\" OLD WAYS AND NEW NEEDS \" ? OU \" NEW WAYS AND OLD NEEDS \" ? UMA PERSPECTIVA DAS REFORMAS NECESSÁRIAS AO PROCESSO PENAL PORTUGUÊS FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA CONFERÊNCIA PROFERIDA EM

June 9, 2017 | Autor: P. S. Matta | Categoria: Criminal Law Criminal Procedure Law, Processo Penal, Law reform, Legislacao Penal
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PAULO SARAGOÇA DA MATTA

“OLD WAYS AND NEW NEEDS”? OU

“NEW WAYS AND OLD NEEDS”?

UMA PERSPECTIVA DAS REFORMAS NECESSÁRIAS AO PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA CONFERÊNCIA PROFERIDA EM 26/01/2010

LISBOA 2010

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PLANO GERAL I – Introdução 1. O cenário em que se desenrola a acção 2. “O” problema da Justiça criminal portuguesa

II – Pistas de reflexão para um Processo Penal futuro 1. Razão de ordem 2. Medidas de coacção e de garantia patrimonial 3. Canais de comunicação entre soberanias 4. Incremento da celeridade no processamento dos pleitos criminais 5. Prescrição 6. Especialização das instâncias formais de controlo 7. Determinação dos factores atributivos de competência territorial 8. Alargamento da legitimidade para constituição como Assistente 9. Direito probatório 10. Medidas cautelares e de polícia

III – Propostas de Reforma imediata do processo penal português 1. Criação de um registo nacional de pendência criminal 2. Clarificação do momento de abertura dos inquéritos 3. Alargamento temporal da aplicabilidade do instituto da suspensão provisória do processo dentro do processo 4. Facilitação da aplicabilidade da suspensão provisória do processo em sede de inquérito 5. Regime de urgência processual nos processos sumários e abreviados 6. Segredo de justiça 7. Propostas de intervenção no processo sumário 8. Propostas de intervenção no processo abreviado 9. Propostas de intervenção no processo sumaríssimo 10. Outras propostas para reflexão futura Anexos

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I. INTRODUÇÃO

1. O cenário em que se desenrola a acção 1.

Toda e qualquer obra humana é susceptível de melhorias. E se o é cabe

aceitar que é também, do mesmo passo, susceptível de crítica. Assim também a Justiça que criámos em Portugal, rectius, que nos criaram para Portugal. E esta rectificação consignada em texto não ficou anotada por mero acaso. É que precisamente no campo de Justiça criminal portuguesa os últimos anos foram férteis em criações que são, na melhor das hipóteses, susceptíveis de crítica. Com efeito, a maioria das inovações legais no âmbito da legislação nuclear que disciplina a justiça criminal foram animadas por um mal disfarçado interesse em adequar o processo criminal e o direito criminal à realidade de algum(ns) processo(s) concretos. Como tal, acabaram por ser reformas legislativas totalmente desconexas com as reais necessidades da sociedade, em total e frontal contra ciclo com tudo quanto nos demais ordenamentos criminais mundiais lato sensu se tem vindo a fazer, e, o que mais é, até em contradição com outras reformas tópicas que foram sendo paralelamente introduzidas em outra legislação avulsa. Estranhamente, porém, após a introdução dessas inovações legais verificouse, nos primeiros tempos, um estranho conformismo por parte da doutrina temática, e uma adesão incondicional por parte da Advocacia, crente que estava (vá-se lá saber porquê!)

em que a reforma tutelava os interesses dos clientes da advocacia. Como se os

“clientes da advocacia” fossem sempre os autores dos factos criminosos / os arguidos, e nunca os objectos dos ataques do facto /as vítimas dos factos criminosos. Tal situação gerou um indisfarçável desconforto em pouco mais de dois anos de vigência das últimas reformas, protagonizado essencialmente pelas magistraturas e pela própria consciência social, potenciada por uma comunicação social cada vez mais atenta às incongruências do sistema. No plano doutrinal, porém, o silêncio imperou. Excepção feita a algumas esparsas observações no domínio do comentário mediático, a mais pesada doutrina penal e processual penal ficou silente, como que também ela alheada da gravidade da

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situação vivida no domínio da justiça criminal. Não bastara já o abandono a que por décadas tem estado votado o direito penitenciário e a execução de penas, agora o desinteresse alastrara também à política criminal e até ao processo penal. 2.

Porém, nos finais de 2009 iniciou-se um movimento tímido de crítica.

A tal movimento não foi alheia a divulgação pública de um Relatório elaborado pelo Observatório da Justiça (e mantido secreto por largos meses), o qual salientou alguns dos pontos da entropia gerada pelas últimas reformas do processual penal. Sendo certo que a nosso ver tal Relatório não detecta todos os importantes problemas vividos no seio de justiça criminal, não menos certo é que aponta alguns deles. E se o faz com acerto e apontando o dedo a alguns dos responsáveis pela situação vivida, acaba por repartir igualitariamente as culpas por vários intervenientes, acabando por apoucar a responsabilidade maior dos responsáveis políticos pelo estado lastimoso a que chegámos neste domínio. Todavia, mercê das conclusões tiradas pelo identificado Relatório, aquilo que tivemos oportunidade de defender ainda antes da entrada em vigor das reformas de 2007 veio a legitimar-se nas respectivas linhas, e assim a ganhar adesões fora das magistraturas. Subitamente, e sem que nada já o fizesse prever, houve uma súbita consciencialização de que a justiça criminal portuguesa está urgentemente carente de uma contra-reforma. Como é público, temos defendido, desde a data da publicação da última reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal, a urgência de uma contrareforma. Com a nossa modesta opinião temos pedido uma intervenção legislativa urgente que inverta com urgência os maus passos dados. Ora, as conclusões do Relatório do Observatório da Justiça reforçaram com a autoridade académica reconhecida ao Observatório o que vínhamos dizendo sem que tivesse qualquer eco na Doutrina e nos fori políticos. Foi por isso com agrado que soubemos da nomeação de uma Comissão com a missão de apresentar uma proposta de alteração ao Código de Processo Penal, Comissão essa em parte composta por individualidades de indiscutível credibilidade e reconhecidos pergaminhos na área do processo penal.

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Tendo tal Comissão apresentado já ao Governo uma proposta de reforma do CPP, de teor – ao que nos é dado saber – ainda secreto, foram já pelo Ministério da Justiça divulgadas algumas das ideias gerais norteadoras das respectivas propostas. Porém, como entre ideias gerais e propostas concretas vai, as mais das vezes no que respeita à legislação portuguesa, uma considerável distância, vemo-nos totalmente impossibilitados de tirar quaisquer conclusões sobre o sentido da reforma em curso. Optamos, assim, por enunciar, de modo necessariamente tópico e resumido (dadas as contingências temporais a que uma conferência como a que ora proferimos está sujeita), os pontos que consideramos essencialmente carentes de reforma, de molde a relegitimar a justiça criminal aos olhos da sociedade.

3.

Daí que tenhamos dado a esta conferência o título que consta dos

programas divulgados: Old ways and new needs? ou New ways and old needs? É que se é certo que muitos dos instrumentos utilizados sejam antigos e tenham de enfrentar necessidades novas, também é verdade que existem muitos instrumentos novos que servirão para enfrentar necessidades antigas. O processo penal, qualquer processo, é um conjunto de instrumentos, novos uns, antigos outros, que servem necessariamente – porque essa é a natureza das coisas –, para enfrentar necessidades, também elas novas, umas, antigas, outras. Mal vai o legislador, porém, e com ele tantas páginas escritas por outros tantos autores, quando pensam que as necessidades são todas novas, e que os instrumentos são todos antigos! Assim não é, assim nunca foi! E apenas um efectivo e veraz conhecimento das realidades que enfrentamos, as novas e as antigas, e do funcionamento dos instrumentos, novos e antigos, nos permitirá ir construindo um processo penal capaz de servir os fins para que tem de existir. Com este programa nos guiaremos pelas linhas que seguem.

2. “O” problema da Justiça criminal portuguesa 1.

A justiça portuguesa, em geral, e a justiça criminal, em especial, têm

sido alvo da reiterada qualificação como uma justiça “lenta”. Tal afirmação provém, 7

não só, dos próprios profissionais forenses, como ainda de instâncias nacionais e internacionais que avaliam – mais técnica ou mais politicamente – o desempenho das autoridades judiciárias criminais portuguesas. Entre essas entidades internacionais conta-se o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o qual já proferiu condenações do Estado português com base na falta de celeridade das justiças portuguesas. Porém, nos últimos anos, tem sido mais intensa a consciência social da injustiça causada pelos atrasos judiciários. Já não é só a crítica que fica intramuros do foro, e que habitualmente era dirigida pelos Advogados aos magistrados e funcionários judiciais. Ao invés, tem sido crescente a constatação, fora do âmbito judiciário, de que a justiça portuguesa é lenta e, mais recentemente, que é um serviço caro para a utilidade que dela retiram os cidadãos. A esta consciencialização social, e respectivo alastramento à grande maioria dos cidadãos, não é alheio o escrutínio constante a que tem sido sujeita a Justiça por parte da comunicação social. E o interesse desta pela justiça, maxime criminal, também não é de causa ignota. Ao invés, a tal interesse jornalístico pelo judiciário não é alheio o número de processos “mediáticos” em curso. Sendo que têm sido mediáticos, na essência e para este efeito, os processos-crime em que se vêem envolvidos titulares de cargos políticos1. Ora, não fosse a questão de fundo da Justiça do decidido e da qualidade da justiça a aconselharem-no, sempre seria a atenção da sociedade sobre aspectos vários do processo criminal a impor uma urgente tomada de posição, por parte de magistrados, funcionários e advogados, bem como por parte do legislador, relativamente ao problema da celeridade. Com efeito, entendemos que hoje em dia, e em face do volume e características dos atrasos a que chegou a justiça criminal, a celeridade erige-se como problema central das reformas a empreender, sob pena de o Estado se confrontar com um verdadeiro problema de legitimação social da justiça criminal.

1

Com efeito, apesar de mediáticos, pouco relevantes têm sido, para efeitos de demonstrar a

falência do sistema, processos-crime em que têm sido arguidas pessoas socialmente relevantes ou conhecidas, mas que não são titulares de cargos políticos ou com ligações pretéritas à política.

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Assim sendo, como é, mais do que procurar revolucionar a legislação processual penal – lançando-a num chaos de onde dificilmente sairá ileso o Estado de Direito democrático

–, cabe perspectivar o sistema legal vigente numa óptica de incrementação

da respectiva celeridade. Não é, a nosso ver, momento de substituição de modelos e paradigmas legislativos processuais penais, mas momento de incisiva e cirúrgica intervenção2 – a –, em ordem a permitir que a Justiça

nível legal e, em especial, estrutural e procedimental

recupere os atrasos que a têm caracterizado, reconquistando a confiança da sociedade, assim se relegitimando aos seus olhos e colocando-se ao serviço dos fins para que foi instituída. Claro que o problema da celeridade não é o único problema da Justiça Criminal. Mas sendo o mais estrutural, entendemo-lo como “o” problema que cabe começar por enfrentar. Assim que, e antecipando já alguma concretização, cabe referir partirmos da assunção de que ao ampliar e agilizar as formas de processo especial, mais reduzido será o volume remetido para a forma comum, o que possibilitará, necessariamente, uma melhor gestão da tramitação nessa forma de processo.

2.

Mas não se tratando a celeridade do único problema que cabe

enfrentar, preocupámo-nos não só em detectar as áreas de mais notório estrangulamento da desejada celeridade, mas também em propor intervenções tópicas, ao nível legal e organizacional, que permitam atingir vários propósitos, sempre mantendo as linhas mestras paradigmáticas que caracterizam o sistema legal desde 19873. 2

Assim também as conclusões do Relatório do Observatório da Justiça a que atrás se fez

referência. 3

Sublinhamos pois, expressamente, a nossa convicção da bondade geral e actualidade do direito

processual penal português, nos últimos anos tão discutida em Portugal, especialmente por quem do direito processual penal tem um conhecimento mediano, senão fraco, mas goza de acesso ao poder legislativo e aos meios de comunicação social. Todos esses críticos, a quem dificilmente se reconhecem méritos e saber justificadores da respectiva opinião, lançam o chaos ao desacreditar um instrumento legislativo cuja matriz geral não é criticável.

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Obviamente que a introdução das medidas que consideramos imprescindíveis não eliminará todos os vícios que são assacados à Justiça Criminal portuguesa, mas será um primeiro passo para redignificar a Justiça criminal, dando-lhe o tempo necessário para, em sequência, combater os demais problemas com que se confronta. Este o propósito que se visa alcançar com as linhas que seguem.

II. PISTAS DE REFLEXÃO PARA UM PROCESSO PENAL FUTURO

1.

Razão de ordem: Numa conferência que proferimos no passado dia

21 de Janeiro no âmbito de um Congresso organizado pela Escola Superior de Magistratura de Pernambuco, na Cidade de Recife, Brasil, analisámos os reflexos que necessariamente tem para o processo penal do futuro o conceito sociológico, entretanto importando para o Direito, da sociedade do risco. Fizemos então um bosquejo pelos desafios que essa mesma sociedade do risco, e criminalidade que a caracteriza, lançam ao Processo Penal. Tais desafios põem-se ao processo penal português, tal como se põem às demais legislações processuais penais dos demais Estados. I.e., trata-se de confrontar os ordenamentos processuais penais com novas realidades criminais e respectivas especificidades, termos em que não serão problemas de apenas algumas legislações processuais penais mais antiquadas e, assim, desenquadradas das necessidades da segunda modernidade de que falou Ulrich Beck. Ou seja, referimo-nos a desafios que se põem genericamente a todos os processos penais, e não apenas a legislações processuais penais retrógradas e desajustadas dos novos tempos. Assim que, não querendo aqui duplicar tudo quanto nessa circunstância afirmámos, nos limitemos a fazer uma enunciação tópica das questões sobre que então reflectimos. 2.

Antes de mais, consideramos que terão de ser repensadas as medidas

de coacção e de garantia patrimonial já previstas no Código de Processo Penal português, ponderando-se a necessidade de adaptar ou clarificar esse catálogo de

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molde a satisfazer as necessidades investigatórias e cautelares de alguns tipos de crime típicos desta modernidade. V.g., pondere-se a dificuldade com que serão as jurisdições confrontadas com a necessidade de decretar uma suspensão de actividade de um sujeito económico cuja responsabilidade pela prática de crimes ambientais ou crimes financeiros seja investigada. Sendo certo que a proibição genérica de exercício de uma actividade está legalmente prevista, dúvidas inexistem do conflito que surgirá entre a aplicabilidade de tal medida de coacção por confronto com a ponderação dos direitos dos respectivos trabalhadores, fornecedores, credores, etc. Ademais, caberá ainda confrontar os mecanismos actualmente legislados a título de medidas de coacção com o facto de cada vez mais no futuro a responsabilidade criminal investigada poder ser praticada por instituições. I.e., por sociedades, associações e outros entes colectivos4. 3.

Também os canais de comunicação entre soberanias no âmbito

dos processos penais são área de imperioso desenvolvimento futuro. Não pensamos apenas nos tradicionais mecanismos de cooperação judiciária internacional em matéria penal, mas sim em vias mais expeditas e consequentes que permitam a criação de zonas mais amplas de liberdade, segurança e justiça, à semelhança daquilo que dentro da União Europeia já se vem tentando nos últimos anos5. Tal criação de mecanismos é conditio sine qua non para a ultrapassagem do status quo até agora existente entre Estados, permitindo uma aproximação de regras processuais de investigação e, até, de julgamento da criminalidade global. Iguais desenvolvimentos terão igualmente de vir a verificar-se no domínio do instituto da extradição, como parece resultar óbvio.

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Situação esta que, todavia, poderá ser contornável por apelo aos mesmos princípios que

subjazem ao art.º 12º do Código Penal, i.e., à responsabilização penal pela actuação em nome de outrem. Sobre a questão cfr. Paulo Saragoça da Matta, O artigo 12º do Código Penal e a Responsabilidade dos “Quadros” das “Instituições”, Coimbra Editora, Coimbra, 2001. 5

Anabela Miranda Rodrigues, A emergência de um „Direito Penal Europeu‟ – questões urgentes de

política criminal, in http://www.ieei.pt/files/Questoes_politica_criminal_Anabela_Rodrigues.pdf.

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4.

Também consequência das características da criminalidade que mais

violentamente ataca a globalidade da sociedade humana, é a necessidade de garantir um imperioso incremento da celeridade no processamento dos pleitos criminais, dos quais depende, não só, a restauração da paz social, mas, em particular, a confiança da Sociedade nas instâncias formais de controlo, e, em última análise, no próprio poder do Estado. Com efeito, crimes globais afectam a paz social global de modo muito mais violento e carente de atenção do que os crimes tradicionais, termos em que para evitar uma desconfiança na Justiça e o descrédito em que cairá o próprio poder dos Estados, além do alarme social global adjunto, se terá de procurar caminhos de aceleração do processamento em pleitos criminais6. Ou seja, parece-nos imprescindível repensar toda a organização da investigação criminal e da jurisdição criminal, bem como da própria lei processual penal, dotando-as de instrumentos e mecanismos susceptíveis de, com celeridade e rigor, fazer justiça nesses casos que mais profundamente ferem a estabilidade e confiança da sociedade7. 5.

Outra matéria que, dada a sua influência directa no exercício da

jurisdição, deve ser objecto de reponderação é a da prescrição.

6

A celeridade com que as Justiças Norte-Americanas julgaram o Caso Madoff, uma das

maiores fraudes financeiras transnacionais dos últimos anos, não seria possível na maioria dos demais Estados, nomeadamente em Portugal. Ora, a falta de celeridade em processos desta natureza é letal para a sobrevivência do Estado e das Sociedades tal como os entendemos. 7

Precisamente cientes desta situação de crise, elaborámos e apresentámos ao Sindicato dos

Magistrados do Ministério Público de Portugal um projecto de reforma das formas especiais de processo penal, projecto esse que tendo sido acolhido – neste aspecto na quase totalidade – por tal Sindicato, foi pelo mesmo apresentado ao Governo português – em Dezembro de 2009 –, que o terá transmitido à Comissão, referida no início desta Conferência, que se encontrava encarregue de apresentar uma urgente e tópica reforma do CPP português que corrigisse alguns dos lapsos resultantes de uma infeliz reforma do Ano de 2007, e permitisse agilizar o processo penal em Portugal. Os trabalhos da referida Comissão ficaram concluídos no dia 11 de Janeiro de 2010, encontrando-se a dita proposta, no momento em que as presentes linhas são escritas, nas mãos do Governo da República para elaboração de uma proposta de Lei a ser votada no Parlamento. Ver-se-á até que ponto há o discernimento e coragem para atacar algumas das causas já detectadas do atraso da justiça criminal portuguesa.

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Com efeito, relativamente a todos aqueles crimes que lesam bens jurídicos de toda sociedade, ou que tenham efeitos ou consequências globais, caberá repensar se devem continuar a admitir prescrição, sob pena de, se nada for alterado nessa sede, se gerar situações de falsa restauração da paz social, porque meramente formal, além de transmitir uma mensagem de impunidade só por si susceptível de ter efeitos criminógenos8. Ademais, a declaração da imprescritibilidade de alguns crimes não é impossível, nem em termos dogmáticos nem legais9. 6.

Igualmente a especialização das instâncias formais de controlo,

sejam elas polícia, ministério público ou tribunais, é caminho inexorável da justiça criminal. Na verdade, afigura-se-nos que o sucesso das investigações criminais em matérias de conhecimentos especiais, principalmente de carácter técnico ou científico, impõe uma especialização das polícias e dos magistrados (investigadores e julgadores).

A consequente perseguição e efectivo castigo de comportamentos ilícitos

praticados nessas mesmas áreas de especiais conhecimentos, v.g. o ambiente, a informática, a ciência (medicina, química, farmácia, física, etc.), a finança internacional, etc., impõem a criação de sub-especializações a nível investigatório e jurisdicional, privilegiando-se estruturas organizadas por critérios de matéria, com desprezo pelo critério da territorialidade. A regra terá de passar a ser: para criminalidade especialíssima, órgãos de investigação e de julgamento também especialíssimos. 7.

Também necessariamente merecedor de reflexão é a área da

determinação dos factores atributivos de competência territorial às jurisdições nacionais, consagrando-se, sem excepção, o princípio da ubiquidade. Tal o modo

8

A título exemplificativo imagine-se a dificuldade que haverá em justificar às sociedades,

nacionais e internacional, a prescrição de crimes como os que determinaram as mortes causadas no 11 de Setembro nos EUA ou no 11 de Março em Madrid. 9

Recorde-se que são vários os ordenamentos criminais que têm já categorias de crimes

imprescritíveis, incluindo nesse âmbito não só crimes maiores, como por exemplo contra a Soberania Nacional ou o Estado, mas também crimes de geração mais recente, como é o caso dos crimes fiscais.

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único de garantir a inexistência de conflitos negativos de competência em casos de criminalidade transnacional e internacional 10. É ainda imperativo para a doutrina e para a jurisprudência começar a reflectir sobre a competência territorial relativa a crimes cometidos fora do território de todo e qualquer Estado, i.e., os crimes cometidos no espaço suborbital (mas ainda assim tão distante da terra que dificilmente se poderia determinar o factor de competência de um determinado Estado),

no espaço inter-planetário e mesmo no espaço galáctico11/12. 8.

Por outro lado ainda, e caminhando para áreas de disputa doutrinal e

jurisprudencial bem conhecidas, mas ponderando a existência de cada vez maior número de bens jurídicos supra individuais dotados de tutela penal, terá necessariamente de alargar-se a legitimidade para a constituição como assistentes de todos quanto sejam titulares desses mesmos bens jurídicos, ainda que com limitações procedimentais tendentes a não tornar o processo insusceptível de tramitação. 9.

Já no domínio magno do direito probatório, terão de ser

desenvolvidas reflexões profundas relativamente aos meios de prova e aos meios de obtenção de prova, sempre mantendo intocados os princípios vigentes relativos às nulidades de prova, sob pena de se desvirtuar a essência dogmática e constitucional intangível dos direitos, liberdades e garantias do Ser Humano. Poderá até concluir-se, como nos parece neste momento, que mais do que alterações aos meios de prova, tenha é de ser repensada a essência e valor probatório 10

Atente-se, a este respeito, nas dificuldades que se têm recentemente gerado com a recusa

uniforme de todos os Estados em julgarem os crimes de pirataria cometidos pelos Piratas Somalis capturados pelas forças militares internacionais. 11

R. Stammler, La génesis del derecho, Comares, Granada, 2006, pp. 17 a 19, 22, 25 e ss., apesar

de nesse texto se referirem os problemas existentes em 1922 postos à territorialidade pela navegação e pela navegação aérea. E não referimos ainda o espaço inter-galáctico por ser ainda tecnologicamente impossível para o Homem atingir tais áreas do espaço. 12

E nem sequer se pretenda que tais questões são resolúveis por apelo ao princípio do

pavilhão, quando é certo que o grosso das expedições espaciais futuras serão fruto de conjugações de esforços de vários Estados em simultâneo, como tal insusceptíveis de ser consideradas sujeitas ao pavilhão de um determinado Estado.

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das provas periciais, por se tratar daquele meio de prova fundamental para todas a mais recente e tecnológica criminalidade13. 10.

Por fim, também desenvolvimentos terão de existir no que respeita às

medidas cautelares e de polícia, i.e., às providências urgentes que têm e devem ser tomadas por todas as instâncias formais de controlo perante a descoberta de um crime, tendo em vista a conservação do cenário do crime, a obtenção da prova disponível de imediato e a disponibilidade dos suspeitos à ordem da Justiça. Ponderando a extrema velocidade dos acontecimentos na nossa era, bem como a volatilidade dos instrumentos e dos cenários dos tipos de crime nucleares à sociedade do risco, afigura-se-nos imprescindível a circunscrição de medidas cautelares ou de polícia efectivamente urgentes, que assegurem a mais rápida reacção possível em cenário de crime. Consabidamente que essa reacção imediata será condição necessária ao sucesso das investigações e à efectivação da Justiça, além de ser factor maior de restauração da segurança e confiança da sociedade na prontidão da Justiça e da eficácia do poder do Estado14.

III. PROPOSTAS DE REFORMA IMEDIATA DO PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

1. Criação de um Registo Nacional de Pendência Criminal 1.

Uma das questões que ainda se não tornou do conhecimento público,

até mercê do seu pendor burocrático, mas que tem relevância profunda ao nível da filosofia matriz do sistema judicial, da transparência respectiva e ainda da possibilidade

13

Nesta discussão terá de ser necessariamente repensada a regra constante do art.º 163º CPP,

i.e., a do valor probatório das perícias, caminhando num sentido de excluir as perícias, totalmente, à livre apreciação do julgador. 14

Nestas matérias, contudo, também o equilíbrio se estabelecerá entre os poderes amplos das

polícias criminais para a realização de tais medidas cautelares, com os propósitos referidos, e os direitos de cidadania dos visados com tais medidas, termos em que por mais amplos que sejam os poderes de emergência conferidos àquelas, se terá por definição de assegurar uma fiscalização e validação das mesmas medidas, também com urgência máxima, por parte do sistema judicial.

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de tratamento estatístico da informação a obter, prende-se com o conhecimento efectivo, em tempo real e com dados evolutivos permanentes, do número de procedimentos criminais desencadeados, em curso e findos, nas várias fases do processo penal, e, também assim, na fase de inquérito15. Com efeito, até hoje, o conjunto dos dados disponíveis – para a sociedade em geral, para os investigadores, para os técnicos

– assemelha-se a uma sucessão de fotografias

tiradas ao sistema de tempos a tempos, sofrendo das vicissitudes próprias de um sistema pouco transparente, sujeito a critérios variáveis de classificação e dependendo da maior ou menor atenção e diligência de quem materialmente está encarregue da gestão dessas mesmas bases de dados. Referimo-nos, em concreto, à imperiosa necessidade de criação de um registo informático centralizado e de âmbito nacional de todas as queixas, denúncias, participações, etc., que permita uma leitura em tempo real da pendência de natureza criminal existente junto das diversas autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal. Um registo dessa natureza não só permite monitorizar em constância a referida pendência, como será de uma valia extraordinária para permitir compreender os fluxos processuais, detectar os estrangulamentos processuais, e apreciar, estatisticamente, as diversas formas de processo em uso, sua expressividade, e, inclusivamente, as vicissitudes e transferências entre os diversos tipos de procedimento legalmente desenhados.

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O afirmado não desconhece a existência da Lei n.º 34/2009, de 14 de Julho, que estabelece

o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial. Com efeito, não estando implementado tal diploma, não poderia deixar nesta sede de se sublinhar a imprescindibilidade da criação deste mecanismo de controlo de workflow e de monitorização constante do processo de enforcement da lei processual penal. Acresce desconhecer-se ainda como venha a ser implementado e desenvolvido o regime jurídico referido, pelo que igualmente tal aconselha a apresentação da proposta que antecede. Por último, como resultará patente, a necessidade da implementação da sugestão apresentada em texto não se compadece nem com uma gestão dos objectivos que venha a ser feita de tal diploma legal, nem, muito menos, com a maior ou menor perfeição com que tal diploma legal venha a ser in concreto implementado e desenvolvido.

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Trata-se, em última análise, de um mecanismo de controlo dos fluxos de trabalho, que não só permite apreciar a magnitude da realidade que cumpre monitorizar, mas igualmente, e o que mais é, permite apreciar a eficácia das estruturas, a sua produtividade e o resultado de todas as intervenções legislativas, regulamentares e de reforma de estrutura e de funcionamento que no futuro venham a ser implementadas. Uma reforma consequente do sistema da justiça criminal não poderá descurar a criação desta ferramenta utilíssima de trabalho, necessária para a gestão racional de toda e qualquer estrutura produtiva, e a Justiça é-o necessariamente, numa Sociedade que se mantém permanentemente atenta à qualidade dos serviços providenciados pelo Estado, mesmo enquanto repositório da soberania nacional.

2.

Obviamente que um registo nacional da pendência criminal, fiel e fiável,

não poderá ser introduzido cegamente por relação com as características matriciais do sistema processual vigente, termos em que teria de ser estruturado, concretamente, em duas autónomas bases de dados, uma delas respeitante à fase de inquérito e outra relativa às fases jurisdicionais (instrução e julgamento), e que, como tal, ficariam à guarda da autoridade judiciária titular de cada uma das ditas fases ( o que garantiria o respeito pela estrutura constitucional e legal vigente, do mesmo passo que permitiria a cada um dos titulares da fase processual em questão uma melhor gestão dos respectivos recursos e uma actual leitura do próprio desempenho).

Defende-se, assim, a implementação de um registo nacional da pendência criminal, bipartido em bases de dados à guarda e sob a responsabilidade do Ministério Público (a relativa a inquéritos), e dos Tribunais (a relativa a instruções e a relativa à fase de julgamento e recursos).

A acessibilidade aos respectivos conteúdos seguiria o regime geral de

publicidade/segredo previsto no Código de Processo Penal. A concreta implementação deste registo será tecnicamente (informaticamente) simples, podendo com facilidade recolher-se o contributo tecnológico e logístico de outros Estados que já mantêm bases de dados com estas características.

2. Clarificação do momento de abertura dos inquéritos

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1.

Em consonância com a proposta que antecede, e estribados nas

mesmas justificações jurídicas e de filosofia geral do sistema, entende-se que todo e qualquer expediente que seja desencadeado pelo Ministério Público ou que lhe seja transmitido, nos termos e modos previstos no Código de Processo Penal, seja objecto de registo e classificação como inquérito (mesmo que seja para um imediato subsequente arquivamento, v.g. por inviabilidade manifesta)

16

.

Ou seja, fazer cessar os registos de carácter burocrático-administrativo existentes nos diversos serviços do Ministério Público relativamente a expedientes susceptíveis de desencadear procedimentos criminais futuros (quais “registos de entradas” de 16

A proposta referida em texto não se acanha perante o argumento de que existe muito

“expediente” policial que é remetido ao Ministério Público e que não consubstancia relato de ilícito criminal. Com efeito, só visões autocráticas (não democráticas) e pouco transparentes do funcionamento de uma instituição tão fulcral para o Estado de Direito como o são os Serviços do Ministério Público, pode pretender que parte do expediente comunicado ao Ministério Público (que não seja de carácter puramente burocrático ou administrativo), não deve merecer registo como inquérito. Na verdade, ao argumentar-se que existem numerosas situações da vida que levam à intervenção policial, que posteriormente comunica tais situações ao Ministério Público, situações essas que não constituem ilícito criminal e que, como tal, não carecem de ser autuadas como inquérito, está desde logo a falsear-se a realidade e o modo rigoroso pelo qual deve o Ministério Público actuar. Dito de outra forma: se os factos descritos nos expedientes remetidos pelas Polícias ao Ministério Público não integram qualquer ilícito criminal, tal apenas pode ser detectado depois de o Ministério Público prestar atenção a tais expedientes. E se o faz, no exercício do poder-dever que constitucionalmente lhe está reservado, então terá de o fazer no âmbito e nos termos previstos no Código de Processo Penal, e não numa fase fantasma, pré-processual, não sujeita a nenhumas regras constantes do CPP (nomeadamente aos constrangimentos que o princípio da oportunidade sofre, e bem, no nosso sistema processual penal). Saber se uma situação integra ou não, manifestamente ou não, um ilícito criminal, é um juízo que o MP realiza no âmbito de um processo, o qual tem de estar sujeito às regras do processo criminal, e não num limbo processual de carácter pseudo-administrativo. Em suma, são os próprios princípios constitucionais que impõem que se altere tal modus agendi de lavrar despachos de irrelevância criminal fora do âmbito de um processo penal. Por último, não será o art.º 242º n.º 3 que impedirá a alteração sugerida em texto e que constitui imperativo de transparência num processo penal democrático. Seja pela correcção de tal normativo (incompreensível na economia global do CPP), seja pela sua interpretação actualista, que permitiria concluir que esse limbo dos procedimentos que dependam de queixa ou de acusação particular apenas duraria durante um curtíssimo prazo, e com carácter de excepção (porquanto não seria aplicável a crimes públicos, nem a todos os crimes semipúblicos e particulares de que se tivesse notícia por apresentação de queixa, o que é a regra).

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correspondência, típicos de organismos da administração pública, sem qualquer cobertura e enquadramento legal no âmbito da legislação processual penal ),

garantindo que é sob o império

do Código de Processo Penal e à luz dos princípios que enformam o sistema, que se apreciam todos e quaisquer expedientes entrados nos Serviços do Ministério Público que tenham a virtualidade, imediata ou futura, efectiva ou remota, de vir a desencadear um procedimento de natureza criminal ou contraordenacional.

2.

Tal

procedimento

permitirá,

desde

logo,

ter

um

efectivo

conhecimento de todos os expedientes que entram nos serviços do Ministério Público, assim se alcançando, por um lado, um conhecimento do respectivo volume de pendência, e, por outro lado, não permitindo a existência de procedimentos fantasma, totalmente indesejados pelo CPP e pela Constituição da República, mas que na prática existem por uma deficiente organização desta tramitação liminar. Aliás, a tendência dos titulares da acção penal – em Portugal e em outros Estados – para criar fazes liminares de investigação, não cobertas pela legislação processual penal, deve ser veementemente infirmada, sob pena de se continuar a criar situações de ajuridicidade dentro do sistema de funcionamento de uma estrutura tão relevante para a defesa do Estado de Direito como o é o Ministério Público. Além disso, o registo e autuação como inquérito logo no início do procedimento permitirá que após a respectiva análise jurídica (ainda que sumária ou preliminar),

possa logo, em alternativa, ser ordenado o respectivo arquivamento, ser

autonomizados factos de diferente natureza que mereçam tratamento processual diferenciado, possa ser ordenada a realização de diligências sumárias ou não, possa ser racionalmente gerido o tipo de tramitação a aplicar a cada parte dos factos constantes do expediente em apreço. Por outro lado, se assim acontecer, pode logo ab ovo ser o dito expediente (eventualmente até susceptível de ser merecedor, logo em seguida, de um juízo de irrelevância penal ) sujeito ao regime de segredo de justiça (enquanto o juízo final acerca da respectiva irrelevância não for firmado),

evitando-se a aplicação de raciocínios que ainda há bem poucas

semanas foram feitas publicamente – e correctamente, diga-se – por vários juristas, relativamente a expedientes constituídos apenas por meios de prova ou meios de obtenção de prova que se não enquadravam em qualquer processo criminal, e que,

19

como tal, não seriam susceptíveis de beneficiar do regime de segredo de justiça penalmente instituído e tutelado. Nesta conformidade, propõe-se seja determinado que todo e qualquer expediente que seja desencadeado pelo / transmitido ao Ministério Público com carácter de queixa, denúncia, participação, notícia de crime, ou qualquer outra manifestação de conhecimento ou de vontade de facto susceptível de constituir objecto de processo criminal ou contraordenacional, seja objecto de registo como inquérito, assim possibilitando a adopção pelo magistrado titular do inquérito da sequência procedimental que ao caso caiba nos termos atrás apresentados.

3. Alargamento temporal da aplicabilidade do instituto da suspensão provisória do processo dentro do processo comum 1.

A suspensão provisória do processo está consagrada, no âmbito do

processo comum, como uma das vias possíveis para encerramento do inquérito ou da instrução – cfr. art.ºs 281º e 282º e art.º 307º n.º 2 CPP. A legitimidade doutrinal deste instituto é indiscutível, no estádio actual do desenvolvimento do processo penal, sendo não só uma medida eficaz de gestão da oportunidade da reacção penal do Estado, mas igualmente uma via que permite direccionar mais racionalmente os recursos investigatórios desse mesmo Estado. Assim que se não envidem aqui mais esforços – porquanto não é este um momento de explanação ociosa de argumentos em sentido que é doutrinalmente pacífico

– no sentido de

demonstrar a respectiva legitimidade, utilidade e conveniência. Não se alcança, porém, a razão de ser de a suspensão provisória do processo não ser utilizada com as mesmas virtualidades referidas e que lhe são amplamente reconhecidas, pela doutrina e pela prática forense processual penal, na fase do julgamento. Com efeito, nenhuma razão há que milite no sentido de, na fase do julgamento, não ser utilizável essa via alternativa de encerramento do processo. Nesta conformidade, propõe-se o alargamento do mecanismo da suspensão provisória do processo, pelo menos, ao início da fase de julgamento, v.g. a ser apreciada a

20

respectiva aplicabilidade no momento da prolação do Despacho previsto no art.º 311º CPP, ou, mesmo, aquando do cumprimento do disposto no art.º 338º CPP.

2.

Assim, sugere-se a alteração ao artigo 311º n.º 1 CPP, nos moldes

seguintes: Artigo 311º - Saneamento do processo 1. Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. É correspondentemente aplicável o disposto no art.º 281º, obtida a concordância do Ministério Público. 2. … 3. …

4. Facilitação da aplicabilidade da suspensão provisória do processo em sede de inquérito

1.

A suspensão provisória do processo em processo comum está

desenhada nos moldes seguintes: “o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo…”. Ora, s.d.r., a benefício de celeridade e até numa correcta perspectivação do papel do juiz de instrução criminal em sede de inquérito (um verdadeiro juiz das garantias), não se vê a ratio da necessária obtenção de concordância por parte do Juiz de Instrução. Com efeito, a suspensão provisória do processo em sede de inquérito deve, originariamente, resultar de requerimento do Arguido ou do Assistente, ou de promoção oficiosa do Ministério Público. E quem deve ser ouvido acerca de tal desfecho do inquérito são os directamente interessados nisso, a saber, o Arguido, o Assistente e o próprio titular da acção penal.

21

Assim que, em caso de acordo entre estes três sujeitos processuais, a remessa ao Juiz de Instrução só teria sentido numa perspectiva homologatória, se não fosse o Ministério Público o dominus dessa fase processual. Razão pela qual a intervenção do Juiz de Instrução na tramitação de uma suspensão provisória de processo não devia existir17.

2.

Pelo que se defende que a suspensão provisória do processo em

inquérito, prevista no art.º 281º CPP, passe a ser determinada pelo MP, oficiosamente ou a requerimento do Arguido ou do Assistente, e naquele caso ouvidos estes sujeitos processuais, sem necessidade de intervenção do Juiz de Instrução18.

3.

Importaria ainda permitir que suspensão provisória do processo não

fosse imediatamente de afastar naqueles casos em que, apesar de haver concurso de infracções, a pena aplicável não supere os cinco anos de prisão. Claro está que a possibilidade de aplicação de tal regime não pode ser cega à ratio subjacente ao instituto da suspensão provisória do processo. Com efeito, perspectivando a totalidade das situações em que há concurso de infracções, afigura-se-nos, num liminar bosquejo prático, que nem todas as situações de concurso de infracções são de molde a impedir o Arguido de beneficiar do regime mais favorável que constitui a suspensão provisória do processo. Caberia assim reponderar os elementos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 24.º do CPP, de molde a permitir que o recurso à suspensão provisória do processo não fosse de imediato afastada em consequência da existência de uma situação de concurso de infracções.

17

Em alternativa poderia dizer-se: “Razão pela qual a intervenção do Juiz de instrução na tramitação

de uma suspensão provisória de processo não devia ser obrigatória, nem sequer regra, reservando-se apenas a respectiva intervenção para as situações em que o MP recusasse um requerimento do arguido ou do assistente nesse sentido, ou em que Arguido ou Assistente não concordassem com a promoção do MP nesse sentido”. 18

Em caso de opção pelo teor da nota de roda-pé anterior, acrescentar-se-ia aqui: “, salvo em

caso de falta de acordo entre os referidos sujeitos processuais”.

22

Claro está que o regime teria de ser alargado mas criando uma válvula de escape que permitisse levar em consideração que se trata de um instituto que atende às circunstâncias de um dado arguido e de condições específicas do mesmo, pelo que a não aplicação do instituto não decorreria, simplesmente, da existência de um concurso de infracções, mas antes da existência de uma concreta situação de concurso de infracções que não autorizasse a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.

5. Regime de urgência processual nos processos sumários e abreviados

1.

Estabelece o art.º 103º n.º 1 CPP que “os actos processuais praticam-se nos

dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais”. Porém, no n.º 2 do mesmo art.º 103º CPP exceptuam-se de tal regra uma série de actos, sendo que na alínea c) vem prevista a excepção para “os actos relativos a processos sumários e abreviados”. Tal modus dicendi tem, não só, levantado dúvidas hermenêuticas ao nível da prática judiciária, como tem uma amplitude literal que poderá trair o espírito legislativo respectivo. Com efeito, a urgência que deve revestir a tramitação de processos sumários e abreviados justifica-se em última análise pela necessidade de rapidez no processamento respectivo – em face do tipo de factos em discussão nestas formas de processo

– não apenas até à decisão em primeira instância, mas até à obtenção da

pacificação que resulta do encerramento judicial da questão. I.e., nada há que justifique o entendimento segundo o qual a celeridade dos processos sumários e abreviados deixe de ser um fim e uma característica destas formas de processo após o julgamento em primeira instância. Pelo contrário, um processo sumário ou um processo abreviado só se entendem como céleres se o forem do princípio ao fim do procedimento.

23

2.

Nesta conformidade, propõe-se que o art.º 103º n.º 2 al. c) CPP passe

a ter a seguinte redacção: “os actos relativos a processos sumários e abreviados, até ao trânsito em julgado da sentença respectiva”.

6. Segredo de justiça

1.

No que respeita ao segredo de justiça entende-se que o caminho só

pode ser o da correcção profunda das alterações introduzidas na reforma de 2007. Com efeito, como já reiteradas vezes se explicou, aquilo que seria necessário para tutelar os interesses dos Arguidos durante a fase de inquérito era a exclusão regra do chamado segredo de justiça interno. Porém, por lapso ou pior motivo, o que o legislador fez foi eliminar o segredo de justiça in totum, i.e., interno e externo. Assim que uma leitura correcta das regras legais constantes do CPP hoje, leve a que todos os actos processuais sejam presenciáveis pelo público e pela comunicação social. 2.

Nada disso era necessário para homenagear os interesses do Arguido

e do Assistente em processo penal. Bem ao invés. A devassa do processo assim criada pode ser-lhes altamente prejudicial. Aliás, apenas uma incorrecta visão do segredo de justiça (como já escrevemos noutro local), pode entendê-lo como servindo exclusivamente para permitir o sucesso das investigações. Com efeito, a par desse fim, o segredo de justiça tutela ainda vários outros interesses de outros sujeitos processuais, quais sejam o da reserva e intimidade do Arguido e do Assistente, as estratégias defensivas destes, bem como a respectiva honra e crédito. 3.

Assim que seja imperativo alterar o regime do segredo de justiça em

vigor, consagrando um regime regra de segredo de justiça externo durante todo o inquérito, e criando um regime de segredo de justiça interno excepcional, a ser decretado quando as circunstâncias do caso o justifiquem, pelo Juiz de Instrução Criminal (porque se trata de matéria de direitos, liberdades e garantias dos sujeitos processuais em confronto com as pretensões do Ministério Público),

e que não poderá manter-se para lá de

determinados prazos razoáveis de duração do inquérito. Apenas tal regime será consentâneo com a tutela equilibrada e justaposta de todos os interesses em presença, 24

seja do Arguido, do Ministério Público e do Assistente. E, bem assim, da própria colectividade, que poderá em casos contados ter de ser esclarecida, como já o prevê a legislação vigente, sobre o teor e decurso das investigações criminais em determinados processos.

7. Propostas de intervenção no processo sumário

4.

Tendo ainda em vista alcançar uma maior celeridade da tramitação na

justiça criminal, e sem prejuízo da manutenção dos direitos constitucionalmente garantidos aos diversos sujeitos processuais, entende-se que o processo sumário deve ser objecto de uma série de aperfeiçoamentos e alterações que se nortearão pelas seguintes linhas de força: a. Alargamento dos tipos de crime susceptíveis de ser tramitados em processo sumário; b. Alargamento do prazo para “início de julgamento” em processo sumário e estabelecimento de prazo indicativo para conclusão do mesmo julgamento, não se admitindo uma modificação da forma do processo em caso de ultrapassagem deste mesmo prazo, assim impedindo que um atraso inicial na tramitação do processo leve à remessa dos autos para uma outra forma de processo que ainda implique maior delonga na tramitação respectiva subsequente; c. Um eventual alargamento do prazo inicial para submissão a julgamento deverá depender exclusivamente do titular da acção penal, mas apenas nos casos em que se afigure imperioso realizar diligências probatórias complementares; d. Correcção de lapsos materiais criadas com a última reforma processual penal (art.º 389º n.º 3 CPP); e. Simplificar o procedimento inerente à elaboração da Sentença; f. Reestruturar o mecanismo de arquivamento ou suspensão provisória do processo em sede de processo sob forma sumária

25

(art.º 384º CPP), igualmente aqui alargando tal mecanismo nos moldes previstos para o processo comum, mutatis mutandis; g. Alterar o regime de recurso da decisão final em processo sob forma sumária, bem como dos danos indemnizáveis.

5.

Consideradas as linhas de força atrás enunciadas, propõem-se as

alterações ao teor dos artigos 381º a 391º CPP que constam do Anexo I.

8. Propostas de intervenção no processo abreviado

1.

A forma abreviada de processo teve em vista, ab origine, possibilitar

uma tramitação mais célere e desformalizada de alguns processos criminais. Porém, o respectivo desenho legal gerou algumas dúvidas no campo da respectiva utilização prática, dúvidas essas que devem motivar um esclarecimento legislativo tópico. 2.

Assim, são, a nosso ver, as seguintes as linhas de força da reforma a

introduzir nesta forma de processo: a. Alteração do art.º 391º-A n.º 1; b. Alargamento do prazo de inquérito e acusação de noventa para cento e vinte dias; c. Estabelecimento e clarificação de que a acusação será notificada ao Arguido juntamente com a marcação da data para julgamento, devendo este realizar-se num prazo máximo legalmente fixado; d. Previsão da suspensão provisória do processo também nesta forma processual, em consonância com os novos contornos de tal instituto que atrás se apresentaram para o processo comum (i.e., desde a fase inicial e até ao julgamento);

3.

Consideradas as linhas de força atrás enunciadas, propõem-se as

alterações ao teor dos artigos 391º-A e ss. do CPP que se listam sob o Anexo II.

26

9. Propostas de intervenção no processo sumaríssimo

1.

Igualmente tendo em vista uma maior utilização desta forma especial

de processo, e em ordem a permitir o dilucidar por via legislativa de algumas dúvidas de operatividade prática, propõem-se várias intervenções no âmbito do processo sumaríssimo. 2.

As linhas força dessas intervenções identificam-se nos termos

seguintes: a. Clarificação, no âmbito do art.º 392º CPP, da admissibilidade da aplicação desta forma de processo sempre que seja aplicável qualquer pena não privativa de liberdade, mesmo que tal resulte apenas de uma apreciação concreta do MP (em mecanismo semelhante ao constante do art.º 16º n.º 3 CPP),

v.g., quando seja requerida a aplicação de uma pena de

prisão suspensa na respectiva execução; b. Clarificar a possibilidade de aplicação de penas acessórias nesta forma de processo; c. Havendo manifestação de vontade de dedução de pedido cível por parte do lesado e havendo admissão pelo Arguido dos factos típicos imputados, poder o Ministério Público propor um montante indemnizatório a ser arbitrado oficiosamente pelo Tribunal em julgamento; consequentemente alterar o art.º 393º CPP, passando a remeter para o art.º 394º n.º 2 al. b) e não para o art.º 82º-A CPP; d. O Arguido ser notificado, simultaneamente, de que poderia concordar com o requerimento do MP (expressa ou tacitamente), e de que, não concordando, o processo seria remetido para forma de processo abreviado; e. Clarificar o regime no sentido de que terá de haver sempre diligências de inquérito, quanto mais não seja o interrogatório do Arguido; f. Alterar os art.ºs 395º n.º 2 e 397º n.º 1 CPP; 27

g. Prever, ainda, que se o Arguido se opuser ao requerimento do MP, o processo será reenviado para forma abreviada.

3.

Consideradas as linhas de força atrás enunciadas, propõem-se as

alterações ao teor dos artigos 392º a 398º do CPP enunciadas no Anexo III.

10. Outras propostas para reflexão futura

1.

Por fim, entende-se que deveria iniciar-se um debate sobre a

introdução de alterações pontuais do edifício legislativo em ordem a permitir que algum tipo de criminalidade, atenta a sua expressividade estatística, impacto na opinião pública e menor gravidade relativa (por comparação com o acervo de bens jurídicos penalmente tutelados),

passasse necessariamente a ser tramitada em forma de processo

especial. 2.

A título meramente exemplificativo, e tendo em vista uma maior

reflexão e debate sobre a questão, referenciam-se os procedimentos referentes aos seguintes tipos de crime, que se julga poderem e deverem ser processados em forma especial: Ofensa à integridade física simples – 143º CP Ofensa à integridade física privilegiada – 147º CP; Ofensa à integridade física por negligência – 148º CP; Intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos – 150º n.º 2 CP; Crimes contra a honra – 180º a 189º CP; Gravações e fotografias ilícitas e Omissão de auxílio – 199º e 200º CP; Furto (simples) – 203º CP; Furto de uso de veículo – 208º CP; Dano e dano qualificado – 212º e 213º CP; Burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços – 220º CP; 28

Falsificação de documentos – 256º a 261º CP;

3.

Por outro lado, quanto aos tipos penais p. e p. nos artigos 291º e 292º

CP, condução perigosa de veículo rodoviário e condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, atento facto de a prova, nestes casos, não poder deixar de assentar num acto originário de autoridade pública – e assim dotado de especial credibilidade –, entendemos que deverá mesmo vir a ser objecto de uma nova forma de processo especial, desenhada em especial para este tipo de crime, extremamente simplificada, assimilável às ordens penais utilizadas em vários dos sistemas processuais penais que nos são vizinhos.

29

ANEXO I Artigo 381º - Quando tem lugar 19/20 São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255º e 256º: a. Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou, b. Quando a detenção tiver sido efectuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma das entidades referidas na alínea anterior, tendo esta redigido auto sumário de entrega.

Artigo 382º - Apresentação ao Ministério Público 1. A autoridade judiciária, se não for o Ministério Público, ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção ou a quem tenha sido efectuada a entrega do detido, apresentam-no, imediatamente ou no mais curto prazo possível, ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento. 2. Se tiver razões para crer que a audiência de julgamento não se pode iniciar no prazo de quarenta e oito horas após a detenção, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 385º-A, liberta imediatamente o arguido, sujeitando-o, se disso for caso, a termo de identidade e residência, ou apresenta-o ao juiz para efeitos de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.

Artigo 383º - Notificações 1. A autoridade judiciária ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção notificam verbalmente, no próprio acto, as testemunhas da ocorrência, em número não superior a

19

A consequência mais importante da alteração proposta será a de permitir tramitação

sumária em sede de tribunal colectivo, como resulta evidente do cotejo da norma em apreço com os art.ºs 14º a 16º CPP. 20

Uma via menos radical seria a manutenção do teor actual do art.º 381º CPP, alterando-se

apenas a medida de pena aí prevista para os “oito anos”, o que já permitiria tramitar em forma sumária um maior número de crimes.

30

cinco, e o ofendido, se a sua presença for útil, para comparecerem perante o Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento. 2. No mesmo acto o arguido é informado de que pode apresentar ao Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento até cinco testemunhas de defesa, sendo estas, se presentes, verbalmente notificadas para o efeito.

Artigo 384º - Arquivamento ou suspensão do processo É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280º, 281º e 282º.

Artigo 385º - Libertação do arguido 1. Se a apresentação ao Ministério Público não tiver lugar em acto seguido à detenção em flagrante delito, o arguido só continua detido se houver razões para crer que não se apresentará voluntariamente perante a autoridade judiciária no momento em que lhe for fixado ou quando se verificar, em concreto, alguma das situações previstas no art.º 204º que apenas a manutenção da detenção permita acautelar. 2. Em qualquer caso, o arguido é de imediato libertado quando se concluir que não poderá ser apresentado a juízo no prazo de quarenta e oito horas. 3. No caso de libertação nos termos dos números anteriores, o órgão de polícia criminal sujeita o arguido a termo de identidade e residência e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público no dia e hora que forem designados, para ser submetido: a. A audiência de julgamento em processo sumário, com expressa advertência de que esta se realizará mesmo que não compareça, caso em que será representado por defensor; ou, b. A primeiro interrogatório ou a primeiro interrogatório judicial e eventual aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.

Artigo 385º-A - Apresentação a julgamento 1. O Ministério Público, depois de, se o julgar conveniente, realizar inquérito sumário, apresenta o arguido imediatamente ao tribunal competente para o julgamento.

31

2. Sempre que exista necessidade de realização de diligências que impossibilitem essa apresentação imediata, o Ministério Público poderá apresentar o processo ao tribunal competente para o julgamento até ao trigésimo dia posterior à detenção, devendo desde logo fazer constar dos autos a data e hora em que tal sucederá; neste caso, disso dá conhecimento ao tribunal, com cópia do auto de detenção, e notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem na data e hora que designar, com expressa advertência ao arguido de que a audiência se realizará mesmo que não compareça, caso em que será representado por defensor. 3. A não realização do julgamento na data fixada por motivo não imputável ao Ministério Público não importa a remessa dos autos para outra forma de processo.

Artigo 386º - Princípios gerais do julgamento 1. O julgamento em processo sumário rege-se pelas disposições deste Código relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações constantes deste título. 2. Os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa. 3. Caso o Tribunal competente para o julgamento seja o Tribunal colectivo, o Ministério Público ou o Arguido poderão requerer ao Tribunal a não aplicação do limite de testemunhas previsto no art.º 383º, desde logo arrolando, no requerimento que apresentem, as testemunhas que desejam produzir.

Artigo 387º - Audiência 1. O início da audiência de julgamento terá lugar no dia em que o Ministério Público apresentar os autos ao tribunal competente ou, em caso de impossibilidade de agenda, na data e hora definidas pelo tribunal, dentro dos cinco dias posteriores. 2. Se a audiência for interrompida, o juiz adverte o arguido de que esta se realizará na data e hora designadas, mesmo que não compareça, caso em que será representado por defensor. 3. Se faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas presentes, pela

32

ordem indicada nas alíneas b) e c) do art.º 341º, sem prejuízo da possibilidade de alterar o rol apresentado. 4. As testemunhas faltosas serão notificadas para comparecer em nova data a fixar pelo Tribunal, o qual pode desde logo determinar a respectiva comparência sob detenção, caso tenha razões para crer que o não farão voluntariamente. 5. Pode igualmente haver interrupção da audiência para conclusão de diligências probatórias requeridas por qualquer sujeito processual ou ordenadas oficiosamente pelo Tribunal. 6. O julgamento terá de estar concluído no prazo máximo de cento e vinte dias contados sobre a data do respectivo início.

Artigo 388º - Assistente e partes civis Em processo sumário, as pessoas com legitimidade para tal podem constituir-se assistentes ou intervir como partes civis se assim o solicitarem, mesmo que só verbalmente, por declaração em acta no início da audiência.

Artigo 389º - Tramitação 1. O Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção, quando este contiver todos os factos imputados ao arguido. 2. A acusação, a contestação, o pedido de indemnização e a sua contestação, quando verbalmente apresentados, são registados por súmula na acta, sem prejuízo da possibilidade da respectiva consignação integral se apresentados em suporte electrónico, ou da sua anexação à acta se apresentados em suporte físico. 3. A apresentação da acusação e da contestação substituem as exposições introdutórias referidas no artigo 339º. 4. Finda a produção de prova, a palavra é concedida, por uma só vez, ao Ministério Público, aos representantes do Assistente e das partes civis e ao Defensor, os quais podem dela usar por um máximo de trinta minutos, improrrogáveis. 5. A sentença, a ser proferida de imediato, deve limitar-se ao absolutamente necessário para a respectiva compreensão e fundamentação, podendo as indicações referentes à identificação do

33

arguido, do assistente ou das partes civis, bem como a enumeração dos factos provados e não provados, ser feita, no todo ou em parte, por remissão para o auto de notícia, para a acusação ou para qualquer outra peça processual junta aos autos.

Artigo 390º - Reenvio para outra forma de processo 1. O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma de processo, por decisão fundamentada, quando: a. Se verificar a inadmissibilidade, no caso, do processo sumário; ou, b. O procedimento se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. 2. Se, depois de recebidos os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas de liberdade em processo sumaríssimo, o tribunal competente para delas conhecer será aquele a quem inicialmente os autos foram distribuídos para julgamento na forma sumária.

Artigo 391º - Recorribilidade Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo, sem prejuízo da recorribilidade da decisão que não receba a acusação, recurso este com efeito suspensivo21.

21

Seria mais correcto eliminar do teor deste artigo o inciso “recurso este com efeito suspensivo”,

conquanto fosse alterado o art.º 408º CPP, aí se consagrando o efeito suspensivo deste recurso previsto na segunda parte do art.º 391º CPP.

34

ANEXO II Artigo 391º-A – Quando tem lugar 1. Em caso de crime punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos, havendo provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, após realizar inquérito sumário, deduz acusação para julgamento em processo abreviado. 2. São ainda julgados em processo abreviado, nos termos do número anterior, os crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos. 3. Para efeitos do disposto no número um, considera-se que há provas simples e evidentes quando, nomeadamente: a. O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efectuar-se sob a forma sumária de processo; b. A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; c.

A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.

Artigo 391º-B – Acusação, arquivamento e suspensão do processo 1. A acusação deve conter os elementos a que se refere o artigo 283º n.º 3. A identificação do Arguido e a narração dos factos podem ser efectuadas, no todo ou em parte, por remissão para o auto de notícia ou para a denúncia. 2. A acusação é deduzida no prazo de 120 dias a contar: a. Da aquisição da notícia do crime, nos termos do art.º 241º, tratando-se de crime público; b. Da apresentação de queixa, nos restantes casos. 3. Se o procedimento depender de acusação particular, aplica-se o disposto no art.º 285º. 4. É correspondentemente aplicável em processo abreviado o disposto nos artigos 280º, 281º e 282º.

35

5. A notificação da acusação é feita aquando da notificação do despacho previsto no número 2 do artigo seguinte.

Artigo 391º-C – Saneamento do processo 1. Recebidos os autos, o Juiz conhece das questões a que se refere o art.º 311º. 2. Se não rejeitar a acusação, o Juiz designa dia para a audiência, com precedência sobre os julgamentos em processo comum, sem prejuízo da prioridade a conferir aos processos urgentes. 3. A audiência terá início na data mais próxima possível, de modo a que entre o dia da recepção dos autos em juízo e a data do início da audiência não decorram mais de 30 dias.

Artigo 391º-D – Julgamento 1. O julgamento em processo abreviado rege-se pelas disposições deste Código relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações constantes deste título. 2. Os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa. 3. Finda a produção de prova, a palavra é concedida ao Ministério Público, aos representantes do Assistente e das partes civis e ao Defensor, os quais podem dela usar por um máximo de trinta minutos, prorrogáveis a requerimento de qualquer dos sujeitos processuais. É admitida réplica por um máximo de dez minutos. 4. A sentença deve limitar-se ao absolutamente necessário para a respectiva compreensão e fundamentação, podendo as indicações referentes à identificação do arguido, do assistente ou das partes civis, bem como a enumeração dos factos provados e não provados, ser feita, no todo ou em parte, por remissão para o auto de notícia, para a acusação ou para qualquer outra peça processual junta aos autos. 5. O julgamento terá de estar concluído no prazo máximo de cento e oitenta dias contados sobre a data do respectivo início.

Artigo 391º-E - Recorribilidade É correspondentemente aplicável o disposto no art.º 391º. 36

ANEXO III Artigo 392º - Quanto tem lugar 1.

Em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos, ou só com pena de multa, o Ministério Público, por iniciativa do arguido ou depois de o ter ouvido e quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativa da liberdade, requer ao tribunal que a aplicação tenha lugar em processo sumaríssimo.

2.

São ainda julgados em processo sumaríssimo, nos termos do número anterior, os crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, depois de ter ouvido o Arguido, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos.

3.

Se o procedimento depender de acusação particular, o requerimento previsto nos números anteriores depende da concordância do assistente.

4.

A forma de processo sumaríssimo não impede a aplicação de penas acessórias nos termos gerais previstos neste Código.

Artigo 393º - Partes civis Não é permitida a intervenção de partes civis. Pode todavia o lesado, até ao momento da apresentação do requerimento do Ministério Público referido no artigo anterior, manifestar a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, caso em que o referido requerimento do Ministério Público deverá conter a indicação a que alude o artigo 394º n.º 2 alínea b). Artigo 394º - Requerimento 1. O requerimento do Ministério Público é escrito e contém as indicações tendentes à identificação do arguido, a descrição dos factos imputados e a menção das disposições legais violadas, a prova existente e o enunciado sumário das razões pelas quais entende que ao caso não deve concretamente ser aplicada pena de prisão. 2. O requerimento termina com a indicação precisa pelo Ministério Público: a. Das sanções concretamente propostas, principais e acessórias, se for o caso;

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b. Da quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no art.º 82º-A, quando este deva ser aplicado; c. Da nomeação de defensor ao Arguido que não tenha advogado constituído ou defensor nomeado. 3. O Ministério Público notifica o requerimento ao Arguido, e ao seu defensor, para, querendo, a ele se opor no prazo de 15 dias. 4. A notificação a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 113º, e deve conter obrigatoriamente: a. A informação do direito de o arguido se opor à sanção e da forma de o fazer; b. A indicação do prazo para a oposição e do seu termo final; c. O esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte. 5. A oposição pode ser deduzida por simples declaração.

Artigo 395º - Tramitação subsequente Terminado o prazo previsto no artigo anterior, e havendo ou não oposição do Arguido, são os autos remetidos ao Juiz. Artigo 396º - Rejeição liminar do requerimento 1. O Juiz rejeita o requerimento e reenvia o processo para outra forma que lhe caiba: a. Quando for legalmente inadmissível o procedimento; b. Quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no número 3 do artigo 311º; c. Quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2. No caso previsto na alínea c) do número anterior, o Juiz pode, em alternativa ao reenvio do processo para outra forma, fixar sanção diferente, na sua espécie ou medida, da proposta pelo Ministério Público, com a concordância deste e do Arguido, bem como fixar, sem necessidade de acordo, indemnização diferente da proposta pelo Ministério Público.

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3.

No caso previsto no número anterior, o Juiz notifica o Arguido e o Defensor do seu Despacho, aplicando-se todo o disposto no artigo 394º números 3, 4 e 5.

4. Se o juiz reenviar o processo para outra forma, o requerimento do Ministério Público equivale, em todos os casos, à acusação. 5. Do despacho a que se refere o número 1 não cabe recurso.

Artigo 397º - Processamento no caso de não oposição do Arguido 1. Quando o Arguido não se opuser ao requerimento, ou ao despacho proferido nos termos do artigo 396º número 2, o Juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção, à fixação da indemnização e à condenação no pagamento de custas, sendo a taxa de justiça reduzida a um terço. 2. O despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado. 3. É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta pelo Ministério Público ou fixada nos termos do disposto no número 2 do artigo 396º.

Artigo 398º - Processamento no caso de oposição do Arguido 1. Nos casos em que o Arguido se oponha ao requerimento do Ministério Público, nos termos previstos no número 5 do artigo 394º, o Ministério Público remete os autos para julgamento sob a forma de processo abreviado, nos termos dos artigos 391º-C a 391º-F, valendo o requerimento como acusação. 2. Nos casos em que o Arguido se oponha ao despacho judicial previsto no número 2 do artigo 396º, são os autos entregues ao Ministério Público que os remete para julgamento sob a forma de processo abreviado, nos termos dos artigos 391º-C a 391º-F, valendo tal despacho como acusação. 3. É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta pelo Ministério Público ou fixada nos termos do disposto no número 2 do artigo 396º.

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