

3

0,7

DF

135.763,00

8

1,9

PB

103.220,00

7

1,6

RO

100.000,00

7

1,6

PI

81.112,55

7

1,6

MA

79.658,25

12

2,8

RJ

59.910,00

60

14,0

AP

53.336,50

6

1,4

SE

31.970,40

4

0,9

430

100,0

Total

Valor de corte (R$)

 

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

2. Hipóteses e resultados Testaremos cinco hipóteses relativas às características que aumentam a chance de um candidato de integrar o seleto grupo dos mais financiados por empresas, em seu distrito. A primeira hipótese refere-se a uma característica de natureza política, e sustenta que os candidatos incumbents – isto é, os candidatos que ocuparam um assento na Câmara dos Deputados ao longo da legislatura 2007-2011, como titulares ou suplentes, e que decidiram disputar a reeleição – têm mais chance que os challengers de pertencer ao subgrupo dos mais financiados por empresas. Trabalhos anteriores utilizaram incumbency como variável explicativa de financiamento eleitoral nas eleições de 2002 e 2006 para a Câmara dos Deputados (MARCELINO, 2010; LEMOS; MARCELINO; PEDERIVA, 2010; MANCUSO, 2012a) e encontraram associação positiva entre as variáveis. De fato, há boas razões para esperar-se uma associação positiva e estatisticamente significativa entre incumbency e financiamento empresarial direto. Por um lado, o perfil de atuação dos incumbents já é conhecido, podendo servir como norte para as empresas no momento de decidir os destinatários de suas doações. As empresas não têm informação equivalente para os newcomers. Por outro lado, incumbency é um indi222

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia

cador de capital político do candidato. As empresas podem destinar mais contribuições para candidatos que já deram provas recentes de sua força política, numa estratégia para maximizar a probabilidade de sucesso do investimento eleitoral – isto é, para maximizar a proporção de investimento dirigido a candidatos vencedores e que, portanto, poderão participar efetivamente de futuras decisões políticas que afetem seus interesses. TABELA 4 - PERTENÇA AO DECIL MAIS ALTO DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO NO DISTRITO, POR INCUMBENCY Incumbency

Decil mais alto

Outros

Total

Incumbents

53,0%

5,5%

10,2%

31,0

-31,0

Outros

228

χ²= 959,678 (0,000)

444

202

3.723

3.925

47,0%

94,5%

89,8%

-31,0

Total

216

31,0

430

3.939

4.369

100,0%

100,0%

100,0%

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

A tabela 4 mostra que os incumbents representaram apenas 10,2% dos candidatos à Câmara dos Deputados em 2010 (444 em 4.369). Todavia, a proporção de incumbents entre os mais financiados sobe a 53% (228 em 430). O teste qui-quadrado indica que é ínfima a chance de erro em apontar associação entre as variáveis. Por sua vez, os resíduos ajustados mostram que há muito mais incumbents entre os mais financiados do que seria esperado, caso as variáveis estivessem desassociadas240. A segunda hipótese remete a outra variável política, e afirma que os candidatos de partidos que compõem a base de apoio ao governo no Congresso têm mais chance que os demais candidatos de estar entre os mais financiados. O impacto da pertença à base sobre o financiamento obtido pelos candidatos já foi investigado nas eleições de 1994, 1998, 2002 e 2006 e a literatura sempre encontrou associação positiva entre as variáveis (SAMUELS, 2001; LEMOS; MARCELINO; PEDERIVA, 2010; MEZZARANA, 2011 e MANCUSO, 2012a). As empresas podem premiar candidatos da base com financiamento mais abundante seja para reforçar os laços com a coalizão partidária que se encontra no poder, seja por prever que os candidatos desta coalizão terão mais chance de êxito eleitoral, sobretudo quando o governo é bem avaliado em pesquisas de opinião, como foi o caso do segundo governo Lula.

240 Quando o p-valor do teste qui-quadrado é menor ou igual a 0,05, a análise dos resíduos ajustados fornece importantes informações adicionais. Célula a célula, o resíduo ajustado indica que há significativamente mais casos que o esperado, quando é igual ou maior que +2,0, ou que há significativamente menos casos que o esperado, quando é igual ou menor que -2,0. O valor absoluto do resíduo ajustado indica a força da associação positiva ou negativa. 223

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores) TABELA 5 - PERTENÇA AO DECIL MAIS ALTO DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO NO DISTRITO POR PERTENÇA À BASE Pertença à base

Decil mais alto

Outros

Total

Base

61,2%

43,4%

45,1%

7,0

-7,0

2230

2.397

38,8%

56,6%

54,9%

-7,0

7,0

3.939

4.369

100,0%

100,0%

100,0%

263

167 Outros

Total χ²= 49,469 (0,000)

430

1.709

1.972

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

De acordo com o Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), nove partidos compunham a base de apoio ao presidente Lula no momento em que as eleições de 2010 foram realizadas: PC do B, PDT, PMDB, PP, PR, PRB, PSB, PT e PSB. O teste qui-quadrado e os resíduos ajustados mostram que há mais candidatos de partidos da base no subgrupo de candidatos mais financiados do que seria esperado, se as variáveis não estivessem associadas. As próximas hipóteses referem-se ao efeito de três variáveis de perfil sobre a chance dos candidatos de se encontrarem no decil mais bem provido de financiamento empresarial. Uma dessas variáveis é o sexo dos candidatos. No Brasil, a carreira política ainda é predominantemente masculina, embora tenha havido certa presença feminina nos cargos eletivos dos poderes legislativo e executivo, a nível municipal, estadual e nacional – a última grande lacuna foi preenchida em outubro de 2010, com a eleição de Dilma Rousseff para a presidência da república. Sacchet e Speck (2011) apontaram um viés de gênero no financiamento empresarial, ao mostrar que as mulheres receberam menos doações de pessoas jurídicas que os homens nas eleições de 2006 e 2010, tanto para as assembleias legislativas quanto para a Câmara dos Deputados. Portanto, uma das hipóteses deste trabalho é que as mulheres estão sub-representadas entre os candidatos mais financiados pelo empresariado.

224

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia TABELA 6 - PERTENÇA AO DECIL MAIS ALTO DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO NO DISTRITO POR SEXO Sexo

Decil mais alto

Outros

Total

Mulheres

8,5%

17,0%

16,1%

36

-4,5

Homens

4,5

χ²= 20,563 (0,000)

650

390

3.001

3.391

91,5%

83,0%

83,9%

4,5

Total

614

-4,5

426

3.615

4.041

100,0%

100,0%

100,0%

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

Embora as mulheres representem cerca de metade da população e do eleitorado brasileiros, a proporção de candidatas à Câmara dos Deputados foi de apenas 16,1%241. A proporção de mulheres entre os candidatos mais financiados por empresas foi ainda menor: apenas 8,5%. A tabela 6 mostra que há associação negativa e estatisticamente significativa entre sexo feminino e financiamento empresarial elevado. Outra variável de perfil que analisamos é o grau de instrução do candidato. A hipótese é que as empresas preferem financiar candidatos com ensino superior completo a financiar candidatos com grau de instrução menor. Teoricamente, os candidatos mais instruídos estariam mais bem preparados para atuar como representantes na Câmara dos Deputados. TABELA 7 - PERTENÇA AO DECIL MAIS ALTO DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO NO DISTRITO POR GRAU DE INSTRUÇÃO Grau de instrução Ensino superior

Decil mais alto

Total χ²= 98,835 (0,000)

Total

1.929

2.264

78,6%

53,4%

56,0%

9,9

Outros

Outros

335

-9,9

91

1.686

1.777

21,4%

46,6%

44,0%

-9,9

9,9

426

3.615

4.041

100,0%

100,0%

100,0%

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

241 Para 328 candidatos não foi possível cruzar as informações sobre financiamento de campanhas, de um lado, e gênero, ocupação e grau de instrução, de outro lado. 225

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores)

Segundo informações do Censo de 2010, apenas 7,9% dos brasileiros com 10 anos ou mais de idade tinham curso superior completo naquele ano242. Embora essa proporção certamente fosse maior entre os brasileiros com mais de 21 anos, resta pouca dúvida de que havia mais graduados entre os candidatos a deputado federal (56%) que entre os brasileiros com idade mínima para se candidatarem à Câmara dos Deputados. Este percentual foi ainda mais alto entre os candidatos mais financiados por empresas, chegando a 78,6%. Assim, a tabela 7 mostra que os graduados estão sobrerrepresentados no subgrupo dos candidatos mais financiados por empresas. Por fim, investigamos o efeito da ocupação do candidato sobre o nível de financiamento empresarial recebido. Especificamente, testamos a hipótese de que os empresários preferem financiar seus pares – ou seja, candidatos que também se declararam como empresários. Candidatos-empresários seriam mais bem financiados por despontarem naturalmente como potenciais representantes dos interesses da classe. Além disso, esses candidatos poderiam destinar vultosos recursos das próprias empresas para robustecer suas campanhas eleitorais. Consideramos como candidatos-empresários aqueles que declararam ao TSE pelo menos uma das seguintes ocupações: comerciante, diretor de empresas, empresário, industrial, pecuarista ou produtor agropecuário. TABELA 8 - PERTENÇA AO DECIL MAIS ALTO DE FINANCIAMENTO CORPORATIVO NO DISTRITO POR OCUPAÇÃO Ocupação Empresário

50

Decil mais alto

543

Outros

Total

11,7

15,0%

14,7%

-1,8

Outros

Total χ²= 3,282 (0,070)

594

1,8

376

3072

88,3%

85,0%

1,8

-1,8

3.448 85,3%

426

3.615

4.041

100,0%

100,0%

100,0%

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

Diferentemente do previsto pela hipótese, os dados da tabela 8 revelam que o fluxo do financiamento corporativo não se destina mais aos candidatos-empresários que aos outros candidatos. Ao contrário, o p-valor do teste qui-quadrado desta tabela de contingência parece sugerir que há menos empresários no decil mais alto de financiamento corporativo do que o esperado243. Por esta razão, esta variável também será incluída no modelo multivariado apresentado a seguir. Usamos regressão logística multivariada para avaliar o impacto conjunto das características mencionadas acima sobre a chance do candidato de compor o decil mais 242 Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2013. 243 Alguns trabalhos aceitam o p-valor de 0,1 como evidência de associação entre as variáveis. 226

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia

elevado de financiamento empresarial, em seu distrito. Neste trabalho, a variável dependente é uma variável dummy, que indica a pertença do candidato ao decil que mais recebeu financiamento corporativo direto em seu distrito. Se o candidato integra este decil, foi codificado como 1, caso contrário, foi codificado como 0. Em síntese, o modelo proposto neste capítulo é: logit (π) = α + β1x1 + β2x2 + β3x3 + β4x4 + β5x5, ou π (x) = exp (α + β1x1 + β2x2 + β3x3 + β4x4 + β5x5) _______________________________ 1+exp (α + β1x1 + β2x2 + β3x3 + β4x4 + β5x5) onde: x1 = 1 para incumbents, e 0 para os demais; x2 = 1 para os candidatos de partidos que integram a base do governo, e 0 para os demais; x3 = 1 para mulheres, e 0 para os homens; x4 = 1 para candidatos graduados, e 0 para os demais; e x5 = 1 para empresários, e 0 para os demais. A tabela 9 mostra os resultados encontrados. No modelo multivariado, todas as variáveis independentes apresentaram efeito estatisticamente significativo e no sentido previsto pelas hipóteses – inclusive a variável ocupação do candidato. TABELA 9 - MODELO DE REGRESSÃO LOGÍSTICA Teste de razão de verossimilhança - 2 LL

2098,81

χ²

gl P

623,45 5

,000

Cox & Snell

,143

Nagelkerke

,292

Modelo β

E.P.

Wald

p

Exp(B)

Incumbent

2,690

,126

455,622 1

,000

14,733

Base

,268

,120

4,980

1

,026

1,308

Mulher

-,513

,195

6,901

1

,009

,599

Graduado

,789

,138

32,880

1

,000

2,200

Empresário

,397

,179

4,947

1

,026

1,488

Constante

-3,445

,145

561,270 1

,000

,032

FONTE: Elaboração dos autores, a partir de dados do TSE.

gl

Conforme a primeira hipótese, incumbency exerce um efeito positivo e significativo sobre a chance de um candidato pertencer ao seleto subgrupo que mais recebe financiamento corporativo direto. Controlando-se o efeito das demais variáveis, incumbency aumenta 14,7 vezes a chance de um candidato pertencer ao mencionado subgrupo. Os candidatos de partidos da base de apoio ao presidente no Congresso se sobressaem entre os que mais recebem financiamento empresarial direto. Os candidatos de partidos da base têm chance 30,8% maior que a dos demais candidatos de estar nesse grupo.

227

Paulo Roberto Neves Costa e Juarez Varallo Pont (Organizadores)

O sexo do candidato também afeta o nível de financiamento corporativo direto, exercendo, ao contrário dos demais fatores, um efeito negativo e significativo sobre a variável dependente. Controlando-se o efeito das demais variáveis explicativas, a chance das mulheres de integrar o subgrupo de interesse corresponde a 60% da chance dos homens. Ter diploma de ensino superior é uma característica que aumenta a chance do candidato de estar entre os mais financiados. De fato, os candidatos com este nível de instrução têm chance 2,2 vezes maior que a dos demais de figurar entre os preferidos do mundo corporativo, controlando-se o efeito dos demais preditores. Por fim, no modelo multivariado, a ocupação de origem é outro fator que exerce efeito positivo e significativo sobre a chance de um candidato figurar no decil dos que mais recebem doações corporativas diretas. De fato, controlando-se o efeito das outras variáveis, os candidatos classificados como empresários têm chance 48,8% maior que a dos demais candidatos de estar entre os mais financiados por empresas. Usando a segunda equação apresentada acima, podemos afirmar que a probabilidade de um incumbent, empresário, de sexo masculino, com ensino superior e filiado a um partido da base, de pertencer ao decil que mais recebe financiamento corporativo direto é: π = exp (0,699) / 1+exp (0,699) = 0,668, ao passo que a probabilidade de um challenger, não empresário, de sexo feminino, sem ensino superior e não filiado a um partido da base, de pertencer ao mesmo decil é apenas: π = exp (0,056) / 1+exp (0,056) = 0,019.

Considerações finais Este trabalho identificou características políticas e de perfil que, nas eleições brasileiras de 2010, estiveram associadas à chance de um candidato a deputado federal de figurar entre os preferidos das empresas, em seu distrito eleitoral. Neste sentido, o trabalho procurou contribuir para o acúmulo de conhecimento sobre os determinantes do financiamento eleitoral, uma das três principais subáreas de estudo sobre investimento político, juntamente com os resultados eleitorais do financiamento e os benefícios alcançados pelos financiadores (MANCUSO, 2012b). No entanto, alguns desafios permanecem para análises futuras. Em primeiro lugar, este trabalho apontou condicionantes gerais das doações empresariais, mas não avançou na comparação de estratégias específicas adotadas por grandes doadores – empresas e grupos empresariais que, no fundo, são as principais fontes de recursos para as campanhas. Passos nesta direção podem ser dados pelo estudo indutivo da lógica que rege as contribuições dos grandes doadores (estas contribuições são destinadas a quais candidatos, partidos, estados, cargos em disputa?), bem como por entrevistas com os indivíduos que tomam as decisões de financiamento dentro das empresas, ou com tesoureiros de partidos e candidaturas. Em segundo lugar, as variáveis explicativas já utilizadas neste trabalho podem ser refinadas e variáveis novas podem ser introduzidas no modelo. Por exemplo, incumbency é boa proxy de capital político, mas o financiamento corporativo também pode ser favorecido pela prévia ocupação bem-sucedida de outros cargos em partidos políticos ou no poder público, eletivos ou não. Outro exemplo: ao identificarmos os candidatos-empresários, trabalhamos com a ocupação autodeclarada pelos candidatos. Esta 228

Empresários, Desenvolvimento, Cultura e Democracia

informação é insuficiente para distinguir os candidatos-empresários quanto ao porte do empreendimento que comandam. É possível, no entanto, que haja maior fluxo de financiamento corporativo para os candidatos-empresários que comandem empreendimentos de maior porte. A informação adicional pode ser buscada, por exemplo, na declaração de bens que os candidatos precisam apresentar. Em terceiro lugar, nosso modelo assume falta de interação entre as variáveis explicativas, mas trabalhos futuros podem propor modelos mais complexos que explorem questões tais como: a diferença de financiamento observada entre homens e mulheres, ou entre candidatos de partidos da base e de oposição, se observa igualmente entre challengers e incumbents? Ainda falta muito para conhecermos melhor os determinantes e os resultados do financiamento eleitoral empresarial no Brasil. Este trabalho procurou dar um passo nessa direção.

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