\" A Nova Crítica \" que nasce da crise: crítica no Brasil nos anos 1960-70

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Anais do II Colóquio de Teoria, Crítica e História da Arte | 2015

“A Nova Crítica” que nasce da crise: crítica no Brasil nos anos 1960-70 Pedro Ernesto Freitas Lima1

Resumo: O presente artigo trata do debate promovido por críticos de arte no Brasil, principalmente por Mário Pedrosa, Ferreira Gullar e Frederico Morais, nos anos 1960 e 1970 que, diante das alterações profundas que sofria a arte nesse período em relação a toda a arte precedente, motivou uma reformulação da prática da crítica de arte, em um ambiente onde se falava em “crise”, tanto da crítica quanto da arte. Além disso, é apresentado o problema de como arte e crítica se contaminaram mutuamente e de como esse processo implicou na alteração da prática da crítica judicativo-formalista rumo a uma crítica (co)criadora. Palavras-chave: Crítica, Crise, Arte brasileira.

A arte produzida a partir dos anos 1960 colocou novas situações sem precedentes para críticos, historiadores de arte e filósofos. Algumas obras perturbaram de tal maneira a ordem existente que autores se viram diante da necessidade de fazer novos questionamentos para possibilitar a abordagem dessa nova produção. No Brasil, onde também se observou nesse período uma produção muito diferente da feita até então, críticos como Mário Pedrosa, Ferreira Gullar e Frederico Morais recorreram a expressões como “crise” e “morte da arte”, o que nos mostra como a produção desses anos teria provocado uma fratura irrecuperável em relação não só ao modernismo, como também em relação a toda a história da arte (MAMMÌ, 2001: 77). A pretensão aqui é expor algumas situações que nos informem sobre a produção crítica no Brasil entre os anos 1960 e 1970 sob a perspectiva da constatação, por parte dos autores mencionados acima, de “crise” e “morte” nos âmbitos da crítica e da arte.

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Mestrando em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade de Brasília sob orientação do professor Dr. Emerson Dionisio. Bacharel em Desenho Industrial pela mesma instituição com habilitações em Programação Visual e Projeto de Produto.

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No Brasil, pelo menos dois fatos são fortemente ilustrativos dessa “fratura” empreendida pela produção de arte a partir dos anos 1960 em relação ao modernismo: a apresentação dos Bichos de Lygia Clark na VI Bienal de São Paulo em 1961 e o aceite de O porco empalhado de Nelson Leirner pelo júri do IV Salão de Arte Moderna de Brasília em 1967. Mário Pedrosa viu, nesses dois eventos, elementos indicativos de profundas mudanças no mundo das artes, não só no que era relativo à sua produção, mas também ao comportamento das instituições de arte.

Os Bichos de Lygia Clark foram uma das primeiras experiências em que a obra de arte se colocou à disposição da manipulação do público, o qual é convidado a quebrar o velho respeito pela obra de arte e a violar as fronteiras que o separam dela. Artistas como Lygia Clark estariam rompendo as fronteiras da “distância psíquica” pelo lado de dentro, quer dizer, do lado do criador da obra (PEDROSA, 1986: 189), contrastando com a reivindicação de autonomia colocada pelo artista moderno. Além de considerar a atribuição do grande prêmio da VI Bienal de São Paulo para os Bichos de Lygia uma “ruptura com os cânones tradicionais da arte moderna” (idem: 295), Mário Pedrosa chama a atenção para a situação de exposição dessas obras. Ao perceber que várias obras manipuláveis foram danificadas pelo público, o qual havia se deparado com uma nova forma de apreciação, Pedrosa afirma que outras maneiras expositivas,

diferente

das

habituais,

deveriam

ser

praticadas

pelos

responsáveis pelas montagens das futuras mostras e bienais, sem impedir, no entanto, a manipulação dessas obras (idem: 190).

Se os Bichos provocavam um novo comportamento do espectador e colocava a situação de exposição como um desafio para os museus, responsáveis pelas montagens, O porco empalhado de Nelson Leirner era uma provocação às instituições e aos circuitos estabelecidos de arte. Em 1967, Leirner envia para o IV Salão de Arte Moderna de Brasília um porco empalhado com um pernil amarrado ao pescoço dentro de um engradado de madeira. Segundo o próprio artista, a obra tinha como objetivo provocar e ser recusada pelo júri, composto por Mário Pedrosa, Frederico Moraes, Walter Zanini, Mário Barata e Clarival do 316

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Prado Valadares. No entanto, o porco foi aceito, provocando um protesto público de Nelson Leirner no Jornal da Tarde de São Paulo do dia 21 de dezembro do mesmo ano, o qual indagou quais seriam os critérios utilizados na seleção do júri (BRITO; OLIVEIRA, 2009: 205). O júri se viu obrigado a responder ao apelo de Leirner. Parte justificou o porquê de ter aceitado o porco, enquanto outra parte disse que não havia compartilhado da decisão. Segundo o próprio artista, pessoas começaram a escrever sobre o júri, chegando ao ponto de afirmarem que eles não entendiam nada de arte. A questão institucional acabou eclipsando o objeto de arte (idem: 206).

A polêmica do O porco empalhado revelou que o instituto artístico está longe de ser uniforme (BRITO; OLIVEIRA, 2009: 206) e que faz parte dessa instituição a crítica de arte, a qual promovia debates sobre como proceder diante de obras que não se inseriam mais em uma estrutura narrativa e que implodiam todos os parâmetros de análise de obras. As técnicas utilizadas após os anos 1960 se diferiam muito das tradicionais empregadas em pintura e escultura, tornando complicadas comparações entre o que estava sendo feito e o que já havia sido feito antes e tornando critérios formalistas de análise totalmente ineficientes nesse novo cenário. Para justificar a aceitação da obra do porco de Nelson Leirner, Mário Pedrosa recorre a elementos que estão além dos formais. O júri teria total autoridade para aceitá-lo “uma vez que O porco empalhado havia de ser para ele consequência de todo um comportamento estético e moral do artista. Na arte pós-moderna, a ideia, a atitude por trás do artista é decisiva.” (1986: 236). Diferentemente da noção modernista de obra de arte autônoma, a arte contemporânea não se restringirá mais à dimensão do objeto, mas trará em si a informação de toda uma rede que a conecta ao circuito da arte. Segundo Cauquelin (2005: 81), “a realidade da arte contemporânea se constrói fora das qualidades próprias da obra, na imagem que ela suscita dentro dos circuitos de comunicação.”. Nessa perspectiva, Ferreira Gullar fala em “crise de linguagens”. A substituição do quadro pelo objeto, o que significa a eliminação do espaço fictício, fez com que a obra saísse do terreno da representação para o da presentação. Ou seja, 317

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deixou-se de utilizar uma linguagem preexistente para tentar expressar-se sem linguagem: cada obra fundaria sua própria linguagem (2003: 29). Para Gullar, a desintegração da linguagem pictórica ou plástica obrigou o artista a tentar transformar em linguagem o que antes era apenas matéria bruta. “(...) uma porção de terra dentro de um garrafão diz muito pouco; há que fazer discurso para explicitar-lhe o sentido. Também os happenings se esfumam, não deixam nada palpável (...).” (2003: 81). Se a perda da linguagem obriga o artista a escrever uma teoria para cada coisa que ele faz, ele está substituindo a linguagem da pintura pela linguagem verbal. A teoria substitui a prática e o artista encontra no crítico o seu público. Crítico e artista passam assim a viver um para o outro e fazem parte de uma arte sem obras, onde os conceitos se tornam confusos e a “liberdade criadora” se sobrepõe à realização objetiva dessa liberdade, que é a obra, e proclama o gesto gratuito e casual como o objetivo final da expressão estética (2003: 81). Isso significa que esses artistas empreendem uma busca de transcendência em objetos ou em situações comuns que seria, para Gullar (2005: 32), intranscendente, revelando apenas a banalidade desses objetos e gestos. E o acréscimo de mais banalidade na vida se faz sem a necessidade do artista (Idem). A “crise de linguagens” expõe um debate importante feito pela crítica de arte brasileira no período aqui tratado. Se antes o artista moderno utilizava técnicas tradicionais da pintura ou da escultura para retratar temas nacionais, o que as novas técnicas do artista pós-moderno comunicavam – ou permitiam comunicar? E para quem ele comunicava?

Ferreira Gullar relaciona o fato, segundo ele incontestável, de a arte contemporânea ser incapaz de atingir as massas com a dificuldade que essa tem de estabelecer comunicação, seja com o público, seja com a crítica. A crítica, por sua vez, não consegue formular juízos mais ou menos precisos, não consegue dizer se uma obra é boa ou má, se é fruto de mestria técnica ou obra do acaso, uma vez que a arte contemporânea estaria formulada em uma linguagem cifrada, impossibilitando a observação de algum juízo objetivo (2002: 67). Portanto, seria impossível criticar uma arte que não se pauta por 318

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nenhum critério objetivo. Quando essa tentativa ocorre, verifica-se que o crítico produz um discurso tão confuso quanto a obra que ele tem como referência. Isso seria uma demonstração de que a obra de arte, que antes se comunicava com uma minoria de iniciados, agora nem com essa minoria consegue se comunicar.

A dificuldade dessa comunicação seria atribuída à vontade do artista de só querer comunicar sua experiência individual. Sua única referência ao mundo comum que compartilha com outras pessoas é sua própria obra. Se essa obra não favorece a comunicação com o “outro”, teríamos chegado ao limite da “destruição” da arte (GULLAR, 2002: 83).

A questão da comunicação da obra de arte aparece para Mário Pedrosa ainda em seus escritos sobre arte moderna, e aqui entendida como arte sem tema. Para ele, na busca pela comunicação com o público, o artista não deve se render ao gosto daquele, pelo contrário, deve “apurar o gosto público, ampliálo, (...) e propor novos estalões de sensibilidade” (1995: 110). A grande questão não seria a comunicação do artista, mas sim a “intercomunicação”, ou seja, a “relação recíproca entre o artista e o público” (idem: 111). A supervalorização da

subjetividade,

interpretada

por

Pedrosa

como

uma

perda

da

responsabilidade do artista em relação ao outro e ao mundo – caso dos tachistas –, iria induzir o artista moderno a produzir uma arte “auto-reflexiva”, ou seja, uma arte que pretende refletir nada a não ser a própria subjetividade do artista. Uma arte que é apenas auto-reflexão não possui objetividade, não comunica, e aí estaria a origem da crise das artes que, segundo Pedrosa (idem: 114), estaria instaurada.

Frederico Morais (1975) afirma que é inegável que a crítica de arte esteja em crise. A cada novo salão de arte essa crise é evidenciada e cresce na medida em que os resultados são divulgados (basta pensar no caso do O porco empalhado já citado aqui).

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No Brasil, a crítica baseada em critérios objetivos é contestada, como é verificado no ensaio Crítica literária e estruturalismo, de Eduardo Portela, publicado na revista Tempo Brasileiro (s/d) (MORAIS, 1975: 46). Combatendo o positivismo crítico, Eduardo Portela considera inconveniente ter a ciência como parâmetro para a realização da crítica, o que significaria submeter a literatura a um código que não lhe diz respeito e considerá-la em uma situação hierárquica inferior à ciência, a qual exerceria uma “ditadura de sua verdade”. Em oposição a essa “crítica autoritária, opressora, que em nome de uma hierarquia de valores submete a obra de arte a critérios absolutos e imodificáveis” (idem: 48), Frederico Morais considera a crítica aberta uma maneira mais adequada para abordar a arte contemporânea, a qual busca na obra uma multiplicidade de sentidos e não a submete a controles rígidos.

Belting (2012: 311) aborda a problemática da crítica suscitada pela arte contemporânea, a qual modificou profundamente a relação entre crítico e artista. Os discursos de crítica feitos em nossos dias seriam discursos “abertos”, nos quais não é defendida nenhuma posição fixa. Os textos sobre arte acabam se transformando numa arte dos textos:

Quem escreve sobre arte assume o papel de um intérprete de música no sentido de que ele é quem faz a música, embora diferentemente do intérprete, pois não observa nenhuma partitura (...). Às vezes ele escreve até mesmo a partitura, enquanto os artistas se tornam o seu intérprete, ou sai à procura de novas obras e artistas que lhe garantam o seu papel favorito. (2012: 311).

Ainda segundo Belting, o especialista em arte é requisitado apenas por uma questão ritual e não mais para um esclarecimento sério. Onde a arte não gera mais conflitos, ali desaparece o desejo de orientação que sempre esteve associado ao especialista. Onde não existe mais esse desejo, também deixa de existir o leigo (2012: 40).

Por volta de 1969, insatisfeito com os limites que o texto impunha à crítica de arte e buscando explorar novos caminhos, Frederico Morais empreende o que ele chama de “A Nova Crítica”. Segundo CHAGAS (2011: 1), essa é uma 320

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proposta de reformulação do papel exercido pela crítica, em especial a judicativo-formalista, mediante a decadência dos valores da arte moderna e diante das novas questões trazidas pela arte pós-moderna. Morais visava a um experimentalismo em detrimento de uma ânsia pela verdade objetiva, a qual era absoluta e excludente por ter como referência a História da Arte europeia. Em coexistência com essa História da Arte oficial, havia uma contra-história, a qual ele chama de “história guerrilheira”. Essa contra-história seria um território híbrido e múltiplo, desencaixada de categorias e estilos. Portanto ela não poderia se ater a critérios a priori (idem: 5-6). Os termos “contra-arte” e “arte de guerrilha” são usados por Morais para distinguir a produção de artistas como Cildo Meireles, Artur Barrio, Antonio Manuel, Guilherme Vaz, Luiz Alphonsus e Thereza Simões de outros artistas da arte de vanguarda que estariam inseridos em circuitos estabelecidos de salões e de galerias (FREITAS, 2013: 29-30). A “contra-arte” estaria circunscrita pela ideia de “vanguarda”, sendo essa “estilizada” e aquela “comportamental”, dicotomia essa que remonta à estrutura bipartida da modernidade pensada, entre outros, por Jacque Rancière e Peter Bürger (Idem: 31). As características dessa “arte de guerrilha”, para Morais, estariam centradas em três âmbitos: vivencial, ou seja, a obra não existe sem a participação do espectador; conceitual, onde, diante da eliminação da obra, resta apenas o conceito, a ideia, ou um diálogo direto e sem intermediários entre o artista e o público; e o proposicional, o que significa o fim da expressão, por parte do artista, de conteúdos subjetivos em favorecimento de propostas de participação (Idem: 55). Duas experiências de Frederico Morais exemplificam a sua “Nova Crítica”: as garrafas de Coca-Cola depositadas na Petite Galerie no Rio de Janeiro e a exposição “Do Corpo à Terra” em Belo Horizonte, ambas em 1970. Para comentar a obra “Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola” de Cildo Meireles – série de garrafas do refrigerante onde foram aplicadas a frase “Yankees, go home” e que foram postas novamente em circulação –, integrante da série de mostras “Agnus Dei”, Frederico Morais depositou na galeria cerca 321

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de quinze mil garrafas do refrigerante. Essa ação foi realizada com o consentimento da marca Coca-Cola, que inclusive providenciou o transporte das garrafas. Junto a essas garrafas, dentre as quais algumas traziam inclusive as interferências de Cildo Meireles, havia uma mesa onde se lia a seguinte mensagem: “Quinze mil garrafas de Coca-Cola, tamanho médio, vazias, gentilmente cedidas e transportadas, em 650 engradados, por Coca-Cola Refrescos SA” (CHAGAS, 2012: 104-112). O comentário de Frederico Morais, que vai além do texto escrito e se instaura como uma extensão material da obra de arte de Cildo Meireles, é percebido como uma obra feita por um “crítico-artista”. Já “Do Corpo à Terra”, realizado no Parque Municipal de Belo Horizonte entre os dias 17 e 21 de abril de 1970, ocorreu de maneira simultânea e integrada à mostra “Objeto e Participação”, inaugurada no Palácio das Artes em 17 de abril do mesmo ano. A simultaneidade desses dois eventos é uma maneira de chamar a atenção para as especificidades de cada um. O próprio Frederico Morais enumera os aspectos inovadores deles: (...) 1 – pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados não para expor obras já concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no local (...); 2 – se no Palácio houve um vernissage com hora marcada, no Parque os trabalhos se desenvolveram em locais e horários diferentes, o que significa dizer que ninguém, inclusive os artistas e o curador, presenciou a totalidade das manifestações individuais; 3 – os trabalhos realizados no Parque permaneceram lá até sua destruição, acentuando o caráter efêmero das propostas; (...) Finalmente, também, pela primeira vez, um crítico de arte atuava simultaneamente como curador e artista. (...) A curadoria como extensão da atividade crítica, o crítico como artista. (2001).

Entre as obras que integraram “Do Corpo à Terra” estão Situação T/T,1 de Artur Barrio (trouxas de tecido recheadas com materiais como sangue, carne, ossos e lixo e espalhadas em um córrego de Belo Horizonte), Tiradentes: Totem-Monumento ao Preso Político de Cildo Meireles (em que galinhas vivas amarradas a um poste de madeira foram queimadas) e Napalm de Luiz Alphonsus (incêndio de uma faixa de plástico de cerca de quinze metros em pleno Parque Municipal). Morais vê nessas obras a atitude do artista como um 322

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guerrilheiro e a arte como uma forma de emboscada. Diante de uma situação em que tudo pode ser arte, mesmo o mais banal dos eventos cotidianos, o espectador – e não só ele, mas também o artista, o crítico e o público – se vê obrigado a tomar iniciativas, a aguçar e ativar seus sentidos (apud FREITAS, idem: 82), mudando constantemente de posição.

Esses eventos foram constituídos por obras de natureza efêmera, que não se limitavam à qualidade de objeto. O museu adquiria uma qualidade de “espaço operacional”, deixando de entrar em cena depois da obra para se tornar concomitante a ela (FREIRE, 2006: 26). Morais identifica aqui um problema: “como

conservar

detritos,

ambientes,

proposições,

manifestações

plurisensoriais, happenings e conceitos?” (1975: 58). Se o museu moderno funcionava como um arquivo de objetos de arte, o museu pós-moderno, no entendimento de Morais, deveria se estender pela cidade, uma vez que sua ação é criadora, “um propositor de situações artísticas que se multiplicam no espaço-tempo da cidade.” (idem: 60). A cidade é fundamental na experiência da arte pós-moderna, já que é “onde o ‘meio formal’ é mais ativo”, onde “ocorrem as experiências fundamentais do homem.” (idem). “Do Corpo à Terra” é uma experiência do que seria esse museu de Morais, na medida em que propõe atividades criadoras e modifica profundamente sua forma de atuação.

Os debates empreendidos pela crítica de arte nesses anos, acompanhados pelas alterações profundas na práxis da atividade, mostram uma preocupação com a possibilidade de continuação do exercício da própria crítica. Essa alteração não é unidirecional. Se a nova produção artística exigiu uma reestruturação da crítica, a crítica também motivou respostas da produção desses artistas. A atribuição de um estado de crise para a arte trouxe o discurso crítico para a mesma situação problemática, evidenciando como essas duas instâncias se sensibilizam de maneira simultânea e interrelacional, como podemos perceber no comentário de Maria de Fátima Morethy Couto (2012: 18) acerca das experiências críticas de Frederico Morais que, ao privilegiarem o aleatório e o acaso, tanto o artista quanto o público e o crítico “mudariam

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constantemente de posição, deixando de assumir papéis fixos e definidos de antemão”.

A arte, em sua constante mudança de formas de realização, sempre desafiará a crítica a encontrar maneiras apropriadas para abordá-la. Momentos históricos identificados como em “crise” são fundamentais para que a crítica se dobre sobre si mesma e promova uma reflexão da sua práxis. Do contrário, será difícil para a crítica exercer sua atividade política de discussão pública onde seja possível a prática do dissenso sem submetê-lo ao consenso no espaço comum (OSORIO, 2005: 30). Ignorar a mudança de conceito do objeto da crítica é decretar a morte da própria crítica, inviabilizando a sua realização.

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