\" Meu cu, logo existo\": uma carta contra a dominação masculina no edital do PPGSA/2017. (UFPA, 2016).

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Carta Aberta ao PPGSA da UFPA 05 de julho de 2016. De Francisco Moreira Ribeiro Neto, À Comissão de Seleção do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará.

“Meu cu, logo existo” Uma carta contra a dominação masculina no edital do PPGSA/2017. O ultimo edital do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), lançado no dia 29 de junho de 2016 para as turmas de 2017 vem, ao longo dos últimos anos (editais de 2012/2014/2015/2016 e 2017), só para citar alguns, (re)produzindo uma predominância de referencias bibliográficas clássica e masculina em seus editais, o que se apresenta problemático para a igualdade de gênero de nossos dias. Essa dominação masculina pode estar vinculada, sem se perceber, aos mecanismos de reprodução social que, arbitrariamente, tem no homem, hétero, branco, europeu e classe média, um representante ideal para simbolizar a ciência em diversos campos de saber. Estamos situados em outro contexto histórico, econômico, político, cultural, já que estamos falando de América Latina, Brasil, Pará, Belém e suas particularidades. Nesse sentido, questionasse se não haveria autores e autoras amazônicas com discursos e produções teóricos capazes de serem referenciados nos editais PPGSA da UFPA. Quando essa pluralidade de gênero não ocorre, a própria elaboração de diploma de mestrado e doutorado fica sem razão, já que não conseguem formar sujeitos, no campo acadêmico, que reflitam e questionem suas realidades e, a partir disso, se tornem referencias (re)conhecidas como produtores de conhecimentos locais. Quais os problemas de gênero dessa literatura excessivamente viril? Um deles seria a exclusão de representação cientifica feminina e plural (latino americana/ brasileira/ amazônica/ negra/ branca/ lésbica/ bi/ trans/ putas e outras), em editais anteriores do PPGSA da UFPA, sendo que só há uma referencia feminina no edital de 2017. Isso deixar transparecer os valores desiguais de nossos corpos, sexos e humanidades a que estamos submetidos socialmente, neste edital, falasse daqueles que

não podem ou não devem ser citados para não ofuscarem o “brilhantismo” naturalizado/naturalizante das masculinidades na ciência. Sabemos, há tempos, que as mulheres (conceito nunca homogêneo), veem sofrendo por causa das desigualdades de gênero ao longo da historia da misoginia, já que a elas: educação, voto e direito a propriedade lhes foi negado por muito tempo, enquanto que aos homens, a ciência parecia sinônima de sua própria cultura e humanidade, deixando mulheres, índios, negros e lgbtts, longe de poderem falar por si mesmos, já que os homens eram os “sujeitos da ciência”. De relegadas ao lar, passaram a reivindicar espaços muito além do que a biologia e as normas sociais lhes prescreviam, já que pelas lógicas desiguais de gênero e sexualidade(s), as representações masculinas eram e, infelizmente, ainda parecem ser valorizadas em nossa sociedade vista como pós-patriarcal, pós-escravista e pós-moderna encontrando, ainda hoje, dificuldades para se emponderar academicamente. As mulheres, neste e em editais anteriores, parecem ser concebidas, parafraseando Márcia Tiburi (2015), como “o subalterno não que pode falar; o subalterno que não pode entrar; o subalterno que não pode mudar os protocolos” elas, talvez, possam “trans-teorizar”, mas não se auto (re)presentar no campo cientifico de poder, cuja origem, arbitrariamente, ainda parece pertencer ao branco, europeu e heterossexual, mesmo ironicamente sendo o PPGSA da UFPA uma referencia no debate sobre as construções sociais de gênero(s) e sexualidade(s) na região norte do Brasil. Os sistemas de ensino são (re)produtores das relações sociais vigentes, por meio dos quais, as mulheres não parecem ocupar um lugar ao sol de forma igualitária, pois, se executam aulas (a grosso modo, trabalho manual), de forma elogiosa por quase todos, por outro, quem parece representar o pensar (trabalho intelectual), são os homens, já que são referendados da graduação ao doutorado como a norma a ser seguida. Esse quadro valorativo de gênero, profissão e representação social se inverte quando observamos as séries iniciais do ensino infantil, onde os homens ainda não são convidados a entrar, enquanto que as mulheres ainda censuradas ao sair, implicando em saber quais lugares são reservados os sujeitos de acordo com a posse de um pênis ou uma vagina em nossa cultura. Se observarmos a lista de Reitores da UFPA de Belém desde 1957, veremos a dominância masculina sendo (re)produzida em outra escala, ou seja, nos cargos de representação mais elevados da Ufpa como a de Reitor. Dos 12 reitores já eleitos, até 2016, não houve uma mulher reitora nessa universidade. Quando presenciaremos esse

importante passo na equidade de gênero na UFPA. Quando começaremos a cogitar a possibilidade de termos uma Reitora negra, trans e amazônida. Se elas não o foram, imagina as outras sexualidades. Como incentivar mães, irmãs, primas, tias e vizinhas a estudarem mais (não que elas precisem de meu especifico incentivo, longe disso), quando os sistemas de ensino, valores e (re)conhecimentos parecem desigualmente estabelecidos entre elas e alguém do gênero masculino? Estejamos sempre atentos para esta questão, nossas “identidades sexuais” estratificam nossas “identidades sociais”, a exemplo da ausência ou pouca referencia as mulheres no edital do PPGSA 2017 e a dominância masculina no cargo de Reitor da UFPA, que nos mostram como essas desigualdades de gênero se ramificam e se reproduzem socialmente. Temos, por isso, que nos manifestar usando e politizando nossos corpos, nossos gêneros e nossas politicas de visibilidade nos diversos espaços sociais como universidade que não deixa de ser um espeço politico. Mas, será que homens e mulheres (diretorxs, professorxs, alunxs, ex-alunxs), efetivamente, se importam com essas desigualdades de gênero dentro das instituições universitárias como a Ufpa? Se sim, por que ainda escrevemos esse testículo metido a Queer? Devemos acordar para os “sistemas de privilégios e marcações nos quais estamos inseridos, onde fomos criados e performativizamos os gêneros impostos (femininos e masculinos)”, sendo o edital do PPGSA da UFPA um lugar onde essas questões clamam e exigem mudanças para servir de exemplo à comunidade, que veem debatendo e contestando formas de dominação masculina para que nossa cultura, machocêntrica, caminhe para uma sociedade mais igualitária entre os sujeitos. Por tudo isso, pedimos que as leituras dos editais do PPGSA sejam proporcionais (50% a 50%) entre leituras femininxs e masculinxs; clássicas e contemporâneas; nacionais e paraenses; negras, brancas, indígenas, lgbtts, entre outras. Desse modo, começaremos a configurar novas valorizações cientificas entre os gêneros, etnias e regionalidades brasileiras para modificar espaços e posições, dentro e fora do PPGSA da UFPA, pois como argumenta Marcia Tiburi, I Seminário Queer (2015), “Meu cu, logo existo” e essa existência deve ser para todxs de forma equivalente. Respeitosamente, Francisco Moreira Ribeiro Neto.

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