O DESAFIO DA NOTAÇÃO MUSICAL PARA MÚSICAS DE TRADIÇÃO ORAL

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Professor de música no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba- IFPB, Especialista em Educação à distância pela UNB e Mestre em Etnomusicologia na UFPB.
...the possibility of computational approaches to the study of music arose just as the idea of comparing large bodies of musical data – the kind of work to which computers are ideally suited – became intellectually unfashionable. As a result, computational methods have up to now played a more or less marginal role in the development of discipline" (Cook, 2004 p.103)
To accuse someone of incorrect transcription is still tantamount to denying competence in ethnomusicology as a whole. Possibly it's for this reason that examination of transcriptions in publications or reviews has usually been avoided. (Netll, 2004 p.84)
The study of notation systems, in the broad sense of systems of musical representation and communication, is one of the last-developed areas of ethnomusicological research. (Ellingson, 1992. p.153)
The distinction between prescriptive and descriptive notation was Seeger's terminology for music for performance and analysis. (Netll, 2004 p.78)
Musical notation, the representation of music through means other than the sound of music, is central to two major areas of ethnomusicology: for transcription and for study, in a wider context, of musical cultural symbolic and communication systems. (Ellingson, 1992. p.153)
Although transcription is supposed to be descriptive notation, it nevertheless, in the corner of scholar's mind, is potentially prescriptive. (Netll, 2004.p.87)
An important contribution of the melograph, then, is to help us to hear objectively. having had certain things pointed out by inspection of a melographic notation, the scholar can then go on the trust the ear. it almost seems that ethonumisologists are the victims of an analogue of the whorfian hypothesis, according to which thought is regulated by the structure of language; musical hearing and cognition on the part of musicologists may be profoundly affected by the characteristics of western notation. it may be a major role of the melograph to liberate us from this constraint. (Netll, 2004. p.88)
Aside from being labor-saving and more precise and efficient than ear, they generally conceded to exhibit less western bias and thus be more conductive to both the elimination of ethocentrism and the development of comparative method. (Netll, 2004. p.87)



O DESAFIO DA NOTAÇÃO MUSICAL PARA MÚSICAS DE TRADIÇÃO ORAL
The challenge of music notation for songs from oral tradition.

Adriano Caçula Mendes
[email protected]


RESUMO: A transcrição musical tem sido objeto de muito debate desde os primórdios de seu desenvolvimento na civilização ocidental até os dias atuais. Questões levantadas a respeito de como representar melhor a complexidade dos fenômenos musicais e interpretativos foram responsáveis por uma verdadeira revolução que permitiu a grafia dos sons no intuito de registrar e imortalizar grandes obras desde o renascimento até hoje. Neste artigo, é discutida a importância de por que e para quem transcrever as músicas de tradição oral pelo etnomusicólogo a partir de um panorama histórico do desenvolvimento dos estudos em Etnomusicologia. Também é apresentado um estudo de caso sobre a análise computacional, formas de representação e transcrição com auxilio de softwares da melodia de um canto de Aboio colhido no distrito de São Gonçalo em Sousa-PB como sugestão de procedimento para transcrição e análise a fim de minimizar o subjetivismo da percepção humana por parte do pesquisador.
Palavras-chave : Transcrição, Aboio, musicas de tradição oral.

Abstract: The musical transcription has been the subject of many controversies since the beginning of its development in Western civilization to the present day. Questions have been raised about how the best way to represent the complexity of musical and interpretative phenomena were responsible for a revolution that enabled the writing to record and immortalize great works from the Renaissance to today. In this article, we discuss the importance of why and for who transcribe songs from oral tradition by ethnomusicologist. Also a study of case by computer analysis, forms of representation and transcription with the software's aid to analyze a melody from Aboio's song collected in São Gonçalo, Sousa's district in Paraíba – Brazil. It's suggests a procedure for the purpose of minimize the subjectivity of human perception of researcher.
Keywords: Transcription, Aboio, songs of oral tradition.
INTRODUÇÃO: Somos todos (Etno) musicólogos
Desde o surgimento da Etnomusicologia como campo independente de conhecimento, a partir da segunda metade do século XX, a disciplina vem agregando as mais variadas epistemologias para o enfoque fenomenológico da música. Esta abordagem transdisciplinar dos fenômenos musicais; a música como cultura e na cultura (Merriam,1964), os fenômenos sonoros entendidos como culturalmente organizados pelo Homem (Blacking, 1973), a música enquanto fenômeno sociológico (Tia DeNora, 2004), Música e psicologia (Clarke, 2004) dentre outras tantas possibilidades de enfoques epistemológicos da música, tem de certo modo distanciado o interesse do etnomusicólogo da análise dos fenômenos acústicos que caracterizam a sonoridade de uma determinada expressão musical.
Segundo Nicholas Cook:
...a possibilidade de abordagens computacionais para o estudo da música surgiu simplesmente como a ideia de comparar grandes massas de informação musical - o tipo de trabalho para o qual os computadores são idealmente adequados – se tornou intelectualmente fora de moda. Como resultado, métodos computacionais têm até agora desempenhado um papel mais ou menos marginal no desenvolvimento da disciplina. (Cook, 2004 p.103, tradução minha)
O avanço tecnológico dos meios de gravação na conjuntura atual e os diversos softwares desenvolvidos para a análise musicológica estão entre as justificativas mais notáveis de Nicholas Cook (2004) para sugerir uma reavaliação dos processos comparativos entre os elementos sonoros que caracterizam as variadas formas de expressão musical. De acordo com o mesmo, os recentes desenvolvimentos da musicologia computacional apresentam uma significativa oportunidade para o renascimento da disciplina nos termos da análise musicológica das manifestações musicais.
Durante o Séc. XIX predominava a necessidade de transcrever as obras de tradição popular, em especial as, não ocidentais, tidas como exóticas no intuito de preservá-las da extinção. Essa tendência perdurou nas primeiras décadas do Séc. XX com pesquisadores buscando padronizar formas de notação para estes tipos de músicas. Estas transcrições eram realizadas a partir da percepção que o copista tinha sobre a performance musical e deixava uma larga margem de subjetividade sobre a execução real (Pegg, 2007, p.3). Podia acontecer de uma mesma obra possuir diferentes transcrições. Os anos de 1970 e 1980 também foram marcados pelo interesse na teoria e metodologia da transcrição. Porém, a partir dos anos 1990 o interesse pela transcrição nas publicações tem caído notavelmente. (Netll, 2004, p.81)
Com o desenvolvimento das tecnologias de gravação em campo, evidentemente o objetivo da notação de preservar as manifestações musicais deixa de ser indispensável, uma vez que qualquer gravação e/ou filmagem, independente da mídia e do processo utilizado, é mais fiel à realidade do objeto de estudo do que uma transcrição eivada de elementos subjetivos tais como signos e símbolos. As transcrições passaram a desempenhar um caráter mais ilustrativo, secundário: o de anexos para acompanhar as gravações feitas em campo. Do mesmo modo, a partir do desenvolvimento de ferramentas para transcrições como o melógrafo de Seeger, a transcrição das músicas de tradição oral passou por uma resignificação importante: Surge a dualidade entre transcrição prescritiva e descritiva. (ver Ellingson, 1992, p.151 e Netll, 2004, p.89).
A multiplicidade de enfoques epistemológicos da Etnomusicologia moderna, a dificuldade em encontrar uma representação simbólica precisa para os fenômenos musicais e que seja satisfatória em resolver os clássicos problemas de notação, a tênue linha que distingue notação prescritiva da descritiva, podem ser motivos para um menor interesse por parte dos etnomusicólogos, nas publicações com enfoque nas transcrições e análises musicológicas das músicas de tradição oral. Netll afirma que possivelmente o receio de ser mal compreendido nas suas escolhas sobre como representar o objeto de estudo em função destes impasses sobre o que seria a forma "correta", ainda longe de serem resolvidos pela disciplina, tenha desencorajado os pesquisadores a se defrontarem com este desafio.
Acusar alguém de uma transcrição incorreta ainda é equivalente a negar competência na etnomusicologia como um todo. Possivelmente seja por esta razão que análises de transcrições nas publicações ou revisões tenham sido comumente evitadas. (Netll, 2004, p.84. Tradução minha)

Essa lacuna existente sobre questões inerentes à representação simbólica tem sido pouco exploradas pelos pesquisadores da área desde o projeto cantométrico de Alan Lomax 1978. Nas palavras de Ellingson "o estudo dos sistemas de notação, num sentido amplo de sistemas de representação e comunicação musical, é uma das áreas menos desenvolvidas da pesquisa etnomusicológica" (Ellingson, 1992. p.153). Apesar das dificuldades e imperfeições de quaisquer que sejam os sistemas de representação, o etnomusicólogo não deve se eximir da responsabilidade de transcrever e analisar o fenômeno musical para não correr o risco de afastar-se demasiadamente da musicologia no sentido estrito da palavra.

2. TRANSCREVER PARA PRESCREVER OU DESCREVER?
O objetivo da transcrição para um sistema de signos numa notação musical, a priori, era o de registrar os elementos sonoros que compõem as músicas para que pudessem ser compreendidos por um intérprete e reproduzidos de acordo com as ideias do compositor. Um planejamento, análogo a uma receita, sobre como o intérprete deveria executar determinada obra. Mas, em consequência à visualização no papel dos elementos musicais em função do tempo, a notação também pôde ser utilizada como uma importante ferramenta para a compreensão dos eventos sonoros de uma determinada composição. Como bem lembra Charles Seeger (1958), dois objetivos poderiam ser apontados para a notação: o de fornecer um plano de execução para o executante e o de registrar na escrita o que acontece com o som. Segundo Netll, "A diferença entre notação prescritiva e descritiva era a terminologia de Seeger para música para performance e análise." (Netll, 2004. p.78). Ideia corroborada por Ellingson:
Notação musical, a representação da música através de significados outros que não o som musical, é central para duas áreas maiores da etnomusicologia: para transcrição e para o estudo, num contexto mais abrangente, de sistemas musicais culturais e simbólicos. (Ellingson, 1992. p.153. Tradução minha)

Tomando como pressuposto a definição de Ellingson para notação como "representação da música através de significados outros que não o som musical", haverá um sem número de possibilidades de representação verbal, gestual ou escrita, a serem utilizadas nas músicas de tradição oral entre os executantes, de modo a comunicar prescritivamente ou descritivamente as características peculiares à execução musical. Dentre as possíveis, já bastante conhecidas, podemos citar partituras, tablaturas, sistemas com algarismos arábicos para indicar digitação e "casas" ou "trastes" de instrumentos temperados, comunicação através de símbolos com as mãos para comunicar tonalidades em cima do palco, manosolfa para fins didáticos dentre outros.
É muito frágil e tênue a linha que separa a classificação das notações transcritivas em prescritivas ou descritivas de Seeger, uma vez que o que de fato define a função de uma ou outra representação é o objetivo a que a mesma se propõe. Qualquer notação é uma representação e, assim sendo, será um recorte do objeto de estudo que para fazer sentido necessita de uma série de convenções e significados aprendidos e retransmitidos culturalmente. Desse modo, uma notação, ainda que tenha uma intenção prescritiva, ou seja, objetive comunicar como a música deverá soar, poderá ser utilizada para fins descritivos a partir do momento em que um pesquisador intencione analisar o discurso musical e/ou elementos quaisquer que caracterizem a obra. Numa via de mão dupla, a notação que possua uma intenção primária de descrever, ou seja, evidenciar características num sentido analítico, poderá ser reproduzida de maneira a almejar a execução mais fidedigna possível à realidade da obra. Desde que seja interpretada por um pesquisador munido de conhecimento prévio sobre estas convenções e simbolismos.
Se levarmos em consideração que as possibilidades que o conhecimento sobre os elementos sonoros que caracterizam as manifestações culturais e estimulam a percepção dos ouvintes poderá também estimular o imaginário de compositores "outsiders", a análise musicológica destas formas de fazer música serve também para a obtenção de material composicional para fusão de estilos e sincretismos culturais. Vimos isso acontecer demasiadamente durante o período nacionalista em fins do Século XVIII e início do Século XIX. Além do mais, "embora se suponha que a transcrição seja uma notação descritiva, no entanto, no canto da mente do pesquisador, é potencialmente prescritiva." (Netll, 2004. p.87).
Netll (p.81) também nos chama atenção para ainda outra importante forma de transcrição descritiva: o que a cultura em questão considera como performance ideal. Ou seja, que elementos sonoros são de fato importantes para determinado tipo de manifestação cultural e que merecem uma atenção especial do pesquisador.
Diante do acima exposto, podemos concluir que a notação deve ser escolhida a partir da finalidade prática a que se propõe e não ser a finalidade em si.

3. O PAPEL DO COMPUTADOR NA ANÁLISE E TRANSCRIÇÃO DAS MÚSICAS DE TRADIÇÃO ORAL.
Desde o início do século XX, muitos etnomusicólogos se engajaram na árdua tarefa de desenvolver aparelhos que permitissem uma análise das músicas de tradição oral e das não ocidentais, tidas como exóticas à época, por meio de equipamentos que mensurassem as propriedades físicas do som. Assim, buscavam-se os elementos universais das músicas e desenvolviam-se representações alternativas a serem interpretadas pelo pesquisador, tais como espectrogramas, gráficos e outras representações simbólicas dos parâmetros do som. A data que marca o início desta empreitada é 1928, quando com um estreboscópio, Metfessel fotografa as oscilações sonoras e superpõe um gráfico sobre a fotografia produzindo uma publicação com notações gráficas (Netll, 2004, p.85). Depois surgiu o já mencionado melógrafo com Seeger (1953) e suas inúmeras transcrições que desencadearam um entusiasmo para as pesquisas com este tipo de enfoque. Sobre a importância destes avanços, seguem as palavras de Netll:
uma importante contribuição do melógrafo, então, é ajudar-nos a ouvir objetivamente. Tendo certas coisas apontadas mediante inspeção de uma notação melográfica, o pesquisador pode, então, seguir na confiança do ouvido. Quase parece que os etnomusicólogos são vítimas de um análogo da hipótese whorfiana, segundo a qual o pensamento é regulado pela estrutura da linguagem; audição musical e cognição por parte dos musicólogos podem ser profundamente afetados pelas características da notação ocidental. Pode ser o maior papel do melógrafo nos libertar dessa restrição. (Netll de 2004. P.88. tradução minha)
Com o surgimento dos modernos computadores e softwares existentes no mercado, hoje, o pesquisador da etnomusicologia pode analisar e transcrever músicas de culturas não ocidentais ou que não se adequam bem a uma redução para a notação tradicional ocidental com uma boa margem de objetividade. Ainda que sempre parta do observador a escolha de como e porque representar determinado som com uma ou outra forma de notação, o auxílio da máquina além de permitir múltiplas visualizações do que se ouve e, portanto, distintas análises e interpretações a respeito do som, permitirá a produção de variadas formas representativas. Netll segue ainda enfatizando a importância do auxílio de computadores para análise e transcrição musical:
Além de serem poupadores de trabalho e mais precisos e eficientes que o ouvido, eles de modo geral permitiram expor menos o viés ocidental e assim serem mais condutores tanto para a eliminação do etnocentrismo como o desenvolvimento do método comparativo. (Netll, 2004. p.87. Tradução minha)
O conhecimento das propriedades físicas do som (altura, duração intensidade e timbre) e seus respectivos parâmetros aliados ao conhecimento básico da psicoacústica, ou seja, como estes elementos são percebidos e representados pela nossa cognição enquanto seres humanos e as relações de valores agregados da cultura em foco, tanto por parte dos pesquisados quanto do pesquisador, auxiliam num melhor entendimento dos fenômenos musicais.
4. ESTUDO DE CASO: análise de um canto de aboio colhido em São Gonçalo distrito da cidade de Sousa-PB
Com o auxílio de dois softwares específicos: o sonic visualizer® desenvolvido pela universidade Queen's university - Londres, e o Finale® desenvolvido pela Coda Music and Technology, o primeiro para análise e representações gráficas dos sons e o segundo para a edição de notação, será exemplificado a seguir uma análise de um canto popular, no caso o aboio, e as múltiplas possibilidades de representações simbólicas.
No dia 20 de outubro de 2013, no distrito de São Gonçalo na cidade de Sousa-Pb, foi colhido o aboio cantado pelo aboiador chamado de Soró aboiador na ocasião do 1º festival de aboio da região. O aboio é uma prática de canto de trabalho dos vaqueiros nordestinos entoada para a condução do gado. O equipamento utilizado para a captação do áudio foi um microfone gravador multifocal da marca Zoom® modelo H2N posicionado a aproximadamente 2 metros de distância do cantor. Uma vez de posse do áudio deste aboio, o mesmo foi exportado para o programa soundforge® para que fosse possível separar uma única estrofe das demais para análise e transcrição. O objetivo da pesquisa é perceber o material sonoro que caracteriza a criação das melodias do aboiador ao longo da improvisação de suas rimas. O aboiador improvisa o texto durante sua apresentação em uma melodia idêntica com uma sonoridade peculiar que caracteriza o estilo.
Como em toda investigação de estruturas, a busca por elementos musicais construídos e culturalmente significantes vai levar às menores unidades classificáveis do sistema, que servem de referência para a percepção do todo, o "som organizado humanamente". Dentro da cultura musical estes elementos menores estarão ligados uns aos outros de maneira relativamente estável, estabelecendo assim a ordem musical vigente. Decifrar a organização interna destes fatores interdependentes significa reconhecer a estrutura musical mais ampla nos seus múltiplos detalhes. (Pinto, 2001 p.236)
Essas estruturas poderão ser bem entendidas se associarmos o fenômeno físico, visualizado pelo computador, à nossa percepção humana, e assim tecer dessa forma um estudo comparativo entre a cultura pesquisada e as impressões do pesquisador.
4.1 - Representação gráfica e análise de intensidade
Na figura abaixo podemos observar a representação gráfica do som do aboio considerando a intensidade, medida em decibéis, (y) em função do tempo (x). Fig.1
Na parte inferior da tela temos a representação em formas de onda na cor verde e no canto superior direito está o tempo marcado em milissegundos e a variação de dB (decibéis). Com esta representação é possível demonstrar a variação de dinâmica em função do tempo na forma de cantar aboio. Os bruscos declives no gráfico mostram o momento exato em que o executante deixa de emitir o som para tomar novo fôlego.
Fig. 2

4.2 - Outras visualizações
Espectrogramas são visualizações dos espectros sonoros gerados a partir da série harmônica. Podem servir para representar o comportamento das notas musicais (frequências perceptíveis cognitivamente e culturalmente identificadas) e seus espectros sonoros.

Fig.3
Para a análise e identificação das notas musicais que compõem a melodia foi utilizado o seguinte procedimento: A partir do espectrograma, foi aplicado o pluggin Salience Function: Colour 3D Plot desenvolvido pelo Music Technology Group- universitat Pompeu Fabra, para termos um contorno melódico desenvolvido a partir das frequências sonoras. Depois foi adicionado um layer (camada) chamado MIDI note, ou seja, uma nova camada de visualização para sobrepor ao espectrograma com contornos melódicos mais definidos que permitiram marcar em protocolo MIDI as frequências medidas em Hertz das notas cantadas para as notas temperadas predefinidas. Somando a percepção auditiva à visual, foram marcadas as notas, uma a uma. Para isso, foi utilizado um recurso do programa que permite diminuir a velocidade da reprodução sem alterar as frequências. Dessa forma, foi possível marcar sílaba a sílaba dos versos as notas cantadas, observando a frequência das mesmas.

Fig.4
Observando esta representação, percebemos que existe uma nota alvo (ver a linha que marca A# = 469.168Hz) de entrada e saída no canto que polariza as demais.

4.3 - Transcrição
Depois de demarcarmos a notas do aboio em protocolo MIDI, exportamos para o ®Finale para elaborarmos a transcrição. Como a rítmica do aboio "tradicional" está vinculada aos versos da poesia e ao tempo de raciocínio do aboiador, optamos por registrar apenas as alturas na partitura sobre as sílabas do verso. Assim, a transcrição respeita a execução livre de "pulso" do cantor.
O objetivo da transcrição da partitura dessa melodia é tornar visível o conjunto das notas da composição. Desse modo, o pesquisador poderá produzir material com finalidade prescritiva da sonoridade para composição e ainda ter um registro descritivo de como foi cantada a melodia. O objetivo da análise é que define as melhores metodologias e escolhas de representações. Segundo Ulhôa:
O padrão de referência da notação vai depender do propósito do seu uso. Mais do que isto, a partir do século XX temos a tendência a achar que as partituras são o próprio ícone da obra. A nova ênfase na performance nos estudos musicológicos abre um novo caminho para a avaliação de material escrito. (ULHÔA, 2008. pag.19)
A figura 6 mostra no pentagrama as notas do canto do Soró aboiador.

Fig. 6

4.4 - Estudo comparativo
A partir de uma análise comparativa é possível interpretar as características de como percebemos a sonoridade deste aboio da seguinte forma: As notas cantadas neste aboio, na ordem da mais grave para a mais aguda, foram: sol bemol, si bemol, dó bemol, ré bemol, mi bemol, fá bemol. Neste caso, as notas estão contidas no que seria o modo mixolídio, partindo de sol bemol (sem o segundo grau Láb).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Este trabalho não pretende encerrar as discussões acerca da importância de transcrever ou não uma manifestação musical e muito menos estabelecer uma maneira "correta" de transcrevê-las. As discussões aqui apresentadas e o estudo de caso apenas reafirmam a importância do pesquisador de música em estar atento às transformações e avanços tecnológicos pelo qual vem passando a disciplina. Com um conhecimento básico sobre estas novas tecnologias, muitas observações poderão ser feitas em laboratório a respeito das músicas de tradição oral e permitirão direcionar um debate junto aos mestres de cultura sobre pontos específicos que as caracterizam.
Mediar o conhecimento de como o fenômeno se apresenta do ponto de vista físico, como o pesquisador o percebe e a forma como os agentes destas músicas pesquisadas a percebem do seu próprio ponto de vista teórico-cultural, por meio de depoimentos e observações conjuntas pode enriquecer a pesquisa e o trabalho de campo. A soma de variadas formas de representação pode ajudar a se ter uma melhor compreensão do fazer musical.
Por fim, sendo a etnomusicologia um campo de conhecimento de amplos enfoques epistemológicos, podemos utilizar mais estas ferramentas para uma análise aprofundada das músicas de tradição oral como um todo. Somando a percepção auditiva à visual o pesquisador pode investigar as minúcias que por vezes passam despercebidas além de diminuir o índice de subjetividade do mesmo. A utilização de ferramentas computacionais para a análise de músicas de tradição oral traz, como subproduto, diversas formas de representação do fenômeno sonoro, podendo trazer ganhos para esta área do conhecimento.



REFERENCIAL BIBIOGRÁFICO.

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