YI JING: PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA PARA O LIVRO DAS MUTAÇÕES

June 9, 2017 | Autor: Marlus Araujo | Categoria: Installation Art, Interaction Design, Symbolism, Metaphor, Natural User Interfaces, I Ching
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES - ESCOLA DE BELAS ARTES COMUNICAÇÃO VISUAL/DESIGN

MARLUS MENDONÇA SILVA ARAUJO ORIENTADORA: PROF. MARIA LUIZA FRAGOSO

YI JING: PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA PARA O LIVRO DAS MUTAÇÕES

RIO DE JANEIRO FEVEREIRO DE 2012

MARLUS MENDONÇA SILVA ARAUJO

YI JING: PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA PARA O LIVRO DAS MUTAÇÕES

Trabalho de Conclusão de Curso para ser apresentado a Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção de título de Graduação do Curso de Comunicação Visual / Design da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Prof. Dra. Maria Luiza Fragoso.

RIO DE JANEIRO FEVEREIRO DE 2012

MARLUS MENDONÇA SILVA ARAUJO

YI JING: PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA PARA O LIVRO DAS MUTAÇÕES

Trabalho de Conclusão de Curso para ser apresentado a Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção de título de Graduação do Curso de Comunicação Visual/Design da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Luiza Fragoso

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dra. Maria Luiza Fragoso Universidade Federal do Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO FEVEREIRO DE 2012

DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Lula e Beth, que me proporcionaram uma vida com muita liberdade para desenhar, criar e imaginar.

AGRADECIMENTOS À toda minha família, pelo apoio e carinho em todos os momentos da minha vida.

Aos diretores e professores do HMS, por todo carinho e incentivo que recebi durante o ensino médio e fundamental.

À Clélia, Betânia e Marcelo Spangemberg, artistas e amigos importantes para meu pensar e caminhar artístico.

A todos os professores que estiveram presentes na minha formação pela Escola de Belas Artes, mas especialmente, a Guto Nóbrega, Maria Luiza Fragoso, Carlos Azambuja, Rui de Oliveira e Ísis Braga.

Ao físico Luiz Carlos Gomes, pelas nossas conversas, idéias, pesquisas e insights metafísicos sobre o Livro das Mutações.

Ao orientalista Jesualdo Correia, por compartilhar seu conhecimento a respeito das culturas do oriente e os fundamentos do Yi Jing.

E por fim, minha companheira Raissa Laban, sempre presente e disposta a colaborar com trabalho, ideias, incentivo e amor.

Se queres prever o futuro, estuda o passado. Confúcio

RESUMO O projeto apresenta uma investigação do Yi Jing, o Livro das Mutações, no campo do design de interatividade. Seu desenvolvimento resulta numa instalação interativa onde o usuário, através de sua presença e movimentos, percorre os símbolos, conceitos e textos que integram o Livro. Tem como objetivo explorar as potencialidades imagéticas do Yi Jing, através de uma experiência rica em estímulos visuais, promovendo novas leituras de suas simbologia e interrelações. Palavras-chave: Yi Jing, metáforas, simbolismos, instalação, interatividade, interfaces naturais.

ABSTRACT The project presents an investigation on Yi Jing, The Book of Changes, in the field of interactive design. Its scope results in an interactive installation where the user, through its presence and movements, makes an interactive journey, travels through the symbols, concepts and the texts which make up that Book. It aims at exploring the potential imagery of the Yi Jing, through a manifold rich visual stimulus-experience, promoting at the same time the possibility of new readings both at a personal and also cognitive levels as well as other levels of interaction. Keywords: Yi Jing, metaphor,  symbolism, installation, interactivity, natural interfaces.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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1 – YI JING - O LIVRO DAS MUTAÇÕES

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2 – PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA

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2.1 – Conceito e metodologia

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2.2 – Referências relevantes para o projeto

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2.2.1 – Referências sobre o tema

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2.2.2 – Referências plásticas em arte interativa

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2.2.3 – Referências técnicas em interfaces

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2.2.4 – Referências técnicas em computação gráfica interativa

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2.3 – Estrutura, aspectos visuais e interação

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2.4 – Prova de conceito

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2.5 – Resultados esperados

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CONCLUSÃO

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LISTA DE REFERÊNCIAS

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Referências bibliográficas

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Internet

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INTRODUÇÃO Esta pesquisa apresenta uma investigação do Yi Jing, o Livro das Mutações, num projeto de comunicação visual sob a ótica do design de interatividade. Seu desenvolvimento resulta numa instalação imersiva onde o usuário, através de gestos e movimentos, percorre por símbolos e conceitos do Livro. O Yi Jing apresenta uma estrutura fundamentada na polaridade dos símbolos-conceito “céu” e “terra”, opostos, mas que se complementam numa interrelação sofisticada, transmitindo conceitos de fluidez, movimento, transformação. Mas não somente isso. O Yi Jing surge de uma tentativa de explicar os fenômenos do céu e da terra, do material e do imaterial, através dos seus 64 hexagramas, numa simplicidade austera e coerente. Vivemos em um mundo cada vez mais globalizado, numa sociedade cada vez mais complexa, capaz de se transformar numa velocidade incrível. Há autores que discutem o papel do designer neste mundo complexo. Para Cardoso (2012, p. 15), o design nasce com o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo industrial. Mas como pôr ordem no mundo atual, pós-industrial, pósmoderno, na era da informação e da virtualidade?

Os tempos mudam, e muda com eles o significado das coisas que parecem fixas. No mundo de hoje, onde o tempo parece andar cada vez mais depressa, os significados ficam ainda menos estáveis. Determinar o significado de um artefato atualmente é tarefa tão escorregadia quanto atirar numa lebre correndo em zigue-zague a partir de um carro desgovernado que transita por uma ponte móvel. O tiro certeiro depende do cálculo preciso e instantâneo de todas as forças, velocidades e movimentos. Se essa comparação parece remeter ao mundo dos desenhos animados e dos videogames, não é à toa. A abrangência crescente do mundo virtual e seu impacto sobre a visualidade - por meio dos processos de manipulação, simulação e emulação tende a redefinir todos os parâmetros para a discussão da forma.

O Yi Jing parece resolver muito bem a questão da complexidade. É um sistema fechado, por se encerrar nos hexagramas, mas ao mesmo tempo aberto, por permitir variáveis, as linhas mutáveis, e múltiplas interpretações. Ele chega no ocidente fortemente atrelado ao misticismo, mas sua sabedoria milenar fica mais evidente no momento em que a ciência ocidental passa a questionar seus próprios fundamentos. Para Kapra (2006, p.67), a formulação da termodinâmica e depois a eletrodinâmica, culminaram na teoria da relatividade e na teoria quântica, pulverizando os 9

principais conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica newtoniana. Abre-se espaço para uma grande convergência entre os pensamentos do mundo ocidental e oriental. Neste novo mundo, o design de interatividade se insere como um dos desdobramentos do design, preocupados com o desenvolvimento de uma linguagem intuitiva e universal. Para tanto, o conhecimento da tecnologia é fundamental, não só pela importância da técnica para o desempenho da atividade, mas pela própria discussão da linguagem visual aplicada a esse novo contexto. Para Flusser (2007, p.31), a questão “abrasadora” é o que se entende por “cultura imaterial”, sendo que a denominação correta seria “cultura materializadora”, já que, no passado, “o que importava era configurar a matéria existente para torná-la visível”, mas hoje “o que está em jogo é preencher com matéria uma torrente de formas que brotam a partir de uma perspectiva teórica e de nossos equipamentos técnicos, com a finalidade de materializar essas formas”. Esta pesquisa, portanto, visa exemplificar o trabalho do designer no contexto de “materialização” de formas e conceitos e na organização de sistema complexos. Tendo o Yi Jing como tema, tentou-se mapear o papel do designer na construção de uma linguagem visual constituída de códigos de programação, fórmulas matemáticas, simulação de fenômenos naturais. A pesquisa também aborda a questão da interatividade e o papel do designer na criação dessas relações responsivas nos espaços-tempo real e virtual. Será destacado o uso das “interfaces naturais” que utilizam o espaço físico e a visão computacional para criar interação homemcomputador sem que a instância do computador fique aparente, criando ainda mais a sensação de imersão e realidade aumentada. Desta investigação, originou-se uma experiência interativa para o Yi Jing, que visa demonstrar suas potencialidades visuais através da materialização de seus símbolos, contrastes, interrelações e significados.

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1 – YI JING - O LIVRO DAS MUTAÇÕES Yi Jing, monumento inaugural do pensamento chinês, conhecido também como Livro das Mutações, constituiu-se, tal como o conhecemos hoje, a partir da lendária visão original, sobreposta pelos novos dimensionamentos, metafóricos e textuais feitas por inúmeros sábios e escolas da China Antiga. O Livro tem exercido decisivo papel e influência em quase tudo que existe de grandioso na história cultural chinesa nos últimos três mil anos sendo não menos considerado umas das obras literárias mais importantes da humanidade. A elaboração numerológica e geométrica de sua estruturação é ainda objeto de especulação quanto à datação e autoria. Mas sua criação é atribuída ao sábio mítico Fu Xi. A tradição conta que ele ensinou à humanidade muitas artes — como a pesca, a criação do bicho da seda, a domesticação de animais selvagens, a música — sugerindo uma antiguidade que antecede a memória histórica. Foi em seu tempo que surgiu esta primeira constatação de um código celestial que refletia a perfeição da Criação. Todo seu sistema de coordenadas e sentidos têm como fundamento a distinção entre o céu e a terra (Wilhelm, 1950):

O céu é o mundo superior, luminoso, que, apesar de incorpóreo, rege e determina com firmeza tudo o que ocorre. Diante dele está a terra, o mundo inferior, obscuro, corpóreo, que, em seus movimentos, depende dos fenômenos celestes.

Céu e terra representam forças complementares que, em suas diferenças de nível, permitem o movimento e a manifestação viva da energia. Para o Yi Jing, o repouso existe apenas como uma condição intermediária do movimento ou um movimento latente. Essas duas forças estão presentes em todos os símbolos do Yi Jing, representadas respectivamente pela linha firme (———) e pela linha maleável (— —), constituem o Tai Chi, o Grande Princípio Primordial, a “viga mestre” do universo. A linha firme é inteira, representa o céu, força de caráter forte e masculino, o princípio do movimento, luminoso, comumente conhecido como yang. A linha maleável é partida ao meio, representa a terra, força de caráter feminino, o princípio do repouso, obscuro, comumente conhecido como yin. 11

Cada diagrama formado por linhas céu e terra representa uma qualidade do universo no domínio das cinco transformações ( 五行 Wu Xing): Fogo, Madeira, Metal e Água, que juntos formam a Terra e as quatro estações.

figura 01 – as cinco transformações

A partir do casamento entre o céu e a terra, uma terceira força se manifesta. A essas combinações adicionou-se então uma terceira linha. Surgiram então os oitos trigramas ( 八卦 Ba Gua), imagens de tudo o que ocorre no mundo fenomênico. Seus nomes não representam seu estado de ser, mas suas tendências de movimento, um estado de contínua transição. E a partir da combinação dos oito trigramas, formamos os 64 hexagramas do Yi Jing, representações de todos os fenômenos do céu e da terra.

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figura 02 – ilustração do lendário Fu Xi (Escola Chinesa, séc. XVIII), segurando a mandala com os oito trigramas figura 03 – tabela de significados dos oito trigramas figura 04 – os sessenta e quatro hexagramas

A origem dos conceitos "céu" e "terra" e das cinco transformações, atribuída a Fu Xi, são oriundas do Ho T'u, o Mapa do Rio Amarelo, diagrama fundamental para o entendimento da numerologia do Yi Jing, e portanto, do seu caráter adivinhatório.

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Segundo a lenda o Mapa do Rio seria um aparelho esférico trazido do Rio Amarelo por um dragão. Nele haviam inúmeros desenhos de constelações e vários escritos que foram estudados por Fu Xi durante mais de cem anos e que, por fim, descobriu a síntese composta pelas energias yin e yang. Na língua chinesa, a Via Láctea é denominada “Rio do Céu”, portanto, segundo alguns pesquisadores, Mapa do Rio Amarelo também quer dizer Mapa do Corpo Celeste. Esta orientação para o celestial servirão de inspiração para a pesquisa, porém, esta não visa o aprofundamento na explicação matemática nem histórica do Mapa do Rio, mas vale apontá-lo como um sistema aberto para possíveis investigações imagéticas e explorações interativas, considerando-o como a primeira interface de acesso ao oráculo e aos conceitos do Yi Jing.

figura 05 – o diagrama Ho T’u

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2 – PROJETO DE INSTALAÇÃO INTERATIVA 2.1 – Conceito e metodologia Tendo como objetivo apresentar o Yi Jing como algo grandioso e contemplativo, o projeto foi pensado de modo que ultrapassasse as fronteiras do design gráfico e da imagem estática. Como mencionado anteriormente, a proposta resulta numa instalação interativa onde é possível o passeio pelos símbolos e conceitos do Livro das Mutações. O conceito visual procurou estabelecer as relações entre as energias yin e yang, entre o repouso e o movimento, entre a obscuridade e a luminosidade. Este caráter binário do Yi Jing está em total harmonia com o uso de computadores. Podemos afirmar que uma das sintaxes da linguagem visual mais presentes em todas essas polaridades do Yi Jing é o contraste. Para Dondis (2007, p.108), “no processo de articulação visual, o contraste é uma força vital para a criação de um todo coerente”. O contraste é um elemento imprescindível para intensificar o significado e simplificar a comunicação. As questão do fluxo energético no domínio das transformações também é vital para o entendimento do Yi Jing. Nesse sentido, é possível estabelecer uma relação direta com o design interativo e as novas mídias digitais, onde interface e observador operam em ressonância num fluxo constante de feedback. Alguns autores expõem esse fluxo de interação presente na arte interativa:

“Behaviourist Art constitutes (…) a retroactive process of human involvement, in which the artefact functions as both matrix and catalyst. (…) The system Artefact/Observer furnishes its own controlling energy; a function of an output variable (observer’s response) is to act as an input variable, which introduces more variety into the system and leads to more variety in the output (observer’s experience). This rich interplay derives from what is a self-organising system in which there are two controlling factors; one, the spectator is a self-organising subsystem; the other, the art work is not usually at present homeostatic. (…) There is no prior reason why the artefact should not be a selforganising system; an organism, as it were, which derives its initial programme or code from the artists creative activity and then evolves in specific artistic identity and function in response to the environment which it encounters.” (Ascott 1966-7, p.128)

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Para Ascott, a tríade artista/obra/observador (emissor/mensagem/receptor) não possui mais limites claros entre seus componentes quando analisamos os trabalhos de arte onde a participação e interação do observador exercem papel fundamental para a experiência da obra.

“The participational, inclusive form of art has as its basic principle "feedback," and it is this loop which makes of the triad artist/artwork/observer an integral whole. For art to switch its role from the private, exclusive arena of a rarefied elite to the public, open field of general consciousness, the artist has had to create more flexible structures and images offering a greater variety of readings than were needed in art formerly. This situation, in which the artwork exists in a perpetual state of transition where the effort to establish a final resolution must come from the observer, may be seen in the context of games. We can say that in the past the artist played to win, and so set the conditions that he always dominated the play. The spectator was positioned to lose, in the sense that his moves were predetermined and he could form no strategy of his own. Nowadays we are moving towards a situation in which the game is never won but remains perpetually in a state of play. While the general context of the art-experience is set by the artist, its evolution in any specific sense is unpredictable and dependent on the total involvement of the spectator.” (Ascott 1966-7, p.111)

Uma das funções principais do design de interatividade neste projeto foi identificar e antecipar as possíveis interações do observador a fim de desenvolver uma interface mais fluida e intuitiva. Isso norteou a pesquisa de referências visuais e tecnológicas e levantou a questão: como seria a interação do observador? Outro elemento chave para o desenvolvimento da pesquisa foi a identificação do contraste entre simplicidade e complexidade dos sistemas, presentes tanto no Yi Jing e quanto nas obras interativas. E algumas das questões levantadas estão intrinsecamente relacionadas a esta dialética: Como simular movimentos presentes na natureza, formando um todo coerente a partir do movimento de milhares de elementos? É possível ocultar os dispositivos usados para desenvolver interações com softwares de computador, criando a sensação de mágica e simplicidade? Possíveis respostas serão apresentadas à seguir, no decorrer desta monografia. 16

2.2 – Referências relevantes para o projeto 2.2.1 – Referências sobre o tema Durante a pesquisa foram consultados diversos livros sobre o Yi Jing. Porém, os mais relevantes foram: “I Ching: o livro das mutações”, do sinólogo alemão Richard Wilhelm, uma das traduções mais conhecidas no ocidente, com prefácio de Carl G. Jung (Ed. Pensamento-Cultrix); “I Ching: edição completa”, tradução direta do chinês para o inglês do mestre taoísta Alfred Huang (Ed. Martins Fontes); e “I Ching: a alquimia dos números”, do mestre Wu Jyh Cherng, fundador da Sociedade Taoísta do Brasil (Ed. Mauad).

figura 06 – alguns dos livros que serviram de base na pesquisa sobre o Yi Jing

O livro de Wilhelm tem uma estrutura mais rígida e dividido em três livros/unidades – como a versão clássica chinesa, enquanto que o de Huang é organizado de forma mais simples, priorizando uma leitura mais agradável e apresentando os antigos ideogramas chineses e a explicação de seus desenhos. O livro de Cherng aborda o Yi Jing pela filosofia taoísta, com um certo teor místico, preocupado em explicar a interelação dos símbolos e seus múltiplos significados. Apesar de

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abordarem o mesmo assunto sob óticas diferentes, todos eles se complementam e tornaram possível um olhar mais abrangente dos conceitos do Yi Jing.

2.2.2 – Referências plásticas em arte interativa Alguns trabalhos de arte interativa serviram de inspiração para a linguagem visual que pretendeu-se alcançar nesse projeto. O espetáculo Apparition (2004–2012), idealizado pelo diretor, coreógrafo e media-artist Klaus Obermaier e com colaboração do Ars Eletronica Futurelab, é um trabalho que envolve performance de palco e dinâmicas real-time de visualizações e interatividade. O comportamento cinético das simulações inspiram não apenas uma extensão do dançarino, mas um “parceiro” de palco independente, influenciado pelos movimentos do artista. A dinâmica de efeitos e o uso de partículas, que sugerem velocidade, direção, intensidade e volume, em ressonância aos movimentos virtuosos dos dançarinos, apresentam uma estética sofisticada de relações entre os processos córporeos, emocionais e computacionais.

figuras 07 e 08 – Apparition, de Klaus Obermaier e Ars Electronica Futurelab

As instalações da exposição XYZT: Les paysages abstraits, idealizadas pelas artistas Adrien Mondot e Claire Bardainne, a partir do uso de espelhos, holografias, transparências e projeções, criam um território mágico de ilusões, metáforas em movimento, estimulando a interação e, em alguns momentos, a contemplação de uma natureza imaginária que existe apenas na interseção do espaçotempo real e virtual.

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figuras 09 e 10 – XYZT: Les paysages abstraits, de Adrien Mondot e Claire Bardainne

Ambos os projetos destacados apresentam qualidades semelhantes ao conceito da pesquisa: a relação mútua entre simplicidade e complexidade, o contraste entre luminosidade e obscuridade, as simulações matemáticas de movimento, as metáforas visuais, os fluxos de energia e a responsividade das interfaces.

2.2.3 – Referências técnicas em interfaces A relação de interação homem-computador começou com a linha de comando, codificada e estrita. Com o advento das interfaces gráficas de usuário (GUI – Graphic User Interface), essa relação passou para um estágio metafórico e exploratório essenciais para uma mudança no modo como as pessoas e os computadores interagem, expandindo enormemente “a capacidade de usar os computadores entre pessoas antes alienadas pela sintaxe misteriosa das interfaces mais arcaicas de linha de comando” (Johnson, 2001, p. 18).

“Na sociedade de hoje, a missão de traduzir foi transferida para os técnicos. Na era da interface gráfica, com suas metáforas visuais de lixeiras e pastas em desktops, flashbacks imaginativos tornaram-se proezas de programação, engendradas por bruxos da high tech que programam em linguagem assembly. (...) a interface torna o mundo prolífico e invisível dos zeros e uns perceptível para nós. Há poucos atos criativos na vida contemporânea mais significativos que esse, e poucos com consequências sociais tão amplas.” (Johnson, 2001, p. 19)

Constatamos nesta pesquisa que o processo de evolução das interfaces de usuário culminou no paradigma emergente usualmente denominadas Interfaces Naturais (NUI – Natural User Interfaces). A metáfora é trabalhada de outra forma, pois a interação acontece diretamente de uma 19

maneira intuitiva, utilizando nossas habilidades naturais – como gestos, voz, visão, fala, escrita, movimentos – operando em níveis mais altos do processo cognitivos, criativo e exploratório. A interação ocorre espontâneamente e a tecnologia começa a ficar invisível para a nossa percepção. Um exemplo destas novas interfaces são as telas dos dispositivos multi-toques, onde a interação ocorre direto na tela, com os dedos e as mãos, sem necessidade de um periférico intermediário. O conceito de visão computacional também contribui para o avanço dessas interfaces. Através do uso de câmeras, sensores e outros dispositivos, foi possível desenvolver uma visão artificial para os computadores, que capturam, processam e analisam imagens mapeando e percebendo o espaço físico. Em 2010, aliando os conceitos de interface natural e visão computacional, a Microsoft lançou para o mercado um dispositivo para o vídeo-game Xbox 360, o Kinect. Com microfone, câmera colorida e sensores de profundidade 3D (um sistema combinando laser infravermelho e sensor CMOS), é possível o desenvolvimento de jogos que se utilizam do reconhecimento de gestos, faces e vozes.

figura 11 – apresentação dos recursos do Kinect na feira de jogos E3

Após seu lançamento, livres iniciativas desenvolveram drivers e softwares para o dispositivo sem o consentimento da Microsoft, que inicialmente desaprovou o seu “hackeamento”, mas que após um período curto de tempo, devido a popularidade e o sucesso de vendas alcançados, conferiu um 20

concurso “na surdina” para a aplicação criativa do Kinect, promovendo mais ainda a sua aplicação em protótipos desenvolvidos por pessoas em todo o mundo.

figura 12 – exemplo de reconhecimento de esqueleto pelo Kinect

O Kinect foi escolhido como dispositivo de interface para esta pesquisa, por simplificar o processo de visão computacional no mapeamento de espaços e reconhecimento de pessoas.

2.2.4 – Referências técnicas em computação gráfica interativa Atualmente, o artista ou designer que pretende explorar a computação gráfica encontra diversas plataformas que facilitam o processo de aprendizado e desenvolvimento de idéias. Uma delas é se chama Processing, e foi utilizada nos protótipos interativos desta pesquisa. Concebido por Casey Reas e Ben Fry, integrantes do MIT Media Lab (Massachusetts Institute of Technology), Processing é um ambiente de programação livre para pessoas que desejam criar imagens, animações e interações no computador. Inicialmente desenvolvido para facilitar a prototipagem de programas e o ensino de programação no contexto das artes visuais, tornou-se uma ferramenta capaz de gerar projetos com qualidade e acabamento profissionais.

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Processing consiste numa IDE (ambiente de desenvolvimento integrado) com interface gráfica amigável e uma camada de programação que simplifica a sintaxe da linguagem Java, tornando as bibliotecas gráficas e multimídias mais acessíveis para iniciantes.

figura 13 – interface do software Processing

A comunidade digital que se criou em torno da plataforma é muito ativa e preza pela compartilhamento de códigos e casos de estudo. Durante a pesquisa, muitos destes códigos disponíveis na rede foram vistos, mas um deles em especial chamou atenção, pois referia-se a uma simulação de partículas. Foi possível chegar até o método de programação noise (ruído, em português) e daí descobriu-se que esse termo é a redução para Perlin Noise. Este deve-se ao trabalho do matemático Ken Perlin, que estudava a criação procedural de texturas e elaborou uma fórmula matemática para este fim. O objetivo era simular texturas presentes na natureza sem precisar de uma imagem como ponto de partida – uma textura puramente matemática. Intensificou seus estudos em 1981, enquanto trabalhava no Mathematical Applications Group para o filme TRON. Este foi um dos primeiros filmes que possuiam grande quantidade de texturas sólidas geradas por computador, considerado por muitos um filme revolucionário neste aspecto. Por outro lado, seu criador Steven Lisberger entendia que a plástica do filme seria repensada a partir das limitações tecnológicas da época. Perlin 22

então procurou formas de gerar imagens menos artificiais e sua pesquisa rendeu o prêmio Academy Award for Technical Achievement, do cinema norte-americano.

figura 14 – cena do filme TRON, com texturas geradas com a fórmula Perlin Noise figura 15 – exemplos de variações matemáticas do Perlin Noise

Atualmente, a fórmula de Perlin está presente em vários softwares usados por designers e artistas visuais, como o Adobe Photoshop. Porém, o uso desta fórmula matemática pode ser usado não só em imagens estáticas, mas como imagens em movimento. As texturas geradas por computador podem ser usadas, por exemplo, como mapa de influência, fazendo elementos percorrerem suas formas e contornos, simulando um fluxo de movimento natural.

2.3 – Estrutura, aspectos visuais e interação A ideia é que instalação possa ser montada em qualquer ambiente com a infra-estrutura básica: projetor de no mínimo 3000 lumens e estrutura para instalação no teto; tela ou parede branca para a projeção; dispositivo Kinect; computador com softwares e drivers necessários devidamente instalados; ambiente escuro, por trabalhar com projeção; uma área em torno de dezesseis metros quadrados (4x4m), para que a interação seja possível dentro dos limites de captura do Kinect (1m a 3,5m); o pé direito do espaço reflete no posicionamento e área total da projeção. Outras configurações de espaço é permitida, como o uso de retroprojeção e telas próprias para isso, já que os elementos fundamentais são apenas o Kinect e a projeção, e podem ser instalados de diversas formas.

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figura 16 – esquema simples da estrutura da instalação

As imagens projetadas são os símbolos do Yi Jing formado de partículas, em constante fluxo e pulsar. Quando nenhum observador está no raio de visão do Kinect, as partículas formam o símbolo circular do Tai Chi, a energia primordial formada por yin e yang. A medida que alguém se aproxima, as partículas se dividem e formam outra imagem, a linha “céu” e a linha “terra”. Uma aproximação maior, faz com que as linhas se dupliquem, e as partículas formam a imagem das 5 transformações. Isto seria o terceiro nível de distância do sistema. No quarto, as partículas formam o diagrama octagonal com os oito trigramas. E no quinto e último nível, ou seja, mais próxima a projeção, as partículas combinam os trigramas formando o universo dos sessenta e quatro hexagramas. Neste nível não só a posição do observador, mas os seus movimentos interagem diretamente com os hexagramas, influenciando o fluxo de partículas com as mãos, que antes seguia apenas a aleatoriedade organizada e natural do Perlin Noise. O observador tem então oportunidade de intensificar os movimentos das partículas, mas nunca escolher um hexagrama a bel prazer. A dança continua por cerca de um minuto, enquanto o observador 24

permanecer neste nível de interação, e quando um hexagrama fica muito mais em evidência que os outros, ele é destacado e o sexto nível é alcançado. O oráculo é então apresentado, trazendo os símbolos e comentários do hexagrama em questão.

figura 17 – exemplo do símbolo do Tai Chi formado pelas partículas (primeiro nível) figura 18 – exemplo das partículas formando os oito trigramas (quarto nível)

2.4 – Prova de conceito Para realizar os primeiros protótipos e aprovar o conceito da instalação, utilizamos primariamente a plataforma Processing. As partículas são geradas exclusivamente por programação, e variam de cor e velocidade quando passam por uma variação de cor presente nas matrizes. Essas matrizes são imagens, que mudam de acordo com o programa. Quando este identifica variações na distância (informação vinda do Kinect) que refletem na mudança de nível, a imagem é substituída, e as partículas começam a se movimentar de acordo com a nova matriz. Mas o movimento não é gerado automaticamente, pois a fórmula de ruído precisa de valores para calcular e renderizar as texturas. Foram feitos inúmeros testes para chegar as constantes de ruído finais, tendo em mente o equilíbrio entre a dinâmica de partículas e a boa leitura das imagens formadas. A primeira versão do software possuia interface gráfica de controle para a mudança em tempo real dessas constantes.

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figura 19 – janela do Processing e da aplicação, com interface para mudança em tempo real das variáveis

Definidas as constantes, o Kinect foi integrado, mas deixou-se uma margem pequena de variação para que o movimento do corpo interferisse um pouco nos valores estabelecidos, aumentando a reponsividade do sistema. A prova de conceito foi bem sucedida, mas a aplicação desenvolvida em Processing possuía limitações de performance com o número de partículas, que teve que ser reduzido para um máximo de três mil partículas. Uma das plataformas apontadas como alternativa ao Processing foi a desenvolvida em C++, chamada openFrameworks, com sintaxe semelhante. Também possui uma comunidade ativa de artistas e desenvolvedores, mas não é didático como o Processing. Porém, por trabalhar numa linguagem com baixo nível de abstração – o que siginifica que C++ é uma linguagem que trabalha direto com os recursos do computador como memória e threads do processador – consegue atingir alta performance no processamento gráfico. A pesquisa não se preocupou em fazer uma refação nesta nova plataforma, mas concluiu que os protótipos podem ser remodelados caso seja preciso.

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2.5 – Resultados esperados Através dessa instalação, espera-se criar uma experiência relevante tanto para os admiradores do Yi Jing quanto para leigos no assunto. O apelo visual causado pelas animações, geradas por programação, são regidas por uma ordem geral, mas fluem em possibilidades infinitas. A interação oracular, no último nível de interação, pode ser o clímax para alguns, mas espera-se que, mesmo sem chegar até este, o simples passeio pelos símbolos seja uma experiência sensorial e cognitiva interessante.

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CONCLUSÃO Inspirando-se no tema Yi Jing, foi feita uma pesquisa em torno dos seus conceitos e da sua relação com a visão quântica da ciência ocidental. As polaridades muito presentes no entendimento do Yi Jing tem uma forte relação de contraste, movimento e energia que permite explorá-lo em vários aspectos da comunicação visual. Partindo do conceito materialização de ideias, estabeleceu-se uma relação entre as vertentes atuais do design e as novas tecnologias. Decidiu-se criar uma instalação que discutisse a participação do designer num projeto que envolve interatividade e computação gráfica gerada por programação. Concluimos que o a instalação cumpre seu papel, mas permite trabalhos derivados e outras abordagens diferentes, por não encerrar o assunto. Deve-se isso ao tema, de profundidade reconhecida, mas também a nossa vivência insipiente neste território virtual onde é possível criar novas experiências e metáforas da realidade. Contanto, o papel do designer se mostra fundamental na elaboração de interfaces que tornam o aparato tecnológico invisível e os processos congnitivos e exploratórios mais naturais e intuitivos.

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LISTA DE REFERÊNCIAS Referências bibliográficas DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. 3ª ed – São Paulo: Martins Fontes, 2007. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: Vilém Flusser; organizado por Rafael Cardoso. 1ª ed – São Paulo: Cosac Naify, 2007. CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. 1ª ed – São Paulo: Cosac Naify, 2012. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. 26ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006. JOHSON, Steven. Cultura de interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. 1ª ed – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. HUANG, Alfred. I Ching: edição completa. 1ª ed – São Paulo: Martins Fontes, 2007. WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações. 27ª ed. São Paulo: Cultrix, 2011. CHERNG, Wu Jyh. I Ching: a alquimia dos números. 1ª ed – Rio de Janeiro: Mauad, 2001. ASCOTT, Roy. Telematic Embrace: Visionary Theories of Art, Technology, and Consciousness by Roy Ascott. 1ª ed – Berkeley, Calif. ; London, University of California Press, 2003.

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Internet – último acesso em fevereiro de 2012 XYZT, Les paysages abstraits. Exposição de Adrien Mondot e Claire Bardainne. Disponível em Apparition. Espetáculo de Klaus Obermaier e Ars Electronica Futurelab. Disponível em Making Noise. Slides da palestra de Ken Perlin sobre a fórmula matemática noise Disponível em Processing Overview: A short introduction to the Processing software and projects from the community. About openFrameworks. Natural User Interface.

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