“EU SEMPRE QUIS TOCAR SAXOFONE” X “EU NÃO QUERIA TOCAR TROMBONE”: EXPLORANDO A REGULAÇÃO SEMIÓTICA NA ESCOLHA DO INSTRUMENTO MUSICAL Lilian Danila Guimarães dos Santos1, Mateus Henrique da Silva2, Jandson Ferreira da Silva3, Tatiana Alves de Melo Valério4 Discente da Licenciatura em Práticas Interpretativas da Música Popular Brasileira (LPIMPB) – IFPE Campus Belo Jardim. Bolsista de Iniciação Científica (IC) do CNPq/IFPE. e-mail:
[email protected]; ²Discente da LPIMPB – IFPE. Bolsista de IC do CNPq/IFPE. e-mail:
[email protected]; ³Docente da LPIMPB- IFPE. e-mail:
[email protected]; 5 Docente da LPIMPB- IFPE. e-mail:
[email protected] 1
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RESUMO: Esse artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa mais abrangente sobre a escolha do instrumento musical, em desenvolvimento no IFPE Campus Belo Jardim. Nosso objeto de investigação foi o sistema de regulação semiótica, ocorrendo nesse processo de escolha. Buscamos explorar a atuação de signos reguladores semióticos (sugestões sociais), guiando e regulando o sujeito no processo de escolha do instrumento musical. Filiamo-nos aos fundamentos teóricos e metodológicos da Psicologia Cultural Semiótica que se preocupa com a construção de significados do sujeito, isto é, a criação e uso de signos, ocorrendo numa relação interdependente entre o sujeito e o ambiente. Participaram desse estudo um músico e uma musicista – estudantes de um curso de licenciatura em Música. Dois signos reguladores foram identificados – “relações familiares” e “banda de música”. Novos estudos são necessários para se chegar a um modelo de regulação semiótica sobre o fenômeno investigado. Palavras–chave: banda de música, Psicologia Cultural Semiótica, regulação semiótica, relações familiares.
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This paper presents partial results of a broader research about the psychological processes involved in the choice of the musical instrument, underway at IFPE Campus Belo Jardim, Our research object was the semiotic regulation system, occurring in the process of a choice. We seek to explore the role of semiotic regulatory signs (social suggestions), guiding and regulating the subject in the process of choosing a musical instrument. We adopted the theoretical and methodological foundations of Semiotics Cultural Psychology that is concerned with the subject’s meaning making process, that is, the creation and use of signs, occurring in an interdependent relationship between the subject and the environment. Two musicians (a man and a woman), who are students in Music Undergraduate Course (licentiate), paticipated in this study. Two regulatory signs have been identified - "family
"I’VE ALWAYS WANTED TO PLAY THE SAX" VS "I DIDN’T WANT TO PLAY THE TROMBONE": EXPLORING SEMIOTICS REGULATION IN THE MUSICAL INSTRUMENT CHOICE ABSTRACT:
32 33
relationships" and "music band." Further studies are required to reach a semiotic regulation model of the investigated phenomenon.
34 35 36
KEYWORDS: Cultural Psychology Semiotics, music band, semiotic regulation, family relationships
37
.INTRODUÇÃO
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O presente artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa mais abrangente, em
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desenvolvimento no IFPE Campus Belo Jardim, por docentes e discentes do Curso de
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licenciatura em Música, que investiga a construção de significados sobre a escolha do
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instrumento musical, à luz da Psicologia Cultural Semiótica (VALSINER, 2000, 2012, 2014).
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O recorte aqui proposto volta-se à investigação do sistema de regulação semiótica,
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especificamente, aquilo que diz respeito à atuação das sugestões sociais nessa dinâmica.
44
Valsiner (2000b) localiza a Psicologia Cultural Semiótica dentro de um campo
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epistêmico maior, ao qual chama Ciência Desenvolvimental. Segundo ele, a pedra angular de
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qualquer Ciência Desenvolvimental é considerar o fenômeno sobre o qual se debruça como
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resultado de um processo de crescimento/desenvolvimento que ocorre com um tempo
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irreversível (VALSINER; LYRA, 2011) e que este é, portanto, uma novidade face ao sistema
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no qual está inserido. Como exemplos, podemos citar: o surgimento de novas estruturas em
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um feto, visto pela Embriologia; o aparecimento de um novo tipo de bactéria, resistente aos
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antibióticos comumente utilizados no combate de determinada mazela abordado pela
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Infectologia; a gênese dos Processos Psicológicos Superiores a partir das crises no
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desenvolvimento e da interação social na psicologia histórico-cultural; o nascimento do juízo
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moral na criança, a partir do processo de equilibração na teoria de Piaget, dentre outros. Todas
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as disciplinas citadas carregam aspectos bem definidos da Ciência Desenvolvimental.
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Essa abordagem preocupa-se com a construção de significados do sujeito, isto é, a
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criação e uso de signos, ocorrendo numa relação interdependente entre o sujeito e o ambiente.
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Nesse processo, a própria cultura é entendida como um sistema de mediação e regulação
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semióticas (VALSINER, 2012; 2014). Sendo assim, o sujeito psicológico aqui está para seu
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meio (ambiente físico imediato e rede de relações sociais) numa relação de separação
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inclusiva (VALSINER, 2012) e, sendo tomado como um sistema aberto, realiza constantes
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trocas com este meio. O veículo por excelência dessas trocas são os signos, que participam
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das funções psicológicas humanas, ligando as pessoas com o ambiente na constante
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canalização ao futuro. A noção de signo adotada na psicologia cultural deriva diretamente das
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formulações de Charles Sanders Pierce na área de semiótica: “um signo é um objeto que está
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para a mente (ou aos olhos) de alguém em lugar de outra coisa” (PIERCE, 1873/1986, in
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VALSINER, 2012, p.39). “Mas a mediação semiótica não estuda os signos apenas
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representando alguma coisa. Se assim o fosse, tal prática não nos ajudaria muito a
69
compreender o caráter desenvolvimental de qualquer fenômeno psicológico sob estudo”
70
(VALÉRIO, 2013). A mediação semiótica vai além da representação do mundo como ele é,
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porque em cada representação de um signo, está uma apresentação, isto é, uma sugestão para
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o futuro (ABBEY; VALSINER, 2005), que para cada pessoa varia de acordo com seu
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background histórico-cultural.
74
Segundo Valsiner (2001), os signos operam psicologicamente somente através dos
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mundos intrapsicológicos. O autor ainda nos explica que “os signos são subjetivamente
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construídos, interpessoalmente consolidados, e armazenados em ambos os domínios intra e
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interpsicológicos” (p.87). Na constante reconstrução de seus mundos intrapsíquicos – através
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de trocas contínuas de materiais perceptivos (biológico) e semióticos (psicológico) –, os seres
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humanos são guiados por sugestões sociais e campos afetivos, numa relação interdependente,
80
em um processo de internalização e externalização:
81 82 83 84 85 86 87 88
A internalização é o processo de análise dos materiais semióticos existente externamente e de sua síntese na forma de novidade no domínio intrapsíquico. [...] A externalização é o processo de análise do material (subjetivo) da cultura pessoal intrapsicologicamente existente durante sua transposição do interior da pessoa para seu exterior, e a modificação do ambiente externo como uma forma de nova síntese deste material. (VALSINER, 2007, p.340)
O processo dual de internalização e externalização garante o não-isomorfismo entre as
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culturas coletiva e pessoal, fazendo com que cada indivíduo seja uma pessoa única enquanto
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baseado no mesmo background geral da cultura coletiva. Essa noção descreve o modelo
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bidirecional de reconstrução cultural (Valsiner, 2000, 2012). O modelo bidirecional foi
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formulado por Valsiner (1994), a partir do conceito médico de contágio. Ele comparou as
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inúmeras "sugestões sociais" que influenciam uma pessoa com vírus culturais.
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A pessoa passa, então, a ser considerada como um ser ativo que luta contra estes vírus culturais, podendo neutralizá-los, rejeitá-los ou simplesmente aceitá-los. Nesse processo, à medida que as sugestões sociais são internalizadas pela pessoa, são transformadas em
significados pessoais e, então, externalizadas. Como resultado desse processo, surgem novas formas culturais, mas nem sempre esse processo de construção de significados pessoais ocorre sem problemas. Na maioria dos casos, os significados pessoais são construídos a partir de tensões e conflitos, negociações e renegociações com as sugestões sociais existentes (VALÉRIO, 2013, p.46)
98 99 100 101 102 103 104 105 106
Nesses processos, a mediação semiótica – entendida como cultura – permite tanto a
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transformação (flexibilidade) como a manutenção (estabilidade) de normas e valores que
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funcionam como guias e reguladores semióticos das nossas experiências de vida
109
(VALSINER, 2007). Nessa dinâmica, sugestões sociais (mitos, crenças, representações
110
sociais etc) podem atuar como signos reguladores no processo de construção de significados
111
pessoais. Por exemplo, em estudo realizado por Oliveira et al (artigo submetido) acerca da
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ambivalência experienciada na trajetória de um músico, comparações negativas (sugestões
113
sociais) entre a performance desse percussionista e a do seu pai (destacada como superior),
114
passaram a regular o processo de construção de significados pessoais do músico acerca do seu
115
próprio desempenho musical, levando-o à experienciar um processo de mudança de
116
instrumento. Esse dado revela a função reguladora que os signos podem desempenhar nos
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processos de internalização e externalização de significados.
118
Sendo assim, podemos diz que: “signos são fabricados por mentes e mentes operam
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por meio de signos” (VALSINER, 2012a, p. 39) e que a experiência humana é “uma realidade
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subjetiva culturalmente organizada e constantemente recriada de modo pessoal” (VALSINER,
121
2012c, p. ix). E é a atuação de signos reguladores semióticos (sugestões sociais), guiando e
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regulando o sujeito no processo de escolha do instrumento musical, que exploramos nesse
123
estudo.
124 125
MATERIAL E MÉTODO
126
Nosso estudo baseia-se na generalização analítica, proposta por Yin (2003), isto é,
127
lançamos mão de uma teoria previamente desenvolvida como modelo genérico, com o qual se
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devem comparar os resultados empíricos do estudo de caso – diferente da generalização
129
estatística (habilidade de fazer inferência estatística sobre uma população, baseada na
130
pesquisa de uma pequena amostra daquela população).
131
Nesse sentido, esclarecemos que a psicologia foca na busca de conhecimento
132
generalizado através da evidência empírica. Como isto é possível? Em termos gerais, acontece
133
através do movimento que vai de uma observação específica (ou observações) à um modelo
134
abstrato e que é sucessivamente testado em futuras observações. Essas novas observações
135
conduzem a reformulação do modelo inicial em sua forma abstrata que, por sua vez, leva a
136
testá-lo sob novas circunstâncias, em contextos diferentes” (VALSINER, 2000, p. 76)
137
Portanto, o modelo gerado a partir da observação do primeiro caso é aplicado a outros
138
casos, alterado e melhorado, de forma que seu poder analítico cresça em generalidade e possa
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dar conta de mais e mais situações. Por fim, a generalização se dá na medida em que o
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modelo, em suas reformulações, se mostra capaz de explicar não somente casos semelhantes,
141
mas casos cada vez mais distintos, possibilitando uma compreensão tanto da organização
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genérica quanto das particularidades de funcionamento deste fenômeno em casos individuais.
143
Desta maneira, numa proposta de pesquisa em psicologia do desenvolvimento, a partir de um
144
inquérito de base idiográfica (MOLENAAR,2004), por exemplo, o que é passível de
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generalização não são os produtos do desenvolvimento e sim, os processos que levaram à
146
construção de tais produtos.
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Participantes e procedimentos de construção e análise de dados
149
Os participantes selecionados para a pesquisa, foram dois alunos do 2º período do
150
curso de Licenciatura em Música – Campus Belo Jardim, um do sexo masculino e um do sexo
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feminino - Mariana e Miguel (nomes fictícios). Os estudantes tiveram sua participação
152
formalizada através da leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
153
(TCLE) e Termo de Cessão de Direito de Uso de Imagem, Som e voz (TCDUIS).
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Foi realizada uma entrevista reconstrutiva semiestruturada, áudio e videogravada.
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Começamos a entrevista com a seguinte questão: “vamos começar com você contando como
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começou sua história com a música”. A partir desta, outras questões foram feitas,
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considerando os seguintes temas: a) apoio recebido ou não; b) relação com os
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instrutores/professores/maestros; c) dificuldades enfrentadas; d) emoções e sentimentos
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envolvidos quando toca o instrumento X, entre outras.
160
Para análise, recorremos aos pressupostos da psicologia cultural semiótica, buscando
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identificar, na trajetória dos participantes, através de suas externalizações, as sugestões sociais
162
que mediaram e regularam a escolha do instrumento musical, considerando o instrumento
163
atual que cada participante toca.
164 165
RESULTADOS E DISCUSSÃO
166
Nosso estudo buscou conhecer as histórias de vida de um músico e de uma musicista,
167
estudantes de uma licenciatura em música, para desvendar, através da investigação do
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processo cultural da construção de significados sobre a escolha do instrumento musical, quais
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as sugestões sociais que atuaram nesse processo como signos reguladores em tal escolha.
170
Foram identificados dois signos reguladores, atuando na escolha do instrumento
171
musical. Signo “relações familiares”, no discurso de Marina e signo “disponibilidade do
172
instrumento na banda”, no discurso de Miguel.
173 174
Relações familiares
175
Na escolha do instrumento musical, observamos que as relações familiares
176
desempenham um papel importante. No caso de Mariana, percebe-se que esse signo regula
177
sua construção de significados, inicialmente, sobre música, uma vez que havia uma atmosfera
178
favorável para apreciação e performance musical em sua residência. Como podemos perceber
179
no trecho abaixo:
180 181 182 183
Mariana: “[...] lá em casa (o povo) sempre gostou muito de música. Lá tinha tambor, pandeiro, tudo. Violão. E meu pai tocava violão. Aí meu pai pegava o violão, meu irmão mais velho o tambor, minha mãe o pandeiro, aí ficava todo mundo ‘zoando’ e nós tudo ‘piquininim’ ficava brincando”[Fonte própria].
184
Valsiner (2012) declara que as experiências humanas são afetivas e cognitivas, e que a
185
vida psicológica, mediada por signos, é “afetiva em sua natureza”, sendo esta a “tese central
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da perspectiva semiótica da psicologia cultural” (p.251). Para esta teoria, as experiências
187
humanas são ainda reguladas socialmente por signos que carregam sugestões sociais. Mariana
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vivenciou inúmeras situações em família, envolvendo a música, instrumentos musicais
189
diversos, mas, principalmente, o saxofone. E foi esse o instrumento escolhido por ela. Mais
190
uma vez, podemos perceber em seu relato, o signo que aqui chamamos de
“relações
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familiares”, atuando nessa escolha. Todos em sua casa, desde pequenos, escutavam o sax e
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gostavam muito daquele som. Vejamos:
193 194 195 196 197 198 199 200
Mariana: “Porque desde que eu era muito novinha que eu via o saxofone. Eu via vários instrumentos, mas só achava bonito o saxofone, e eu amava o som do saxofone. Meu pai gostava... gosta muito de música instrumental. Inclusive, ele tinha coleções originais de Richard Cleyderman, esse pessoal assim. Só música instrumental mesmo. E nós começamos a ouvir, e toda vez que ele colocava alguma coisa de sax, eu ficava aquilo. Todo mundo lá de casa era fascinado por sax, eu nem lembro, nós tocamos flauta, violão, meu irmão toca baixo, mas todo mundo teve aquela coisa “eita, o sax”, coisa linda! Via todos os instrumentos, mas o sax era [...].
201
Outros instrumentos musicais foram oferecidos a Mariana, quando ela passou a
202
frequentar aulas de música em um projeto social da sua cidade. Mas ela já havia escolhido seu
203
instrumento, regulada pelas sugestões sociais que atuaram como reguladores semióticos no
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processo de escolha do instrumento. Vejamos:
205 206 207 208 209 210 211
Mariana: [...] inclusive quando eu entrei no Pro Jovem, a gente fazia um teste com todos os instrumentos e tinha gente que saia de instrumento em instrumento vendo o que conseguia. E o professor chegou e disse, “você quer começar por qual? ” E eu: “Sax.” Aí quando eu soube... que, eu já vinha naquela louca pra tocar sax, aí pronto. Aí ele: “Você não quer testar outro não?” Aí eu disse: “Não, fico com o sax. Se o som ficar feio, tem nada não, a pessoa estuda e ajeita”. Foi assim, eu já gostava”. [Fonte própria].
212 213
A Banda de música como regulador semiótico na escolha do instrumento musical
214
As bandas de música desempenham um papel fundamental na iniciação e formação
215
musical de crianças e jovens, principalmente, em cidades do interior Pernambuco – a exemplo
216
de outros estados brasileiros. Caracterizam-se como espaços não-formais de educação, que
217
segundo Sousa (2015), possui forte apelo para formação de músicos para as forças armadas
218
(marinha, exército e aeronáutica) e as forças auxiliares (polícia militar, corpo de bombeiro),
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tendo seu trabalho pedagógico inspirado nessas instituições.
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No que concerne à escolha do instrumento musical nesses espaços, nem sempre o aprendiz da banda-escola pode escolher o instrumento musical. Isto porque: A banda-escola possui um quantitativo limitado, ficando impossibilitada, na maioria dos casos, em atender as escolhas indicadas pelos seus aprendizes. Nessas circunstâncias os instrumentos são distribuídos de acordo com a disponibilidade da banda ou ainda atendendo a atributos do biótipo (exemplo: ser mulher, ser homem, ser alto, ser baixo, possuir lábios grossos ou finos, etc.) (SOUSA, 2015, p.12).
228
Miguel, músico trombonista, viveu essa experiência. E em seu caso particular, sua
229
escolha foi regulada e modificada pelo signo que aqui chamamos “banda de música”.
230
Vejamos na fala do participante:
231 232 233 234
Miguel: “[...] no início na verdade eu não queria pegar o trombone eu queria um sax, só que o maestro não quis me dar um sax porque ele falou que não tinha e eu peguei trombone porque era o jeito, e eu pretendia mudar para o sax depois”. [Fonte própria]
235
Esse dado parece ser muito presente na realidade de bandas de música – embora o(a)
236
aprendiz tenha o desejo de tocar determinado instrumento, a necessidade da banda, aliada à
237
disponibilidade do instrumento, configuram-se como duas sugestões sociais importantes no
238
processo de escolha do instrumento musical. Como discutido acima, nem sempre a banda-
239
escola disponibiliza o instrumento que o aprendiz deseja (SOUSA, 2015) - os instrumentos
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estão ocupados por outros alunos ou a banda não possui aquele instrumento.
241
Para Psicologia Cultural Semiótica, que concebe a cultura como mediação e regulação
242
semiótica, a escolha do instrumento musical é uma experiência sociocultural. Logo, essa
243
experiência é construída na relação interdependente do sujeito com o seu ambiente,
244
mobilizando aspectos biológicos, sociais e culturais. Como apontado na análise acima, dois
245
signos reguladores foram identificados, a saber, “relações familiares” e “banda de música”.
246
O primeiro signo – “relações familiares” – atuou na regulação em favor da
247
manutenção da cultura pessoal da musicista. Isto é, ela experienciava situações afetivas e
248
cognitivas com a música e com o saxofone, criando para ela um campo afetivo (“tocar
249
saxofone é bom”), que passou a guiar e regular suas ações, em especial, a experiência
250
sociocultural de escolher seu instrumento musical. Já o segundo signo, “banda de música”, fez
251
o músico Miguel aceitar uma sugestão social (“Só temos o trombone para você”) que regulou
252
sua experiência de escolha do instrumento musical. Esse processo de regulação, o afastou do
253
primeiro instrumento desejado por ele – o saxofone. Essa regulação deflagrou no músico um
254
processo de tensão que requereu do mesmo um ajuste ao ambiente (ZITTOUN, et al., 2013).
255
Posteriormente, ele passou a gostar do instrumento e decidiu permanecer com o trombone.
256 257
CONCLUSÃO
258
A investigação da escolha do instrumento musical, entendida como uma experiência
259
sociocultural, exige esforços para dar conta de uma gama de aspectos constitutivos desse
260
processo. Nesse artigo, contribuímos com essa discussão, trazendo dois signos reguladores
261
que atuam na escolha. Utilizamos os pressupostos teóricos e metodológicos da Psicologia
262
Cultural Semiótica, filiada à ciência idiográfica (MOLENAAR,2004), onde se defende a
263
generalização do conhecimento a partir de estudos de caso (YIN, 2003).
264
Os resultados apontaram dois reguladores semióticos que influenciaram na escolha do
265
instrumento musical de dois estudantes da licenciatura em música: relações familiares e
266
banda de música. Estudos que busquem ampliar a descrição do sistema de regulação
267
semiótica na escolha do instrumento musical são requeridos. Assim, novos casos precisam ser
268
pesquisados.
269 270
AGRADECIMENTOS
271
Agradecemos à PROPESQ-IFPE pelo incentivo à pesquisa e ao CNPq pelo financiamento da
272
mesma. Agradecemos, também, ao Laboratório de Estudos do Desenvolvimento na Cultura:
273
Comunicação e Práticas Sociais – LabCCom-UFPE, através Profª Dra. Maria C.D.P. Lyra,
274
pela parceria e aprendizado.
275 276
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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