\" O povoamento em Avintes no tempo dos Filipes \"

June 8, 2017 | Autor: P. Sousa Costa | Categoria: Modern History, História Moderna e Contemporânea
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20º Fórum Avintense 2009

“O povoamento em Avintes no tempo dos Filipes” Autor: Paulo Jorge Costai O tema proposto pela comissão de acompanhamento do 20º Fórum Avintense é “Ruralidade e modernidade. Uma perspectiva para Avintes”, um tema que continua actual, embora desde há 50 anos que a actividade que representa a ruralidade está em extinção. O actual momento, e daí a pertinência do debate, pode ser o ponto de partida para se gizar um plano consensual que faça a simbiose entre a paisagem rural e a urbanidade que Avintes adquiriu nos últimos 30 anos. Pretendo contribuir para o debate expondo, através da demonstração histórica, como se desenvolveu a paisagem rural.

Introdução No artigo que apresentei no 19º Fórum /2008, falei sobre uma sentença em nome do imperador dos franceses, Napoleão Bonaparte, acerca do litígio entre o marquês do Lavradio e conde de Avintes, e alguns habitantes do couto e a Câmara do Porto, sobre o direito de emprazamento dos baldios. Mencionei que esses baldios estiveram na génese dos mais importantes aglomerados, da primeira urbanidade, nomeadamente as Portelas/Magarão e a Gandra. O nascimento da aldeia das Portelas / Magarão ocorreu muito anteriormente por alturas da segunda década de setecentos. E a da Gandra depois de 1780, prolongando-se o seu desenvolvimento pela centúria seguinte de oitocentos. Este século não terminaria sem o aparecimento de novo aglomerado com características urbanas, Aldeia Nova. Fruto da nova estrada de Bandeira a Lobão e da estrada Aldeia Nova - Santo Ovídio, pela década de oitenta desse século. Aliás, a estrada possibilitou o desenvolvimento urbano da freguesia, servindo de espinha dorsal, unindo os aglomerados principais Portelas/Magarão, Gandra e Aldeia Nova. O povoamento que até aí era disperso, mas concentrado em pequenos núcleos de características agrícolas, passou a estar disposto sobre o eixo central que a Estrada de Bandeira a Lobão, futura E.N 222, e actual Rua 5 de Outubro, organizou. No entanto, durante o século 20 a junta de freguesia foi desenvolvendo o alargamento e correcção de alguns dos antigos caminhos, proporcionando o desenvolvimento dos antigos núcleos agrícolas, sobretudo Pousada e Campos. Com a liberalização da construção promovida pela lei publicada em 1964, a construção de 1

20º Fórum Avintense 2009 habitações acelerou, através de urbanizações em espaços privados de dimensão agrícola sem proporem continuidade, criando-se bairros. Assim, das aldeias, passou-se ao bairro. Hoje, a paisagem é marcada pela amálgama, sem ordem, nem beleza, de campos abandonados e urbanidade descontinuada, sem infra-estruturas rodoviárias adequadas ao tempo presente. As vias de comunicação que nos servem no interior da freguesia, ainda são as mesmas que foram construídas há 125 anos. O tempo de hoje obriga as entidades autárquicas e toda a comunidade a decidir o que quer para amanhã. Mais importante que tudo é preciso bom planeamento e definição de opções e isso tem de envolver toda a comunidade, dirigentes, proprietários, empresários, intelectuais e habitantes. De facto hoje é preciso fazer uma nova definição do espaço, dando novos contornos ao que é urbano (indústria e habitação) e o que é rural e agrícola (agricultura e silvicultura). Com esta introdução, passemos ao tema que nos propusemos, porque conhecer o passado, os seus contornos e a forma como o espaço foi definido, são instrumentos imprescindíveis para o debate e sua conclusão harmoniosa. Porque o passado existe e pode ser integrado na nova urbanidade ou na nova ruralidade. São desafios que só enriquecem o engenho de um povo. Porque destruir é fácil e fazer de novo também.

As aldeias de Avintes no período Filipino. O período Filipino corresponde à terceira dinastia que governou Portugal. Foi inaugurada pela proclamação de Filipe II de Espanha, nas Cortes de Tomar em 1581 como Filipe I. Sucedeu-lhe seu filho, Filipe III de Espanha, II de Portugal em 1598. E em 1621, sucedeu Filipe IV de Espanha, III de Portugal, encerrando-se o domínio espanhol em 1 de Dezembro de 1640. Durante este período foram senhores de Avintes, Isabel Brandoa, casada com D. Francisco de Almeida, que lhes sucedeu D. João de Almeida por volta de 1610. D. João de Almeida faleceu nas partes da Índia em 1623. Seus filhos, Bernardim de Almeida e Isabel de Castro, eram menores. Entretanto, Bernardim de Almeida faleceu, e sua irmã sucedeu-lhe como senhora do Couto. Provavelmente pelo final da dinastia de Habsburgo, casou com o seu parente afastado D. Luís de Almeida, que seria o primeiro conde de Avintes em 1664. O período abordado enquadra-se nos reinados de Filipe II e Filipe III. Segundo qualquer dicionário de língua portuguesa, a definição de aldeia é uma pequena localidade com poucos habitantes, com organização simples, sem autonomia

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20º Fórum Avintense 2009 administrativa. O lugar é um sítio, localidade ou pequena povoação1. Aqui na região do Entre Minho e Vouga, utiliza-se como sinónimo de aldeia. De forma a não particularizarmos o uso destes termos, pois eles têm um significado próprio para o tempo, empregaremos a palavra assentamento para os definir. Por este raciocínio definiremos quais os assentamentos que existiam ao tempo dos Filipes e que função desempenhava no espaço. Um ponto prévio impõe-se já, estes assentamentos estavam relacionados com uma actividade económica importante, a agricultura e só se podem compreendê-los nessa lógica. E porquê? Responderemos ao longo deste texto. Os assentamentos que existiam nesta altura, e que se designavam de aldeia ou lugar, eram, de Norte para sul: Avintes, Outeiro, Quintã, Soutulho, Cabanões, Febros, Areias, Loureiro, Pousada e Campos. Estes assentamentos coincidiam com as propriedades que existiam: Avintes

3 Casais e uma Quinta ou Quintã

Outeiro

2 Casais

Quintã

1 Casal, casas com Moinho no Rio de Azenha, Rua Nova e 2 assentos de casas, Gaiôlo e Fonte Seca

Soutulho

2 Casais

Cabanões

1 Casal

Febros

Vários Moinhos, 1 Casal

Areias

1 Casal e 1 Quebrada

Loureiro

1 Quebrada com moinho

Pousada

1 Quintã, 2 casais, 1 quebrada

Campos

3 Casais e 2 quebradas

O Casal era uma propriedade agrícola que ocupava um terreno plano, cuja dimensão podia ser trabalhada por um casal (um homem e mulher casados). A quebrada também era uma propriedade agrícola igual à anterior, mas que se distinguia 1

Dicionário da língua portuguesa 2009, Porto, Porto Editora, 2008. Definição adaptada.

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20º Fórum Avintense 2009 por se desenvolver em terreno inclinado, na quebra do monte, daí quebrada. A quinta ou Quintã era a propriedade pertencente a alguém de condição social superior. Em comum tem uma característica, estes assentamentos compunham-se de casas de morada, currais, eiras, hortas, pomares, cortinhas e campos, agrupados. Depois dispersos pelo espaço da freguesia havia leiras e campos que pertenciam a cada uma dessas propriedades, que pressupõem uma origem comum, que de facto existiu, como em anterior comunicação explanei. Durante a época medieval, os detentores do casal, possuíam-no por contrato de emprazamento, tinham ao seu dispor, para ajudar nas lides agrícolas, um conjunto de serviçais que viviam na propriedade e a ela estavam agregados. Na periferia, das propriedades agrupava-se uma mão-de-obra livre que se designava por cabaneiros ou seareiros, género de trabalhadores rurais, que viviam cobrando jorna, não possuindo terra. Durante a centúria de quinhentos havia em Avintes alguns, que não estavam isentos de impostos. Só não pagavam foros, excepto se usufruíssem de terra de monte, da pesca, fornos, lagares e moinhos, que pertenciam ao senhor da terra. Em Avintes, por aquela altura, não pagar qualquer foro era impossível, pois até a cabana em que viviam estava em terra do senhor. Havia outros serviços agrícolas que os foreiros estavam obrigados. A quinta de Avintes, na centúria de quatrocentos, tinha o benefício de 16 jeiras de homens. Isto acentuou-se sobretudo depois de 1460, quando o mosteiro de Santo Tirso passou a emprazar cada uma das propriedades que pertenciam à quinta de Avintes. A jeira é o trabalho gratuito braçal que os foreiros tinham de prestar na quinta ou ao senhor da terra. Este tributo foi substituído pelo pagamento em géneros ou em dinheiro. Para os fins dos anos de quinhentos, a realidade estrutural em que havia assentado a exploração agrária, estava a modificar-se. E é essa nova realidade que vamos encontrar no período filipino. O Morgado de Avintes era composto por 90% das propriedades existentes, que estavam emprazadas ao Senhor de Avintes, na altura D. Francisco de Almeida e seu sucessor e filho, D. João de Almeida. Eles por sua vez, por intermédio dos seus procuradores e rendeiros, sub-emprazavam aos lavradores, garantindo a sua permanência na terra e a obtenção de rendas. Esta forma de gestão de carácter capitalista e rentista levou à fragmentação dos casais e quebradas em meios casais, quarto de casal, terços, etc. Também, quando os filhos dos foreiros casavam, os pais dotavam-nos com parcelas da propriedade. A necessidade de liquidez para cumprirem com as suas obrigações, levava muitos a vender parcelas ou a arrendarem, que muitas vezes conduzia à venda. Estes actos eram sempre confirmados pelos directos senhorios e pelos senhorios úteis. 4

20º Fórum Avintense 2009 A fragmentação da propriedade aumentou a dimensão dos assentamentos, que passaram a incluir mais casas de morada, currais, eiras, celeiros e palheiros. Em alguns casos, continuaram a partilhar as mesmas instalações e anexos de apoio à actividade. Ou em outros, esses anexos adaptaram-se a casas de morada. Já no período do Portugal restaurado, nasceriam novos assentamentos próximos dos antigos, que em alguns casos passaram a incluir aqueles. Por exemplo, a Aldeia de Espinhaço substitui e incorpora a aldeia de Avintes. O exemplo mais flagrante do desenvolvimento da urbanidade em Avintes no período filipino foi a Rua Nova, ou a Aldeia da Rua Nova. Parte integrante do Casal de Quintã. É uma rua que corre paralela ao monte, desde o lugar de Rio de Azenha até ao Foral das Audiências, assim se designava nesse tempo a actual Pedra da Audiência. A sua abertura deve remontar aos finais do século anterior. Pelo menos em 1600 já existia e tinha, além do Casal da Quintã e dos moinhos e casas do Rio de Azenha, o assento de casas da Fonte Seca e o assento de casas do Gaiôlo. Tanto as casas e moinho de Rio de Azenha, como o assento de casas do Gaiôlo eram parcelas destacadas do Casal de Quintã e eram foreiras ao Cabido da Sé do Porto. O assento da Fonte Seca ficava na parte de cima da rua, para o monte das Portelas e foi destacada deste monte. Era foreira ao Senhor de Avintes e seu alódio. Agora vejamos a evolução pelas centúrias seguintes.

Sua evolução. As novas aldeias cem anos depois. Para os anos de setecentos existem 2 documentos importantes que revelam a composição dos assentamentos nessa altura e sua evolução. Eles são, um documento dos primeiros anos de setecentos e de natureza fiscal. O segundo é de 1758, está compilado no dicionário geográfico e é comummente conhecido por memórias paroquiais. 1600 -

1700

1758

Arnelas

Arnelas

Campinhos

Campinhos

Azenhas

Azenhas

Campos Campos Além do Ribeiro Campos Casal

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20º Fórum Avintense 2009 Aldeia de Campos Fontiela Pousada d’ Além Pousada

Pousada Pousada d’ Aquém Porcas Espinhaço

Espinhaço

Avintes

Avintes

Paço

Paço

Soutulho

Soutulho

Soutulho

Outeiro

Outeiro

Outeiro

Avintes

Portelas Cabanões

Cabanões

Cabanões

Areias

Areias

Quintã (com Rua Nova e Rio de Azenha)

Quintã Rua Nova Rio de Azenha Febros

Febros

Febros

Loureiro

Balsa Chãos -

Rego Pinheiro

No documento de 1700, o escrivão incluiu como parte de um grande núcleo, o lugar de Febros, os lugares de Quintã, Rua Nova, Rio de Azenha, Areias, Febros, Balsa, Loureiro, Chãos e Rego Pinheiro. Toda a encosta virada a poente, na vertente do Febros. Vemos pela primeira vez o lugar de Avintes ser dividido em três, Espinhaço, Avintes e Paço. O de Campos, também a ser dividido em Campinhos, Azenhas e Campos. Em Quintã, já em 1600 havia pistas concretas que anunciavam 2 novos 6

20º Fórum Avintense 2009 assentamentos, um na Rua Nova e outro junto ao Febros no Rio de Azenha, cisões do casal de Quintã. Também será deste casal que sairá o novo assentamento do Rego Pinheiro. Teria sido por finais de seiscentos que se instalaram os moinhos na Ribeira de Campos, nas Azenhas. Aí já existiam 2 quebradas e parte do Casal de Campos. Que um Rendeiro e procurador de D. João de Almeida, fidalgo de sua Majestade, Simão Borges da Fonseca, subemprazou para si e para os seus herdeiros e que seria o embrião da actual quinta de Santo Inácio. Cerca de 50 anos depois vemos novos nomes de assentamentos antigos, caso do Loureiro ser substituído pelo de Balsa. Aliás este topónimo designava em 1600 um assentamento agrícola em Vilar de Andorinho, o casal da Balsa. O assentamento de Rego Pinheiro é a novidade, além das Portelas, a primeira área de monte a ser utilizada para povoamento humano. O assentamento de Campos divide-se mais e o de Pousada também, em linha com o número de propriedades agrícolas que aí existiam. Junto ao Febros surge-nos a novidade de, à semelhança de Rego Pinheiro, um micro-topónimo de uma parcela rústica, Chãos, passar a designar um assentamento. O Rego Pinheiro era uma parcela rústica que entestava com o monte da Gandra, que se separou do Casal de Quintã. Resquício dessa ligação ao casal de Quintã foi o nome por que era conhecido o pinhal onde hoje se encontra a E,B 2/3 de Avintes, Pinhal de Quintã. Era uma parcela curiosa, tinha os portões das propriedades vizinhas viradas para ele, e teria sido aberto à fruição comum. Estava dividido em 3 sortes. Vestígio do antigo Monte da Gandra para onde aliás comunicava.

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20º Fórum Avintense 2009 Mapas anexos:

As aldeias de Avintes em 1600

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As aldeias de Avintes em 1700, documento AHMP

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As aldeias de Avintes em 1758 (Memória Paroquiais ou Dicionário Geográfico)

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A documentação e bibliografia, suporte desta comunicação, está vertida nas seguintes obras: COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, Os Espaços de Vivência no Vale Inferior do Febros nos séculos XVII e XVIII, Vila Nova de Gaia, ed. Policopiada, 1996/2006. SERRÃO, Joel, Dicionário de História de Portugal, Vol. 1º, Porto, Livraria Figueirinhas Iniciativas Editoriais, 1975. COSTA, Francisco, VAZ, José, COSTA, Paulo, De Abientes a Avintes. Notas monográficas., Avintes, Audientis, 2009.

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Licenciado em História e vice-presidente da Audientis – Centro de documentação e investigação em História local, CRL.

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