\" IA PORQUE TOCAVA. TOCAVA PORQUE IA. \" – o ambiente de ensino aprendizagem como fator de sentido: depoimentos dos que lidam com música

June 5, 2017 | Autor: Theógenes Figueiredo | Categoria: Currículo, Música Sacra-Eclesiástica, Paradigma Estético
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“IA PORQUE TOCAVA. TOCAVA PORQUE IA.” – o ambiente de ensino aprendizagem como fator de sentido: depoimentos dos que lidam com música eclesiástica. Santos, Regina Marcia S. & Figueiredo, Theógenes. Comunicação de Pesquisa, XII Encontro Anual da ABEM Florianópolis, out 2003 CD ROM RESUMO: Apresenta um marco situacional que se pauta por expectativas de professores e alunos do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, tendo em vista a elaboração do projeto político-pedagógico do seu Curso de Bacharel em Música Sacra (Rio de Janeiro – RJ). Os dados colhidos em estudo diagnóstico são aproximados dos dados colhidos por Travassos entre alunos dos cursos de graduação em música da UNIRIO. Pretende-se considerar a expectativa dos sujeitos pesquisados - que transitam pelo universo da música eclesiástica - em relação ao ambiente de ensino-aprendizagem nos contextos dessas duas instituições. Faz um paralelo com o debate bibliográfico e as questões da pesquisa sobre currículo a partir de um paradigma estético. PALAVRAS-CHAVE: currículo, música sacra-eclesiástica e paradigma estético. ABSTRACT: It presents a situation mark that is based in the expectation of professors and students of Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, in face of the elaboration of the political-pedagogical project of its Bachelorship Course in Church Music (Rio e Janeiro, RJ). The data gathered in a diagnosis study are drawn near of the data gathered by Travassos among graduation students in music at UNIRIO. It is intended to consider the expectations of the researched subjects – the ones that transit through the universe of these two institutions. It has a parallel in the bibliographical debates and the issues of the research about curriculum debates emerging from an aesthetic paradigm. KEY- WORDS: Curriculum. Church music. Aesthetic paradigm. Cada vez mais as escolas de música de ensino superior e de profissionalização técnica convivem com um significativo número de alunos que transitam pelo universo da música eclesiástica e falam da igreja como uma “escola” de música. Como professores de uma instituição de ensino superior federal (UNIRIO) e de uma particular (Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil – STBSB) envolvidos no projeto integrado de pesquisa interinstitucional de que é objeto este relato, detectamos o trânsito existente entre alunos que buscam formação musical nestes dois estabelecimentos situados no Rio de Janeiro ou que, como docentes em múltiplos ambientes, têm retornado ao primeiro para a complementação de estudos. Na pesquisa desenvolvida por Travassos (1999), por exemplo, dentre os 89 estudantes de música dos cursos de graduação da UNIRIO envolvidos, 22 são protestantes (aproximadamente 24%) e

destes, 11 (50%) fizeram música sacra. A partir dos dados colhidos na sua pesquisa, Travassos afirma: Um grupo numericamente expressivo de estudantes teve iniciação musical nas igrejas protestantes e encontra nessas igrejas o principal estímulo aos estudos.(...) os protestantes geralmente adquiriram as primeiras competências musicais nos círculos de sociabilidade e escolas ligados às igrejas que freqüentam. (...) [e] foram elas que ofereceram a alguns de seus fiéis (...) a possibilidade de imaginar, para si mesmos, uma carreira musical (p. 132)

Se a memória que guardam da sua iniciação musical “nos círculos de sociabilidade e escolas ligados às igrejas” favoreceu-lhes imaginar uma carreira musical para si, não é com tal entusiasmo que falam do ensino nas instituições “herdeiras” do conservatório: (...) eu peguei desgosto com o violão (...) o professor me colocou tanta coisa na minha cabeça, aquela coisa de ter que ser perfeito, eu fiquei me achando o cara mais burro do mundo, e eu tinha medo [...](Travassos, 1999, p. 131).

A experiência inicial em educação musical formal-oficial “(...) marca definitivamente os que a ela se submetem (...)” (p. 122). Aparece o medo de errar, ou a consciência de não possuir a técnica “adequada” ou conhecer o repertório “certo”, por exemplo (p. 131). Este debate nos interessa de perto. Esta comunicação de pesquisa (em andamento)1 apresenta um marco situacional que se pauta por expectativas de alunos e professores do STBSB, detectadas em estudo diagnóstico quando da elaboração do projeto político-pedagógico do seu Curso de Bacharel em Música Sacra, dados que foram aproximados dos colhidos por Travassos nos cursos de graduação em música da UNIRIO. Os sujeitos pesquisados se reconhecem sob a rubrica de música sacra, religiosa ou evangélica: transitam pelo universo da música eclesiástica. Pretende-se considerar as suas expectativas no tocante ao ambiente de ensino-aprendizagem nos contextos dessas instituições. Os dados são interpretados à luz do debate sobre enquadramento (forma de organização e grau de controle) do ambiente de ensino-aprendizagem e sobre códigos e fronteiras de classificação (Bernstein, 1984; Domingos et alii, s.d.), considerando as possibilidades de se construir

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Grupo constituído de sete profissionais da área de música.

um marco referencial para o currículo a partir do que compreendemos como “um paradigma estético”2. Motivado pela possibilidade do reconhecimento do seu Curso de Bacharel em Música Sacra junto ao MEC, em 1999 o Seminário se empenhou na análise das mudanças que já lhe pareciam necessárias no projeto político-pedagógico tendo como ponto crucial o desafio de formar profissionais para as “novas demandas no seio da igreja e da sociedade”(Figueiredo & Britto, 2001a, s.p.). O STBSB, com seu campus-sede na Tijuca, é uma instituição voltada para o ensino religioso. Fundado em 1908, visa promover avançadas pesquisas da Bíblia, formar docentes (mestres e doutores), capacitar as igrejas locais a prestarem serviços à comunidade e desenvolver intercâmbio com outros centros de reflexão. O Curso de Música Sacra começou em 1963. O STBSB já formou mais de 22 mil pessoas pastores, missionários, educadores e músicos sacros. Enfocamos os Cursos Técnico e de Bacharel em Música Sacra, que formam profissionais para o ministério de música em igrejas, capazes também de atuar em escolas de música livres e em espaços comunitários. O Curso Técnico, aberto à comunidade, prepara “a base do músico cristão” (s.p.) e funciona como um acesso ao Curso de Bacharel. Este, forma “Ministros de Música”, líderes para as diversas áreas do ministério musical das Igrejas e/ou docência das instituições de Ensino Evangélicas. O mercado de trabalho dos aproximadamente 400 bacharéis em Música Sacra pelo STBSB são as mais de 5.000 igrejas batistas e outras igrejas evangélicas no Brasil: O Curso de Bacharel em Música Sacra vem suprindo as Igrejas Evangélicas de pessoas habilitadas ao exercício das funções de regência congregacional e coral; da técnica vocal para solo e coro; do pianista acompanhador de coros e congregações, bem como do recitalista; de organistas; e do educador musical para as escolas de música internas. Supre também de docentes as diversas Instituições de Ensino (s.p.).

Atuam também como administradores dos recursos musicais da igreja e são admitidos como “Ministros de Música”, geralmente remunerados. Outros mercados de trabalho são as escolas de música e as gravadoras evangélicas. Sobre o Curso de Música Sacra, disse o então reitor David Malta, em 1973: “sem a Música Sacra, seria quase que impossível realizar, satisfatoriamente, o trabalho religioso nas igrejas ou fora delas”. (s.p.). 2

Ver artigo aceito para publicação nos Anais do XIV Congresso da ANPPOM, 2003, “Um Paradigma

Esta declaração reitera o valor da música nas manifestações religiosas atuais, como veículo de ensino, divulgação da fé, comunhão e celebração de uma comunidade, promovendo a ambientação devida para cada momento. A música foi instrumento fundamental na Reforma Protestante liderada por Lutero e o louvor através da música é uma recomendação bíblica e uma das funções da igreja. A expressão “Ministro de Música” apareceu por volta de 1945-50 nos EUA (Hustad, 1986, p. 62), mas essa profissão já existia na tradição judaica. Hoje, a nomenclatura traduz a ampliação de funções para atender à demanda musical atual das igrejas. Na tradição judaica (nos tempos bíblicos), os músicos eram profissionais religiosos que, remunerados, se dedicavam à música do templo. No início da história da Igreja monges se dedicavam ao estudo e à execução da música na igreja. Destacamos o Papa Gregório (c. 540-604) e Guido D'Arezzo (c. 995-1050). Caminhando no tempo, chegamos a Bach, "Mestre de Capela". Ainda hoje a igreja tem sido uma instância de formação musical ao lado dos cursos realizados em academias de música e instituições de ensino superior. Com o decorrer do tempo, a necessidade de prover capacitação específica para esses "músicos de igreja" fez surgir um currículo de música eclesiástica ligando teologia e música. Hustad (1986) aborda o fenômeno do surgimento do “ministério de música” como campo profissional: O mais forte ímpeto que levou os evangélicos a entrarem em um ministério profissional de música aconteceu no fim da Segunda Guerra Mundial. Foram formadas (...) organizações profissionais dedicadas ao incentivo da música eclesiástica; ( ....) Todas essas organizações prestam ajuda e orientação significativa a diretores de atividades musicais eclesiásticas, quer sejam voluntários, quer pagos. Juntamente com o impacto do currículo de música eclesiástica que começou a germinar em escolas bíblicas, colégios, universidades e seminários, elas encorajaram um número cada vez maior de igrejas para avançarem nisso, contratando um ministro de música profissional, com dedicação de tempo integral. (p. 60)

O trabalho de avaliação do currículo do Bacharelado em Música Sacra do STBSB registra o seu início em 1999 colhendo dados entre alunos e docentes (Figueiredo & Britto, 2001b, s.p.). Considerando o regulamento do curso, as grades curriculares e os planos de curso de algumas disciplinas, as informações levantadas passaram a ser objeto de análise conjunta por professores. O regulamento do curso

Estético para o Currículo: considerações a partir de Gilles Deleuze e Jorge Larrosa”.

estruturava o currículo por áreas (instrumental, ministerial, vocal, pedagógica, histórica, regência, teórica), com disciplinas obrigatórias e específicas. Desejava-se chegar a definir, para cada área, o seu objetivo e as suas disciplinas. Após reelaboração dos planos de ensino e elaboração de novos, e reuniões que trataram das necessidades e possibilidades do curso, chegou-se a questionamentos e proposições alternativas sobre como considerar, no currículo, as relações: conhecer musical/fazer musical; formação musical/formação teológica; gerenciamento organizacional/gerenciamento de vida pessoal; dever de/prazer de aprender; disciplinaridade, inter/transdisciplinaridade, transversalidade; e formação do generalista/do especialista. A análise dos dados colhidos levou à necessidade de construção de um currículo “vivo, transformativo, aberto” (s.p.), tecido na confluência dos saberes de Música e Teologia, e à necessidade de atualização do corpo docente. Rompem-se as fronteiras entre os campos antes estabelecidos e reafirmam-se as ligações que tinham sido enfraquecidas com a excessiva especialização. Busca-se uma formação híbrida e um currículo integrado, com uma abordagem metodológica sem a segmentação “teoria” e “prática” e próxima da realidade dos alunos e da demanda do mercado. No 1o semestre/2000 se configurou o novo projeto do Curso de Graduação em Música Sacra: diplomação de Bacharel, com habilitações em Gestão de Recursos Musicais na Igreja e em Práticas Interpretativas (Instrumento/Voz, Regência). Para todas as sub-áreas de formação o novo projeto tem, como núcleo comum, os campos do conhecimento Instrumental (Instrumento/Voz, Regência), Composicional, Pedagógico, Bíblico-Teológico, de Fundamentos Teóricos, de Formação Humanística e de Pesquisa. Neles há componentes curriculares específicos das sub-áreas e componentes eletivos. Missão da Igreja, Ministério da Música, Percepção Musical e Educação Musical (Pedagogia-Didática da Música) são temas transversais que perpassam todo o Curso, em abordagens específicas e contextualizadas (s.p.). Pelo exposto, reconhece-se que a educação musical formal-oficial “marca definitivamente os que a ela se submetem”. Mas quando estudantes falam que “(...) a igreja é uma escola”, a forma como representam este espaço surge contrastando com o ambiente considerado formal-oficial. Buscando compreender como se reportam ao ambiente que lhes favoreceu “imaginar para si mesmos uma carreira musical” e ao ambiente reconhecido como formal-oficial, representado pelas duas instituições, destacamos alguns pontos, conclusivos no momento.

Quando os estudantes falam do ensino formal-oficial exercido na academia de música, retratam um conhecimento desvinculado de práticas musicais (sociais) que o justifiquem. E revelam que o esquema de recompensa (gratificação na tarefa de fazer música) no ensino formal-oficial se faz com largos passos, levando-os à estagnação. Isto recoloca-nos o par “conhecer musical”/“fazer musical”, sobre o qual polemizou Swanwick (1994), em torno do currículo na Inglaterra. Fronteiras curriculares separam o fazer do conhecer (conhecimento proposicional e factual desvinculado da prática musical); separam o executar e compor do conhecer (confinado a fatos de história e teoria); e concebem o executar e compor como atividades sem reflexão, nas quais “o entendimento não é nem adquirido, nem demonstrado” (p. 57). Os estudantes expressam um sentimento de desvalia, devido à sensação de “falta” do saber musical tomado como legítimo, necessário, adequado e certo, no início do estudo formal-oficial. Fronteiras entre saber cotidiano e acadêmico, escolar e não escolar (previamente obtido) se firmam. Contudo, transitar pelo universo da música eclesiástica (sacra, religiosa, evangélica) revela uma diversidade que não supõe qualquer unidade: diversidade de perfis culturais, práticas musicais, demandas, saberes, competências técnicas, carreiras e estéticas. As imagens usadas por Nettl (1995) ao descrever escolas estadunidenses na década de 80 nos servem: as igrejas e os Cursos Técnico e de Bacharelado em Música Sacra são “pontos de encontro para potencialmente todas as músicas”; espaços com “interação institucionalmente mediada” e hierarquização representada por círculos concêntricos ocupados, a partir do centro, por tipos de música de legitimidade decrescente; “mosaicos de repertórios justapostos” (p. 120), sem mistura. Os alunos dão evidências de que o aprendizado musical anterior à escola formaloficial é movido pela oportunidade de inclusão e participação imediata na prática coletiva, com sentido inscrito num círculo de sociabilidade: “(...) por eu tocar, eu ia mais à igreja e indo mais à igreja, eu tocava [mais]...” - tocar o que já se ouve, fazer parte do grupo. Estar nessa comunidade garante-lhes imersão na experiência musical: contato com outros conjuntos musicais, acesso imediato, inserção na prática musical sem pré-requisitos técnicos rigorosos, integração na performance que se faz constante e freqüentemente. Dessa forma, o fraco enquadramento da relação mestre-aprendiz e mesmo a invisibilidade da figura do mestre lhes autoriza dizer que “ninguém ensinava”: começa-se “freqüentando, ouvindo, e (...) conhecendo as músicas”, e indo tocar a melodia “de ouvido mesmo” (Travassos, 1999, p. 133).

Estas considerações em torno de um ambiente de ensino capaz de revitalizar o sentido do trabalho escolar integram a discussão sobre currículos que se querem abertos, vivos e pautados pelo saber da experiência – um paradigma estético, no lugar do paradigma da ciência (moderna) e do debate crítico e pós-crítico sobre cultura e currículo. Referências Bibliográficas: BERNSTEIN, Basil. Classes e pedagogia: visível e invisível. Cadernos de Pesquisa, n. 49, p. 26-42, 1984. DOMINGOS, Ana Maria et alii. A Teoria de Bernstein em Sociologia da Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d. FIGUEIREDO, Theógenes Eugênio & BRITTO, Vera Glória de. O Curso de Música Sacra do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil: Marco Situacional. 2001a. 6 p. (original da Instituição). ________________. Histórico do processo de atualização do corpo docente e elaboração de um projeto político-pedagógico do Curso de Bacharel em Música Sacra do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. 2001b. 2 p. (original da Instituição). HUSTAD, Donald P. Jubilate! A Música na Igreja. Traduzido por Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1986. NETTL, Bruno. Heartland excursions. Ethnomusicological reflections on schools of music. Urbana: University of Illinois Press, 1995. SWANWICK, Keith. Musical Knowledge: Intuition, Analysis and Music Education. London and New York: Routledge, 1994. TRAVASSOS, Elizabeth. Redesenhando as fronteiras do gosto: estudantes de música e diversidade musical. Horizontes Antropológicos: música e sociedade, Porto Alegre, PPGAS, n. 11, p.119-144, 1999.

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