\" Estado da arte \" da Jurisprudência sobre Desaparecimento forçado no Sistema

May 30, 2017 | Autor: Bárbara Abreu | Categoria: Corte Interamericana De Derechos Humanos, Desaparición Forzada De Personas
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“Estado da arte” da Jurisprudência sobre Desaparecimento forçado no Sistema Interamericano de Direitos Humanos Bárbara da Cunha Salomão de Abreu1 Heloisa Fernandes Câmara2 Juliana Barros da Silveira3

Resumo: O presente artigo parte da conceituação do crime de desaparecimento forçado na doutrina e jurisprudência internacional, principalmente no sistema interamericano. Deste modo, tem por finalidade analisar o surgimento desse fenômeno nos regimes ditatoriais latinos e sua prática reiterada atualmente devido aos resquícios militares nas instituições estatais. A partir disso, analisam-se alguns casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema e sua colaboração, bem como a evolução e eficácia dos remédios jurídicos propostos pelos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos.

Palavras-chave:

desaparecimento

forçado;

regimes

ditatoriais

latinos;

Corte

Interamericana de Direitos Humanos; remédios jurídicos.

1. Introdução O surgimento em larga escala de governos ditatoriais na América Latina, ainda que com especificidades, estabeleceram padrões comuns de repressão, em um verdadeiro terrorismo de Estado. Um dos mecanismos mais utilizados na repressão aos grupos insurgentes foi o “desaparecimento forçado”, identificado assim a prática perversa de agentes estatais (ou grupos sob sua conivência) de sequestrar e “sumir” com os indivíduos. Esta prática coloca em xeque as limitações dos instrumentos jurídicos de dar uma resposta adequada à ausência. A prática do delito de desaparecimento forçado teve início na Guatemala e espalhou-se pela América Latina, disseminando-se pelo Cone Sul. No Brasil, também Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba Graduada, mestre e doutoranda em Direito do Estado na Universidade Federal do Paraná. Professora do Centro Universitário Curitiba e líder do grupo de pesquisa sobre sistema interamericano de direitos humanos nessa instituição. 3 Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba 1 2

há relatos da ocorrência deste tipo de crime, sendo o caso da guerrilha do Araguaia apontado como grande exemplo e a lei da anistia de 1979 como impedimento institucional (ainda que contrária à jurisprudência internacional sobre a questão) para punição destes fatos gravíssimos. Partindo destes fatores, esta produção acadêmica objetiva analisar o crime de desaparecimento forçado alinhando dados históricos, bem como concepções da doutrina e jurisprudência internacional, a partir da análise de casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e busca problematizar essa temática ao envolver as medidas reparatórias propostas nas sentenças da Corte.

2. Desaparecimento forçado: conceito e características O conceito jurídico de desaparecimento forçado evoluiu inicialmente de maneira lenta ante as diversas controvérsias e incertezas que se apresentavam para sua tipificação e até a adoção da "Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados" assinada em Paris em 6 de fevereiro de 2007, não se reconheceu o direito humano concreto da pessoa a não ser submetida a tal prática. Para uma abordagem mais coesa, faz-se necessária uma apresentação da definição do tema a ser discutido. Os adjetivos que acompanham à definição do desaparecimento "forçado" ou "involuntário" são empregados com o fim de distinguir este conceito restrito do senso mais geral daqueles desparecidos que podem ser resultado de acidentes ou calamidades, bem como à dos combatentes no campo de batalha, aos que também se refere como "desaparecidos em combate". Pela particular incidência deste crime no âmbito dos países de fala espanhola, as vítimas são conhecidas comumente como “desaparecidos”, palavra que é inclusive empregada como tal em sua transcrição a outros idiomas. Juridicamente entende-se por desaparecimento forçado ou também, desaparecimento involuntário de pessoas, um termo que designa um tipo de delito que supõe a violação de múltiplos direitos humanos e que, cometido de forma sistemática e generalizada, constitui também um crime de lesa humanidade (Estatuto de Roma de 1998 e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas de 1994). O crime de desaparecimento forçado, definido na legislação interna dos países e em tratados internacionais, está caracterizado pela privação da liberdade de uma pessoa

por parte de agentes do Estado ou grupos ou indivíduos que atuam com seu apoio, seguida da negativa ao reconhecimento dessa privação. O assassinato da pessoa, vítima de desaparecimento forçado, frequentemente depois de um cativeiro clandestino com torturas, pretende favorecer deliberadamente a impunidade dos responsáveis, que atuam com o fim de intimidar ou aterrorizar a comunidade ou o coletivo social a que pessoa pertence (art. 2 da Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado). O delito de desaparecimento forçado constitui-se um delito que engloba várias outras violações de direitos (como, por exemplo, a ausência de proteção à garantias judiciais). O desaparecimento forçado é definido também como um abuso contínuo e permanente, em que os efeitos jurídicos do desaparecimento forçado perduram até a identificação do paradeiro das pessoas desaparecidas, bem como as circunstâncias de sua ocorrência, prolongando e amplificando o sofrimento causado aos familiares, já que a vítima, entendida como figura sujeito titular do direito, se estende aos familiares. Estes sofrem com o tempo o dano da ausência dos desaparecidos, cujo paradeiro não se esclarece e da impunidade dos autores, que não comparecem ante a justiça chegando a padecer de síndrome de stress pós-traumático, como se reconhece nas sentenças judiciais. A classificação de crime contínuo também supõe que processualmente, os fatos só prescrevem a partir do momento em que se podem elucidar, de maneira que as famílias podem dispor de um maior tempo para apresentar as denúncias ante a justiça. O impulso para o reconhecimento desse crime na jurisprudência internacional teve lugar desde o último quarto do século XX, ocasionado pela multiplicação dos casos de desparecimentos na América Latina e à mobilização de setores da opinião pública e da sociedade civil, em particular pela iniciativa de organizações não governamentais que surgiram primeiro nos países latinos e que depois proliferaram essas iniciativas para as demais regiões do globo, focalizando na denúncia e conscientização acerca do desaparecimento forçado. Este delito foi amplamente utilizado na década de 60, no contexto de graves e sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas por regimes ditatoriais. O fato é que durante tal período impulsionou-se em todo o mundo a formação de regimes ditatoriais sob os quais a opinião pública e a sociedade civil pouco se desenvolviam. Assim, observa-se a formação de uma frente de ideias opostas à vigente e visionando a

manutenção daquele tipo de regime, o Estado utilizou-se do que Galain Palermo denomina “terrorismo de Estado”, isto é, práticas delituosas organizadas pelo Estado, durante período ditatorial, com a finalidade de combater qualquer grupo subversivo e sedicioso mantendo, assim, o modelo de governo vigente 4 . Atualmente, dentro da questão mundial do desaparecimento forçado, percebe-se que os afetados estão além dos Estados que acumulam casos históricos sem resolução, atingindo os que se vêem envoltos por conflitos internos ou os que mantêm políticas de repressão para os opositores políticos e os que estão à margem social. Ou seja, esta prática mantem-se e, segundo estatísticas5, aumentou no período pós-ditatorial. A atual prática do desaparecimento forçado é ocasionada pelos resquícios dos períodos totalitários que permanecem nas instituições postas para o exercício do poder estatal que, em razão da falta de punição penal dos agentes responsáveis pelos crimes ditatoriais, acabam por ser estimulados pela manutenção da estrutura que prioriza a violação de direitos humanos em face ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana de todos os cidadãos indistintamente, como é observado pelas práticas da Polícia Militar no Brasil. Tais violações aos direitos e garantias humanas supracitadas são tipificadas sob o título de crimes de lesa humanidade, nomenclatura ratificada pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1988), segundo o qual são considerados crimes de tal natureza: “[...] qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque [...]”. Dentre os atos considerados lesivos à humanidade, encontra-se o tipo “desaparecimento forçado” conceituado, ainda, pelo citado estatuto: 1) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

PALERMO, Pablo Galain. Uruguai. In: AMBOS, Kai. (org.) Desaparición Forzada de Personas ANÁLISIS COMPARADO E INTERNACIONAL. Bogotá: Editorial Temis, 2009. 5 Estatísticas disponíveis em: 4

Como exemplos dos conceitos supracitados, trazemos agora casos emblemáticos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que serviram de parâmetro e estabeleceram diretrizes importantes acerca do crime de desaparecimento forçado.

3. Casos de desaparecimento forçado na Corte Interamericana de Direitos Humanos

3.1. Caso Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez vs. Honduras Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez, estudante da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, foi detido de forma violenta e sem ordem judicial de prisão em 12 de setembro de 1981, em Tegucigalpa, por membros da Direção Nacional de Investigação e do G-2 (Inteligência) das Forças Armadas de Honduras. Segundo testemunhas oculares, ele foi levado às celas da II Estação da Força de Segurança Pública localizadas no Bairro El Manchén de Tegucigalpa, local em que foi submetido a interrogatórios sob cruéis torturas e acusado de supostos delitos políticos. Posteriormente foi transferido para o I Batalhão de Infantaria, porém as forças policiais e de segurança do Estado negavam a sua detenção. Esse caso foi submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 24 de abril de 1986 e teve sua origem em uma denúncia contra o Estado de Honduras à Comissão em outubro de 1981. A competência contenciosa da Corte foi ratificada em 9 de setembro de 1981 pelo governo hondurenho. Após a omissão inicial de informações à Comissão, o Estado de Honduras afirmou que não haviam sido esgotados os recursos da jurisdição interna e que a Direção Nacional de Investigação desconhecia o paradeiro de Velásquez Rodríguez, alegando os boatos de que o desaparecido fazia parte de um grupo guerrilheiro de El Salvador e que o governo estava tomando todas as providências necessárias para o esclarecimento do caso. Após grandes insistências da Comissão e da Corte Interamericana durante o período de 1983 a 1986 sobre a obrigação estatal de investigação sobre o caso, a Comissão entendeu que o Estado de Honduras não forneceu provas conclusivas e satisfatórias que permitissem estabelecer que as alegações de desaparecimento não

fossem verdadeiras, submetendo o caso à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em abril de 1986. O principal argumento do Estado de Honduras nas exceções preliminares foi o não esgotamento dos recursos jurisdicionais internos. Porém, a Corte optou por avaliar esse requisito de admissibilidade juntamente com o mérito, pois apesar de não ter ocorrido esgotamento formal desses recursos internos, o que deveria se discutir era a efetividade dessas medidas propostas pelo governo hondurenho para a solução e esclarecimento dos fatos. Na avaliação do mérito, posteriormente, manteve-se a posição de que os recursos indicados pelo Estado de Honduras (habeas corpus, apelação, cassação, extraordinário de amparo, denúncias penais em face dos eventuais culpáveis e a declaratória de morte presumida) não eram eficazes ao se considerar a situação interna do país na época, e também, ao constatar que algumas dessas medidas foram utilizadas pelos familiares no caso e não surtiram resultado. Portanto, a Corte considerou esgotados os recursos internos, pois os remédios jurídicos, alguns não eram eficazes para remediar aquela violação, ou os que eram cabíveis e tinham a possibilidade de obter resultados satisfatórios foram utilizados (habeas corpus e denúncias penais) e não obtiveram êxito (seja pelo caráter clandestino do crime, ou pelo formalismo e ou inibição por parte do poder público), permanecendo a situação de desaparecimento da vítima. Observando as medidas processuais da Corte durante o julgamento do processo, cabe destacar os avanços à proteção da integridade física visando evitar danos irreparáveis às testemunhas e às pessoas vinculadas de alguma forma a esse processo, para esclarecer e julgar o caso de desaparecimento forçado de Manfredo Velásquez. Essas medidas protetivas ocorreram em razão dos assassinatos ocorridos em 15 de janeiro de 1988 em San Pedro Sula, de Moisés Landaverde e Miguel Ángel Pavón Salazar, em que as vítimas haviam comparecido em 30 de setembro de 1987 para prestar testemunho na Corte sobre o caso Velásquez Rodríguez. Segundo os testemunhos envolvidos, a prática do crime de desaparecimento forçado em Honduras consistia em uma execução sistemática e seletiva por razões ideológicas, políticas ou sindicais com o amparo ou tolerância do poder estatal. A Corte considerou que Manfredo Velásquez foi vítima dessa prática, portanto, foi sequestrado,

presumivelmente torturado, executado e sepultado de forma clandestina, por agentes das Forças Armadas de Honduras. A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu na sentença do caso de Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez contra o Estado de Honduras, a existência de uma prática de desaparecimento forçado realizada ou tolerada pelas autoridades hondurenhas entre o período de 1981 e 1984, na qual o caso em questão está inserido, bem como a omissão do governo na garantia dos direitos humanos afetados por essa prática. Assim, a Corte preocupa-se em destacar o caráter multifacetado e contínuo das violações de direitos ocasionadas pelo crime de desaparecimento forçado, da mesma maneira que ressalta a sua configuração na doutrina e práticas internacionais como crime de lesa à humanidade. Devido a todos esses fatores, o Estado de Honduras foi condenado pela violação dos arts. 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal) e 7 (direito à liberdade pessoal) da Convenção Americana de Direitos Humanos, assim como pelo o abandono dos valores da dignidade da pessoa humana, que fundamentam o sistema interamericano e a própria Convenção. Ademais, a Corte sinalizou o descumprimento de obrigações assumidas pelos Estados partes da Convenção: o de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos por ela, da garantia jurídica efetiva para o livre e pleno exercício desses direitos, assim como a prevenção, investigação séria e sanção em casos de violações. Dessa forma, destaca-se a responsabilidade internacional dos Estados participantes da Convenção em combinação com garantias jurídicas internas ao livre e pleno exercício dos direitos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou a reparação das consequências ocasionadas por essa prática, estabelecendo o pagamento de justa indenização compensatória aos familiares da vítima e consolidando uma importante jurisprudência acerca do tema. Este caso é um precedente importante sobre o tema, mas também o início da consolidação do papel da Corte Interamericana, pois foi o primeiro caso contencioso decidido por esta.

3.2 Caso Blake: desaparecimento forçado como crime continuado e permanente. O caso refere-se ao desaparecimento, em março de 1985, de Nicholas Blake, jornalista, e Griffith Davis, fotógrafo, ambos norte-americanos, residentes na Guatemala que foram interrogados pelo Comandante da Patrulhas de Autodefesa Civil de El Llano, e levados para um local chamado Los Campamentos, em que foram mortos e permaneceram desaparecidos desde 28 ou 29 de março de 1985 até as datas em que foram descobertos seus restos: os do senhor Griffith Davis, em 16 de março de 1992 e os do Senhor Nicholas Blake, em 14 de junho de 1992. Comprovou-se que, em agosto de 1987, o Encarregado Militar e Chefe da Patrulha Civil da Região determinou aos membros da Patrulha Civil de El Llano queimassem e enterrassem os corpos dos senhores Nicholas Blake e Griffith Davis. Em janeiro de 1992, o mesmo Encarregado Militar de Huehuetenango e Chefe da Patrulha Civil encaminhou aos membros da família Blake duas caixas que continham terra e fragmentos de ossos e dentes, em troca de uma soma de dinheiro. Foi providenciada uma perícia que comprovou serem estes os restos mortais de Griffith Davis. Em 14 de junho de 1992, foram encontrados os restos que foram identificados como sendo de seu companheiro. No caso Blake contra Guatemala, a Corte declarou sua incompetência para decidir acerca da responsabilidade da Guatemala pela detenção e morte de Nicholas Chapman Blake, pois a privação da liberdade e a morte de Blake se consumaram efetivamente em março de 1985, data anterior àquela da aceitação, pela Guatemala, da competência contenciosa da Corte. Decidiu, ainda, continuar o conhecimento do caso em relação aos efeitos e fatos ocorridos após a aceitação pela Guatemala da competência contenciosa da Corte, tendo em vista o desaparecimento forçado ou involuntário constituir uma das mais graves e cruéis violações dos direitos humanos, que não só produz uma privação arbitrária da liberdade, mas também coloca em perigo a integridade física, a segurança e a vida do detido que é colocado em um estado completamente indefeso, acarretando outros delitos conexos. Compete-se pronunciar que a Corte considera que o desaparecimento de Nicholas Blake marca o início de uma situação contínua, sobre os fatos e efeitos posteriores à data do reconhecimento da sua competência pela Guatemala. Segundo a Comissão Interamericana, a denegação de justiça neste caso deriva, da violação do direito a um recurso efetivo, da obstrução e atraso do correspondente processo criminal,

posto que até então, passaram mais de 10 anos desde a morte do senhor Nicholas Blake e a causa continuava pendente perante a jurisdição interna. No caso concreto, a Guatemala não cumpriu com a obrigação de fornecer um recurso judicial simples, rápido e efetivo aos familiares do Nicholas Blake, o que foi consumado mediante obstaculização das autoridades da Guatemala, que impediram o esclarecimento da causa da morte e desaparecimento do senhor Blake e o retardamento para investigar os fatos e iniciar um processo judicial e impulsioná-lo. Os familiares do desaparecido foram privados do direito a um processo judicial independente, dentro de um prazo razoável e, portanto, foram impedidos de obter uma justa reparação. A Comissão destacou que, na Guatemala, a possibilidade de iniciar uma ação de ressarcimento não estava necessariamente ligada ao processo criminal e que, contudo, a referida ação devia ser interposta contra uma pessoa ou entidade determinada para estabelecer a responsabilidade pelos fatos alegados e para o pagamento das indenizações correspondentes. A obstrução e o retardamento da investigação, por parte do Estado, tornaram impossível, no caso, o início de uma ação para responsabilização. Assim interpretado, o mencionado artigo 8 da Convenção compreende também o direito dos familiares da vítima às garantias judiciais, posto que todo ato de desaparecimento forçado subtrai à vítima da proteção da lei e causa-lhe graves sofrimentos, o mesmo que a sua família (Art. 1 da Declaração das Nações Unidas sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados). Em consequência, o artigo 8 da Convenção Americana confere aos familiares de Nicholas Blake o direito de que o seu desaparecimento e morte sejam efetivamente investigados pelas autoridades da Guatemala; de que seja instaurado um processo contra os responsáveis desses ilícitos; de que, no caso, sejam-lhes impostas as sanções pertinentes e de que os referidos familiares sejam indenizados pelos danos e prejuízos sofridos. Portanto, a Corte declara que a Guatemala violou o artigo 8 da Convenção Americana, em prejuízo dos familiares de Blake, com relação o artigo 1 da Convenção. No julgamento, a Corte entendeu que as provas documentais e testemunhais diretas não são as únicas que podem fundamentar a avaliação dos fatos ocorridos posteriormente, bem como das possíveis violações à Convenção Interamericana na sentença, considerando também as provas circunstanciais, os indícios e presunções sempre que deles possam se inferir conclusões consistentes sobre os fatos.

No que refere aos familiares, a Corte entendeu que o desaparecimento forçado afetou a integridade psíquica dos familiares de Nicholas Blake, os quais viveram uma trágica e prolongada experiência a partir do desaparecimento, realizaram mais de vinte e uma viagens à Guatemala, mais da metade das quais ocorreram após março de 1987, constituindo a violação da integridade psíquica e moral dos referidos familiares como uma consequência direta do seu desaparecimento forçado. As circunstâncias do referido desaparecimento geraram sofrimento e angústia, além de um sentimento de insegurança, frustração e impotência perante a abstenção das autoridades públicas em investigar os fatos. Além disso, a incineração dos restos mortais de Blake, para destruir todo rastro que pudesse revelar o seu paradeiro, atenta contra os valores culturais prevalecentes na sociedade da Guatemala, transmitidos de geração a geração, quanto ao devido respeito com os mortos. A incineração dos restos mortais da vítima, realizada pelos patrulheiros civis, por ordem de um integrante do Exército da Guatemala (supra, parágrafo 57, e, f e g), intensificou o sofrimento dos familiares. Assim, a Corte considerou que os familiares das pessoas desaparecidas também são vítimas das violações aos direitos declarados no Pacto. Por consequência, entendeu que a Guatemala violou os artigos 5 (Direito à integridade física, psíquica e moral), 8 (Garantias judiciais) e 25 (Proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, condenando-o na reparação das consequências desta violação e no pagamento de uma justa indenização. Observa-se, assim, a importância de que o Estado exerça sua responsabilidade e tome todas as medidas necessárias para evitar os referidos fatos, investigue-os e sancione os responsáveis, e ainda informe aos familiares sobre o paradeiro do desaparecido e os indenize, conforme o caso.

3.3 Caso irmãs Serrano-Cruz: desaparecimento forçado é tortura aos familiares A Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja Convenção (Pacto de San Jose) considera que, nos casos de desaparecimento forçado configura-se a tortura de membros da família do desaparecido, enquanto crime continuado e imprescritível. Os precedentes da Corte Interamericana são os seguintes casos: Crianças de rua contra Guatemala, Blake contra Guatemala, Neira Alegria contra Peru e Irmãs Serrana Cruz contra El Salvador.

Assim no sistema interamericano, os familiares das vítimas presumidas têm o direito de conhecer os fatos, e o Estado tem a obrigação de investigar os fatos, o destino das vítimas, sua localização, identificação e entrega dos restos mortais aos familiares e de processar os responsáveis pelos ilícitos. O presente caso refere-se ao sequestro e desparecimento forçado em 12 de junho de 1982 de Ernestina e Erlinda Serrano Cruz, que foram levadas durante a operação militar, por integrantes do exército salvadorenho, conhecida como “Operación Limpieza”. A corte afirmou sua incompetência para decidir sobre a responsabilidade pelos fatos que findaram com o desaparecimento forçado de Ernestina e Erlinda Serrano Cruz, pois a aceitação da competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi posterior ao acontecimento, sendo ratificada em 6 de junho de 1995. Entretanto, a Corte estabeleceu que o aspecto substancial da controvérsia desse caso seria a análise dos processos internos permitiram a garantia do acesso à justiça consagrados pelo artigo 8 e 25 da Convenção Americana. A Corte destacou o dever estatal de evitar e combater a impunidade por meio da investigação, persecução, captura e condenação dos responsáveis pelas violações de direitos humanos, ressaltando a importância das medidas punitivas aos agentes estatais envolvidos como uma maneira de evitar a repetição crônica e a total falta de defesa das vítimas e seus familiares, buscando concretizar os valores que a Convenção Americana visa proteger. Afirma também o direito dos familiares a conhecer as circunstâncias e os responsáveis pelo desaparecimento forçado (direito de conhecer a verdade), presumindo uma investigação com diligência e efetividade dentro de um prazo razoável pelo poder estatal. A Corte sustenta que o direito de acesso à justiça não se esgota com o trâmite de processos internos, mas que eles também devem oferecer à vítima e aos familiares, em tempo razoável, o direito de conhecer o ocorrido e de punir os responsáveis, tendo em vista que uma demora prolongada, como no caso das irmãs Serrano- Cruz, constitui uma violação às garantias judiciais. Portanto, a Corte condenou o Estado de Guatemala pelas violações dos artigos 8º (garantias judiciais), 25 (proteção judicial), 5º (direito à integridade física, psíquica e moral) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de reparar as

consequências desta violação e indenizar justamente os familiares que também são vítimas das violações aos direitos declarados pelo Pacto San Jose, visto que viveram um sentimento de desintegração familiar, frustração, insegurança e impotência ao se deparar com as abstenções das autoridades judiciais, além de que a falta de investigação faz permanecer a esperança de encontrá-las com vida e obter um reencontro familiar. Esse caso contribuiu decisivamente para a construção e concretização do entendimento jurisprudencial da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca da inadmissibilidade de disposições de anistia, de prescrição que estabeleçam excludentes de responsabilidade e que visem impedir a investigação e punição dos responsáveis pelas violações, bem como determinou medidas importantes que deveriam ser adotadas pelo Estado de Guatemala para determinar o paradeiro de Ernestina e Erlinda Serrano Cruz como: uma comissão nacional de busca dos jovens que desapareceram quando criança durante o conflito armado com participação da sociedade civil; criação de um sistema de busca genética; além da prestação de assistência gratuita de tratamento médico e psicológico aos familiares das vítimas. Este caso também traz uma das características relevantes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos: a ênfase em medidas de reparação amplas que igualmente deem respostas efetivas às violações individuais sofridas, como também estabeleçam medidas de reparação coletivas e possibilitem que não haja repetição dos descumprimentos.

3.4 Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil Para uma exemplificação empiricamente regional e de grande repercussão, é importante a constatação do caso GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. Com ele é possível observar, a tortura, morte e desaparecimento de quase 90 (noventa) pessoas, que não só acreditam em seus direitos, mas também, lutaram por eles. Este caso conhecido como a “Guerrilha do Araguaia” foi, até o ano de 2008 o único interposto contra a ditadura militar no Brasil, com vítimas individualizadas, que chegou a um Tribunal Internacional. Como medida de exceção, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos admitiu a sua análise e apreciação, considerando que não houve resposta do Estado Brasileiro, quanto ao pedido dos familiares dos

desaparecidos na “Guerrilha do Araguaia”, sendo certo que houve morosidade no trâmite deste processo. Mediante ao ocorrido, em 07 de agosto de 1995, o CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) foi procurado pelos familiares dos desaparecidos no Araguaia. Houve denúncia do caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Estado Brasileiro sempre contestou, tentando se eximir da sua responsabilidade e requerendo seu arquivamento, com base na Lei da Anistia de 1979 (nº 6.683/79). Diante a negativa do Estado em prestar as informações que lhe foram solicitadas, a Comissão submeteu-o à jurisdição da Corte, para fins de esclarecerem-se os conflitos existentes entre as Leis da Anistia e o desaparecimento forçado de pessoas, bem como, as violações aos Direitos Humanos, que o caso “Guerrilha do Araguaia” havia disposto. A Comissão solicitou à Corte que verificasse o que se segue: a declaração da responsabilidade do Estado Brasileiro pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção, solicitou também à Corte que ordene ao Estado Brasileiro a adoção de medidas reparatórias. Torna-se perceptível que, durante todo o trâmite, o Estado Brasileiro requereu o arquivamento do ato, alegando: a incompetência da Corte para analisar o caso; a falta de esgotamento dos recursos internos; e a falta de interesse processual da Comissão e de seus Representantes. Todos estes “argumentos” foram indeferidos e rejeitados pela Corte, à exceção do primeiro, vez que o Brasil havia ratificado a Convenção Americana de Direitos humanos, em 10 de dezembro de 1998, dizendo expressamente que os casos de tortura e execução de pessoas, só poderiam ser analisados se ocorressem a partir daquela data. A Corte determinou ainda que o Brasil deveria conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-

los, determinar as responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei determine. Uma das consequências práticas dessa decisão foi que: a lei brasileira de anistia (Lei 6.683/1979) não possui valor jurídico para impedir a apuração dos referidos crimes cometidos aos que se propuseram a acatar ordens dessa natureza. O Poder Político brasileiro, para acobertar tais crimes, aprovou, em 1979, uma lei que foi considerada pela Corte, como uma verdadeira lei de auto-anistia. Objetivando

respeitar

a

hierarquia

das

normas

constitucionais

concomitantemente com a jurisdição internacional, tem-se como regra que: ocorrida a aceitação do Estado pela norma internacional, esta prevalece sobre a nacional. Ou seja, é hierarquicamente superior. No caso de conflito entre a decisão nacional e a de Corte internacional competente, prevalecerá à internacional, contrapondo-se à decisão da Suprema Corte Constitucional brasileira que no julgamento da ADPF 153, que propôs a inconstitucionalidade da Lei da Anistia, entendeu que a mesma lei era legítima, porém ela consiste em uma auto-anistia preparada e imposta governo militar. Logo, o entendimento jurisprudencial das decisões da Corte Interamericana permanece contrapondo-se à consideração da Lei da Anistia como forma de obstaculização das investigações e do acesso à justiça.

4. Problemas jurídicos do desaparecimento forçado A reparação da violação dos direitos humanos fundamenta-se na combinação dos recursos jurídicos nacionais e a responsabilidade internacional do Estado, por isso é válido destacar que ao combater a violação de direitos no âmbito interno é necessário que os instrumentos jurídicos fornecidos e disponíveis internamente sejam efetivos no combate às violações cometidas, visto que é obrigação do Estado assegurar esses recursos legais. Devido

à

combinação

desses

recursos

jurídicos

nacionais

com

a

responsabilidade internacional do Estado, é importante frisar o papel dos sistemas internacionais de direitos humanos e, aqui, especialmente o sistema regional interamericano na construção de medidas de enfrentamento e esclarecimento dos crimes que violam direitos humanos, como o caso de desaparecimento forçado. Vale ressaltar

que a justiça de transição6 estabelece vários pilares que visam à consolidação do período democrático por meio do reconhecimento e investigação da verdade pelo poder estatal, a reparação das vítimas e familiares envolvidos nos casos de violações, a punição penal dos agentes estatais envolvidos nos crimes, além da implementação de medidas que visem a não-repetição ou prevenção para que novos acontecimentos violadores de direitos humanos não venham a ocorrer, como foi observado na construção jurisprudencial da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os desafios da comunidade jurídica internacional são intensificados pela natureza contínua, permanente e clandestina do crime de desaparecimento forçado que dificultam a localização do paradeiro da vítima, o reconhecimento e investigação da verdade obstando a reparação às vítimas diretas e indiretas dessas violações. No que tange a prevenção ou não repetição desses atos, os instrumentos jurídicos quase sempre se demonstram ineficazes ou inutilizáveis nessas situações em que o Estado busca agir em espaços paralelos, rompendo com o dever estatal de proteção da liberdade e segurança dos cidadãos por meio de ações ou aquiescências decorrentes dos agentes ou instituições que não possibilitam o exercício das garantias jurídicas às pessoas desaparecidas e aos seus familiares. A característica de continuidade e permanência do desaparecimento forçado deve levar em conta que uma medida jurídica eficaz deve abranger tanto a possibilidade de cessar a violação e encontrar a vítima ainda com vida, como confirmar sua morte e conhecer as circunstâncias fáticas da detenção. Essa segunda possibilidade enquadra-se mais em uma função reparatória e esclarecedora dos fatos, buscando a concretização o direito à verdade e à memória aos familiares e amigos. Ao enfatizar a possibilidade de cessar a violação e encontrar a vítima com vida, discutem-se quais remédios jurídicos poderiam ser eficazes e cabíveis, tendo em vista que eles consistem em métodos legais disponíveis para a proteção, recuperação ou reparação de direitos pela sua violação, pois a simples existência dos direitos não é suficiente se não há instrumentos jurídicos que os garantam de forma efetiva. Nesse sentido destaca-se a importância da abordagem acerca da função do habeas corpus como um remédio jurídico. A Corte Interamericana de Direitos Humanos Justiça de Transição é um conceito utilizado para referir-se às medidas jurídicas e políticas aplicáveis à sociedades pós-conflito para a criação e consolidação da democracia. O termo foi disseminado através da obra clássica de Ruti Teitel “Transitional Justice”. 6

sugere que o habeas corpus é um instrumento jurídico eficaz como forma de remediar o desaparecimento forçado, pois é o remédio mais adequado disponível para corrigir prontamente o abuso estatal no caso de privação arbitrária de liberdade. Entretanto, a partir da própria construção jurisprudencial da Corte acerca do desaparecimento forçado, observa-se a ineficácia dessa medida. No caso Serrano Cruz contra El Salvador, por exemplo, o pedido de habeas corpus foi negado pelos tribunais por se considerar a aplicação somente em casos de privação de liberdade, assim somente detenções reconhecidas seriam abrangidas por tal instrumento. (Corte IDH. Caso de las Hermanas Serrano Cruz vs. El Salvador. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 1 de marzo de 2005. Serie C No.120) Os argumentos estatais para a negação da aplicação do habeas corpus variam desde a afirmação por parte do poder público da existência de um estado de exceção ou emergência, até a negação da própria detenção da vítima, como foi observado nos casos Goiburu contra Paraguai e Molina Theissen contra Guatemala decididos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, respectivamente. Além disso, é comum a alegação por parte dos Estados de que o requerente não forneceu informações suficientes acerca do local e das circunstâncias da detenção. Portanto, embora o conceito do habeas corpus consista em um instrumento jurídico perfeito na cessação da privação arbitrária de liberdade, sua utilização mostra-se impedida no caso do desaparecimento forçado por conta do seu caráter clandestino. E talvez esta seja uma das maiores perversões que este mecanismo desaparecedor engendra: tornar impossível ter acesso a qualquer tipo de informação vez que por não ter sido oficialmente preso não há histórico de local ou data, o que inviabiliza a utilização de garantias judiciais. O direito não tem mecanismos suficientes para lidar com a ausência (de informações, de relatos, de corpo) e com isso resta às famílias a lembrança e explicações (em geral negativas) vazias. Observando os esforços internacionais para estabelecer padrões mínimos de proteção contra o crime de desaparecimento forçado, destacam-se os avanços proporcionados pela Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desparecimento Forçado (ONU). Essa convenção estabeleceu diretrizes importantes para a prevenção e cessação das violações, pois assegura que qualquer pessoa possa alegar o desaparecimento forçado, acionando automaticamente a investigação, garantindo a proteção dos participantes dela e sancionando atos que a

obstruam. (artigo 12 da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desparecimento Forçado). Isso significa uma maior proteção à vítima direta, visto que o desaparecido fica impossibilitado de arguir qualquer defesa jurídica em nome próprio. Ainda em relação ao sistema global, recentemente a ONU noticiou e expôs suas preocupações acerca da responsabilidade dos estados para a resolução dos crimes de desaparecimento forçado, dando um enfoque maior ao amparo às famílias, aos amigos e às instituições não governamentais de direitos humanos que se dispõem a procurar informações enquanto se deparam com a omissão do Estado. Ao sugerir medidas efetivas para a erradicação dessa prática, os especialistas da ONU 7 destacaram a importância da ratificação da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desparecimento Forçado, por oferecer um conjunto de garantias internacionais à proteção dos enlutados em seu direito de saber a verdade, a investigação, o destino e as circunstâncias do desaparecimento forçado. Dessa forma, o habeas corpus seria uma medida eficaz no caso do desaparecimento forçado, como crime contínuo e clandestino, quando houvesse a possibilidade de ser invocado sem participação ativa do desaparecido, assim como a punição dos agentes estatais que tentassem impedir ou dificultar a atuação das vítimas indiretas no combate aos efeitos e na busca de esclarecimentos acerca do crime, o que procurou se estabelecer na Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desparecimento Forçado de 1992. Ademais, um desafio considerável ao tratarmos de desaparecimento forçado é a ausência de previsão legislativa em muitos países, como é o caso do Brasil. A despeito da ratificação em 29 de novembro 2010 da Convenção da ONU sobre o tema, o delito não é tipificado no ordenamento brasileiro, o que tem levado com que se utilize o crime de sequestro8 como parâmetro jurídico.

Disseram os representantes do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, Ariel Dulitzky, e do Comitê sobre Desaparecimentos Forçados, Emmanuel Decaux. 8 A utilização do tipo de sequestro para tratar de desaparecimentos ocorridos na ditadura foi consolidada com as decisões do STF nas extradições 974-5 e 1.150. No primeiro o governo argentino solicitou extradição do coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini pelo desaparecimento de um argentino. O delito de desaparecimento consta no CP argentino, e a despeito de não ter referência análoga no Brasil, 9 dos 11 ministros do STF deferiram a extradição. No caso 1.150 o STF considerou que nos casos de desaparecimento forçado de pessoas o sumiço é crime permanente, e, portanto, não abrangido por leis de anistia. 7

5. Considerações Finais Após as análises das origens históricas da prática do desaparecimento forçado nos regimes ditatoriais latinos e de sua reiterada prática conclui-se a importância da criação de mecanismos de repressão e que investiguem adequadamente o crime de desaparecimento forçado nos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos, principalmente o interamericano, objeto deste trabalho. É de suma importância a análise dos tratados internacionais acerca do tema (tanto no âmbito global quanto regional), bem como a jurisprudência proporcionada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que busca consolidar medidas internacionais que possam ser combinadas com aparatos internos dos Estados partes para garantir uma maior proteção dos direitos humanos. Apesar das dificuldades apresentadas acerca do crime de desaparecimento forçado (crime contínuo e clandestino), os avanços proporcionados pela Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos permitem uma maior proteção dos cidadãos submetidos ao poder estatal, ainda que enfrentem grandes dificuldades na sua cessação e prevenção. Infelizmente, o problema do desaparecimento de pessoas não ficou nos anos 6070, mas é atual e precisa ser combatido continuamente, pensando sempre em medidas limitadoras do poder público tendo em vista o respeito à dignidade da pessoa humana, que é considerado o princípio fundador da problemática internacional em torno do tema de direitos humanos.

Referências:

Estatuto de Roma, 1998. Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, 1994.

PALERMO, Pablo Galain. Uruguai. In: AMBOS, Kai. (org.) Desaparición Forzada de Personas ANÁLISIS COMPARADO E INTERNACIONAL. Bogotá: Editorial Temis, 2009.

Estatuto do Tribunal Penal Internacional, 1988.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos. FLORATH, Tanja. Effective Remedies for Enforced Disappearances - The Suitability of Habeas Corpus, 2013. Disponível em: . Acesso em: 17 de Outubro de 2014. Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, 1992.

PERRUSO, Akemi Camila. O Desaparecimento Forçado de Pessoas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos - Direitos Humanos e Memória. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010.

LEISTER, Anne Margareth. Do desaparecimento forçado na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e no Supremo Tribunal Federal. São Paulo, 2009.

ONU. At General Assembly, UN experts urged global action on enforced disappearances. 22 Outubro 2014. Disponível em: Acesso em: 25

de Outubro de 2014. Casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentencia de 29 de julio de 1988. Serie C No. 4

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