Yves Klein - o Azul e o Vazio, veículos de aproximação perceptiva
Descrição do Produto
Identificação da obra Autor: Yves Klein
Título: Vénus de Alexandria aka Vénus Azul
Catálogo: S41
Data: 1982
Técnica: Pigmento azul sobre gesso (ed. 144/300) Dimensões: 68 x 30 x 27 cm Localização: Museu Colecção Berardo, Lisboa
Yves Klein -‐ o azul e o vazio, veículos de aproximação perceptiva
Rogério Paulo Batista da Silva 2015 Índice Introdução ........................................................................................................................................... 2 1. Uma nova aproximação ao real....................................................................................... 4 2. Manifestos e Acções do Novo Realismo........................................................................ 6 3. Yves Kline, o azul e o vazio................................................................................................ 9 Conclusão .......................................................................................................................................... 11 Referências ....................................................................................................................................... 12 Anexos ................................................................................................................................................ 13 Resumo Apresenta-‐se a análise da obra Vénus de Alexandria de Yves Klein. Caracterizam-‐se componentes que possibilitam um entendimento aprofundado da obra do artista e das suas aspirações místicas relacionadas com a simbologia do International Klein Blue. Foca-‐se o movimento do Novo Realismo como uma nova aproximação ao real, apontando como referência a tomada de consciência do objecto usado como símbolo negativo na sociedade de consumo. Expõem-‐se os manifestos e as acções do grupo, tendo em vista a individualidade e os interesses artísticos de cada artista e realiza-‐se a análise da obra confrontando-‐a com outras obras e autores que se interessaram também pelo monocromatismo, e refere-‐se a Pop Art como um movimento artístico, cujo caminho foi aberto pelo Novo Realismo.
Introdução Este ensaio visa analisar a obra de Yves Klein, tendo como referência o crítico de arte e filósofo Pierre Restany. Estas figuras do Novo Realismo nos anos 60 foram autores de uma vanguarda ligada a uma atitude humanista que punha em causa as propostas abstractas e os valores não-‐figurativos da época. Os valores proclamados pelos novos realistas tinham em vista gerar uma tomada de consciência para o homem moderno, através de acções artísticas, para libertá-‐lo da manipulação das sociedades de consumo. Artistas como Arman, Dufrêne, Hains, Klein, Raysse, Spoerri, Tinguely e Villeglé. César, Rotella, Niki de Saint-‐
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Phalle, Christo e Deschamps formaram o grupo, após a assinatura do primeiro manifesto intitulado “Declaração Constitutiva do Novo Realismo”. Partindo para narrativas opostas à Pop Art americana, os novos realistas pretenderam representar os objectos do quotidiano, usados e consumidos pelo tempo como símbolo de uma sociedade marcada pelo consumo. A acumulação, a compressão, a deterioração e a destruição foram alguns dos processos de trabalho adoptados pelos membros do grupo para individualizar os seus interesses artísticos. Neste tipo de tomada de consciência, o escândalo e a difícil aceitação do público por estas acções colectivas começou a tornar-‐se um fenómeno mediático. Algumas divergências entre as várias personalidades do grupo vêm a demarcar três correntes dentro do movimento do Novo Realismo. Como forma de alicerçar os objectivos históricos do movimento, associados a uma síntese ideológica, os três Manifestos e as acções realizadas descreviam e fixavam a ideologia do grupo. Yves Klein, que abraçara a influência da filosofia oriental e o misticismo dos Rosacruzes, usava esses princípios para desenvolver as suas teorias. Com os festivais de Nice e Munique as acções do grupo assentavam cada vez mais no escândalo e na ideia de espectáculo como verdadeiros happenings, tornando-‐se a aceitação pública mais efectiva com a entrada da matriz americana do happening em Paris. O movimento cria diálogos com os artistas de Nova York, consagrando-‐se fonte inspiradora para a nova Pop Art americana. A cor International Klein Blue, que Yves Klein inventou, objectivava o conceito cósmico de vazio, através do uso do monocromatismo que antes já fascinara outros artistas. A exposição Le Vid realizada em Paris na Galeria Íris Clerc, convocava o próprio conceito do vazio: Klein esvaziara a galeria deixando somente o espaço como símbolo do absoluto -‐ nada para além do vazio poderia ser visto. Propõe-‐se posicionar a obra Vénus de Alexandria como um objecto ready-made que, segundo os princípios dadaístas, Klein descaracterizou da sua função como objecto apropriado da história clássica, tornando-‐o num objecto de transcendência simbólica, que o azul ultramarino do artista (IKB) transportava para o infinito do vazio.
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1. Uma nova aproximação ao real Ao divulgarem em 1960 a ideia de um “novo aproximar-‐se perceptivo do real” (Restany, 1979, p. 29) que assentava numa tomada de consciência radical da modernidade que se estava a viver em Paris e nos Estados Unidos, como uma urgente “necessidade momentânea de uma acção colectiva” (Ibidem, p. 29), o crítico de arte e filósofo Pierre Restany (fig.1) juntamente com o artista Yves Klein (fig.2), lançaram o Nouveau Realisme (Novo Realismo), uma nova vanguarda, que se posicionava à margem do “cansaço” das propostas abstractas dos grandes mestres, questionando “radicalmente a hierarquia dos valores não-‐ figurativos” (Restany, 1979, p. 23). Esta nova vanguarda artística que juntou artistas franceses e artistas italianos, estava ligada a uma componente de dimensão humanista pois tratava de chamar a atenção do homem moderno, através de acções artísticas, para a sua própria essência com vista a uma libertação da hegemonia manipuladora das sociedades de consumo. Movimento contemporâneo da Pop Arte inglesa e americana, o Novo Realismo apontou também para preocupações no âmbito da produção de objectos em massa, da cidade e do quotidiano. O movimento dos novos realistas, considerado um dos grupos mais importantes das novas vanguardas do pós-‐guerra, teve como local de fundação a casa de Yves Klein a 27 de Outubro de 1960. Neste encontro foi assinado o manifesto original do movimento (fig.3) intitulado “Declaração Constitutiva do Novo Realismo” escrito por Pierre Restany e que contou com as presenças dos artistas Arman, Dufrêne, Hains, Klein, Raysse, Spoerri, Tinguely e Villeglé. Mais tarde juntaram-‐se ao grupo César, Rotella, Niki de Saint-‐Phalle, Christo e Deschamps. Estes artistas que apontavam para uma necessidade teórica e prática de “assumir em comum certas escolhas positivas ou negativas” (Restany, 1979, p. 24), partem para narrativas opostas à Pop Arte americana. Não pretendem representar os objectos do quotidiano ainda por consumir e com uma estética agradável, mas sim os aspectos negativos dos objectos já consumidos e usados, com a marca do tempo, fundamentados numa clara análise sociológica. Embora ambos os
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movimentos sofressem de uma consciência temática idêntica, eles abordam e trabalham as temáticas de forma diferente. Tendo como ponto de partida a dimensão do real e o uso de linguagens e meios específicos para a realização das suas obras, os artistas do novo realismo criam novos significados adequados à sociedade moderna. Partindo destes princípios as suas obras reflectem acerca dos efeitos negativos e das consequências da produção em massa e do próprio consumo. Neste enquadramento, eles utilizam objectos e resíduos urbanos, tal como o aproveitamento dos cartazes de rua (Hains, Rotella e Villeglé) (fig.4), fazem a acumulação de diferentes tipos de objectos (Arman) (fig.5), comprimem objectos de grande porte por forma a criar relações simbólicas com o espaço (César) (fig.6), trabalham a deterioração e a degradação de objectos usados, gastos e já consumidos pelo tempo (Deschamps) (fig.7), assim como a linguagem temática da destruição, numa critica às sociedades industrializadas. Exemplo disso é o caso do trabalho de Tinguely (fig.8) que se interessava pela “apropriação do universo mecânico, o motor considerado em si pelas possibilidades expressivas das suas estruturas” (Restany, 1979, p. 25). Os materiais usados tirados da realidade quotidiana de que os novos realistas se apropriavam para os transformarem em poesia, colocavam de novo a questão da emancipação do objecto posicionando-‐o num patamar dadaísta – o ready-made de Duchamp. Tal como estes artistas, também antes “os dadaístas atribuíam muito menor valor à possibilidade de aproveitamento mercantil das suas obras de arte do que à inutilidade enquanto objectos de imersão contemplativa” (Benjamin, 1992, p. 88). Pierre Restany chama-‐nos a atenção para uma espécie de preparação preliminar de uma série de eventos deste grupo, que faziam desaguar as suas ideias num trabalho colectivo de “declarações e intenções, tomadas de posição essenciais e que naturalmente, causaram escândalo” (Restany, 1979, p. 24). Durante esse período de tomada de consciência colectiva, acerca da própria modernidade, em que estes artistas se inseriam, Restany atribui o conceito de “pré-‐história”1, como um breve período imediatamente anterior à explosão do movimento e da 1 (Cf. em Restany, 1979, p. 24).
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afirmação da individualidade de cada membro. Será a partir dessa etapa que os eventos e manifestações artísticas dos novos realistas começarão a causar escândalo. Nesse contexto, a autoridade interventiva do grupo começa a afirmar-‐ se tornando-‐se um fenómeno mediático tanto em Paris como em Nova York. Mas, se por um lado os artistas do novo realismo sofriam dos mesmos interesses no que diz respeito à importância das tomadas de consciência para aproximação aos princípios reais da sociedade, através das acções colectivas do grupo, por outro lado surgem divergências entre as várias personalidades de cada membro. Nessa pluralidade, combinando métodos e práticas de trabalho, Yves Klein, Yves Tinguely e Raymond Hans, são artistas que protagonizam as três correntes deste movimento. Restany refere que “de início as personalidades eram realmente muito diferentes” e que em torno dos três protagonistas reuniram-‐se aqueles que tinham mais afinidades com os seus métodos de trabalho. Ao grupo de Klein juntaram-‐se Arman e Raysse, numa procura por uma expressão associada a um misticismo e a uma espiritualidade artística. Esta espiritualidade pressuponha uma limpeza da visão e a imaterialidade do vazio. Tinguely reuniu os artistas Spoerri e Niki de Saint-‐Phalle ligados a registos do mundo industrial e das máquinas. A Hains reuniram-‐se Villeglé, Deschamps. Rotella, isoladamente em Roma, seguia também os mesmos interesses – a construção de obras com desperdícios de cartazes, qual “voyeurs-‐poetas para os quais o mundo da rua é um quadro permanente” (Restany, 1979, p. 30-‐31). 2. Manifestos e Acções do Novo Realismo “Os vários manifestos que escrevi durante o período de actividade colectiva do grupo mostram, de modo significativo, a evolução do meu pensamento e o esforço para elaborar uma teoria de síntese que recobrisse uma pluralidade de linguagem” (Restany, 1979, p. 31).
No primeiro manifesto de Milão, Restany sublinha a ideia de apropriação do real e a sua consequência perceptiva. Reflectindo o entusiasmo latente ligado às novas tendências do grupo este manifesto terá sido influenciado pela figura de
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Yves Klein e das suas ideias tendo por base a energia dos objectos. Este conceito místico de energia, elemento imaterial, funcionava como apropriação do mundo pela sensibilidade, a cujo sistema de comunicação Yves Klein deu o nome de “Teoria da Impregnação”. Esta teoria apontava três conceitos“ (a cor pura, o Azul, o Imaterial)” (Restany, 1979, p. 30-‐31). De facto, a relação da matéria com a não matéria centralizava as suas raízes numa correspondência entre cultura ocidental e cultura oriental, assim como em teorias de ordem mística. Na época da fundação do grupo e segundo uma lei de trilogia cósmica que Yves Klein adoptou aquando das suas ligações com a mística Fraternidade Rosacruz de Max Heindel2 -‐ em que a síntese das três partes energéticas que compõem o universo se transformavam em fogo divino -‐ foram feitos simbolicamente mais sete novos manifestos a partir dos originais da Declaração Constitutiva. Baseado nesse principio essas cópias foram feitas em três papéis distintos: azul monocromático, folha de ouro (monogold) e papel monocromático rosa (monopink). O segundo manifesto, escrito em Maio de 1961 em Paris por ocasião da exposição colectiva na Galeria J, teve por título “Quarenta graus acima de Dadá” e exaltava as descobertas e as experiências à volta dos ready-made dadaístas, elevando-‐os à grandeza do “maravilhoso poético” (Restany, 1979, p. 33). Assinalando sensivelmente o final do movimento colectivo do grupo, o terceiro manifesto é publicado durante o festival de Munique em Fevereiro de 1963. Este terceiro marco, contendo a marca inexorável do Novo Realismo, traduziu uma avaliação do progresso do movimento, anunciando diferentes formas de linguagem adoptada pelos membros de acordo com princípios chave – a superação dos géneros tradicionais, a arte da assemblage e o lugar do objecto na dimensão do espaço.
2 “Cerca de finais de 1947 ou princípios de 1948, quando Klein tinha 19 anos, obteve uma cópia do livro “O Conceito Rosacruz do Cosmos” de Max Heindel, o manual da Sociedade Rosacruciana de Oceanside, Califórnia. Nesse instante começou a praticar intensamente os ensinamentos Rosacruzes, na companhia dos seus amigos chegados Claude Pascal e Armand Fernandez (mais tarde Arman), com a orientação de um antigo membro Rosacruz, Louis Cadeaux. Em Junho de 1948 Klein juntou-‐se oficialmente aos Rosacruzes”. (cf. McEvilley, Thomas in Yves Klein 1928-‐1962 A Retrospective, 1982. pag. 251)
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O período breve mas intenso das actividades do grupo teve lugar entre de 1960 a 1963 com destaque para duas importantes acções: o primeiro festival do Novo Realismo realizado na cidade de Nice em Julho de 1961, cuja mostra era dividida por dois espaços – a Galeria Muratore “cujo pólo de atracção era constituído por um environnmente-‐vitrina-‐praia de Martial Raysse, que reunia uma antropometria (fig.9) de Yves Klein” (Ibidem, p. 33) e obras de Arman, César, Hains Rotella, Dufrêne, Villeglé, Tinguely, Spoerri e Niki de Saint-‐Phalle. O segundo espaço situava-‐se nos jardins da Abadia de Roseland onde eram apresentados “uma série de acções-‐espectáculo, autênticos happenings ante litteram” (Ibidem, p. 33) – destruição de cadeira e de uma mesa por Arman; jogos de água jorrando de uma fonte Mecânica de Tinguely; tiros de espingarda num alvo por Niki de Saint-‐Phalle e todas estas manifestações misturadas com doces, sacos coloridos bombas de fumo e poesia. O segundo festival de Munique realizado em Fevereiro de 1962 na Galerie im Kunstler Haus teve como base os mesmos ingredientes que os de Nice, exposição e acção mas, segundo Restany, assentou mais na dimensão do espectáculo. Todos os membros do grupo tinham a noção exacta de como as suas acções conjuntas provocavam o público, geravam espectáculo e comunicavam ideias, porém, estes verdadeiros happenings estavam sempre circunscritos aos interesses individuais e artísticos de cada membro. Apesar do público francês manifestar um constante desagrado e reacções negativas às provocações realizadas pelas acções públicas do movimento, o grupo do Novo Realismo entendia que essa dimensão estava “estreitamente integrada no processo criativo” (Restany, 1979, p. 35). A aceitação pública e da crítica só se tornou efectiva, como uma espécie de validação, com a entrada da matriz americana do happening em Paris. Acções estas que haviam sido já marcadas e realizadas anteriormente tendo como precursores Allan Kaprow (fig.10), em 1959 com os seus environments- happenings e o grupo Gutai (fig.11), em Osaka em 1955. O rápido reconhecimento mundial e os diálogos com a geração de artistas de Nova York, leva o Novo Realismo a projectar os seus membros para um claro reconhecimento, proporcionando “um clima aberto entre Paris e Nova York” (Ibidem, p. 35). Com esta entrada positiva do Novo Realismo nos Estados Unidos inicia-‐se uma rápida consagração do movimento, a qual serviu de centelha
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inspiradora, para que se oficializasse o caminho dos artistas americanos em direcção à Pop Art. 3. Yves Klein, o azul e o vazio Yves Klein foi o um dos mais dominantes e controversos artistas franceses que surgiu na década de 50. Ficou conhecido por um certo tipo de cor azul ultramarino -‐ que ele próprio inventou -‐ e a que deu o nome de International Klein Blue, cuja pigmentação é resolvida sem qualquer fixador, e, cuja superfície é visualmente como uma vibração. Segundo o artista apresenta-‐se como um som permanente e vertiginoso, transmitindo sensações, apontando para uma realidade exterior para além do tempo e do espaço. A figura de Klein foi marcada por discórdia acerca das ideias base que sustentavam a pintura abstracta e que dominava a França a partir da Segunda Guerra Mundial. A par com outros artistas como Ad Reinhardt (fig.12), e Malevitch (fig.13), que também ficaram fascinados pelo monocromático, Klein interessa-‐se “pelos métodos de acção meditativa do Extremo Oriente (estudou no Japão e tornou-‐se mestre de judo) (Gooding, 2002, p.85). Em 1958 aquando da sua exposição Le Vid (fig.14) realizada em Paris na Galeria Íris Clerc, Klein removeu tudo o que estava no interior da galeria, deixando apenas o vazio do espaço e um armário também ele vazio, de forma que nada para “além do espaço vazio, era para ser “visto” (Gooding, 2002, p.86)., declarando que os seus quadros eram agora invisíveis e que seriam mostrados de forma clara e positiva. Em Vénus de Alexandria (fig.15). apercebemo-‐nos que “essa revolução do olhar ou melhor dos espírito e dos sentidos é, sem dúvida, a essência da mensagem de Yves Klein” (Restany, 1979, p. 40), convocando uma interiorização das obras para o conceito do absoluto dentro do espaço infinito, apontando para a infinitude do azul do céu (fig.16). A partir de 1956 o azul (IKB) fixa a dimensão enérgica da linguagem e o vazio passa a caracterizar a imaterialidade da realidade. Importa fixar que o Novo Realismo propõe uma apropriação do objecto real, extraindo daí as consequências extremas da noção de ready-made, fazendo a
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integração do objecto em composições estéticas e estruturas formais que dependem de vocabulários artísticos anteriores. A obra Vénus de Alexandria é claramente uma proposta influenciada pela essência dadaísta do ready-made que, ao fazerem uso de objectos industriais (fig.17), descaracterizavam-‐no da sua função e atribuíam-‐lhe o significado de obra de arte ao coloca-‐lo num espaço expositivo, sendo dessa forma rompido o conceito de história de arte instituído. A obra aponta também para uma nova proposta artística que se iria fundar na questão positivista das sociedades e do objecto de consumo a surgir nos Estados Unidos em finais dos anos 50: a Pop Art. Neste contexto a obra de Andy Warhol, Details of Renaissance Paintings (pormenor do nascimento de Vénus ) (fig.18), aponta claramente para o interesse que os artistas da Pop Art também tiveram na apropriação de temáticas clássicas. Yves Klein na sua Vénus de Alexandria avança para um plano que transcende as propostas destas duas atitudes. Ao apropriar-‐se do uso de um objecto de tendências formais clássicas -‐ o torso de uma Vénus romana (fig.19), -‐ ele caracteriza-‐o simbolicamente como um objecto desgastado pelo tempo da história de arte clássica. Ao mesmo tempo atribui-‐lhe um outro significado ao cobri-‐lo com o azul ultramarino (IKB). O objecto esconde o aspecto original e real da superfície da escultura e transforma-‐se num objecto visual imaterial -‐ “o real absoluto para além do azul é o vazio, o imaterial é a saturação da matéria” (Restany, 1979, p. 102). Este torso azul que se adivinha formalmente como objecto da realidade clássica, passa a viver na dimensão da imaterialidade em que só a percepção do olhar poderá abarcar a essência do objecto no seu azul e no seu vazio, como força geradora da potência máxima de vida. Essa cosmogonia mística do azul como um referente, já se manifestara na sua infância aquando em “indefiníveis devaneios em que o olhar se perde entre o céu e a água, o jovem Yves apropriava-‐se do céu, da sua cor e dimensão do infinito” (Restany, 1979, p. 98). Ao encontrarmos nesta obra uma relação entre a forma do corpo humano e o azul infinito do cosmos, também nos apercebemos que essa representação do
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corpo de uma escultura clássica mantém aqui uma analogia com as acções de Klein nas séries de Antropometrias (fig.20), usando modelos nus e pincéis. O artista cobria o corpo de mulheres desnudadas com tinta azul, as quais depois serviam como elementos de impressão (movimentando-‐se em várias posições) sobre as telas. Esta série (Antropometrias) foi inspirada em parte por fotografias das marcas na terra de corpos carbonizados, causadas pelas explosões da bomba atómica em Hiroshima e Nagasaki. Conclusão A obra Vénus de Alexandria surge como fazendo parte da marca fortemente individualizada de Yves Klein. Apesar da inevitável formação do grupo do Novo Realismo, como uma vanguarda de inovação ideológica e geradora de acções e manifestações de fundo humanista com vista a transmitir uma tomada de consciência acerca da sociedade consumista e de todos os efeitos e consequências negativas a si associados, Klein afasta-‐se para se tornar um criador do vazio. As suas criações baseadas no azul de International Klein Blue, são em si próprias marcas da sua individualidade enquanto ser pertencente a um outro universo artístico: Klein é um místico e, como todos os místicos, vive a sua interioridade, a sua essência e usa particularmente a filosofia hermética dos Rosacruzes como material alquímico, para transmutar a própria matéria e alterar a consciência dos homens com a sua arte. Ele apercebeu-‐se de que a matéria é uma substância viva, que contém uma energia, e que os seus objectos de criação artística são partículas dessa energia que dialogam com a percepção do olhar. Ao trabalhar o conceito do vazio entra na dimensão da imaterialidade que é o “nada visível”, como diria Malevitch. A obra Vénus de Alexandria tornou-‐ se o símbolo de um corpo cristalizado no tempo da antiguidade clássica, mas ainda assim contém a energia de um real absoluto para além do azul em direcção ao universo.
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Referências Benjamin, Walter (1992) Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água. Gooding, Mel, (2002) Arte Abstacta. Lisboa: Editorial Presença. McEvilley, Thomas, et. al, (1982) Yves Klein 1928-1962 A Retrospective. Institute for the Arts, Rice University, Houston in association with The Arts Lublishers, Inc.: New York. Restany, Pierre (1979) Os Novos Realistas, São Paulo: Editora Perspectiva. [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐03] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐05] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐05] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐06] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐06] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐07] Disponível em [Consult. 2015-‐06-‐07] Disponível em
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