\" CULPADO OU INOCENTE \" – DESENVOLVENDO A RELAÇÃO DIDÁTICA ATRAVÉS DO JURI SIMULADO

May 22, 2017 | Autor: Lucio Silverio | Categoria: Teacher Education, Science Education, Learning and Teaching
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"CULPADO OU INOCENTE" – DESENVOLVENDO A RELAÇÃO DIDÁTICA ATRAVÉS DO JURI
SIMULADO

Lucio Ely Ribeiro Silvério (UFSC - PPGECT/UFSC - CAp)


Resumo
Este texto trata do relato de uma experiência pedagógica envolvendo o
desenvolvimento de um júri simulado em aulas de Biologia e seu impacto na
relação didática. Seu objetivo é refletir sobre os efeitos que essa
alteração na estratégia de ensino pode trazer para a relação estabelecida
entre professor, aluno e conhecimento escolar de genética do Ensino Médio.
Para analisar estes efeitos, toma como referência teórica as noções de
contrato didático (BROUSSEAU, 1986). Na experiência, foi possível observar
elementos do contrato em ação (assimetria de saberes, consciência do
implícito e comunicação didática). Assim, a diversificação na estratégia de
ensino pode favorecer o tratamento de conteúdos significativos e permitir
ao professor uma auto reflexão sobre elementos de seu trabalho docente.

Palavras-chave: Júri simulado, contrato didático, estratégia de ensino.

Introdução.
Ao procurar melhorar a qualidade de suas aulas, uma das primeiras
atitudes que o professor toma é modificar sua estratégia de ensino. No
entanto, mesmo dedicando grande cuidado e energia na busca de uma
alternativa metodológica para suas aulas, o professor, por vezes, se
decepciona com os resultados e se questiona quanto ao potencial desta
mudança e seu impacto na relação didática que se constrói entre ele, seus
alunos e o conteúdo a ser ensinado.
De fato, como avaliar os impactos que uma mudança de estratégia pode
ter na dinâmica desta relação? Ou dito de outra forma, existem avanços
pedagógicos quando modificamos nossa estratégia de ensino? De que tipo
seriam? Estas são perguntas que norteiam essa reflexão.
A sala de aula é o ambiente por excelência onde se pode visualizar,
entre outros aspectos, como se constrói e funciona a relação didática. Esta
relação, em um sentido estrito, pode ser compreendida como as trocas
organizadas localmente entre professor, aluno e saber (JONNAERT, 1996).
Implícita nela, a escolha didática quanto à estratégia de ensino a ser
adotada para aprendizagem de determinado conteúdo[1].
Por isso, este relato tem por objetivo refletir sobre os efeitos que
uma alteração de estratégia de ensino pode trazer para a relação didática
estabelecida entre professor, aluno e conhecimento escolar de genética em
turmas de terceira série do Ensino Médio. Para analisar estes efeitos, toma
como referência teórica as noções de Contrato Didático (BROUSSEAU, 1986).
A experiência que relato envolve o desenvolvimento de um júri
simulado, que usa recursos cênicos e experiências lúdicas para o ensino de
temas científicos em aulas de Biologia. Embora não se constitua numa
novidade didática, esta prática aparece, cada vez mais, associada a outras
atividades com intuito de dinamizar o conteúdo programático em diversas
disciplinas e potencializar o desenvolvimento de habilidades nos alunos de
distintas idades.
As possibilidades de inserção da arte dramática na educação
científica como estratégia de ensino explica-se, em parte, por ser uma
forma de expressão que associa pensamento, emoção e ação. Através das
técnicas dramáticas o aluno pode relacionar a ciência que aprende na escola
com a compreensão que possui do mundo, podendo explorar as implicações
sociais, filosóficas e pessoais da atividade científica e das mudanças
tecnológicas (HOLLINS, 1989 e WATTS e BENTLEY, 1989; apud RODRIGUEZ, 1993).
Assim, os processos dramáticos usados na perspectiva de uma estratégia de
ensino podem favorecer a compreensão de que o conhecimento científico é uma
construção histórica e social. Esta compreensão se mostra particularmente
importante na disciplina de Biologia e se reflete nas trocas e experiências
vividas entre aluno, professor e o saber escolar veiculado na sala de aula
e fora dela. Com isto em mente, passo a relatar a experiência que realizei,
refletindo-a a partir do referencial teórico que adota as noções de
contrato didático nas relações didáticas em sala de aula.

A experiência didática...
A atividade consistiu no desenvolvimento de um "júri simulado" nas
aulas de biologia (genética) do Ensino Médio sobre o tema "alimentos
transgênicos". Entendo que o júri simulado se constitui em um tipo
particular de processo dramático, onde os alunos desempenham papéis
hipotéticos, traduzindo-se basicamente numa organização que simula o
julgamento de uma situação ou determinada "causa jurídica". Nele, os
personagens distribuem-se e desempenham seus papéis em função de um tema
específico.
O júri simulado foi desenvolvido com a intenção de discutir em um dos
tópicos curriculares de genética, a situação atual de apropriação e uso da
biotecnologia pela sociedade. Para introduzir o assunto do júri, foi lido e
discutido um texto base que serviria para orientar e contextualizar o
tema[2]. Foi também criada uma situação hipotética que envolvia a produção
de alimentos transgênicos por parte de uma grande empresa do setor de
alimentos, o consumo de tais alimentos pelos seres humanos ou através da
ração animal e as possíveis consequências que envolviam esta circunstância.
Toda problemática deveria ser analisada a partir da argumentação crítica e
fundamentada sobre o tema.
A situação simulou um pequeno julgamento, com argumentações
favoráveis e outras contrárias a situação proposta, seguidas de depoimentos
pessoais. Para isso, os alunos foram organizados em pequenos grupos que
deveriam desempenhar papeis e funções distintas: defensores públicos,
advogados da empresa, jurados, testemunhas, juiz e assessores (escrivão e
oficial de justiça). Para que não houvesse preterição de ninguém em relação
à função a ser desempenhada foi feito sorteio entre os alunos, cabendo ao
acaso determinar os papéis pré-estabelecidos. Ao final da atividade, um
grupo de alunos, tratados como jurados, deveriam decidir a favor ou contra
a situação apresentada e fundamentar a decisão.
Ao longo da atividade, em geral nos dez minutos finais da aula, era
feita uma pequena avaliação do desempenho e da organização daquele dia,
para, na aula seguinte, retomar a situação a partir de novas perspectivas.
Na sequência, apresento um pequeno resumo da técnica com as
principais características adotadas na atividade.
Metodologia do júri simulado adotado:
"Turmas aplicadas: "3ª. Séries do Ensino Médio de "
" "Escola Pública "
"Número alunos por turma: "25 "
"Número de aulas: "2 para cada etapa (total = 8 aulas)"
"Assunto curricular tratado: "Conceitos básicos de genética "
" "mendeliana, alimentos transgênicos,"
" "biotecnologia e consequências "
" "sócio-ambientais de tais assuntos. "
"Objetivos: "Incentivar a consciência da "
" "importância do trabalho em grupo e "
" "da socialização dos esforços "
" "cognitivos; "
" "Abordar conteúdos conceituais sobre"
" "genes, transgenia e biotecnologia a"
" "partir de uma perspectiva lúdica e "
" "dramática; "
" "Fomentar a leitura, análise e "
" "interpretação de textos e temas "
" "científicos veiculados no ensino de"
" "biologia; "
" "Elaborar a consciência crítica "
" "quanto ao envolvimento e as "
" "consequências socioambientais da "
" "biotecnologia; "
" "Promover a importância do debate e "
" "do respeito à organização de "
" "espaços e atividades previamente "
" "planejadas. "
"Etapas: "I – introdução e objetivos da "
" "atividade; organização dos grupos; "
" "discussão do texto. "
" "II – Apresentação do caso; "
" "apresentação da acusação; "
" "apresentação da defesa; depoimento "
" "das testemunhas. "
" "III – Julgamento e debate "
" "acusação/defesa; argüição dos "
" "jurados; conclusão do júri. "
" "IV – avaliação final da atividade. "
"Descrição das funções de cada "Advogados de defesa (3 alunos): "
"grupo: "defende uma empresa privada do "
" "setor agrícola, argumentando em "
" "favor do uso de alguns produtos "
" "transgênicos na produção agrícola; "
" "Testemunha de defesa (2 alunos): "
" "auxiliar a partir de seu depoimento"
" "a defesa. "
" "Defensoria pública – promotor (3 "
" "alunos): argumentar contra o uso de"
" "sementes ou qualquer outro produto "
" "transgênico no setor agrícola; "
" "Testemunha da promotoria (2 "
" "alunos): auxiliar com seu "
" "depoimento as teses da promotoria; "
" "Jurados (9 alunos): decidir a "
" "questão, baseados na argumentação "
" "dos advogados de defesa e da "
" "promotoria. A decisão deve vir "
" "justificada (a favor ou contra). "
" "Cada jurado deverá formular uma "
" "questão para a defesa e outra para "
" "a promotoria e pode formular "
" "perguntas às testemunhas; "
" "Juiz (1 aluno): coordena todos os "
" "trabalhos relativos ao caso em "
" "questão, encaminha e decide de "
" "forma fundamentada sobre o tramite "
" "do processo; "
" "Escrivão e oficial de justiça (4 "
" "alunos): secretaria todo o "
" "julgamento. Distribui do tempo para"
" "cada uma das partes, chama "
" "testemunhas. "
" "Assessor (1 aluno): organiza o "
" "ambiente/sala e os equipamentos "
" "para o julgamento. "

No júri simulado uma posição que o professor pode assumir é a de
"assessor do juiz", intervindo no processo somente com a solicitação do
juiz, não podendo manifestar-se durante a sessão em relação a assuntos de
mérito relativos ao caso. Para realização da atividade é interessante
considerar alguns aspectos relativos aos critérios para organização do
júri: a) escolha do tema: assunto conflituoso, capaz de suscitar as pré-
concepções dos alunos através dos conflitos cognitivos; b) mobilização do
grupo em torno do tema/função; c) definição clara e objetiva dos papéis,
funções e regras da atividade e; d) a execução, registro e avaliação da
atividade proposta.
A avaliação final da atividade foi realizada em momento posterior ao
júri. Ela discutiu o desempenho de cada aluno e de seu grupo. Este momento
se dividiu em dois: a) resgate dos critérios adotados na elaboração das
notas (qualidade e consistência técnica nos argumentos, organização nas
atividades, desempenho na função...); b) atividade escrita com o objetivo
de avaliar a apropriação dos conceitos científicos mais importantes
apresentados quando da discussão do texto de apoio e da realização do
próprio júri e uma auto-avaliação da participação do próprio aluno.

Da experiência à reflexão sobre a experiência...
Algumas investigações em ensino de ciências têm concluído que a
identificação das preconcepções (ou concepções espontâneas) dos alunos na
área da educação científica e o uso de estratégias de ensino diversificadas
têm favorecido a abordagem dos conteúdos de forma mais apropriada à
construção do saber pelo aluno e servido de base para elaboração de um
currículo escolar mais significativo nesta área. A associação ao ensino de
elementos culturais, como os processos dramáticos, é uma das muitas formas
que podem também contribuir neste aspecto. Rodrigues (1993) comenta que no
Brasil não temos ainda uma pesquisa consistente sobre as contribuições que
os processos dramáticos podem trazer ao ensino das ciências em nível médio.
Todavia, afirma, que o uso de técnicas como o "role-play"[3] (desempenho de
papéis) e a dramatização têm possibilitado o descobrimento e implementação
de novas estratégias para o ensino das Ciências e a compreensão do
conhecimento científico como uma produção construída social e
historicamente, o que é favorecido pelas interações entre os alunos em sala
de aula.
A autora alerta que antes de desenvolver processos dramáticos nesta
perspectiva é necessário que os conceitos e fenômenos científicos
envolvidos no tema sejam discutidos, pois isso fortaleceria as
argumentações dos alunos. Entendo que é relevante o aluno ter uma noção dos
conceitos sobre o tema estudado, mas os processos dramáticos devem ser
usados para desenvolver outros tipos de conteúdos (procedimentais e
atitudinais, por exemplo) e não somente para memorizar ou aplicar fenômenos
e conceitos científicos estudados.
Usados com este intuito, os processos dramáticos podem contribuir
para que a sala de aula de Biologia se transforme em um espaço para a
construção de argumentos sobre temas relativos a esta disciplina. Esse
processo inclui explicitação do conhecimento dos alunos sobre o tema,
trabalho individual e coletivo, comunicação oral e escrita, construção de
argumentos fundamentados teoricamente, diálogo crítico e leitura.
Em aula, as trocas que ocorrem na relação didática acontecem de forma
dinâmica e complexa num espaço-tempo definido que é a escola. Em um recorte
desse complexo ambiente, observam-se inúmeras situações pedagógicas que nem
sempre qualificam o processo de ensino e aprendizagem. Desta forma, é
possível traçar paralelos entre a experiência do júri simulado como
estratégia de ensino e seus efeitos na relação didática, a partir das
noções teóricas do contrato didático (Brousseau, 1986).
Na perspectiva desse autor, a relação professor – aluno – saber é
articulada por inúmeras regras e convenções que acabam funcionando como as
cláusulas de um contrato. Ele afirma que o contrato didático se
caracteriza como uma "relação que determina, explicitamente por uma pequena
parte, mas, sobretudo implicitamente, o que cada parceiro, professor e
aluno, têm a responsabilidade de gerir e da qual ele será responsável, de
uma maneira ou de outra, em frente ao outro" (BROUSSEAU, 1986). Além disso,
Brousseau (1986) também deixa claro que o ponto de referência desta relação
é o saber científico. É sobre esta tríade (professor – aluno – saber) que
se espera a construção de toda a relação didática. O contrato didático
administra tais relações a partir de um conjunto de regras que normatizam o
sistema de obrigações que cada um dos participantes deve desempenhar numa
situação de ensino e aprendizagem. Para ocorrer uma mudança nas cláusulas
que regem o contrato didático deve existir uma mudança concreta na relação
didática.
Silva (1999) afirma que o contrato didático supõe a compreensão da
escola como instituição social responsável pela transmissão do saber
escolar. Aponta também que esta noção depende da estratégia de ensino
adotada, adaptando-se a diversos contextos, levando em conta as escolhas
pedagógicas, o tipo de trabalho solicitado aos alunos, os objetivos do
curso, as condições de avaliação.
Assim, uma relação didática em que predominam aulas expositivas
possui um conjunto de regras contratuais diferente daquele que rege uma
prática pedagógica inovadora. A opção por uma prática pedagógica diferente
daquela que se tem conservado tradicionalmente na cultura escolar pode ser
um motivo para que o contrato didático se torne explícito e seja
questionado por seus participantes. Ou seja, o contrato didático se
manifestaria, principalmente, quando é transgredido pelo professor ou
alunos (SILVA, 1999). Nesse caso, se diz que houve uma ruptura do contrato
didático e que é preciso que haja uma renegociação do mesmo, para que
ocorra avanço na aprendizagem.
Nesta dimensão, a noção de contrato didático permite compreender a
importância dos atores pedagógicos estarem conscientes das regras do jogo
pedagógico e dos condicionantes que dela decorrem (conscientização do
implícito). O fato de que parte das regras do contrato didático são
implícitas torna o mesmo passível de transgressão, quando estas se
explicitam. Isto não precisa ser considerado como defeito da relação
didática, pois o implícito é relevante para a aprendizagem (Brousseau,
1986). Logo, o conflito que se caracteriza na relação didática pode ser
benéfico para a transformação no tratamento do saber dispensado pelo
professor ou pelo aluno.
Toda mudança repentina e não suficientemente explicitada na relação
didática, como uma alteração de estratégia de ensino, gera conflitos e põe
em destaque as regras do contrato didático estabelecido com os alunos.
Nestes termos, Silva (1999) afirma que o contrato didático é renovado e
renegociado a cada nova etapa da construção do conhecimento e, geralmente
professor e alunos não percebem esse processo. As resistências dos alunos
em relação a uma mudança no contrato didático original se manifestam de
diversas formas, pois elas representam uma incógnita, despertando certa
"desconfiança pedagógica".
Ao ter em mente estas idéias, é conveniente agora reposicionar as
questões propostas no início do texto: em que medida uma alteração na
metodologia de ensino pode explicitar determinadas regras do contrato
didático? Elas seriam suficientes para provocar uma ruptura com o contrato
original?
Na experiência didática descrita, professor e aluno entraram por
diversas vezes em conflitos. Estes conflitos, muito frequentemente,
envolvem componentes do saber escolar e são resolvidos no ambiente da
relação didática. Observar se houve alteração no contrato didático
originalmente construído com essas turmas em um período de tempo curto e
baseado em apenas uma única experiência didática seria uma tarefa muito
superficial. No entanto, alguns dos aspectos que caracterizam o contrato
didático puderam ser identificados na situação vivida, em maior ou menor
proporção. Entre eles, destaco a assimetria de saberes; a consciência do
implícito e a comunicação didática.
a) A assimetria de saberes. O conjunto de ações que assumi como professor
ao elaborar o material didático das aulas (texto introdutório sobre
transgênicos), explicar determinados conceitos (o que é transgenia e sua
relação com os genes, por exemplo) e orientar os alunos na construção de
argumentos a respeito do tema escolhido, evidenciou essa assimetria de
saberes entre os alunos e o professor quanto ao conhecimento científico
discutido. Esta assimetria de saberes se manifestou também entre os
próprios alunos. No decorrer do desenvolvimento da estratégia percebi que
deveria considerar este fator mais cuidadosamente para permitir uma
socialização equilibrada dos conhecimentos necessários ao desempenho dos
diferentes papéis no júri.
Embora a dramatização tenha favorecido a manifestação de algumas das
preconcepções dos alunos sobre o tema, a fraca apropriação de alguns
conteúdos conceituais entre os alunos se refletiu em seu desempenho,
participação e organização dos papéis na técnica (conteúdos procedimentais)
e em uma possível mudança em seu modo de pensar quanto ao assunto tratado
(conteúdos atitudinais).
b) A consciência do implícito. Certas regras do contrato didático estavam
evidentes para a maioria dos alunos, outras permaneceram implícitas e
dificilmente acessíveis, especialmente aquelas que dizem respeito ao
tratamento individual que deveriam dar aos conteúdos de estudo. Neste
aspecto, foi possível notar que na medida em que a estratégia foi se
desenvolvendo, alguns alunos foram se dando conta das mudanças na interação
com o professor e com seus colegas e nas exigências de organização "tempo-
espaço" da atividade escolar. O que poderia parecer uma forma de facilitar
o acesso ao conteúdo conceitual para todos foi, aos poucos, adquirindo
conotações conflituosas quando a discussão passou ao terreno da
distribuição dos papéis e das funções mais "interessantes" no júri, da
avaliação da atividade e seus critérios de exigência.
Jonnaert (1996), referindo-se a este aspecto, argumenta que o
professor deve aceitar que não pode explicitar e compreender parte daquilo
que está implícito no contrato didático estabelecido, ou seja, uma parte
das regras implícitas do grupo permanecerá inacessível para ele. O contrato
didático deve tanto explicitar as regras implícitas como fixar os limites
dessa explicitação, pois uma explicitação ao extremo de suas regras levaria
o contrato a uma coletânea de regulamentos e combinados, mecanizando o
tratamento do saber pelo aluno e inibindo assim, toda criatividade e
espontaneidade da relação didática.
c) A comunicação didática. Este foi outro dos aspectos que se manifestaram
na relação didática através do gerenciamento do contrato didático com as
turmas em que o júri simulado foi implementado. Ao utilizar os processos
dramáticos nas aulas, precisei mudar a referência de tratamento e interação
com seus alunos e superar a dinâmica expositiva das aulas, abrindo espaço
para uma participação mais efetiva dos alunos e construindo com eles os
passos da atividade proposta. Todavia, isto teve um preço. Embora o
envolvimento interativo dos alunos permitisse a manifestação de algumas de
suas pré-concepções sobre o assunto, também explicitou as diferenças de
significados e expectativas entre as atitudes do professor e do aluno
quanto ao desenvolvimento do assunto tratado, suas repercussões e possíveis
desdobramentos avaliativos.
Neste sentido, houve incremento na relação didática, pois foi
possível estabelecer um diálogo amoroso entre professor e aluno, buscando
esclarecer aquilo que cada um esperava do outro no desenvolvimento de suas
tarefas e na forma como seriam avaliados. O júri simulado facilitou esta
aproximação e a manifestação daquilo que podíamos alcançar, quando
concordamos em fazer a experiência desta dramatização e seus compromissos
peculiares. Jonnaert (1996) destaca que a função primeira de uma relação
didática é de permitir ao aluno mudar a sua relação inicial com os saberes
e que o jogo das relações estabelecidas pelo professor e aluno em torno do
saber determina as rupturas e as mudanças de papéis sucessivos no interior
da relação didática.

Como conclusão...
Pensando nas respostas as primeiras questões propostas no início
deste relato, acredito que é possível e necessário avaliar os impactos que
uma mudança na estratégia de ensino pode trazer para a relação didática em
nossas aulas. Esta atitude reflexiva no ensino tornou minha prática docente
mais crítica e criteriosa. Para tanto, assumi como medida para esta
avaliação um referencial teórico que nasceu das pesquisas em ensino e
aprendizagem de Ciências, as noções do contrato didático.
As definições extraídas das noções de contrato didático se mostraram
úteis à análise da evolução das relações didáticas na situação de ensino
analisada. Embora, a experiência realizada tenha se efetivado com apenas
três turmas de ensino médio, tornando sua generalização perigosa para
outros tipos de relação didática, alguns elementos e paradoxos do contrato
didático foram usados para avaliar o sistema didático observado. Desta
forma, como ferramenta analítica, este referencial sozinho não dá conta de
avaliar a complexidade das relações construídas no interior de uma sala de
aula, nas interações entre professor – aluno e saber científico. Preciso
continuar exercitando a capacidade de, como professor, tomar iniciativas e
decisões didáticas teoricamente fundamentadas, partindo de uma reflexão
sobre minha própria prática.
Considero que sempre existem avanços pedagógicos na relação didática
quando as mudanças estratégicas não são resultado apenas de um modismo, e
sim de uma reflexão e avaliação sobre os ganhos e perdas que ocorrem nesta
situação. Neste caso, é preciso levar em conta não só a questão dos
conteúdos conceituais, mas também, o incremento quanto ao desempenho e
maturidade dos alunos em relação aos conteúdos procedimentais e atitudinais
envolvidos na implementação do júri simulado. A utilização de processos
dramáticos como meio de favorecer a construção de argumentos fundamentados
pelos alunos fez com que eles procurassem outras fontes de informação
(material bibliográfico diverso, internet e especialistas), não se
limitando ao conhecimento do professor.
Por fim, entendo que o trabalho em grupo valorizado pelo processo
dramático do júri simulado pode contribuir para a socialização do
conhecimento entre os alunos. Trabalhar em grupo nas aulas de Biologia traz
também uma possibilidade de se contrapor a uma visão de ciência
individualista e fomentar o entendimento da atividade científica como
construto histórico e social.

Referencias bibliográficas
BROUSSEAU, Guy. Fundamentos e métodos da didática da matemática. In: BRUN,
Jean (Org.). Didática das matemáticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1986.
JONNAERT, P. Dévolution versus contre-dévolution! Un Tandem Incontournable
pour le contrat didactique. In: RAISKY, C.; CAILLOT, M. (Ed). Au-delà dês
didactiques, le didactiques: débats autour de concepts fédérateur. Belgium:
De Boeck & Larcier S.A. 1996.
RODRIGUES, M. F. D. O uso de role-play e dramatização no ensino de Física
do 2º. Grau: quatro casos em estudo. Dissertação (Mestrado em Educação).
UFSC: Centro de Educação. Florianópolis. 1993.
SILVA, B.A. Contrato Didático. In: ALCANTARA MACHADO, S.D. (Org.). Educação
Matemática: uma introdução. São Paulo: Educ. 1999.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
-----------------------
[1] Aqui considero "conteúdo" não só aqueles relacionados aos conceitos,
mas também os procedimentais e os atitudinais (ZABALA, 1998).
[2] BROOKES, M. Fique por dentro da Genética. Ed. Cosac & Naify, 2001.
Adaptado.
[3] Role play – desempenho de papéis. O júri simulado é considerado uma das
atividades desta modalidade dramática.
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