\" EU SEMPRE QUIS TOCAR SAXOFONE \" X \" EU NÃO QUERIA TOCAR TROMBONE \" : EXPLORANDO A REGULAÇÃO SEMIÓTICA NA ESCOLHA DO INSTRUMENTO MUSICAL RESUMO

May 27, 2017 | Autor: Tatiana Valério | Categoria: Bandas De Música, Psicologia Cultural, escolha do instrumento musical, regulação semiótica
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“EU SEMPRE QUIS TOCAR SAXOFONE” X “EU NÃO QUERIA TOCAR TROMBONE”: EXPLORANDO A REGULAÇÃO SEMIÓTICA NA ESCOLHA DO INSTRUMENTO MUSICAL Lilian Danila Guimarães dos Santos1, Mateus Henrique da Silva2, Jandson Ferreira da Silva3, Tatiana Alves de Melo Valério4 Discente da Licenciatura em Práticas Interpretativas da Música Popular Brasileira (LPIMPB) – IFPE Campus Belo Jardim. Bolsista de Iniciação Científica (IC) do CNPq/IFPE. e-mail: [email protected]; ²Discente da LPIMPB – IFPE. Bolsista de IC do CNPq/IFPE. e-mail: [email protected]; ³Docente da LPIMPB- IFPE. e-mail: [email protected]; 5 Docente da LPIMPB- IFPE. e-mail: [email protected] 1

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RESUMO: Esse artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa mais abrangente sobre a escolha do instrumento musical, em desenvolvimento no IFPE Campus Belo Jardim. Nosso objeto de investigação foi o sistema de regulação semiótica, ocorrendo nesse processo de escolha. Buscamos explorar a atuação de signos reguladores semióticos (sugestões sociais), guiando e regulando o sujeito no processo de escolha do instrumento musical. Filiamo-nos aos fundamentos teóricos e metodológicos da Psicologia Cultural Semiótica que se preocupa com a construção de significados do sujeito, isto é, a criação e uso de signos, ocorrendo numa relação interdependente entre o sujeito e o ambiente. Participaram desse estudo um músico e uma musicista – estudantes de um curso de licenciatura em Música. Dois signos reguladores foram identificados – “relações familiares” e “banda de música”. Novos estudos são necessários para se chegar a um modelo de regulação semiótica sobre o fenômeno investigado. Palavras–chave: banda de música, Psicologia Cultural Semiótica, regulação semiótica, relações familiares.

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This paper presents partial results of a broader research about the psychological processes involved in the choice of the musical instrument, underway at IFPE Campus Belo Jardim, Our research object was the semiotic regulation system, occurring in the process of a choice. We seek to explore the role of semiotic regulatory signs (social suggestions), guiding and regulating the subject in the process of choosing a musical instrument. We adopted the theoretical and methodological foundations of Semiotics Cultural Psychology that is concerned with the subject’s meaning making process, that is, the creation and use of signs, occurring in an interdependent relationship between the subject and the environment. Two musicians (a man and a woman), who are students in Music Undergraduate Course (licentiate), paticipated in this study. Two regulatory signs have been identified - "family

"I’VE ALWAYS WANTED TO PLAY THE SAX" VS "I DIDN’T WANT TO PLAY THE TROMBONE": EXPLORING SEMIOTICS REGULATION IN THE MUSICAL INSTRUMENT CHOICE ABSTRACT:

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relationships" and "music band." Further studies are required to reach a semiotic regulation model of the investigated phenomenon.

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KEYWORDS: Cultural Psychology Semiotics, music band, semiotic regulation, family relationships

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.INTRODUÇÃO

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O presente artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa mais abrangente, em

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desenvolvimento no IFPE Campus Belo Jardim, por docentes e discentes do Curso de

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licenciatura em Música, que investiga a construção de significados sobre a escolha do

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instrumento musical, à luz da Psicologia Cultural Semiótica (VALSINER, 2000, 2012, 2014).

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O recorte aqui proposto volta-se à investigação do sistema de regulação semiótica,

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especificamente, aquilo que diz respeito à atuação das sugestões sociais nessa dinâmica.

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Valsiner (2000b) localiza a Psicologia Cultural Semiótica dentro de um campo

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epistêmico maior, ao qual chama Ciência Desenvolvimental. Segundo ele, a pedra angular de

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qualquer Ciência Desenvolvimental é considerar o fenômeno sobre o qual se debruça como

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resultado de um processo de crescimento/desenvolvimento que ocorre com um tempo

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irreversível (VALSINER; LYRA, 2011) e que este é, portanto, uma novidade face ao sistema

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no qual está inserido. Como exemplos, podemos citar: o surgimento de novas estruturas em

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um feto, visto pela Embriologia; o aparecimento de um novo tipo de bactéria, resistente aos

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antibióticos comumente utilizados no combate de determinada mazela abordado pela

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Infectologia; a gênese dos Processos Psicológicos Superiores a partir das crises no

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desenvolvimento e da interação social na psicologia histórico-cultural; o nascimento do juízo

54

moral na criança, a partir do processo de equilibração na teoria de Piaget, dentre outros. Todas

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as disciplinas citadas carregam aspectos bem definidos da Ciência Desenvolvimental.

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Essa abordagem preocupa-se com a construção de significados do sujeito, isto é, a

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criação e uso de signos, ocorrendo numa relação interdependente entre o sujeito e o ambiente.

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Nesse processo, a própria cultura é entendida como um sistema de mediação e regulação

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semióticas (VALSINER, 2012; 2014). Sendo assim, o sujeito psicológico aqui está para seu

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meio (ambiente físico imediato e rede de relações sociais) numa relação de separação

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inclusiva (VALSINER, 2012) e, sendo tomado como um sistema aberto, realiza constantes

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trocas com este meio. O veículo por excelência dessas trocas são os signos, que participam

63

das funções psicológicas humanas, ligando as pessoas com o ambiente na constante

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canalização ao futuro. A noção de signo adotada na psicologia cultural deriva diretamente das

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formulações de Charles Sanders Pierce na área de semiótica: “um signo é um objeto que está

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para a mente (ou aos olhos) de alguém em lugar de outra coisa” (PIERCE, 1873/1986, in

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VALSINER, 2012, p.39). “Mas a mediação semiótica não estuda os signos apenas

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representando alguma coisa. Se assim o fosse, tal prática não nos ajudaria muito a

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compreender o caráter desenvolvimental de qualquer fenômeno psicológico sob estudo”

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(VALÉRIO, 2013). A mediação semiótica vai além da representação do mundo como ele é,

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porque em cada representação de um signo, está uma apresentação, isto é, uma sugestão para

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o futuro (ABBEY; VALSINER, 2005), que para cada pessoa varia de acordo com seu

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background histórico-cultural.

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Segundo Valsiner (2001), os signos operam psicologicamente somente através dos

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mundos intrapsicológicos. O autor ainda nos explica que “os signos são subjetivamente

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construídos, interpessoalmente consolidados, e armazenados em ambos os domínios intra e

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interpsicológicos” (p.87). Na constante reconstrução de seus mundos intrapsíquicos – através

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de trocas contínuas de materiais perceptivos (biológico) e semióticos (psicológico) –, os seres

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humanos são guiados por sugestões sociais e campos afetivos, numa relação interdependente,

80

em um processo de internalização e externalização:

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A internalização é o processo de análise dos materiais semióticos existente externamente e de sua síntese na forma de novidade no domínio intrapsíquico. [...] A externalização é o processo de análise do material (subjetivo) da cultura pessoal intrapsicologicamente existente durante sua transposição do interior da pessoa para seu exterior, e a modificação do ambiente externo como uma forma de nova síntese deste material. (VALSINER, 2007, p.340)

O processo dual de internalização e externalização garante o não-isomorfismo entre as

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culturas coletiva e pessoal, fazendo com que cada indivíduo seja uma pessoa única enquanto

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baseado no mesmo background geral da cultura coletiva. Essa noção descreve o modelo

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bidirecional de reconstrução cultural (Valsiner, 2000, 2012). O modelo bidirecional foi

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formulado por Valsiner (1994), a partir do conceito médico de contágio. Ele comparou as

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inúmeras "sugestões sociais" que influenciam uma pessoa com vírus culturais.

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A pessoa passa, então, a ser considerada como um ser ativo que luta contra estes vírus culturais, podendo neutralizá-los, rejeitá-los ou simplesmente aceitá-los. Nesse processo, à medida que as sugestões sociais são internalizadas pela pessoa, são transformadas em

significados pessoais e, então, externalizadas. Como resultado desse processo, surgem novas formas culturais, mas nem sempre esse processo de construção de significados pessoais ocorre sem problemas. Na maioria dos casos, os significados pessoais são construídos a partir de tensões e conflitos, negociações e renegociações com as sugestões sociais existentes (VALÉRIO, 2013, p.46)

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Nesses processos, a mediação semiótica – entendida como cultura – permite tanto a

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transformação (flexibilidade) como a manutenção (estabilidade) de normas e valores que

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funcionam como guias e reguladores semióticos das nossas experiências de vida

109

(VALSINER, 2007). Nessa dinâmica, sugestões sociais (mitos, crenças, representações

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sociais etc) podem atuar como signos reguladores no processo de construção de significados

111

pessoais. Por exemplo, em estudo realizado por Oliveira et al (artigo submetido) acerca da

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ambivalência experienciada na trajetória de um músico, comparações negativas (sugestões

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sociais) entre a performance desse percussionista e a do seu pai (destacada como superior),

114

passaram a regular o processo de construção de significados pessoais do músico acerca do seu

115

próprio desempenho musical, levando-o à experienciar um processo de mudança de

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instrumento. Esse dado revela a função reguladora que os signos podem desempenhar nos

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processos de internalização e externalização de significados.

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Sendo assim, podemos diz que: “signos são fabricados por mentes e mentes operam

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por meio de signos” (VALSINER, 2012a, p. 39) e que a experiência humana é “uma realidade

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subjetiva culturalmente organizada e constantemente recriada de modo pessoal” (VALSINER,

121

2012c, p. ix). E é a atuação de signos reguladores semióticos (sugestões sociais), guiando e

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regulando o sujeito no processo de escolha do instrumento musical, que exploramos nesse

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estudo.

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MATERIAL E MÉTODO

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Nosso estudo baseia-se na generalização analítica, proposta por Yin (2003), isto é,

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lançamos mão de uma teoria previamente desenvolvida como modelo genérico, com o qual se

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devem comparar os resultados empíricos do estudo de caso – diferente da generalização

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estatística (habilidade de fazer inferência estatística sobre uma população, baseada na

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pesquisa de uma pequena amostra daquela população).

131

Nesse sentido, esclarecemos que a psicologia foca na busca de conhecimento

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generalizado através da evidência empírica. Como isto é possível? Em termos gerais, acontece

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através do movimento que vai de uma observação específica (ou observações) à um modelo

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abstrato e que é sucessivamente testado em futuras observações. Essas novas observações

135

conduzem a reformulação do modelo inicial em sua forma abstrata que, por sua vez, leva a

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testá-lo sob novas circunstâncias, em contextos diferentes” (VALSINER, 2000, p. 76)

137

Portanto, o modelo gerado a partir da observação do primeiro caso é aplicado a outros

138

casos, alterado e melhorado, de forma que seu poder analítico cresça em generalidade e possa

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dar conta de mais e mais situações. Por fim, a generalização se dá na medida em que o

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modelo, em suas reformulações, se mostra capaz de explicar não somente casos semelhantes,

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mas casos cada vez mais distintos, possibilitando uma compreensão tanto da organização

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genérica quanto das particularidades de funcionamento deste fenômeno em casos individuais.

143

Desta maneira, numa proposta de pesquisa em psicologia do desenvolvimento, a partir de um

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inquérito de base idiográfica (MOLENAAR,2004), por exemplo, o que é passível de

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generalização não são os produtos do desenvolvimento e sim, os processos que levaram à

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construção de tais produtos.

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Participantes e procedimentos de construção e análise de dados

149

Os participantes selecionados para a pesquisa, foram dois alunos do 2º período do

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curso de Licenciatura em Música – Campus Belo Jardim, um do sexo masculino e um do sexo

151

feminino - Mariana e Miguel (nomes fictícios). Os estudantes tiveram sua participação

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formalizada através da leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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(TCLE) e Termo de Cessão de Direito de Uso de Imagem, Som e voz (TCDUIS).

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Foi realizada uma entrevista reconstrutiva semiestruturada, áudio e videogravada.

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Começamos a entrevista com a seguinte questão: “vamos começar com você contando como

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começou sua história com a música”. A partir desta, outras questões foram feitas,

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considerando os seguintes temas: a) apoio recebido ou não; b) relação com os

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instrutores/professores/maestros; c) dificuldades enfrentadas; d) emoções e sentimentos

159

envolvidos quando toca o instrumento X, entre outras.

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Para análise, recorremos aos pressupostos da psicologia cultural semiótica, buscando

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identificar, na trajetória dos participantes, através de suas externalizações, as sugestões sociais

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que mediaram e regularam a escolha do instrumento musical, considerando o instrumento

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atual que cada participante toca.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

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Nosso estudo buscou conhecer as histórias de vida de um músico e de uma musicista,

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estudantes de uma licenciatura em música, para desvendar, através da investigação do

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processo cultural da construção de significados sobre a escolha do instrumento musical, quais

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as sugestões sociais que atuaram nesse processo como signos reguladores em tal escolha.

170

Foram identificados dois signos reguladores, atuando na escolha do instrumento

171

musical. Signo “relações familiares”, no discurso de Marina e signo “disponibilidade do

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instrumento na banda”, no discurso de Miguel.

173 174

Relações familiares

175

Na escolha do instrumento musical, observamos que as relações familiares

176

desempenham um papel importante. No caso de Mariana, percebe-se que esse signo regula

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sua construção de significados, inicialmente, sobre música, uma vez que havia uma atmosfera

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favorável para apreciação e performance musical em sua residência. Como podemos perceber

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no trecho abaixo:

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Mariana: “[...] lá em casa (o povo) sempre gostou muito de música. Lá tinha tambor, pandeiro, tudo. Violão. E meu pai tocava violão. Aí meu pai pegava o violão, meu irmão mais velho o tambor, minha mãe o pandeiro, aí ficava todo mundo ‘zoando’ e nós tudo ‘piquininim’ ficava brincando”[Fonte própria].

184

Valsiner (2012) declara que as experiências humanas são afetivas e cognitivas, e que a

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vida psicológica, mediada por signos, é “afetiva em sua natureza”, sendo esta a “tese central

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da perspectiva semiótica da psicologia cultural” (p.251). Para esta teoria, as experiências

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humanas são ainda reguladas socialmente por signos que carregam sugestões sociais. Mariana

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vivenciou inúmeras situações em família, envolvendo a música, instrumentos musicais

189

diversos, mas, principalmente, o saxofone. E foi esse o instrumento escolhido por ela. Mais

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uma vez, podemos perceber em seu relato, o signo que aqui chamamos de

“relações

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familiares”, atuando nessa escolha. Todos em sua casa, desde pequenos, escutavam o sax e

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gostavam muito daquele som. Vejamos:

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Mariana: “Porque desde que eu era muito novinha que eu via o saxofone. Eu via vários instrumentos, mas só achava bonito o saxofone, e eu amava o som do saxofone. Meu pai gostava... gosta muito de música instrumental. Inclusive, ele tinha coleções originais de Richard Cleyderman, esse pessoal assim. Só música instrumental mesmo. E nós começamos a ouvir, e toda vez que ele colocava alguma coisa de sax, eu ficava aquilo. Todo mundo lá de casa era fascinado por sax, eu nem lembro, nós tocamos flauta, violão, meu irmão toca baixo, mas todo mundo teve aquela coisa “eita, o sax”, coisa linda! Via todos os instrumentos, mas o sax era [...].

201

Outros instrumentos musicais foram oferecidos a Mariana, quando ela passou a

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frequentar aulas de música em um projeto social da sua cidade. Mas ela já havia escolhido seu

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instrumento, regulada pelas sugestões sociais que atuaram como reguladores semióticos no

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processo de escolha do instrumento. Vejamos:

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Mariana: [...] inclusive quando eu entrei no Pro Jovem, a gente fazia um teste com todos os instrumentos e tinha gente que saia de instrumento em instrumento vendo o que conseguia. E o professor chegou e disse, “você quer começar por qual? ” E eu: “Sax.” Aí quando eu soube... que, eu já vinha naquela louca pra tocar sax, aí pronto. Aí ele: “Você não quer testar outro não?” Aí eu disse: “Não, fico com o sax. Se o som ficar feio, tem nada não, a pessoa estuda e ajeita”. Foi assim, eu já gostava”. [Fonte própria].

212 213

A Banda de música como regulador semiótico na escolha do instrumento musical

214

As bandas de música desempenham um papel fundamental na iniciação e formação

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musical de crianças e jovens, principalmente, em cidades do interior Pernambuco – a exemplo

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de outros estados brasileiros. Caracterizam-se como espaços não-formais de educação, que

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segundo Sousa (2015), possui forte apelo para formação de músicos para as forças armadas

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(marinha, exército e aeronáutica) e as forças auxiliares (polícia militar, corpo de bombeiro),

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tendo seu trabalho pedagógico inspirado nessas instituições.

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No que concerne à escolha do instrumento musical nesses espaços, nem sempre o aprendiz da banda-escola pode escolher o instrumento musical. Isto porque: A banda-escola possui um quantitativo limitado, ficando impossibilitada, na maioria dos casos, em atender as escolhas indicadas pelos seus aprendizes. Nessas circunstâncias os instrumentos são distribuídos de acordo com a disponibilidade da banda ou ainda atendendo a atributos do biótipo (exemplo: ser mulher, ser homem, ser alto, ser baixo, possuir lábios grossos ou finos, etc.) (SOUSA, 2015, p.12).

228

Miguel, músico trombonista, viveu essa experiência. E em seu caso particular, sua

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escolha foi regulada e modificada pelo signo que aqui chamamos “banda de música”.

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Vejamos na fala do participante:

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Miguel: “[...] no início na verdade eu não queria pegar o trombone eu queria um sax, só que o maestro não quis me dar um sax porque ele falou que não tinha e eu peguei trombone porque era o jeito, e eu pretendia mudar para o sax depois”. [Fonte própria]

235

Esse dado parece ser muito presente na realidade de bandas de música – embora o(a)

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aprendiz tenha o desejo de tocar determinado instrumento, a necessidade da banda, aliada à

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disponibilidade do instrumento, configuram-se como duas sugestões sociais importantes no

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processo de escolha do instrumento musical. Como discutido acima, nem sempre a banda-

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escola disponibiliza o instrumento que o aprendiz deseja (SOUSA, 2015) - os instrumentos

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estão ocupados por outros alunos ou a banda não possui aquele instrumento.

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Para Psicologia Cultural Semiótica, que concebe a cultura como mediação e regulação

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semiótica, a escolha do instrumento musical é uma experiência sociocultural. Logo, essa

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experiência é construída na relação interdependente do sujeito com o seu ambiente,

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mobilizando aspectos biológicos, sociais e culturais. Como apontado na análise acima, dois

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signos reguladores foram identificados, a saber, “relações familiares” e “banda de música”.

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O primeiro signo – “relações familiares” – atuou na regulação em favor da

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manutenção da cultura pessoal da musicista. Isto é, ela experienciava situações afetivas e

248

cognitivas com a música e com o saxofone, criando para ela um campo afetivo (“tocar

249

saxofone é bom”), que passou a guiar e regular suas ações, em especial, a experiência

250

sociocultural de escolher seu instrumento musical. Já o segundo signo, “banda de música”, fez

251

o músico Miguel aceitar uma sugestão social (“Só temos o trombone para você”) que regulou

252

sua experiência de escolha do instrumento musical. Esse processo de regulação, o afastou do

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primeiro instrumento desejado por ele – o saxofone. Essa regulação deflagrou no músico um

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processo de tensão que requereu do mesmo um ajuste ao ambiente (ZITTOUN, et al., 2013).

255

Posteriormente, ele passou a gostar do instrumento e decidiu permanecer com o trombone.

256 257

CONCLUSÃO

258

A investigação da escolha do instrumento musical, entendida como uma experiência

259

sociocultural, exige esforços para dar conta de uma gama de aspectos constitutivos desse

260

processo. Nesse artigo, contribuímos com essa discussão, trazendo dois signos reguladores

261

que atuam na escolha. Utilizamos os pressupostos teóricos e metodológicos da Psicologia

262

Cultural Semiótica, filiada à ciência idiográfica (MOLENAAR,2004), onde se defende a

263

generalização do conhecimento a partir de estudos de caso (YIN, 2003).

264

Os resultados apontaram dois reguladores semióticos que influenciaram na escolha do

265

instrumento musical de dois estudantes da licenciatura em música: relações familiares e

266

banda de música. Estudos que busquem ampliar a descrição do sistema de regulação

267

semiótica na escolha do instrumento musical são requeridos. Assim, novos casos precisam ser

268

pesquisados.

269 270

AGRADECIMENTOS

271

Agradecemos à PROPESQ-IFPE pelo incentivo à pesquisa e ao CNPq pelo financiamento da

272

mesma. Agradecemos, também, ao Laboratório de Estudos do Desenvolvimento na Cultura:

273

Comunicação e Práticas Sociais – LabCCom-UFPE, através Profª Dra. Maria C.D.P. Lyra,

274

pela parceria e aprendizado.

275 276

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