Nietzsche e seu Contexto Magisterial – Uma Identificação

July 25, 2017 | Autor: Jorge Garcia | Categoria: History, Filology
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Nietzsche e seu Contexto Magisterial – Uma Identificação Jorge Garciai

RESUMO A pesquisa que segue pretende abordar, de uma maneira cronológica e mais aprofundada, a respeito do posicionamento do filosofo alemão Friedrich Nietzsche durante sua formação acadêmica enquanto professor catedrático e ministro de cursos nas instituições de ensino de seu tempo. De maneira a buscar uma identificação com o posicionamento particular de Nietzsche quanto à temerosa adoração aos fatos do ensino de História e Filologia e o a problemática da subjetividade do educador de hoje em seu processo de auto-formação, a breve pesquisa visa a busca por alguma identificação com a pretensão de um jovem alemão no Século XIX que não é tão diferente de um professor ginasial de hoje em seu papel de formador de opinião. Falar da biografia de Nietzsche é bastante comum em se tratando de alguma pesquisa que seja referente a conceitos formados ao longo de sua vida, devido ao fato de que seu pensamento está de forma bastante explícita ligado a seu contexto existencial como um todo. A exemplo disso pode-se falar da figura do trágico, do poeta ou de interpretações delicadas sobre devir e tempo. A exposição de tais conceitos não é, porém, a intenção desta pesquisa. Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu na Alemanha a 15 de outubro de 1844, sendo descendente de uma família de pastores protestantes. Perde o pai e o irmão aos cinco anos de idade, mudando-se de cidade com a mãe e passando a morar com duas tias e a irmã. Recebeu uma bolsa de estudos pela cidade de Naumburg à escola de Pforta, prestigiada por suas referências ao humanismo e linguística alemã, onde segue suas instruções religiosas e se intera mais dos métodos relacionados ao ensino, crítica literária e linguagem, influentes em sua futura carreira em filologia. Após a titulação como bacharel em Pforta, segue caminho à Universidade de Bonn, onde resolve se especializar em Filosofia e Teologia. Porém, devido à influência de uma figura marcante em sua vida, o filólogo alemão Friedrich Wilhelm Ritschl (1822 – 1889), “desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia.” 1 Dessa residência em Leipzig, após a oferta de uma disciplina de filosofia na universidade, Nietzsche ocupa lugar no corpo docente como catedrático, ainda que seu real interesse pela filosofia apareça necessariamente após a leitura de O Mundo como Vontade e como Representação, de Schopenhauer (1788 – 1860), d’onde percebe diretamente a importância da experiência estética aos anseios existenciais pelos quais buscava esclarecimentos. É convocado ao serviço militar em 1867, do qual é dispensado devido a um acidente durante um exercício de montaria, retornando à universidade e dedicando-se, entre 1868 a 1870, ao esboço de sua primeira obra, O Nascimento da Tragédia. Após sua entrada em Leipzig, a descoberta de Schopenhauer e seguindo o caminho da Filologia, como aconselhou Ritschl, apesar de certa hesitação em aceitar 2, Nietzsche é indicado por seu professor à cátedra de Filologia no ensino secundário e na Universidade da Basiléia. No entanto, devido ao numeroso público e quantidade de aplausos em sua palestra inaugural Sobre a Personalidade de Homero, sua consolidação ao cargo universitário se dá de modo muito satisfeito. Suas preocupações, desde o início da carreira docente, que apresentam maior vigor em sua primeira obra – O Nascimento da Tragédia – passam a ser em relação à cultura, ensino e educação. 3 É devido a isso seu certo desgosto à vida escolar, seu conhecimento sobre os vícios da profissão que, em sua opinião, poderiam ser reduzidos a um: “culto (ou adoração) aos fatos” 4. Vício este que poderia vir a nublar suas perspectivas mais audaciosas quanto às formas com as quais se construía a cultura, uma vez que a preocupação com os fatos influenciaria negativamente no bom entendimento quanto às problemáticas essenciais a serem tratadas. Nietzsche não deseja ser mais um dentre tantos professores que, após a inserção no modo de pensar moderno, além da tendência cientificista de seu tempo, tornaram-se ferramentas do Estado em prol de uma pseudo-cultura e um ensino técnico que busca apenas a formação de mais operários às indústrias em ascensão. Sobre Nietzsche em sua perspectiva de educador, é importante deixar claro, como o faz Rosa Maria Dias (1993, pg. 26) que: Nietzsche (...) não tinha interesse em se tornar um vasculhador de textos antigos, fechado em seu gabinete, nem em criar um círculo de alunos atentos, que seguissem 1

FEREZ, 1983, pg. 7 DIAS, 1993. pg. 27 3 FRAGOSO, 1974. pg. 277 4 A tradução é feita de modo literal e direto (Worship of facts), segundo o texto de Campbell – Nietzsche and the Academic Mind. 2

indiferentes à vida que os rodeava. Pretendia, isso sim, incentivá-los a um olhar singular sobre determinada ciência, conduzi-los de modo a criar uma humanidade rica e transbordante de vida. Em 1870, tomado pelo espírito bélico vindo do choque Franco-prussiano, Nietzsche, tenta o alistamento - que lhe é negado devido a sua renúncia da nacionalidade prussiana em virtude da nova morada na Suíça. Autorizado por autoridades da Suíça, serve como enfermeiro durante curto tempo, devido à contração de difteria e a necessidade de seu afastamento do campo. Seu entusiasmo em virtude da guerra se dá devido à esperança lançada por ele ao ministro prussiano Otto Von Bismark (1815-1898) e sua crença de que este poderia vir a propor uma renovação cultural ao país. A este, no entanto, Nietzsche apresenta grande desgosto após sua descrença em nacionalismos advinda dos conhecimentos em referência às relações do Estado e seu possível renovador cultural. 5 No entanto, sua proposta de renovação cultural se mantém, ora na tentativa de constituição de sociedades em prol de discussões que promovessem certo amadurecimento cultural, ora em seus próprios escritos – apresentados de modo metafórico ou direto, mas que se destinavam principalmente à sua perspectiva de comércio da cultura alemã a valores sem bases firmes que pudessem vir a se tornarem sustentações históricas e deontológicas à constituição do espírito livre do povo. Pouco tempo depois do regresso como enfermeiro e de volta à cátedra, Nietzsche adoece, afastando-se por algum tempo da vida acadêmica – momento em que troca cartas com o filólogo e amigo Erwin Rohde (18451898), ao qual dirige seus desabafos quanto ao sentimento de afastamento em relação à Filologia e seu maior apreço àquilo que lhe gerou dúvida durante seu ingresso em Leipzig: Filosofia. Seguindo mais atentamente a perfectiva desejosa de aprofundamento em Filosofia, apesar de recusa por parte do diretor administrativo da Universidade da Basiléia, devido ao conhecimento do desgosto do professor oficial de Filosofia Karl Steffensen (1816-1888) por ele, Nietzsche investe em seu projeto junto a Richard Wagner que dará frutos, em 1871, ao Nascimento da Tragédia no Espírito da Música. A quebra sofrida em relação ao meio acadêmico se dá aí. A visão negativa do meio acadêmico docente a Nietzsche é clara, uma vez que fale contra um ensino bancário das Universidades, da Filologia destituída de seu sentido artístico. Até mesmo o próprio Ritschl, a quem Nietzsche seguiu desde a sua entrada na Universidade , recusou-se a responder quando Nietzsche lhe enviara um exemplar da obra. 6 Em 1872 apresenta Cinco Conferências Sobre o Futuro dos Estabelecimentos de Ensino, as quais recebe numeroso público e a atenção especial de Jacob Burckhardt (1818-1817), ao qual Nietzsche dedicava excepcional admiração. No entanto, de modo geral e sustentado pela crítica do filólogo Ulrich von WilamowitzMoellendorff, Nietzsche é encerrado do mundo acadêmico, de maneira que seus alunos recusam-se a acompanhar suas aulas e põem-se a procurar melhores professores, afastados da fama que Nietzsche adquirira em meio às acusações sobre a deficiência de cientificismo e conteúdo filológico de sua obra. 7 De fato, e eis o porquê de se pretender apresentar uma breve passagem sobre a biografia de Nietzsche em relação ao seu contexto magisterial e seu posicionamento frente ao mesmo, sua principal problemática consistia em alguns pontos que divergiam em relação a sua preocupação com a cultura alemã que vinha se perdendo devido aos fatores que levaram às universidades preocupações diferentes das que originalmente deveriam se pautar seus princípios, isto é, seu retorno teórico à prática social e o enriquecimento da cultura. Nietzsche propunha uma educação diferente da que percebia, um ensino de Filologia diferente de um mero ensino sobre a História. Seguindo o posicionamento de Rohde citado por Campbell (1947), “Se a Filologia Clássica for uma disciplina puramente histórica, que direito tem de ocupar uma posição privilegiada no currículo?” 8. Nietzsche sente o forte impacto presente na crítica de Wilamowitz e todo o meio acadêmico, sustentados pela comunicação jornalística e a educação bancária de um momento da Alemanha marcado pela ascensão de um Estado diferente daquele que percebia proposto por Platão, isto é, um organismo social que exaltasse a Filosofia de maneira a fazer-lhe o centro por onde passariam as problemáticas sociais. Percebe que o compromisso do Estado não se encontra mais na iniciativa de esclarecer os indivíduos a saírem de suas cavernas, mas oferece-lhe novas e os capacita tecnicamente a fazerem suas vidas dentro delas. 9 E é neste sentido libertário, nesse sentido de legitimação da autonomia do sujeito individual em ascensão à vida social que o Filólogo e o Filósofo, mais precisamente o poeta-filólogo 10 deverá se fazer presente. Dessa maneira, com o professor de Filologia em sua posição de Filósofo, isto é, de sujeito que problematiza a tradição e a realidade de maneira a melhor 5

DIAS, 1993, pg. 34 DIAS, 1993, pg. 37 7 DIAS, 1993, pg. 38 8 A tradução é feita de modo literal – “If classical philology is to be a purely historical discipline, what right has it to occupy a favored position in the curriculum?” 9 DIAS, 2001, pg. 40. 6

compreendê-la e fazer de sua interpretação o melhor à sua própria cultura e suas perspectivas de civilização, é possível a ambos, o professor e o aluno, caminharem juntos rumo ao desenvolvimento de suas potencialidades humanas em vista da originalidade da cultura, que, no contexto em que se encontrava Nietzsche – contexto este em que tal pensamento se concretiza de forma mais precisa, como podemos perceber nos escritos de Nietzsche dessa época – se encontra em meio à fragmentação trazida pelo espírito da modernidade científica e a legitimidade do poder do Estado que destitui do indivíduo o poder de posicionar-se visando denunciar o perigo que a sociedade corria devido à ruptura dos quadros de ensino dos Institutos de Formação e o próprio Ser da Alemanha. 11

Referências.: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras Incompletas. In: Coleção Os Pensadores: Nietzsche. São Paulo: Abril Cultural, 1983. CAMPBELL, T. Moody. Nietzsche and the Academic Mind. PMLA – Pvlications of the Modern Langvage Association of America. Vol.62, pp. 1183 – 1196, 1947; DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. 2. ed. São Paulo. Scipione. 1993; _______________. Cultura e Educação no Pensamento de Nietzsche. In: Impulso. Vol. 28, pp. 35 – 42, 2001; FRAGOSO, Myriam Xavier. Nietzsche e a Educação. In: Trans/Form/Ação. Vol. 1, pp. 277 – 293, 1974;

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Jorge Garcia é licenciado e bacharel em Filosofia pelo Instituto Superior de Filosofia da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), tendo trabalhado a vida acadêmica e críticas ao ensino universitário do Jovem Nietzsche em sua pesquisa monográfica e tratando de temas de Filosofia da Educação com base nas Filosofias da Diferença. Atualmente é aluno do Curso de Pós-Graduação modalidade Especialização do Instituto Federal Sul-RioGrandense (IFSul), e aluno do Programa de Pós Graduação em Educação modalidade Mestrado em Educação e suas Tecnologias, do mesmo instituto.

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Seguindo a colocação de Fragoso (1974, pg. 279): “O ginásio e a universidade haviam perdido os seus vínculos com o “ser” da Alemanha.” Vale apontar como referência também a nota de rodapé nº 8 deste mesmo escrito, que se refere à mudança nos quadros de ensino dos institutos de formação à educação para indústria e serviços do Estado.

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