\" Educar meninos e meninas, construir homens e mulheres. Sociabilidade familiar e identidade de género numa aldeia Beirã \"

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“Educar meninos e meninas, construir homens e mulheres. Sociabilidade familiar e identidade de género numa aldeia Beirã”

Licenciatura em Antropologia Unidade Curricular Antropologia Portuguesa Contemporânea Docente Paula Godinho Discentes André Pinto, 41290 Maria Inês Cid, 41448 2015/2016

Índice 1.

2.

Introdução ............................................................................................................................ 5 1.1.

Dornelas do Zêzere ...................................................................................................... 7

1.2.

Género e Parentesco: Considerações Teóricas ....................................................... 10

1.3.

Construção do Terreno ............................................................................................. 17

1.4.

Considerações Metodológicas................................................................................... 19

História(s) de Família. “Como se constroem meninos e meninas” ............................... 22 2.1.

“O meu filho não me aparece grávido em casa”..................................................... 22

História de Vida e Família de C ............................................................................................. 22 2.2.

“As mulheres para a vida de casa e para cuidar dos filhos” ................................. 25

História de Vida e Família de F.............................................................................................. 25 2.3.

“Mulheres em casa, homens na rua” ....................................................................... 28

História de Vida e Família de J .............................................................................................. 28 3.

Notas conclusivas e Perspetivas ....................................................................................... 32

4.

Fontes e Bibliografia ......................................................................................................... 34

I.

ANEXOS ............................................................................................................................ 36 i. Quadros ............................................................................................................................... 37 Quadro 1.. .......................................................................................................................... 37 Quadro 2. ........................................................................................................................... 37 Quadro 3.. .......................................................................................................................... 37 Quadro 4.. .......................................................................................................................... 38 Quadro 5.. .......................................................................................................................... 38 Quadro 6. . ......................................................................................................................... 38 ii. História de Vida e Família do Embaixador Artur Dias Nogueira ................................ 40 iii. Árvores Genealógicas ...................................................................................................... 42 a.

Árvore Genealógica da família nuclear de C .......................................................... 42

b.

Árvore Genealógica da família alargada/extensa de C .......................................... 43

c.

Árvore Genealógica da família nuclear de F .......................................................... 44

d.

Árvore Genealógica da família alargada/extensa de F .......................................... 45

e.

Árvore Genealógica da família nuclear de J ........................................................... 46

f.

Árvore Genealógica da família alargada/extensa de J ........................................... 47

g.

Árvore Genealógica da família alargada/extensa de Artur Dias Nogueira .......... 48

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iv. Imagens ............................................................................................................................. 49 v. Fotografias ......................................................................................................................... 50

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Agradecimentos Desejamos em primeiro lugar agradecer à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, instituição de ensino que nos permitiu a realização deste projeto, na pessoa da docente Paula Godinho. Agradecemos também à Junta de Freguesia de Dornelas do Zêzere, na pessoa do Senhor Presidente Joaquim Isidoro, por todo o apoio e acolhimento prestado durante a estadia e realização deste projeto. O nosso mais profundo agradecimento é devido à população da aldeia (onde incluímos o lugar de Maxial), pela simpatia, disposição, hospitalidade, cuidado e ajuda ao longo dos 10 dias, em especial às famílias que retratamos neste projeto pela sua disponibilidade e receção calorosa. Devemos também um especial agradecimento ao senhor Manuel, por ser o nosso guia, à dona Bárbara, por ter cuidado da nossa roupa, ao senhor César, pela visita às Minas da Panasqueira, à dona São, por nos levar a provar as iguarias que produz no forno comunitário, à Célia, pelos serões e pela ajuda na inclusão na comunidade, por fim, à família do senhor Presidente, pelo almoço no dia de Páscoa. André e Maria

Margem do rio Zêzere (Dornelas do Zêzere)

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1. Introdução Esta investigação foi realizada no âmbito da unidade curricular de Antropologia Portuguesa Contemporânea, lecionada pela docente Paula Godinho, na qual nos foi proposto realizar uma pesquisa em trabalho de terreno sob a temática do parentesco. Assim, desenvolvemos o nosso trabalho em Dornelas do Zêzere, Pampilhosa da Serra, durante a pausa letiva da Páscoa – entre 19 de 28 de Março de 2016. O nosso principal objetivo passou por compreender qual a influência da sociabilidade familiar na construção e perpetuação das construções de identidade de género, tendo em conta que as mesmas assumem extrema importância no quotidiano dos indivíduos e comunidades, na sua dimensão relacional mas também na sua organização, produção e reprodução. Assim, partindo do pressuposto teórico que a identidade de género é uma construção social pré-nascimento, suportada por instituições como o estado, a igreja, a educação uniformizada ou os meios de comunicação, será a sociabilidade familiar, neste contexto da Beira, tão ou mais vinculativo que outras “educações de género” a que os indivíduos são expostos e subordinados ao longo da vida? Serão os valores transmitidos às gerações seguintes fulcrais nesta “moldagem” social, identitária, emocional e corporal? A hipótese de que partimos advém, além da base teórica que fomos adquirindo ao longo da nossa formação antropológica, principalmente do seu contraste com a realidade que nos rodeia. Numa sociedade – portuguesa – que se afirma legal e constitucionalmente igualitária, incluindo em questões de género, é possível verificar-se desigualdades flagrantes, relacionadas com a comparação entre remunerações por iguais funções no meio laboral, acesso a determinados empregos, situação de desemprego, rácio de casos de violência doméstica, entre outras situações visíveis diariamente em que a distinção de género convive tranquilamente no seio da sociedade portuguesa. Desta forma, pretendemos, através da nossa pesquisa de terreno e teórica, responder

a

estas

questões,

reconhecendo

as

dificuldades

encontradas:

os

constrangimentos de género em relação à recolha de informação, a dificuldade de inserção na comunidade e o curto período da estadia.

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A nossa investigação abordou três histórias de família, a partir de ego, e da sua perspetiva sobre a mesma. Assim, a partir das memórias familiares tentámos compreender de que forma se construíram, ao longo da vida, as relações familiares informais deste indivíduos, tentando alcançar e compreender a sua influência na construção das identidades de género. Nesta ótica, tentaremos revelar, não só através da oralidade, mas das práticas observadas, as diferenças existentes dentro de cada família – relacionadas com a educação quotidiana e social, assim como a divisão de tarefas de produção e reprodução exercida dentro de casa/fogo.

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1.1.

Dornelas do Zêzere

Dornelas do Zêzere, freguesia pertencente ao distrito de Coimbra e concelho de Pampilhosa da Serra (Beira Interior), situa-se no extremo Este do mesmo, disposta na margem direita do rio Zêzere, fazendo fronteira com o concelho de Fundão. Localizada numa zona montanhosa de vales, rochas e rios – zona serrana - Dornelas caracteriza-se pela sua beleza natural criada pelo vale do rio Zêzere, onde é possível vislumbrar altas escarpas, lembrando uma livraria cravada na pedra, fruto da ação dos elementos e fatores climáticos, sendo ainda possível ver o alto da torre da Serra da Estrela. Sede de freguesia formada pelos lugares de Adurão, Carregal, Machial, Pisão, Selada da Porta e Portas do Souto, Dornelas considera-se a si mesma como a aldeia mais “evoluída” em serviços e meios de produção das redondezas, equiparando-se até com Pampilhosa da Serra. Dornelas é constituída por 260 habitações, sendo que apenas 170 estão habitadas em permanência devido à alta taxa de migração, geralmente para a Suíça, França e Canadá. Atualmente alberga vários edifícios e instituições de assistência social, incluídas na Associação de Solidariedade de Dornelas do Zêzere, como é o caso do Lar de 3ª Idade, o Centro de Dia, o Jardim Infantil e o CAT (Centro Acolhimento Temporário) – maioritariamente empregado por mulheres e onde existem carrinhas que fazem o transporte das crianças para toda a freguesia. Para além disso possui ainda uma Escola Básica, uma farmácia, um posto médico aberto semanalmente, um moderno e altamente equipado edifício da junta de Freguesia, que contém em si um salão de festas para a comunidade, espaço cidadão com wi-fi grátis e uma casa de turismo. Em termos comerciais e espaços de sociabilidade tem dois minimercados, três cafés (um dos quais com minimercado e outro da Associação Desportiva), um restaurante e um multibanco. O património cultural é composto pela Igreja Matriz, adornada por uma imponente talha dourada, a Capela de S. Miguel, uma Ermida, um miradouro, uma ponte (que liga o distrito de Coimbra e de Castelo Branco), um Museu Etnográfico, um forno comunitário, vestígios de um forno secular, tanques e lavadores, assim como um moinho privado recentemente reconstruído na quinta de um habitante. Tem ainda várias

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fontes ao longo da aldeia, possibilitadas pela travessia das duas ribeiras (“de Dornelas” e “dos piolhos”) que desaguam no rio Zêzere, assim como uma praia fluvial recentemente construída e modernizada. Muito ligada à produção agrícola e ao gado, atualmente a aldeia tem apenas pequenos produtores de milho, mel, vinho, hortaliças e cabras para consumo próprio, geralmente geridas pelas mulheres. A sua proximidade com as Minas da Panasqueira (uma das maiores minas de volfrâmio da Europa), ainda hoje em funcionamento, empregando cerca de 300 funcionários, foi e é um dos fatores de produção e desenvolvimento na zona adjacente, permitindo que muitos homens se conseguissem empregar na zona. A migração continua a ser um fator preponderante na história do contexto. A partir dos anos 2000, dá-se então um retorno generalizado de muitas pessoas que tinham saído do país nas décadas de 1960, 70 e 80, trazendo consigo para a aldeia os recursos ganhos. Na perspetiva dos antigos migrantes, regressados no final do séc. XX, esse regresso decorre de um “engano” relativamente ao estado socioeconómico português – levando, em alguns casos, ao retorno. Relativamente à juventude, e como acontece em muitos dos meios rurais do centro do país, aqueles que continuaram os seus estudos acabaram, geralmente, por se fixar fora da aldeia. Em comparação, os que não prosseguiram uma carreira académica foram-se mantendo na aldeia ou nas freguesias adjacentes, construindo as suas casas e constituindo família. Além disso, como referido pelo Presidente da Junta de Freguesia, Joaquim Isidoro, Dornelas do Zêzere é uma aldeia que se caracteriza pelo facto de não existir desemprego (pelo menos parcialmente), uma vez que na “terra” existem trabalhos suficientes para quem ali se quer empregar, principalmente nas instituições da Associação (“para as mulheres”) e na construção civil (“para os homens”). Vinca ainda o sentido comunitário da aldeia, associando-o à interajuda entre os habitantes e ao esforço de inclusão de todos os indivíduos. Relativamente aos grupos sociais podemos considerar a existência de uma amplo grupo social que viveu, nas últimas décadas, uma modificação socioeconómica positiva na sua vida, principalmente devido ao impulso económico que as minas e a

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empregabilidade generalizada originaram. Por outro lado, os emigrantes, o presidente da Junta de Freguesia, a família Dias Nogueira (que abordaremos) e benfeitores como Maria Virgínia Antunes, edificadora da Associação que a população aclama, são vistos como o grupo social mais prestigiado e abastado. A não visibilidade de um grupo mais desfavorecido altamente declarado advém, possivelmente, do sentido comunitário e de entreajuda da população, assim como do acolhimento, por parte do Lar e Centro de dia, da população mais idosa e, muitas vezes, mais empobrecida. Quanto aos grupos profissionais, também aqui se pode dividir em dois, essencialmente por género: as mulheres, que se empregam, geralmente, no lar, nas escolas e na creche; e os homens que trabalham na construção civil ou nas minas. As pessoas de Dornelas pautam o seu discurso pelo passado muito relacionado com as minas e o trabalho mineiro, que podemos relacionar com o espirito comunitário, muito visível no discurso do Presidente que “apresenta a aldeia”. São pessoas geralmente reservadas e um pouco conservadoras. No entanto, após o nosso embrenho no terreno, as reservas desvaneceram-se, demonstrando a sua hospitalidade, simpatia e acessibilidade.

Assinalado a vermelho Pampilhosa da Serra http://terrasdeportugal.wdfiles.com/local-files/ilustrar%3Amapas/pampilhosa-da-serra.png

Freguesias de Pampilhosa da Serra (no canto superior direito Dornelas do Zêzere) http://patrimoniopampilhosa.com.sapo.pt/images/9864613003acc347408619.gif

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1.2.

Género e Parentesco: Considerações Teóricas

O estudo do parentesco, embora recentemente negligenciado pela antropologia, assume extrema importância na compreensão do social através de uma visão holista. A dimensão do parentesco permite compreender dimensões como o sociopolítico, o económico, relações de poder e, neste caso, as relações de género. Apresentando-se enquanto uma dimensão estruturante da organização social, essa relevância advém das relações sociais preponderantes que estabelece. As relações de parentesco instituídas e construídas socialmente oferecem posição social aos indivíduos, incluindo-os num grupo em relação a outros, assumindo uma função social vital, através da constituição de grupos de apoio. O parentesco situa o indivíduo, oferece-lhe um lugar, direitos e deveres. “Ao regulamentar os comportamentos, o parentesco regula a vida social” (Ghasarian, 1996). É fulcral também evidenciar que os laços de parentesco, além de sanguíneos, poderão ser de aliança – como o casamento. A união matrimonial levanta muitas outras questões, como a partilha (ou não) de propriedade com os parentes não consanguíneos. (O’Neill (1984 [2012]). Segundo Lévi-Strauss (1969), a família apresenta-se enquanto um grupo social que tem origem no casamento – união legal com direitos e obrigações. A família constitui-se, então, com base no parentesco. É importante esclarecer aquilo que, neste texto, a partir dos exemplos apresentados, assumimos enquanto família. Denominamos família nuclear enquanto casal unido pelo matrimónio e os respetivos filhos – habitando na mesma casa. Não incluímos família monoparental ou sem filhos pelo facto de não analisarmos nenhum caso nesses moldes. Na família extensa decidimos incluir a família nuclear e a extensão de parentes que os próprios indivíduos (ego) consideram enquanto parentela. Devido ao cruzamento entre famílias extensas dentro do contexto da aldeia, algumas das genealogias que elaborámos estabelecem-se em continuidade – embora não as consideremos enquanto a mesma família extensa, por não ser essa a classificação dos indivíduos.

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Ao partir do conceito de família, é importante também abordar a casa enquanto unidade social primária, protótipo de subsistência (Pina Cabral, 1989) e princípio de segurança prioritário – unidade de produção e reprodução. É a partir do olhar sobre o parentesco, e mais especificamente da família, que nos propomos tentar compreender qual a influência da sociabilidade familiar, neste contexto da Beira, para a construção e perpetuação de construções de género, tendo em conta que as mesmas assumem elevada importância na vida quotidiana prática e relacional das sociedades, na sua organização, reprodução e produção. É de salientar a diferença entre sexo e género. Identificamos o sexo enquanto uma categorização a partir de traços fenotípicos, e o género como a elaboração cultural do sexo, uma construção social e cultural criadora de categorias (Almeida, 1995: 128) – sendo o sexo a base biológica para a distinção simbólica de género (Bourdieu, 1998). Vale de Almeida recorre a Strathern (1988) e à sua noção de género: “entendo género por as categorizações de pessoas, artefactos, eventos sequências, etc., que se baseiam numa imagética sexual, nos modos como o caracter distintivo das características macho e fêmea concretizam as ideias das pessoas acerca da natureza das relações sexuais” (tradução livre). Define ainda “modelo ou discurso de género” enquanto o conjunto de ideias que informam a atividade de cada género num contexto. No processo de construção social do género (Almeida, 1995: 151), as categorias de perceção são construídas em torno de oposições que remetem para a divisão sexual do trabalho. A partir do conceito de género que pretendemos trabalhar, consideramos a existência de uma identidade de género construída, de igual forma, cultural e socialmente, assim como proliferada, através de variados mecanismos, que incutem nos indivíduos determinada forma de estar e olhar o mundo, como o estado, a igreja, a escola ou a família. No contexto, uma identidade feminina e outra masculina. Almeida (1995:136) considera o parentesco e o casamento como formas privilegiadas para a produção e reprodução da ideologia de género. Tal acontece por serem “estruturas de prestígio”.

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Esta divisão entre “sexos” – baseando-se o discurso na diferenciação biológica dos corpos – está normalizada e naturalizada, e dessa forma inquestionada no contexto. Está, assim, também impregnada em todo o “estado de coisas”, em todo o mundo social e material de Dornelas, incorporada nos corpos, habitus (Bourdieu, 1998), funcionando como quadro analítico e de perceção do mundo, de pensamento e ação dos indivíduos – sendo uma conceção genericamente partilhada por todos, observando-se apenas variações relacionadas com a idade. A elaboração de uma identidade de género é, então, um processo de construção simbólica (Bourdieu, 1998), refletido em práticas simbólicas (Almeida, 1995: 137/138), tais como gestos e ritos. Os requisitos mobilizados para a construção dessa identidade (Almeida, 1995) não se encontram apenas ao nível corporal, mas mobilizam todos os níveis do social: família, escola, trabalho, prestigio ou status, “classe social”, idade, linguagem verbal e gestual, etc. Esta identidade de género é apreendida pelas crianças na fase edipiana (Almeida, 1995), em que a criança assimila as regras e tabus do parentesco, relacionadas com as questões de género. Além desta fase de aprendizagem social, entendemos que a mesma se perpetua até à fase adulta, através da inclusão em sistemas uniformizados como a escolaridade obrigatória e, não menos importante, na aprendizagem familiar sobre as relações sociais ao longo das variadas fases da vida – de como é exemplo os códigos de conduta e valores que são passados aos jovens na “fase do namoro”. Bourdieu considera que esta incorporação e a sua aprendizagem, que se reflete socialmente, se constrói através de instituições como a escola, o estado ou a igreja – mas também a família: “(…) é, sem duvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão do trabalho e da representação legitima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem” (Bourdieu, 1998: 103). É esta a dimensão que mais focaremos, através da sociabilidade familiar e da educação imposta às crianças e jovens – e outros dependentes em idade apta à socialização extrafamiliar – e da sua importância na multiplicação da identidade de género geração após geração.

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Bourdieu aborda, neste ponto, questões que foram facilmente observáveis por nós: o aconselhamento ao recato feminino e à investidura masculina, à delicadeza em contraponto à heroicização. No caso das mulheres, a educação conferida direciona o seu comportamento a uma posição subordinada às formas de poder – como o homem/marido/patrão -, assim como o seu cuidado enternecido. “A sociabilização diferencial predispõe os homens a amar os jogos de poder e as mulheres a amar os homens que os jogam” (idem, 1998: 98). A partir desta construção de identidade de género, e da explicitação da sua apreensão social e familiar, advogamos a existência de um conceito de “ser mulher” e “ser homem” em Dornelas. Sob estes conceitos existem expectativas coletivas diferenciadas (Bourdieu, 1998, a partir de Marcel Mauss), inscritas na fisionomia do ambiente familiar, sob a forma de oposição entre o universo público – masculino – a rua, e o universo privado – feminino – a casa. Nos espaços masculinos, como o café, a praça, a “avenida” prevalecem valores de dureza e rudeza viril; e nos femininos valores como fragilidade, sensibilidade e frivolidade. Além das diferentes expectativas comportamentais, é de salientar a impregnação da distinção entre géneros, baseada no sexo, no senso comum (Bourdieu, 1998: 45), assim como a representação androcêntrica da reprodução biológica e social. Mesmo as próprias mulheres aplicam este quadro à sua prática quotidiana, perpetuando este senso de dominação. Tal é visível nas decisões quotidianas ou domésticas – como a cozinha dedicada aos gostos do marido, a preparação da casa “a seu gosto”, e todas as construções diárias sem ponderação da sua própria opinião, em prol do homem. Porém, é necessário não ignorar as construções sociais de resistência, elaboradas entre mães e filhas, mulheres e cunhadas ou irmãs – no delineamento de estratégias para “melhor lidar” ou “escapar” à dominação imposta, “produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução” (idem, 1998: 46). A dominação masculina (Bourdieu, 1998) produz um efeito simbólico, que se exerce através dos esquemas de perceção avaliação e ação dos indivíduos, constituindo o habitus, e sendo “espontânea e extorquida”, reflete-se em “efeitos duradouros” que a ordem social exerce sobre as mulheres e homens, ou seja, “disposições

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espontaneamente harmonizadas”. Este habitus, enquanto disposição, é inseparável, então, das estruturas que o produzem e reproduzem. Esta visão dominante masculina, e portando inquestionada, exprime-se também nos objetos e práticas da vida material (Almeida, 1995: 150), como a estrutura do espaço, divisões da casa, organização do tempo, práticas técnicas e rituais do corpo, posturas, maneiras, verbalizações, entre outros. O corpo e a sua modelação postural adquirem extrema importância na construção desta identidade de género. Definimos, então, “ser mulher” enquanto uma postura resguardada, submissa (ao homem/pai/marido), serena, tímida, recatada, relacionada com atividades domésticas, com preponderância da casa, sociabilidades com parentes femininos e dentro do espaço doméstico, e dedicada a profissões vistas como mais “sensíveis”: o trabalho nas instituições do lar, relacionada com causas sociais e cuidado dos outros trabalhos minuciosos e habilidosos como a produção têxtil. O cuidado dos filhos, criar “bons filhos” apresenta-se, socialmente, como a tarefa preponderante da vida de uma mulher. Como nos diz Sally Cole (1994: 99), “mulher trabalhadeira”, laboriosa, poupada e habilidosa na gestão dos recursos familiares (…)”. Na divisão do trabalho, as mulheres tinham controlo sobre a distribuição dos recursos da casa. Os períodos de emigração masculina intensificavam ainda mais o papel dominador das mulheres no governo da família” (idem, 1994: 105). No seu papel religioso, a mulher assume também importância, na gestão das atividades religiosas como prolongamento do seu papel de gestoras familiares (Cole, 1994: 120). É visível, nestas atividades, a preponderância da presença feminina, sendo a igreja um local profundamente dividido espacialmente em termos de género. “Ser homem”, pelo contrário, passa por admitir uma postura altiva, eufórica, dominadora, de força e afirmação. A sociabilidade é construída em espaços como o café do clube (para os mais velhos) e “da D. Virgínia” (para os mais novos), em jogos de cartas (e de poder), de desafio; na rua, como os bancos e jardins públicos, ou as paragens de autocarro. No ambiente doméstico o homem assume apenas as tarefas de força. A “virilidade” (Bourdieu, 1998: 67) é uma noção eminentemente relacional,

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construída perante outos homens, para outros homens e contra a feminilidade, vista como ameaça. A postura física feminina prima pelo fechamento: cabeça baixa, costas encurvadas, pernas cruzadas, olhar direcionado abaixo do olhar masculino – submissão. A masculina, pelo contrário, prima pela abertura: cabeça erguida, costas direitas e peito aberto, pernas abertas, olhar direcionado em frente e acima do olhar feminino – dominação. “Os princípios antagónicos das identidades feminina e masculina inscrevem-se, assim, sob forma de maneiras permanentes de se servir do corpo (como o ato sexual), ou de manter a postura, eu são como que a realização, ou melhor, a naturalização de uma ética” (Bourdieu, 1998). A partir das entrevistas realizadas tentámos delinear o conceito de “boa mulher”, evocado por C, enquanto o protótipo de “mulher/esposa/mãe perfeita”, na sua ótica. A “boa mulher” teria, então, características como o cuidado perfeccionista da casa, da sua limpeza, a tarefa de “alimentar” a família, de educar os filhos e passar-lhes os valores aceites pela sociedade, suportar a continuidade da família e a sua felicidade. Esta mulher não adquire o seu valor pela sua vida profissional, mesmo que de sucesso (como é o caso de J, que não exclui a hipótese de descer no seu patamar profissional para a acompanhar o futuro marido nos seus projetos profissionais). As mães têm o papel de reproduzir este papel na educação das suas filhas, “ensinar a filha a ser uma boa mulher” (C.), assim como de ensinar o filho a encontrar uma “boa mulher” para casar. Nesta ótica, a preponderância do papel da mãe na educação dos filhos, sendo a mãe impregnada destes valores, perpetua-os eficazmente através da educação social dos filhos. Podemos observar, então, que este “protótipo” em pouco altera a ideologia repercutida pelo Estado Novo, mesmo tendo passado 40 anos sob o 25 de Abril. É necessário salientar que, apesar dos valores passados aos jovens, até uma altura mais tardia do que aconteceu com os seus pais, por casarem mais tarde e, consequentemente, saírem de casa dos pais mais tarde, estes têm uma repercussão dupla. Esses valores são perpetuados dentro da ação individual e coletiva dentro da aldeia. Porém, podemos concluir que existem (se não mais) dois espaços distintos de interação em que os valores que aqui abordámos se manipulam: os valores que moldam

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a ação na aldeia não são os mesmos visíveis em contextos como aqueles para os quais vão estudar, inseridos numa comunidade de jovens, em que a sua postura se altera. Mesmo dentro da aldeia, é possível observar uma separação menos rigorosa entre os grupos de jovens no café, principalmente nos períodos noturnos, em comparação com os seus pais e avós.

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1.3.

Construção do Terreno

Espacialmente, delimitamos o nosso terreno como a área geográfica habitada de Dornelas do Zêzere, enquanto sede de freguesia.1 Após a inclusão no terreno, compreendemos que a diferenciação que fazíamos entre o lugar de “Dornelas” e “Maxial” não era verbalizado pela comunidade. Como tal, decidimos incluir no nosso terreno de estudo este lugar, anexo e em continuidade geográfica com a sede de freguesia, sem placas ou barreiras físicas de diferenciação. A escolha de um informante chave do Maxial conduziu também a esta decisão. Este contexto da Beira Interior portuguesa é fortemente influenciado por uma ruralidade que está, gradualmente, a ser remetida para segundo plano económico – devido às novas formações, profissões e, principalmente, pela localização próxima às Minas da Panasqueira. Temporalmente, encontramos dois momentos: o atual, em que as entrevistas e a permanência no terreno se desenrolaram, e onde é possível remeter para um tempo anterior, de memória, através da reflexão sobre a história de família de ego(s). Observando a história social da aldeia, é possível delinear cinco momentos distintos. Um primeiro, que compreende o período anterior ao final do séc. XIX e até surgimento das Minas da Panasqueira - marcado pela ruralidade. Um segundo corresponde exatamente à empregabilidade massiva dos homens da aldeia para trabalhar nas Minas – que transforma esta ruralidade num cruzamento com a indústria: a ruralidade seria cuidada pelas mulheres, tornando-se o homem operário – que se situa entre o final do séc. XIX e os anos 1960 e 70 do séc. XX – sociedade agro-industrial. No entanto, na nossa perspetiva, a ruralidade e a modernidade não são, neste contexto, facilmente delineáveis, devido à presença das Minas da Panasqueira e à sua empregabilidade de bastantes homens da aldeia desde o final do séc. XIX, assim como ao desenvolvimento económico e tecnológico que permitiu nas áreas circundantes. Seguidamente, observamos o período entre as décadas de 60 e 70, marcadas pela forte emigração, principalmente de homens, deixando as suas famílias em Dornelas, 1

A caracterização socioeconómica do contexto estudado encontra-se em anexo. Subcapítulo i.

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para Suíça, França e Canadá2, na sua maioria – até aos nos 1980 e 1990, com a criação da Associação de Solidariedade de Dornelas do Zêzere, que transforma o mercado de trabalho da Aldeia. A emigração, maioritariamente masculina, em busca de melhorias de vida devido à redução de operários mineiros é colmatada pela empregabilidade feminina trazida pela criação de instituições como a escola, o lar ou a creche. Num quarto período – entre os anos 80/90 e o início do século XXI (anos 2000) – é possível verificar alterações profundas na comunidade, principalmente com o regresso de muitos homens e famílias emigradas. As melhorias das condições de vida, devido à empregabilidade feminina e às remessas da emigração levaram a que alguns jovens pudessem concluir as suas formações académicas. São estas alterações que conduziram àquele que consideramos o quinto momento: a atualidade, marcada pelas alterações associadas ao aumento da formação, às melhores condições de vida, às migrações para a cidade e ao envelhecimento da população residente.

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Dados sobre a emigração em anexo – Ver “Quadros” com dados dos Censos 2011.

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1.4.

Considerações Metodológicas

A metodologia utilizada limitou-se ao tempo da estadia, de 19 a 28 de Março, e aos constrangimentos encontrados no terreno. Inicialmente desenvolvemos observação direta nos espaços de sociabilidade da aldeia – cafés, ruas e espaços públicos como a Igreja – de forma a conhecer a comunidade e encontrar os nossos gatekeepers (Manuel e Célia), desenvolvendo posteriormente um encadeamento de informantes em bola de neve. A partir do contacto com alguns membros da comunidade, iniciámos a observação participante, através da imersão no quotidiano da comunidade – observando, conversando a participando. Convivendo com as pessoas mais velhas durante a manhã e a tarde, no “Café do Clube”, nos locais comunitários como o forno, na paragem de autocarro, em simpáticos passeios pela aldeia e locais próximos, guiados pelos nossos informantes. Com os grupos mais jovens desenvolvemos esta metodologia ao fim da tarde e à noite, no Café “Estrela da Noite”. Tentámos então inserirmo-nos no quotidiano da comunidade, recorrendo a locais de memória familiares de forma a “reavivar” recordações. A escolha temporal decorreu da compreensão da dinâmica da aldeia: os mais velhos, geralmente reformados, circulam ao início do dia e após o almoço; enquanto os mais novos circulam apenas após o horário laboral e à noite. Esta dinâmica acentuou-se, para as gerações mais novas, devido à interrupção letiva. Após a escolha dos três informantes chave, representantes das três famílias, desenvolvemos entrevistas etnográficas não diretivas e informais (Spradley, 1979), com o objetivo de construir as suas histórias de família (Cabral e Lima, 2005). Uma “metodologia de contextualização social de pessoas”, abandonando as histórias de vida individualizantes, oferecendo assim um enquadramento a “ego”, uma contextualização sociocultural, que nos permitiu compreender os contextos de sociabilidade, constrangimentos, percursos e projetos de ego, e a sua transformação ao longo do tempo, relacionada com a história de família. O que obtemos, então, é o universo familiar de ego, construído pelo mesmo através das memórias e da sociabilidade, recorrente ou não, com os restantes indivíduos que inclui na sua rede – é então essa a história de família que recolhemos: da perspetiva de ego.

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A escolha destes informantes seguiu critérios da investigação: tinham que ser de uma família nuclear que morasse ou tivesse morado em Dornelas, teriam eles mesmos que habitar na aldeia, a sua família não poderia ser monoparental, e de preferência o relacionamento com a família extensa seria habitual. Decidimo-nos por três informantes chave que representam três famílias, com três gerações diferenciadas, assim como a experiência de vida em termos laborais. As entrevistas realizadas foram entrevistas etnográficas não diretivas e informais, construídas “como conversas”, e o uso do gravador foi dispensado devido à perceção do mesmo enquanto uma barreira na recolha de informação. As mesmas foram desenvolvidas em duas ou três fases, dependendo da disponibilidade de informante, e com o seguinte encadeamento: a primeira entrevista caracterizou-se por questões descritivas, e a segunda/terceira por questões estruturais e de contraste (Spradley, 1979). A explicação da nossa investigação foi sempre explanada, embora a sua forma variasse em função da escolaridade e consequente compreensão da nossa intenção em penetrar o “íntimo” da família do informante. Através das entrevistas tentámos elaborar a história de família a partir da informação de ego – informante chave. Apesar da sua perspetiva, sempre que possível realizámos entrevistas coletivas com a restante família presente. Num dos casos tal foi possível devido ao regresso dos migrantes para as celebrações pascais. Olhando estas três famílias enquanto pertencentes à comunidade local, decidimos eleger uma família para realizar uma comparação em termos sociais e económicos. Para tal recorremos apenas a dados bibliográficos cedidos gentilmente, com os quais tentámos elaborar uma história de família que permitisse o contrapondo entre a comunidade e um grupo social mais privilegiado, escolarizado, e considerado erudito. Os principais constrangimentos que sentimos relacionam-se, não estranhamente, com questões de género. Ao longo da investigação fomos percebendo que a informação recolhida seria diferente se fosse a aluna ou o aluno com as mulheres ou os homens. De facto, muito mais dados seriam revelados se fosse a rapariga a encontrar-se com as mulheres e o rapaz com os homens. Assim decidimos, em alguns momentos, realizar entrevistas separados ou mesmo fazer observação participante em diferentes locais. É de

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notar que estes constrangimentos são agudizados à medida que a idade dos informantes aumenta. A dificuldade inicial prendeu-se com a inclusão no terreno, devido à temática de estudo que nos conduziu a contexto. Dentro de uma aldeia do interior português, dois estudantes olhados como vindos da “grande cidade” nem sempre foram bem vistos com as suas intenções de questionar a vivência familiar de indivíduos que todos conhecem, mas que nem todos querem que os conheçam. A explicação do anonimato na etnografia enquanto produto final ofereceu-nos alguma proteção para a desconfiança da publicação de dados tão pessoais como as relações familiares. Assim, são usadas apenas as iniciais dos indivíduos.

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2. História(s) de Família. “Como se constroem meninos e meninas” 2.1.

“O meu filho não me aparece grávido em casa” História de Vida e Família de C

C tem 31 anos (1985). Nasceu em Dornelas, onde viveu sempre com a sua família nuclear: os pais e o irmão mais velho (1976). É casada desde 2012, relação de onde nasce a filha, em 2014.3 A sua família paterna é do Carregal, lugar a cerca de 2km da sede de freguesia. Já a materna é de Dornelas – o que conduziu a uma maior sociabilidade com esta, morando em casas anexas: “foram segundos pais”. Hoje em dia habita por cima da casa dos seus pais, juntamente com o marido e a filha. A sua mãe era doméstica tendo trabalhado, enquanto emigrada, na restauração e num Cento Comercial. O pai trabalhava na construção civil, continuando a sua atividade na Suíça. Hoje em dia a mãe está reformada, visitando regularmente o marido. Emigrou com os pais para a Suíça, em 1992, juntando-se o irmão em 1994 – tendo regressado em 1999, continuando lá o pai. Estudou assim, até ao 8º ano na escola Suíça. Quando regressou, foi para o Fundão, onde concluiu o 12º ano, numa área profissional tecnológica, e realizou o estágio profissional. Regressou à aldeia, foi voluntária numa das instituições da Associação e trabalha, desde 2004, num estabelecimento comercial/de restauração da aldeia. C retrata a sua infância de duas formas distintas. Enquanto morava em Portugal, retrata um ambiente rural, relacionando-se de forma muito próxima com os avós maternos, e referindo-se aos paternos apenas em ocasiões esporádicas e festivas. Porém, relatando um conceito de parentesco e família mais alargado, onde incluiria relações com a família extensa. Na Suíça refere diferenças culturais e de educação, assim como

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A árvore genealógica da família alargada/extensa encontra-se em anexo. Subcapítulo iv.

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uma sociabilidade de família nuclear, onde inclui como “família de lá” a família de F, que habitava no prédio ao lado do seu, e cujas mulheres trabalhavam juntamente, gerando um contacto recorrente. Podemos então abordar o conceito de vizinhança residencial (Cabral e Lima, 2005: 369), em que os laços de proximidade residencial se cruzam com o parentesco e com a inserção de classe resultando numa complexificação, neste caso expansível, das fronteiras entre vizinhança e parentesco. Ao abordar a infância, em contraste com a do seu irmão relembra brincadeiras com bonecas na companhia das amigas em casa umas das outras; enquanto o irmão brincava na rua com amigos a apanhar grilos, fazer baloiços nas árvores, construindo e desconstruindo coisas – onde podemos refletir o espaço doméstico reservado ao género feminino e a rua reservada aos homens. Na sociabilidade escolar não existiam grandes diferenças entre os dois países: em ambos era feita maioritariamente com outras raparigas, em atividades semelhantes, tais como jogar ao elástico, com as bonecas, simulando atividades femininas adultas, como o uso de roupa e sapatos da mães, brincar “aos pais e às mães”, etc. Porém, na Suíça existiam aulas direcionadas às atividades domésticas, em que as raparigas aprendiam costura e os meninos trabalhos manuais – refletindo Bourdieu na importância da instituição escolar na perpetuação e incorporação da diferenciação de género. Esta história de vida demonstrou-nos, de certa forma, o papel que a mulher deverá ter, socialmente instituído, nestes meios mais rurais e onde, por norma, as mentalidades conservadoras se perpetuam durante um período mais longo. Como foi possível perceber durante a entrevista, C foi “habituada” desde muito nova a ter de cuidar de si e ajudar a mãe nas tarefas ditas domésticas. Apesar da sua mãe ter ensinado os dois filhos a cozinhar, era C quem normalmente realizava essa tarefa. A sua mãe queria ensinar-lha a ser uma “boa mulher”. É de salientar que existiam diferenças na divisão de tarefas entre Portugal e a Suíça. Em Dornelas, pelo facto de a mãe ser doméstica, era a mesma que desempenhava todas as funções de cuidado da família e da casa. Pelo contrário, pelo facto de estar empregada na Suíça a divisão de tarefas era feita de forma a distribuir equitativamente as tarefas. Apesar de no discurso de C surgirem frases como “todos faziam o mesmo”, a prática revelar-se ia mais complexa, sobrecarregando-se as mulheres com mais tarefas

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que os homens. Era também à mãe que cabia a ajuda nos trabalhos de casa – em Portugal. C repetiu inúmeras vezes a frase justificativa da mãe para não a deixar sair como o irmão, principalmente à noite: “o meu filho não me aparece grávido em casa”, pressupondo a contenção imposta à mulher na sua sociabilidade. Relativamente à adolescência, C sentiu diferenças quanto à liberdade oferecida a si e ao irmão, tal sendo visível nas horas de chegar a casa, na autorização para ir de férias, que no caso de C o grupo teria de ser estritamente feminino, ou nas atividades que poderia desenrolar no seu dia-a-dia da aldeia, sendo imposta a companhia feminina. A continuidade desta educação é visível em expressões como “a educação da minha mãe já era assim (…) mas ela dizia que agora (na minha altura) se tinha mais liberdade que na dela”, observando-se também uma abertura dos valores ao longo das gerações. Quanto à vida profissional, C sentiu uma clara discriminação quanto ao seu colega de estágio. Com a mesma formação, a ele foi atribuída uma função específica para a qual tinham estudado, enquanto C foi encaminhada para a secção de vendas e atendimento – refletindo-se aqui a divisão laboral por género. Depois de casada reflete a divisão do trabalho doméstico sobrecarregando-se em relação ao marido. Como exemplo, temos o facto de o marido concluir as suas duas últimas horas de trabalho (18h-20h) – no espaço público do café – para C poder ir para casa com a filha, fazer o jantar e tratar das tarefas parentais. É também importante salientar o facto de só ter acesso à mobilidade automóvel após o casamento. Em relação à educação por parte dos avós paternos, C refere que, ainda hoje, sente uma diferenciação em relação ao irmão: antigamente ela recebia cuecas e ele dinheiro; hoje os presentes são entregues a seu marido e não diretamente a ela – demonstrando a legitimação da dominação masculina pelos avós, naturalizando-a.

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2.2.

“As mulheres para a vida de casa e para cuidar dos filhos” História de Vida e Família de F

F nasceu em Dornelas, em 1947. Lá completou a 4ª classe. Teve sete irmãos do casamento dos seus pais, e dois de um anterior casamento do seu pai. Após enviuvar, o seu vai voltou a casar com a mãe de F.

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Começou a trabalhar aos 16 anos, em Lisboa, numa mercearia do Bairro de Alfama, até aos 17, retornando depois a Dornelas, onde começa a trabalhar nas Minas da Panasqueira, durante 18 meses (até aos seus 19 anos), como muitos dos rapazes e homens da aldeia, à época. Em 1966 emigra para França, onde trabalhou na construção civil e numa loja de móveis (comércio grosso). Lá esteve até Setembro/Outubro de 1971, época em quem retorna para Portugal para cumprir o serviço militar ao qual “fugira” 5 anos antes. Após o seu regresso a Portugal voltou ainda às minas, trabalhando lá cerca de 18 dias “para arranjar o abono para os velhos”, até que o seu patrão descobriu que ainda não tinha ido à tropa. Aos 24 anos foge ao serviço militar no Ultramar. Em 1974 retorna a Portugal e volta para as Minas da Panasqueira, onde trabalha durante um período de 5 anos (1974/1979) – onde andavam “mil homens a trabalhar”, mostrando o peso económico da indústria na zona. Casa-se em 1975, com I, e têm o primeiro filho em 1977. Em 1978 emigra para a Suíça onde fica até 1997, fazendo visitas regulares a Portugal. Em 1981 têm a segunda e terceira filhas, gémeas. Em Junho de 1992, a sua mulher e as suas filhas foram viver com ele para lá. As filhas foram com 11 anos e voltaram com 16 para casa dos pais, ficando a viver à responsabilidade do irmão, mais velho. Nas palavras de F, era idade de voltar pois, caso contrário, “casariam lá”, e nunca mais regressariam à sua terra natal. Esta é uma estratégia recorrente, pelo que percecionámos em conversas com outros indivíduos, de forma a manter a família junta. F e a sua mulher voltam a Portugal em 1997, e onde durante 17 anos é taxista na zona de Dornelas/ Pampilhosa da Serra. 4

A árvore genealógica da família alargada/extensa encontra-se em anexo. Subcapítulo iv.

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Atualmente está reformado e vive em Dornelas do Zêzere, onde tem uma quinta com vários animais e plantas, que cuida diariamente – sendo essa a única tarefa doméstica que realiza, apenas desde que está reformado. Enquanto trabalhava era a sua esposa, doméstica, que a realizava diariamente. Reflete-se nesta família um quadro regular na aldeia: a emigração e o trabalho nas minas, a par do trabalho doméstico da mulher, que se dedicou ao cuidado dos filhos e da casa. Também a ida isolada do homem, em primeiro lugar, para o país destino de imigração é regular – sendo o homem que parte à “aventura do desconhecido”, acompanhado

posteriormente

por

mulher

e

filhos,

após

se

estabelecer

profissionalmente. É também possível perceber qual o papel que cada um dos géneros representa atualmente dentro da aldeia. Por um lado temos F, que passa os seus tempos entre a quinta e o clube jogando às cartas, deixando de lado tarefas que realizava aquando da sua estadia na Suíça enquanto estava sozinho. Coisas como cozinhar, limpar a casa ou lavar a louça deixaram agora de fazer “sentido para ele”, pois tem permanentemente em casa a sua mulher que realiza todas essas tarefas. À conversa com a sua esposa, podemos ver o reflexo do padrão da aldeia: foi sempre doméstica cuidando da família enquanto esteve em Portugal tendo trabalhado apenas na Suíça, juntamente com a mãe de C. Já a sua mãe era doméstica, ensinou costura a todas as filhas, mas não ao filho, bem como todas as tarefas “de casa”: “os meninos em casa não faziam nada (…) só trabalhavam nas cabras (…) quem ajudava nas coisas de casa à minha mãe eramos nós (filhas) ”. “As mulheres geralmente estavam em casa (…) criavam os filhos e cuidavam da agricultura”. Essa educação reflete-se na que I deu aos filhos: ensinou as filhas a cuidar da casa, assim como ao filho, mas refere que apenas as meninas realizavam as tarefas na companhia da mãe. Depois de casados, os filhos construíram a sua própria família nuclear, alternado a dinâmica do casal F e I. Atualmente esta mãe refere que o modo de vida continua nos casais que construíram. Em épocas festivas, quando regressam à casa dos pais, a I cabem as tarefas de preparar a casa e alimentação para os encontros sem qualquer ajuda do marido.

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Quanto ao quotidiano “ele não precisa de fazer, eu estou sempre em casa”, notando-se o sentido de obrigação da mulher perante o cuidado da casa e da família. “Elas têm mais habilidade e fazem mais coisas”, dizendo que o marido de uma das filhas “não estava habituado (às tarefas) mas agora também faz (…) têm de ser, trabalham os dois”. Reflete-se aqui também as alterações socioeconómicas que colocaram a mulher ao lado do homem nas tarefas laborais, embora reconheça que o peso do trabalho doméstico recaia mais sobre o ombro feminino.

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2.3.

“Mulheres em casa, homens na rua” História de Vida e Família de J

J tem 27 anos, é solteira e habita com os pais e a irmã, mais nova. A sua família, tanto materna como paterna é do Maxial – onde moram atualmente.5 Frequenta atualmente o Mestrado na sua área profissional, que exerce na sede de concelho. Apesar do parco gosto pelos estudos, e de duas reprovações no ensino básico, devido ao desejo da mãe de uma das suas filhas frequentar o ensino superior, seguiu os estudos. Assim como a maioria dos jovens da freguesia, a partir do 6º ano são obrigados a continuar a sua formação fora do concelho, no Fundão, Covilhã e Castelo Branco, neste caso – onde prosseguiu a formação superior. Após a conclusão dos estudos foi imediatamente colocada, inicialmente enquanto estagiária, no atual empregador. A sua história de família é retratada enquanto “feliz mas trabalhadora”. Já composta por três gerações – desde a avó aos seus bisnetos, filhos das primas de J. É desta forma que decidimos estruturar a análise: em três gerações. A geração da avó em primeiro; a geração de pais e tios; de J e primos direitos em terceiro; e filhos destes em quarto Os seus avós, não tendo acesso à escolaridade, e nascendo numa época em que os filhos apoiavam a produção familiar, trabalhavam nos campos familiares. Assim como os pais de J fizeram, até terminar a escolaridade, casar ou encontrar um emprego extrafamiliar. Estes empregos, da segunda geração, passavam geralmente, por trabalhos à jorna em campos vizinhos, como a recolha de resina ou em confeções têxteis – no caso das mulheres – e construção civil ou trabalhadores mineiros – no caso dos homens, contribuindo sempre com o seu rendimento para a casa, gerido pelos seus pais. Aos homens caberia alguma parte para os seus gastos no café, o que não acontecia com as mulheres que teriam de juntar para o enxoval. Os homens da segunda geração apresentam também a frequência da emigração para a Suíça, como é usual no contexto, como aconteceu com o pai de J., um tio materno e um primo materno por aliança com a prima consanguínea. 5

A árvore genealógica da família alargada/extensa encontra-se em anexo. Subcapítulo iv.

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A terceira geração, nascida nas últimas duas décadas do séc. XX está, na sua maioria, fora da freguesia, devido à oportunidade laborais ou por motivos académicos. J afirma ter tido uma formação católica e conservadora. A sua infância foi passada entre a sua família nuclear e a casa de uma tia vizinha e dos avós maternos – devido à proximidade das residências e ao facto de o pai ter estado imigrado. Enquanto a mãe trabalhava, ao fim de semana, era a restante família que cuidava dela e da irmã. Podemos afirmar então que se trata de uma família que viveu, até aos anos 80, quase exclusivamente da produção agrícola e pecuária familiar. A vivência entre irmãos e primos, do lado materno, tem sido e é, ainda hoje, bastante fomentada, conduzindo a uma sociabilidade próxima e regular, sendo as gerações mais velhas de primos e irmãos a cuidar do mais novos, enquanto pais e tios conduzem as tarefas laborais – ou mesmo os mais novos ajudando nestas tarefas. Os seus projetos passam, após o casamento, por ir viver com o atual namorado para a cidade onde o mesmo tem um negócio familiar. Apesar de no discurso J afirmar não ter sentido uma educação diferenciadora de género, a reflexão sobre as práticas quotidianas, principalmente em entrevista coletiva, reflete a sua existência. Quanto às tarefas domésticas, na família nuclear, o pai apenas colabora desde que está reformado, cozinhando. As restantes tarefas relacionada com limpeza, arrumação ou cuidados, são realizadas pelas mulheres da casa. Tais foram minuciosamente ensinadas pela mãe, preparando-as para a tarefa de futura esposa. O facto de J ter uma irmã mais jovem, levou ao seu cuidado, como teria acontecido entre os primos, cuidando sempre os mais velhos dos mais novos. O mesmo é verbalizado pelas mulheres da segunda geração em relação aos seus maridos. Quanto às mulheres da terceira o discurso acentua-se, devido a uma consciência da desigualdade de género paralela a uma incapacidade de alterar as práticas comuns devido aos constrangimentos sociais que as suportam. Na infância de J reflete-se o padrão visível nos outros casos: brincadeiras com amigas, sociabilidade escolar feminina e atividades relacionadas com o que Bourdieu refere como práticas rituais feminilizantes. A pressão familiar para que a companhia

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fosse feminina foi exercida até à fase adulta, tendo continuado após a mesma, relacionando-se com o medo dos “namoricos”. Tal é visível também no facto de as saídas noturnas serem muito condicionadas, o que fazia com que J sentisse uma diferença relativamente aos seus amigos rapazes. Era também a estes rapazes que cabia a função de levar J a casa – exercendo uma posição dominadora e de resguardo no espaço da rua. No inico do namoro J sentiu também um forte pressão familiar quanto à escolha do seu homem pois, “quando uma mulher escolhe um homem para casar”, o que não acontece no inverso, sendo permitido ao homem namoriscar com varias mulheres, sendo tal visto como uma forma de afirmação de virilidade e não de vergonha. No decorrer da entrevista coletiva, realizada na sala (utilizada apenas para receber visitas) estiveram presentes: a sua avó, as tias maternas, duas primas, a irmã e os filhos da prima SF. Os homens presentes na casa mantiveram-se à parte – na cozinha confraternizando à mesa, enquanto consumiam bebidas alcoólicas. No final da entrevista, já num registo mais informal, fomos convidados a juntar-nos com a restante família, para uma ceia. É de notar que, à rapariga foi oferecido chá, assim como as mulheres consumiam, e ao rapaz oferecido licor. Durante essa entrevista foi possível conhecer a história individual das mulheres presentes, bem como a história familiar comum, relacionada com o trabalho agrícola e familiar na geração da avó, da sua continuação na geração das tias, adicionando-se a função laboral das mulheres, e a escolaridade na geração das primas. É possível entender uma educação semelhante segundo os mesmos padrões e valores. Tal é refletido na sociabilidade familiar extensa que leva à convivência diária entre tios e sobrinhos, avos e netos, primos e primas – assumindo essa educação um ponto primordial na construção da identidade de género dos indivíduos. Segundo os padrões já descritos nos casos acima, decidimos apenas mobilizar algumas expressões ilustrativas do já referenciado: “mulheres donas de casa, na agricultura, os homens dão um jeitinho (hoje em dia) ”; “mulheres em casa, homens na rua”; “a mãe manda, quando o pai está fora” (SF – 3ª geração). SF refere ainda os constrangimentos laborais à maternidade e paternidade: “as duas horas de aleitamento e

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a licença paterna ainda é mal aceite, a função do cuidado das crianças é anda vista socialmente como feminina/materna”. Ao abordar o namoro das mulheres da segunda geração são verbalizados os constrangimentos impostos pela família à escolha do marido e ao processo pelo qual se desenrolaria o namoro. É “regra” o namoro em casa dos pais da mulher, à sua vista. É ainda possível observar nesta família o casamento com primos direitos no caso de duas mulheres da segunda geração, o que não foi bem aceite pelos seus pais por não se enquadrar nos padrões socialmente aceites e nos valores instituídos da sociabilidade familiar e da escolha do “homem para a vida”. Concluímos então que no caso de J a sociabilidade familiar moldou fortemente as suas conceções do mundo e das relações sociais que estabelece, assim como da sua restante família. Além do já refletido, é notório no seu discurso o preconceito e o descredito por todas as pessoas que não seguem os padrões instituídos, principalmente no caso de mulheres que fogem “à norma”.

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3. Notas conclusivas e Perspetivas Tal como Miguel Vale de Almeida (1995: 241), pensamos que o termo “conclusão” nos remete para um fim que, depois desta pesquisa, nos parece inalcançável. De facto, a experiencia etnográfica a que nos propomos merece uma discussão mais alargada: em termos temáticos, teóricos, concetuais, analíticos e comparativos. Afirmando anteriormente que a identidade de género é um referente social, cultural e de relacionamento preponderante na vida humana – pelo menos no contexto analisado – pensamos ter definido algumas linhas de análise que nos podem levar a comprovar a influência da sociabilidade familiar, ou da instituição família, a par de outras – como o estado, a escola ou a igreja -, para a construção desta identidade. Pensamos também ter condições para afirmar, embora não imperativamente, que, neste contexto, a sociabilidade familiar constitui uma instituição mais marcante na construção desta identidade que a igreja, pelo menos para as gerações mais novas, mais afastadas da prática religiosa. Porém, essa influência encontra-se muito recente nos valores passados pelas suas mães. Pensamos também que a preponderância do estado e da escola se perpetue, embora o ensino superior confira a alguns indivíduos ferramentas de questionamento sob as distinções de género. A análise mais pormenorizada destas questões constitui um campo a explorar na Antropologia. A partir da análise de outros contextos, trabalhados por diferenciados autores que se dedicaram ao estudo do género e do parentesco, pensamos também poder informar que esta sociabilidade de género é profundamente moldada pelo contexto social, económico, laboral, entre outros variados contingentes em que se insere a comunidade de estudo. Desta forma, pensamos ser fulcral a análise do papel das Minas da Panasqueira na construção identitária destes indivíduos, da comunidade, e das identidades de género – do homem mineiro e da mulher doméstica e dedicada ao trabalho agrícola, que durante várias décadas marcou a estrutura social de Dornelas.

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Pretendemos reconhecer as falhas deste projeto. A análise de censos à unidade – que apenas nos mostrou que o representante da família era, na maioria dos casos, o homem, é apenas um exemplo. Porém, através do mesmo, concluímos que nenhum esforço foi inglório. Afinal, o que pretendíamos era uma visão holista (o mais possível). Não podemos ignorar o conteúdo paradoxal que apresentamos neste trabalho. A sociedade portuguesa, na figura do Estado Português, afirma-se constitucionalmente. É possível, ao analisar a Constituição da República Portuguesa (VII Revisão Constitucional (2005)), expressões como ser “tarefa fundamental do Estado (…) Promover a igualdade entre homens e mulheres.” (Artigo 9º). O mesmo documento afirma que “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos” (Artigo 16º). Analisando este segundo documento, no Artigo 23º, por exemplo, é possível observar diretrizes que declaram a igualdade perante o trabalho, assim como “a salário igual por trabalho igual”. Esta é apenas uma das questões a ser abordada: apresentando-se o Estado Português, constitucionalmente, como defensor da igualdade de género, e seguidor da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que forma deveremos olhar para os dados estatísticos fornecidos anualmente pelo Eurostat (imagem ilustrativa em anexo), que nos mostram uma clara desigualdade laboral e de remuneração entre homens e mulheres, em igual posto e com igual função? Deixamos a questão, de forma a promover novos objectos de pesquisa – renovando a motivação para estudos sobre género, que nos levaram a olhar a questão, relacionando-a com o parentesco. Além deste exemplo, devemos também observar os números da violência doméstica, de acesso ao ensino superior, de desemprego e precariedade, entre outros.

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4. Fontes e Bibliografia · ALMEIDA, Miguel V. (1995) Senhores de si – Uma Interpretação Antropológica da masculinidade, Lisboa, Fim de Século introdução). · BATALHA, Luís. “Breve Análise sobre o Parentesco como forma de Organização Social” in Estudos de Homenagem ao Professor Adriano Moreira, Lisboa: ISCSP/UTL, Vol. II, pp 749-762. · BOURDIEU, Pierre, A Dominação Masculina, 1998 [2002] (2ª ed.), Brasil: Bertrand Brasil · BRUMER, A., 2009, Gênero, família e globalização. Sociologias (UFRGS) · BURGESS; R., 1997, “As entrevistas como conversas” in A Pesquisa de Terreno, Lisboa, Celta pp., 111-133 · CASTRO, Carolina; BORGES, Alex; BRITO, Mozar; 2008, Família e relações de parentesco: inserção de uma abordagem antropológica para compreensão da dinâmica das organizações familiares. V Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD · COLE, Sally (1994) Mulheres da Praia – o trabalho e a vida numa comunidade costeira, Lisboa, Publicações D. Quixote. · CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, VII Revisão Constitucional, 2005.

Acedido

a

07

de

Maio

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2016.

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· INSTITUTO (Referentes

NACIONAL aos

Censos

DE

ESTATÍSTICA,

2011).

Acedido

a

2014, 21

“Dados de

Abril

Estatísticos” de

2016.

(http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=ine_censos_indicadores ) · LEVI-STRAUSS, Claude, 1969, The Elementary Structures of Kinship, Beacon Press, Boston. · PINA CABRAL, J., 1989, Filhos de Adão, Filhas de Eva. A visão do mundo camponesa no Alto Minho, Lisboa: Dom Quixote. · PINA CABRAL, João de, 2007 « “Aromas de urze e de lama”: reflexões sobre o gesto etnográfico », Etnográfica [Online], vol. 11 (1) | 2007, pp.191-212 · PINA CABRAL, J. e LIMA, A. P., 2005, “Como fazer uma história de família: um exercício de contextualização social”, Etnográfica, Vol. IX, nº2. Lisboa. · SPRADLEY, J., 1979, “Interviewing an Informant” in Ethnographic Interview. Nova Iorque, Holt, Rinehart & Winston. · SPRADLEY, J. P., 1980, Participant Observation, EUA, Harcourt Brace College Publishers.

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I. ANEXOS

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i. Quadros Os quadros que aqui se apresentam pretendem ilustrar quantitativamente alguns dados que pensámos serem úteis para a caracterização socioeconómica de Dornelas do Zêzere. É de notar que, para efeitos estatísticos 6 É importante referir que a categoria “Dornelas do Zêzere” é referente a toda a freguesia, incluindo os lugares adjacentes referidos acima. Desta forma, a análise que fazemos dos dados leva-nos apenas a considerações gerais.

Quadro 1. Famílias (Nº) por Local de residência (Dornelas do Zêzere). Comentário: É possível observar o aumento do número de famílias residentes no contexto entre 2001 e 2011. Pensamos existir a possibilidade de justificação deste aumento relacionada com o retorno de famílias emigrantes – como explicado anteriormente.

Quadro 2. Número de alojamentos por localização geográfica (Dornelas do Zêzere)

Quadro 3. Dimensão média das famílias clássicas (Nº) por local de residência (Dornelas do Zêzere). Comentário: O conceito de “família clássica” é atribuído às famílias – grupos de pessoas unidas por lados de parentesco de primeiro grau – que habitam no mesmo alojamento/casa.

6

Todos os quadros foram retirados da base de dados online do Instituto Nacional de Estatística. Ver referência na Bibliografia.

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Quadro 4. Idade média (Ano) da população residente por local de residência (Dornelas do Zêzere).

Quadro 5. Número de crianças nos núcleos familiares por local de residência (Dornelas do Zêzere) (à data dos censos de 2011). Comentário: É possível verificar que, na maioria dos casos, a família com filhos é composta pelo “casal de direito. Est5e conceito não é claramente definido nos documentos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, assim como pelos manuais fornecidos aos recenseadores. Porém, em contraponto à existência do “casal de facto”, compreendemos que o conceito de “casal de direto” se refere a um casal unido pelo matrimónio civil, oficializado legalmente. Também é possível verificar que, no caso de um individuo singular com os filhos a cargo, tal apenas acontece no caso da “mãe” – o número de “pais com filhos” é 0 -, o que reforça a afirmação de que o cuidado das crianças/filhos é deixado a argo da mulher.

Quadro 6. Alojamentos familiares (Nº) por localização geográfica (Dornelas do Zêzere) e Forma de ocupação. Comentário: “Alojamento familiar” é definido pelo INE (2014) como: “Alojamento que, normalmente, se destina a alojar apenas uma família e não é totalmente utilizado para outros fins no momento de referência.”. “Alojamento familiar de residência habitual” é o que está “ocupado (e) que constitui a residência habitual ou principal de pelo menos uma família.”

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“Alojamento familiar de residência secundária” “é apenas utilizado periodicamente e no qual ninguém tem residência habitual.”. o número bastante alto deste tipo de residências neste contexto é explicável pelo grande pessoa da emigração, assim como das migrações laborais para as cidades vizinhas, como a Covilhã, Fundão, Castelo Branco ou Coimbra. Os “vagos”, ou seja, “desocupado e que está disponível para venda, arrendamento, demolição ou outra situação no momento de referência”, encontram-se em tal situação por razões semelhantes, assim como pelo envelhecimento e morte da população da aldeia – maioritariamente idosa.

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ii. História de Vida e Família do Embaixador Artur Dias Nogueira Artur Dias da Silva Nogueira nasceu em Dornelas do Zêzere, assim como os seus irmãos, em 1918, e morreu em 2006. Filho mais velho do professor José Dias da Silva e de Maria Palmira de Jesus Nogueira e irmão de quatro rapazes – Júlio, Eurico, Fernando e José Maria-, família de grande importância e prestígio na aldeia.7 De 1925 a 1929 frequentou a escola primária, cujas aulas eram ministradas pelo pai. Em Julho de 1929 fez o exame da 4ª classe e em Outubro foi para Lisboa estudar no Instituto do Professorado Primário, como aluno interno, destinado aos filhos dos professores primários, até 1937. Com 20 anos, em 1939, é admitido na faculdade de Letras de Coimbra - no curso de Direito -, no entanto em 1940 vê-se forçado a cumprir o serviço militar. Em 1943 conhece e começa a namorar a sua futura esposa, Maria Lídia. Termina o curso em 1944 e o serviço militar em 1945. Nesse ano vai para Lisboa e candidata-se a dois cargos: adido de legação no Ministério dos Negócios Estrangeiros e para delegado do Procurador da Republica (onde é aprovado). Em Outubro desse mesmo ano vai para o Fundão de forma a familiarizar-se com as funções de delegado para o qual esperava ser nomeado. No entanto a estadia foi curta pois logo a seguir, em Novembro, foi chamado pelo MNE para fazer a “prova de apresentação”. Ao ser aprovado nos dois cargos acaba por se decidir pelo MNE, como adido de legação, na Repartição dos Negócios Políticos. Em Junho de 1947, após 18 meses de serviço decide, por motivos familiares abandonar o lugar no MNE, requerendo admissão no Ministério da Justiça, tendo em Julho de 1947 sido nomeado Delegado do Procurador da República, em Vila Real de Santo António. A 24 de Setembro de 1947 casa-se e em Janeiro de 1950 é transferido para o tribunal de Lamego (durante 1 ano e meio). Tenta regressar ao MNE, no entanto não consegue devido a informações da PIDE. Retorna em 1951. No verão de 1952 desloca-se ao estrangeiro em serviço a diferentes capitais de países europeus integrantes da NATO. Aqui começa a sua viagem mundo fora, onde durante um período de 30 anos exerce cargo de embaixador em vários 7

A árvore genealógica da família alargada/extensa encontra-se em anexo – Subcapítulo iv.

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países do mundo, tendo sido colocado em 3 continentes diferentes – Europa, América e África. Pai de 5 filhos (3 rapazes e 2 raparigas) retorna a Portugal em finais de 1983 por ter atingido os 65 anos, e onde reside durante os 23 anos seguintes. Em Dezembro de 2004 é diagnosticado com leucemia vindo a falecer dois anos mais tarde. Em termos familiares, como já foi referido, a família Dias Nogueira era rica e muito prestigiada, admirada por toda a aldeia, mas também invejada (Pina Cabral, 1989) - o que faz com que se teçam alguns comentários menos positivos e até exista um certo desprezo. Muito viajados, todos eles seguiram uma vida académica sem distinção de género – desde a geração do avô -, demonstrado desta maneira a diferenciação entre esta e as outras famílias de Dornelas do Zêzere menos abastadas. Mulheres advogadas, homens juízes e escritores, e até uma pintora. No entanto podemos aqui perceber que apesar de não haver diferenciação, existia uma predisposição para que houvesse uma divisão em termos de “poder”. Enquanto a sensibilidade era encontrada no lado feminino, onde existia uma advogada mas também pintora, do lado masculino, esse poder era mais evidenciado pelo facto de que “eles” eram juízes – fazendo uma comparação binária em termos de poder jurídico entre advogada e juiz -, demonstrando desta forma que as mulheres eram predispostas socialmente, a terem um cargo com menos poder relativamente ao homem. Apesar de terem levado vidas “atribuladas” e as raízes à aldeia se terem desvanecendo nas gerações posteriores, esta família deixou várias casas e ajudou bastante em termos financeiros no desenvolvimento da orgânica social e económica de Dornelas do Zêzere.

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iii. Árvores Genealógicas

Consideramos “família alargada” ou “extensa” no sentido de incluir os parentes considerados pelo ego enquanto parentela. Decidimos não incluir os indivíduos aos quais os informantes se referiam com dúvidas de nome, idade, profissão ou outros dados que reconhecessem um contacto regular. Após essa constatação, decidimos desenvolver questões diferencias de forma a comprova este não relacionamento. Noutros casos o próprio entrevistado afirmou claramente que “esses já não são família” (C.). Devido a problemas técnicos com o software escolhido (My Heritage) para a construção dos diagramas apresentados, queremos esclarecer que: ego surge com um círculo vermelho. Ego surge sempre como irmão mais novo, apesar de sem sempre o ser, devido à adição de uma união – nestes casos, clarifica-se em rodapé a ordem correta de nascimento dos irmãos. O género dos indivíduos é esclarecido através da imagem que surge acima do nome – imagem essa selecionada pelo programa. Os dados em falta, em algum dos casos, advém da falha na recolha dessa informação. Nem sempre foi possível saber as datas de nascimento e morte (se for o caso) de todos os indivíduos, assim como datas de união matrimonial. Também os apelidos dos familiares mais distantes nem sempre foi possível saber. a. Árvore Genealógica da família nuclear de C

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b. Árvore Genealógica da família alargada/extensa de C

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c. Árvore Genealógica da família nuclear de F

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d. Árvore Genealógica da família alargada/extensa de F8

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No caso do pai de F e I, ambos tiveram um primeiro casamento que terminou por viuvez. Tal é desenhado no diagrama através de um traço diagonal na imagem referente às primeiras esposas.

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e. Árvore Genealógica da família nuclear de J

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f. Árvore Genealógica da família alargada/extensa de J

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g. Árvore Genealógica da família alargada/extensa de Artur Dias Nogueira

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iv. Imagens

Imagem 1. Disparidade salarial entre géneros nos estados membros da União Europeia, em percentagem. Variação entre 2008 e 2013. Fonte: Eurostat.

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v. Fotografias

Imagem 1. Caminhos de Dornelas do Zêzere.

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Imagem 2. Um dos passeios de grupo pela aldeia.

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Todas as fotografias são da autoria de André Pinto, assim como a sua edição, e foram captadas durante a estadia no terreno.

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Imagem 3. Panorâmica da Barroca, Aldeia de São Francisco de Assis – aldeia construída para moradia dos mineiros. É possível também vislumbrar a Lavaria das Minas.

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