Cultura, lugar e não-lugar: a experiência urbana contemporânea nas cidades dormitório

July 5, 2017 | Autor: Roberta Romano | Categoria: Urban Studies
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CULTURA, LUGAR E NÃO-LUGAR: A EXPERIÊNCIA URBANA CONTEMPORÂNEA NAS CIDADES DORMITÓRIO Roberta Giraldi Romano Cássia Cristina Moretto da Silva RESUMO

O contexto urbano atual mostra-se como cenário apto à realização de diferentes relações humanas e culturais. Palco de interações múltiplas ligadas a existência humana quer sejam relacionadas ao exercício profissional, quer sejam relacionadas a vivência social, a cidade toma lugar de destaque como centro da vida e da experiência atual. Assim, fenômeno contemporâneo é a intensificação das inter-relações entre os citadinos envolvidos na dinâmica da cidade, especialmente quando se está diante da periurbanização, pautada no fluxo das de pessoas, bens e relações entre cidades que se avizinham, de modo a se influenciar para além do arranjo estrutural da mobilidade urbana, os hábitos de vida, o arquétipo valorativo da existência. Neste contexto, o presente estudo pretende analisar a experiência urbana contemporânea estabelecida no âmbito das cidades dormitório e das cidades núcleo, a partir da articulação dos conceitos de cultura, lugar e não lugar. Utilizou-se como método de análise uma revisão integrativa da bibliografia pautada na observação empírica e factual da realidade. Tem-se que a periurbanização influencia a vivência e a assimilação da cidade pelo indivíduo tanto sob o ponto de vista cultural como da apropriação do lugar, repercutindo inclusive sob o papel sociocultural experimentado diante desta realidade. Desse modo, cabe ao gestor público o preparo para lidar adequadamente com este cenário, de modo a evitar ônus ao exercício da cidadania e a qualidade de vida do citadino, ao mesmo tempo em que desenvolve práticas de cunho integrativo sob o ponto de vista das políticas públicas de planejamento urbano.

Palavras-chave: Urbanização. Cidades Dormitório. Cultura. Lugar.

RESUMEN

El contexto urbano actual se muestra como escenario capaz de llevar a cabo diferentes relaciones humanas y culturales. Etapa de múltiples interacciones ligadas a la existencia humana sea en relación con la práctica profesional, sea en relación con la vida social, la ciudad ocupa un lugar como el centro de la vida y la experiencia actuales. Por lo tanto, fenómeno contemporáneo es la intensificación de las relaciones entre la gente del pueblo que participan en la dinámica de la ciudad, sobre todo cuando se está frente a la periurbanización, basado en el flujo de personas, bienes y relaciones entre las ciudades próximas, con el fin de influir a más allá de la disposición estructural de la movilidad urbana, los hábitos de vida, el arquetipo de evaluación de la existencia. En este contexto, el presente estudio tiene como objetivo analizar la experiencia urbana contemporánea, situado dentro de las ciudades dormitorios y pueblos núcleo, de la articulación de los conceptos de cultura, el lugar y no hay lugar. Fue utilizado como un método de análisis de una revisión integradora de la literatura guió la observación empírica y objetiva de la realidad. Admite-se que la periurbanización influye en la experiencia y la asimilación de la ciudad por parte del individuo, tanto desde un punto de vista cultural como la apropiación del lugar, incluso repercutiendo en el papel sociocultural experimentado ante esta realidad. De este modo, es responsabilidad del gestor público prepararse para hacer frente adecuadamente a este escenario, con el fin de evitar prejuicio al ejercicio de la ciudadanía y la calidad de vida del ciudadano, mientras que desarrolla prácticas integradoras desde el punto de vista de las políticas públicas de la planificación urbana.

Palabras-clave: Urbanización. Ciudades dormitorio. Cultura. Lugar.

Autores: ROMANO, Roberta Giraldi. SILVA, Cássia Cristina Moretto da. Expositor: Roberta Giraldi Romano. Estudante de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento na Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. Instituição: Universidade Federal do Paraná/Brasil. Área temática: Lofche (Organizaciones Territoriales).

INTRODUÇÃO

O contexto urbano atual mostra-se como cenário apto à realização de diferentes relações humanas e culturais. Palco de interações múltiplas ligadas à existência humana quer sejam relacionadas ao exercício profissional, quer sejam relacionadas à vivência social, a cidade toma lugar de destaque como centro da vida e da experiência atual. Assim, fenômeno contemporâneo é a intensificação das inter-relações entre os citadinos envolvidos na dinâmica da cidade, especialmente quando se está diante de grandes conurbações e periurbanização, pautadas no fluxo das de pessoas, bens e relações entre cidades que se avizinham, de modo a se influenciar para além do arranjo estrutural da mobilidade urbana, os hábitos de vida, o arquétipo valorativo da existência. Diante do surgimento de novas tecnologias, novas formas de comunicação e inovadores arranjos urbanos, observam-se novos movimentos populacionais pautados na possibilidade de deslocamentos diários por parte do citadino, que, muitas vezes, mora em um município e trabalha, estuda e possui hábitos de lazer em outro. Tal postura acaba por repercutir de uma forma muito incisiva tanto na sua percepção como no trato do espaço

urbano por este sujeito, que tem suas relações com o ambiente urbana a partir do movimento pendular, por vezes, vivenciado de forma diuturna. Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo abordar a apropriação do espaço urbano em face da formação de cidades dormitórios adjacentes as cidades núcleo, diante dos conceitos de lugar, não lugar e cultura.

A EXPERIÊNCIA URBANA CONTEMPORÂNEA

DIANTE

DAS CIDADES

DORMITÓRIO E DAS CIDADES NÚCLEO

Tomando a cidade, tal qual conceituada por Ascher (2010, p. 19), isto é, “como agrupamentos de população que não produzem seus próprios meios de subsistência alimentar”; viver em cidades pressupõe desde sua gênese uma teia de relações sociais decorrente da necessidade de interação entre os produtores de víveres, os responsáveis pela elaboração das manufaturas, aqueles envolvidos com a simbologia, atrelados ao poder e a proteção. Ascher (2010) afirma que o urbanismo compreende de forma otimizada a lógica que rege a sociedade contemporânea. Em sendo assim, sobre a urbanização atual, referido autor esclarece que:

A dilatação dos territórios urbanos frequentados habitualmente pelos cidadãos enfraquece a importância da proximidade na vida cotidiana: o bairro deixa de ser o lugar de integração das relações de amizade, familiares, profissionais, cívicas; os vizinhos imediatos não são mais necessariamente os amigos, ou parentes, ou colegas, salvo nos guetos de ricos e pobres. O local muda de natureza e sentido: ele é cada vez mais escolhido e apenas contempla realidades sociais fragmentárias (ASCHER, 2010, p. 63-64).

Nota-se nas palavras de Ascher a evidência da característica fragmentar na urbanização contemporânea, incluindo-se neste processo o esvaziamento do sentimento de pertença relacionado ao lugar em que é escolhido para a habitação. Tal situação toma proporções ainda mais dilatadas quando se analisa a realidade cada vez mais comum e em destaque nas grandes cidades brasileiras, nas quais se avizinham muitos municípios, em geral, pertencente a regiões metropolitanas destas mesmas cidades, cujas quais servem, em sua grande maioria, como dormitório, para cidadãos que buscam na cidade polo, trabalho, educação, lazer, saúde e uma infinidade de serviços públicos que por vezes as cidades dormitório, não conseguem satisfazer de forma adequada e otimizada. No que se refere ao tema afeto à cidade e a urbanização, Leila da Costa Ferreira (2004, p. 25), ressalta que “a reestruturação da dinâmica urbana é um aspecto a ser considerado, o que remete à questão da gestão das cidades”. Tal autora destaca ainda a questão das políticas públicas e as instâncias de decisão diante dos problemas e mazelas encontradas no contexto urbano atual ao escrever que:

Desse modo, as cidades passam a se defrontar com uma situação grave que exige intervenções ágeis em áreas que extrapolam as tradicionais políticas da área urbana. Trata-se de amplos projetos de infraestrutura, políticas sociais, programas de emprego e políticas ambientais, envolvendo inclusive estratégias locais de dinamização das atividades econômicas. Os municípios situam-se na linha de frente dos problemas, mas estão no último escalão da administração pública. Há um deslocamento generalizado dos problemas para a esfera local, enquanto as estruturas político-administrativas continuam centralizadas. Esse processo criou um tipo de impotência institucional que dificulta dramaticamente qualquer modernização da gestão local. Com o processo de urbanização os problemas se deslocaram, mas não o sistema de decisão correspondente (FERREIRA, 2004, p. 25).

Os problemas apontados por Ferreira assumem especial destaque quando se está diante do fenômeno das cidades dormitório e das cidades polos, pois tal situação exige um planejamento urbano integrado e ampliado diante da realidade complexa experimentada no ambiente urbano, especialmente no que se refere às políticas públicas ligadas ao transporte, a gestão educacional e da saúde, pois, por vezes o que se observa são as mais precárias

condições de vida e de aparelhamento municipal incapazes de atender as demandas sociais, tanto individuais como coletivas, no contexto urbano. Assim, o termo cidade dormitório no Brasil é frequentemente utilizado de forma pejorativa, remetendo ao caso de municípios que possuem baixo nível de desenvolvimento socioeconômico, precárias condições de assentamento e de vida para sua população e evidente dependência econômica de uma cidade polo (OJIMA et al, 2010). Segundo Sassen (1998), cidades dormitório são cidades sem autonomia para sobreviver, pois cidades vizinhas, geralmente metrópoles, fornecem empregos, serviços, alimentos, etc.

A noção de cidade dormitório ficou associada aos processos de marginalização e periferização da pobreza nos contextos de expansão metropolitana nos estudos urbanos brasileiros, sobretudo após 1970. No entanto, diferentemente dessa conotação pejorativa que as cidades dormitório assumem em parte da literatura especializada no Brasil, as noções correspondentes à cidade-dormitório na bibliografia internacional são vistas de forma menos pessimista, sendo comumente associadas ao processo de suburbanização das classes médias (OJIMA et al, 2010).

Tuan (1980) explica que detrás da ideia de cidade dormitório e de subúrbio (apesar de estarem em contextos espaço-temporais distintos) há a não-cidade. A não-cidade é aquela que não é plena, possui um adjetivo que a desqualifica enquanto uma cidade incompleta, pois possui apenas uma única função: a moradia. Por este motivo, as cidades dormitório e os subúrbios estão em um mesmo patamar, o “sub” refere-se à incompletude, transmite a noção de cidade-de-menos, uma sub-cidade, uma quase-cidade. Pode-se afirmar que uma das principais características das cidades-dormitório é o deslocamento. Os deslocamentos temporários, também chamados de movimento pendular, estabeleceram-se como uma característica da vida metropolitana, tornando-se indicadores de articulação e do seu espaço de atividade. Este tipo de deslocamento é o que ocorre para fins de trabalho ou estudo, com retorno ao município de origem diariamente. Este movimento está

relacionado à expansão de uma determinada região que tem influência. O movimento pendular faz parte da distribuição da população e tem cada vez mais importância com as mudanças socioespaciais observadas atualmente (SILVA, 2010). A cidade polo é compreendida como a cidade que desenvolve uma polarização em relação às cidades ao seu redor, devido às suas características. É um local central, que concentra: população, função de gestão pública e empresarial, equipamentos e serviços. Ao redor da cidade polo agrupam-se cidades e estabelecem-se fluxos, como já explicado. Pode-se afirmar que esta configuração das cidades tem influência direta nos hábitos culturais e na apropriação do espaço, fazendo-se necessário aprofundar esta discussão. A seguir são apresentadas as percepções a respeito da cultura e dos conceitos de lugar e nãolugar.

PERCEPÇÕES CONCEITUAIS: CULTURA , LUGAR E NÃO-LUGAR

CULTURA

Na atualidade, a cultura apresenta-se como uma palavra polissêmica, complexa, objeto de investigação em diferentes campos teóricos, sendo de suma importância a compreensão tanto de seu significado como da dinamicidade implícita em seu conteúdo para que seja possível estabelecer-se um adequado entendimento sob as relações humanas e sociais que permeiam a realidade humana. A relação do homem com a cultura mostra-se como inerente ao próprio homem na medida em que “a cultura permite ao homem adaptar-se a seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio homem, a suas necessidades e seus projetos” (CUCHE, 1999, p. 10). Logo, a cultura configura-se como elemento que vem a romper com concepções naturalistas do existir

humano para ligar-se a ordem simbólica da existência humana, é a expressão da totalidade da vida social do homem e caracteriza-se por sua dimensão coletiva; é adquirida, não depende da hereditariedade biológica (CUCHE, 1999). Nota-se, portanto, a essencialidade da cultura na existência humana por este viés. Inobstante tais considerações, importa salientar a configuração da cultura no espaço urbano, que segundo Miranda (2000, p. 108) se dá de forma muito singular no espaço urbano:

O espaço urbano é cada vez mais o espaço da cultura, o lugar onde florescem, desabrocham e fermentam as ideias contemporâneas, os valores da modernidade, a inovação e a criação, porque a cidade congrega, une e reúne, influencia, multiplica, combina e potencializa as várias sensibilidades e talentos (MIRANDA, 2000, p. 108).

Sobreleva ressaltar que no cotidiano urbano contemporâneo, permeado por um desenvolvimento social econômico intenso e complexo de um lado, e avassalador, confuso, desgastante e díspar de outro, a cultura, como inerente a condição humana, acabar por ser a forma pela qual a essência humana se expressa, um tanto difusa, desarmônica e multifacetada. Tal realidade é relata por Miranda:

Uma cidade que oferece o caos e negligência a necessidade de bem-estar geral da pessoa humana faz com que ela busque seu bem-estar na sombra dos arranha-céus e nos espaços deteriorados. A barbárie atual, apressada pela globalização, é a exacerbação daqueles aspectos do homem com que a cidade não fala, aquela parte de nós que não encontrou abrigo no meio urbano (MIRANDA, 2000, p. 108).

Fortuna (1997, p. 14) afirma que “o modo de perspectivar o vigor desta cultura urbana é fortemente subsidiário da vitalidade social da própria cidade”, por isso a análise da cidade como um todo mostra-se como algo salutar para o conhecimento das interações culturais que permeia o ambiente urbano. No que se refere de modo especial às conurbações e as periurbanizações, configuradas de forma especial nas interações entre os moradores das cidades dormitórios e a relação deles

com a cidade polo que se destacar que, sob a perspectiva da cultura, que o que se observa é que as relações culturais acabam acontecendo de forma difusa e por vezes, descoladas da realidade vivida pelo sujeito que se vê residindo em um local ao qual ele não se sente pessoalmente pertencente, com amigos, parentes e hábitos ligados ao lazer que não refletem a realidade social vivenciada, de forma a se criar uma necessidade constante de se buscar aquilo que se almeja tanto em termos de aprendizagem, vivência e experiência, em uma realidade que não se coaduna com o local escolhido para se morar. O contexto urbano experimentado, portanto, implica tanto na forma em que os arranjos culturais humanos acontecem, se desenvolvem e são organizados, como na própria apropriação pelo homem face ao ambiente urbano, e por isso, tomam expressiva notoriedade as definições de lugar e não-lugar neste panorama.

LUGAR E NÃO-LUGAR

Entende-se que lugar é o espaço afetivo, dotado de significado, percebido. Para Yu Fu Tuan (1979) o conceito de lugar vai além da ideia de localização: trata-se de uma entidade única, um conjunto especial que tem história e significado, encarna a experiência e aspirações, é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe atribuem significado, é constituído a partir da experiência de mundo que cada indivíduo possui. Lugar é onde são vivenciados os eventos mais significativos da existência do indivíduo (RELPH, 1976). Estas experiências estão imersas em um mar de complexidade e identificá-las torna-se uma árdua tarefa, mas ao lançar olhos para o homem contemporâneo é possível delimitar um recorte de tempo e espaço para analisar, ao menos, quais são e quais não são estes lugares.

Neste sentido, cabe ainda definir o não-lugar. Para Augé (1994) o não-lugar é o oposto do espaço personalizado. São os espaços públicos de rápida circulação, marcado por símbolos da supermodernidade que permitem deslocamentos impessoais. Da mesma forma que o lugar, o não-lugar depende da valoração que o indivíduo dá ou não ao espaço, seja positiva, negativa ou inexistente. Aplicando estes conceitos no recorte temporal e espacial deste trabalho – as cidades dormitórios na contemporaneidade – é possível analisar espaços e situações, como o caso das rodovias, o espaço de habitação, o espaço de trabalho, o espaço de lazer e o uso do veículo motorizado, como um dos principais elementos de conexão entre espaços e de desconexão entre o indivíduo e seus potenciais lugares. As estradas fazem parte do cotidiano dos habitantes de cidades dormitório, que diariamente vão à cidade polo em busca de trabalho, estudo, serviços, lazer, entre outros. A rotina inclui sair cedo e chegar tarde a suas residências, fazendo com que o indivíduo permaneça a maior parte do tempo na cidade polo. O veículo motorizado tem grande importância nesta dinâmica, sendo o elo entre a cidade dormitório e a cidade polo. Frequentemente é por meio do ônibus, do carro e da moto que o indivíduo realiza seu deslocamento, Santos (2006, p. 34) considera que “o espaço distância é também modulado pelas técnicas que comandam a tipologia e a funcionalidade dos deslocamentos”, o que remete à importância da técnica para unir espaço e tempo. Claval (2007) considera que as relações do indivíduo com o espaço são parte dos primeiros aprendizados culturais e não cessam em se desenvolver, considera que reconhecerse e orientar-se são procedimentos essenciais a todos. No contexto deste trabalho aprofundarse-á o conceito de reconhecer-se:

Reconhecer-se é memorizar imagens concretas, apreensões visuais, sobretudo (às vezes os odores ou barulhos) que permitem saber se já se esteve em tal ou qual lugar (CLAVAL, 2007, p. 189).

Nas cidades o enraizamento espacial e sociológico é mais difícil, se comparado ao campo, mas pode realizar-se no bairro, que passa a ser visto como nicho familiar, a depender de alguns fatores, como explica Claval (2007, p.192):

Se se reconhecer resulta de uma relação sensorial com o espaço, esta depende, além do círculo familiar percorrido a pé em todos os sentidos, do modo de locomoção utilizado (...) a auto-estrada impõe a lei da velocidade e da tensão nervosa. Não se conhece das zonas percorridas nada além dos painéis que formam a silhueta de tal abadia ou de tal castelo célebre... E passa-se.

Aplicando a afirmação de Claval no caso apresentado pode-se considerar que os moradores das cidades dormitório transitam por estradas diariamente e não se reconhecem neste espaço, são não-lugares, desprovidos de significados. Além disso, estes moradores exercem suas atividades em uma cidade diferente da que encontra sua moradia, fazendo com que dê maior significado para os espaços da cidade polo, tornando-o lugares: o trabalho, o colégio, o parque, a universidade, o shopping, entre outros. Ao retornar para sua moradia espera-se que o indivíduo encontre um lugar e, de fato, é o que se observa. No entanto, cabe a reflexão a respeito da vivência do entorno de sua moradia, seu bairro e sua cidade. Que problemas esta vivência fragmentada do espaço urbano pode causar? As cidades dormitório sofrem com a falta de investimentos e muitas vezes a própria população não está atenta às suas carências, pois trabalhar, estudar, ter lazer na cidade polo pode gerar uma ilusão de que há serviços e infraestrutura disponíveis, quando na realidade os recursos limitam-se ao polo. Quem permanece na cidade de dormitório fica com o ônus. Desta forma, mesmo com possibilidade de participar ativamente das melhorias de seu bairro ou cidade (por meio de associação de moradores, orçamento participativo, audiências públicas, etc.) o indivíduo que não vive sua cidade é limitado, pois seu lugar (casa) localiza-se

em um não-lugar (cidade dormitório), logo, dificilmente estará atento às necessidades do espaço urbano em que está inserido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tem-se no ambiente urbano o local em que as relações humanas se estabelecem de forma mais incisas na contemporaneidade. Tais relações são permeadas por fatores de diferentes ordens, tais como cultura, a política, as relações de poder e também o sentimento de pertença que transpassa o citadino que tem o foco de sua existência, por vezes, repartido entre o lugar que escolheu ou que lhe foi dado como única alternativa pela sociedade atual e o lugar em que efetivamente se coloca como cidadão, exerce os atributos da existência de forma ampla e plena. Tais relações assumem papel de destaque quando observadas à luz dos conceitos de cultura, oriunda da antropologia, e de lugar e não lugar. Entender o contexto social vivenciado pelos cidadãos habitantes das cidades dormitórios e sua relação com a cidade polo diante da formação de conurbações e periurbanizações pressupõe uma análise crítica da realidade, de forma a se considerar o sentimento de pertença por vezes esvaziado no que se refere aos habitantes da cidade dormitório, que, igualmente, buscam e acabam por encontrar sentido em suas relações sociais justamente na cidade polo. Esta situação pode implicar que reste prejudicado o convívio social e o exercício da cidadania pelo indivíduo inserido neste contexto – pois observa-se que tal pessoa não vivencia de forma completa e profunda a cidade que em que mora e tão pouco consegue experimentar toda a intensidade das relações estabelecidas com a cidade polo. Importa salientar a função importante a ser desenvolvida pelo planejamento urbano, tendo em vista, que são necessárias ações e políticas públicas integrativas, capazes de atender

as demandas oriundas desta situação, de forma a proporcionar aos indivíduos, habitantes da cidade polo, menor dependência da cidade dormitório, e, também, se otimizar o acesso e a mobilidade daqueles que estão vivenciando tal processo.

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