- Orçamento Participativo - Roteiro para a sua compreensão teórica

May 31, 2017 | Autor: Marco Mendes | Categoria: Public Administration, Political Science, Governance
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Módulo de Administração e Boa Governança

O Orçamento Participativo Roteiro para a sua compreensão teórica

Formadoras:

Formandos: Catarina Lopes

Doutora Elisabete Carvalho

Marco Mendes

Doutora Sandra Firmino

Pedro Moreira Ricardo Spínola Vasco Casimiro

Lisboa, Maio de 2016

RESUMO O presente exercício visa elaborar sobre o conceito de Orçamento Participativo. Com um roteiro que visa averiguar as suas origens e “modus operandi”. É nosso propósito elaborar sobre o conceito, perceber padrões da sua vigência, aplicabilidade e pertinência. Exercício composto com base num escoramento teórico internacional e nacional. Como suma finalidade cabe-nos demonstrar de que forma este mecanismo de participação cidadã constitui um mecanismo claro de empowerment político da cidadania, trazendo para a esfera da Administração Pública e dos decisores políticos um nível acrescido de responsabilização e responsividade democrática.

Palavras Chave: Administração Pública; Modelos de Gestão Pública; Governança Pública; Orçamento Participativo; Democracia Participativa.

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INTRODUÇÃO

O presente working paper constitui um dos momentos de avaliação do módulo de Administração e Boa Governança lecionado no âmbito do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP). Conscientes que os paradigmas de Gestão Pública se vão construindo à volta das condições económicas, sociais e políticas de cada época, não podíamos deixar de referir dois dos principais modelos: 

O Modelo Profissional Weberiano(MPW), uma estrutura de poder adequada à sociedade industrial da época, em que o que interessava era a estrutura da organização e não o indivíduo;



A Nova Gestão Pública(NGP), um modelo que considerava que a gestão era superior à administração, passando assim a adotar conceitos e técnicas da gestão privada, acreditando que estas seriam solução para os males económicos.

Ficam assim historicamente contextualizadas as razões da implementação dos modelos e elencadas as suas caraterísticas teóricas. De seguida, e porque o objeto deste trabalho nele se enquadra, caraterizamos aprofundadamente a Governança Pública, identificando os conceitos que lhe são atribuídos; decisões coletivas tomadas por uma pluralidade de atores ou organizações, estruturas interorganizacionais que funcionam em rede, com foco na colaboração e na capacitação e não na hierarquia e controlo, são alguns deles. Aborda-se a importância de estimular condições para gerar nos cidadãos, comportamentos espontâneos que os levem a ser mais participativos. É dando relevo à participação dos cidadãos que, no quarto capítulo, começamos a explorar o Orçamento Participativo, ele que resulta numa clara aproximação dos cidadãos à Administração, num claro reforço das práticas de cidadania, práticas essas que fortalecem os mecanismos de responsabilização dos agentes políticos, induzindo a uma relação entre redes de atores da sociedade civil e o estado, gerando sinergias e criando ganhos de eficiência. Passamos à definição do conceito de Orçamento Participativo, identificando uma multiplicidade de experiências que dificultam a conceção de um conceito generalista, mas que permite identificar parâmetros comuns. Para além de uma das muitas formas de participação, é visto como articulação entre democracia representativa e direta, importante pelo impacto que 3

tem no destino do investimento público e por promover a democracia. São ainda apresentados os critérios que permitem balizar com maior sucesso o que é um Orçamento Participativo. De seguida identificamos o primeiro ensaio da sua implementação, no Brasil, bem como a sua replicação pela América do Sul e Central, Europa, África e Ásia. Refletimos sobre a multidimensionalidade do processo do Orçamento Participativo, na sua Dimensão Orçamental/Financeira, Dimensão Participativa, Dimensão Normativa/Jurídica e/ou Metodológica e Dimensão Territorial/Setorial. Na conclusão, confirmamos a evolução dos modelos de Gestão Pública e de como as ideias de colaboração, parceria, redes e cooperação democrática, todas elas caraterísticas da Governança, chamam os cidadãos a intervir na gestão do serviço público. Numas épocas o Estado interveio muito na economia, noutras interveio pouco; mas nunca deixou de intervir. Por aí se pode começar a compreender o poder que o Orçamento Participativo poderá vir a ter se aplicado a nível nacional, no Orçamento de Estado.

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MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NA GÉNESE DA GOVERNANÇA PÚBLICA

2.1 Modelo Profissional Weberiano O Modelo Profissional Weberiano (MPW), vulgo “Burocracia”, é associado a Max Weber pela sua obra “Economia e Sociedade” (1922), publicada já após a sua morte. Este caracterizou a burocracia como a organização que responderia às necessidades do capitalismo, estendendo-se a todos os setores, públicos e privados, uma estrutura de poder adequada à sociedade industrial da época, em que o que interessava era a estrutura da organização e não o individuo. Foi o modelo mais utilizado no século XX e padrão de funcionamento da Administração Pública. Weber considerava a burocracia uma condição necessária ou um meio organizado para a racionalidade legal, económica e técnica da civilização moderna, com organizações tecnicamente superiores às outras formas, tendo como principais atributos a precisão, velocidade, conhecimento, continuidade, unidade, subordinação escrita e redução de custos materiais e humanos (Rocha, 2011, p. 34). Os sistemas burocráticos modernos são então constituídos por 6 princípios (Gearth e Mills apud Rocha, 2011, p. 35):

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1. Áreas de jurisdição, fixadas por leis e regulamentos administrativos; 2. Níveis ou hierarquias em que existe uma supervisão dos níveis mais altos sobre os mais baixos; 3. A gestão moderna baseia-se em documentos escritos, os quais são conservados na sua forma original, existindo, um staff de funcionários subalternos e escriturários; 4. Quando a repartição é desenvolvida pressupõe a existência de funcionários especialistas em diversas áreas; 5. A atividade dos funcionários implica, em regra, o trabalho a tempo inteiro, independentemente da delimitação do horário de trabalho; 6. A gestão da organização obedece a regras gerais, mais ou menos exaustivas e que são aprendidas. O conhecimento destas regras supõe uma aprendizagem que envolve a jurisprudência, direito administrativo e gestão. Para Weber, o poder emana das normas existindo legislação escrita, com uma única interpretação e com poder coercivo sobre os indivíduos. Os cargos são estabelecidos hierarquicamente e as atividades de cada cargo são desempenhadas seguindo regras bem definidas. A avaliação e a escolha dos funcionários são feitas com base no mérito e na competência técnica, nunca com base na eleição ou patronage, e o salário estava relacionado com a posição hierárquica. O aumento da autoridade depende diretamente da subida na carreira e a subida fazia-se com base na idade, qualificações e desempenho. Após a II Guerra Mundial assiste-se a uma onda de confrontação do modelo burocrático, liderada por Herbert A. Simon (1947), Robert Dahl (1947) Dwight Waldo (1948) e Robert Merton (1949). Simon critica a consistência científica dos princípios de administração, considerando-os provérbios, considerando que a teoria administrativa deve concentrar-se no processo de decisão organizacional (Rocha, 2011, p. 36), desenvolvendo a teoria da racionalidade limitada que coloca em causa o princípio basilar do modelo mecanicista (Bilhim, 2008, p. 39). Já Merton apelida as imperfeições do modelo como disfunções da burocracia, apontando como principais críticas o exagero de apego aos regulamentos, a resistência à mudança e inovação, a baixa motivação pessoal e grande rigidez do sistema.

2.2 Nova Gestão Pública Em meados da década de setenta, a Reforma do Estado torna-se um tema central em vários países. O Welfare State, que não conseguiu evitar a crise petrolífera que afetou larga maioria dos países desenvolvidos, é pressionado para aumentar a sua eficiência e eficácia, 5

principalmente devido ao aumento dos seus custos face à estagnação do crescimento económico, à desumanização da burocracia e ao falhanço em promover a igualdade social. Estas críticas criaram na opinião pública um ambiente favorável ao desmantelamento do Estado Social e a cortes drásticos na despesa pública com políticas sociais, tendo como consequência a adoção de políticas neoliberais por Ronald Reagan e Margaret Thatcher (New Right). Generaliza-se o conceito de “gestão pública”, diferenciador da “administração pública tradicional”, caraterizando-se pela introdução de modelos com origem no setor empresarial, pela adoção de conceitos e técnicas da gestão privada, crendo que uma melhor gestão é a solução para os males económicos; a gestão é superior à administração e a gestão do setor privado é superior à gestão do setor público (Bilhim, 2008, p. 46). Surge assim um movimento designado de Nova Gestão Pública (Hood, 1991, p. 3), denominação que se atribuiu a um conjunto de doutrinas globalmente semelhantes, que dominaram as reformas dos vários países da OCDE desde o final dos anos 70. O aparecimento desta resulta de quatro tendências: 1. Tentativas para abrandar ou reverter o crescimento o sector administrativo, em termos de excesso de despesa pública e número de funcionários; 2. Uma tendência para a privatização e quase privatização do sector público, com uma ênfase renovada na subsidiariedade na provisão de serviços 3. O desenvolvimento da automação, nomeadamente das tecnologias de informação, na produção e distribuição dos serviços públicos; 4. O desenvolvimento de uma “agenda” internacional com maior foco em assuntos gerais da administração pública, da conceção de políticas, dos estilos de gestão e da cooperação intergovernamental. Para a OCDE, as principais características da NGP são: devolver autoridade, fornecer flexibilidade; garantir bom desempenho, controlo e accountability; desenvolver competição e escolha; fornecer serviços que respondam ao cliente; melhorar a gestão de recursos humanos; explorar as tecnologias de informação; melhorar a qualidade de regulação; fortalecer as funções de direção a nível central (OCDE, 1995, p. 28).

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Já Hood ((1991, p. 5), identifica sete componentes desta doutrina: gestores profissionais no sector público com maior autonomia; padrões e medidas de desempenho explícitos; maior ênfase no controlo de resultados; maior competição no sector público; maior ênfase nos estilos de gestão praticados no sector privado; maior ênfase na disciplina e parcimónia na utilização dos recursos. De entre os críticos da Nova Gestão Pública e do managerialismo que a promoveu, Pollit (1993, p. 118) considera que existem fatores incontornáveis de diferenciação entre os setores público e privado, que condicionam ou desvirtuam a aplicação dos conceitos e técnicas do privado no público, de entre os quais identifica: responsabilidade perante os representantes eleitos; múltiplos e conflituantes objetivos e prioridades; ausência ou raridade de organizações em competição; relação oferta/rendimento; processos orientados para o cliente/cidadão; gestão do pessoal; enquadramento legal. Para Carvalho (2008, p. 260), a NGP “consiste num conjunto de pretendas boas práticas e preceitos”, sendo “enganoso julgar que estes componentes decorrem de estudos aturados”, apesar de reconhecer “o seu apelo persuasivo”. Ainda na década de 90 são lançadas sementes para nova evolução do paradigma de Gestão Pública, como o Reinventing Governmet nos Estados Unidos e o New Labour em Inglaterra.

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O NOVO MODELO DE GESTÃO PÚBLICA: A GOVERNANÇA PÚBLICA

O modelo da Governança Pública, enquanto quadro teórico para o alvo do nosso estudo, assume-se, segundo Rhodes, na ótica do funcionamento de uma sociedade em rede, onde governantes e governados interagem segundo uma lógica onde “o Estado central não é o polo dominante. O sistema político é crescentemente diferenciado (1996, p. 657). A Governance enquanto móbil de gestão pública puxa para a “arena política” organismos governamentais, não governamentais e cidadãos isolados, que interagem de modo constante entre eles, induzindo a novos arranjos institucionais, quadros legais e orçamentais multiparticipados. Ao tentarmos definir Governança Pública, socorremo-nos das perspetivas de: 1. Chhotray e Stoker (2009, p. 3) que definem que a Governance “é acerca das regras de decisão coletivas tomadas por uma pluralidade de atores ou organizações e onde não existem sistemas de controlo formais a ditar os termos das relações entre os envolvidos”

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2. Kickert (1993, apud Osborne, p. 381) e Rhodes (1997, apud Osborne, p. 381), “que definem a governança como a maquinaria de estruturas interorganizacionais a funcionar em rede, funcionando com ou sem o governo na provisão de serviços públicos” ; 3. Na obra Tools of Government: A Guide To New Governance, Salamon (2005, apud Bingham et al, p. 549), o autor refere-se à Nova Governança Pública “como resultante da necessidade de um novo estilo de gestão pública, um diferente tipo de sector público, tendo como foco a colaboração e a capacitação ao invés da hierarquia e controlo”. Esta realidade está consubstanciada na Figura abaixo.

Fonte: Vigoda, Eran,.534

Identificamos como constantes neste modelo elementos como a colaboração e a parceria que passam a pautar as relações entre os atores envolvidos na formulação de políticas (sectoriais, locais, nacionais), podendo as dinâmicas de modelação destas últimas partir de um dos atores envolvidos, cabendo, contudo ao Estado, segundo Vigoda (2002, p. 535), “estimular as condições ambientais para gerar comportamentos espontâneos por parte dos cidadãos enquanto indivíduos ou grupos.” tirando partido do “know how” técnico dos seus quadros para dinamizar estas relações. Neste modelo e, tendo por base o foco no Orçamento Participativo, a vertente participativa da governance assume especial preponderância, posto que, incorpora e possibilita a colaboração do “público” com o estado. Tal realidade é tida como elemento necessário para minimizar a 8

inabilidade do estado tradicional em lidar com um vasto leque de problemas sociais contemporâneos. Para Firmino (2010, p. 9), “os cidadãos limitam-se a ter poder de decisão no momento eleitoral, pelo que os políticos conseguem tomar decisões com relativa autonomia” e “é, neste sentido, que se reconhece a limitação do voto”, “a importância dada ao voto, como forma de manifestação da vontade, decresce, ao mesmo tempo a que se assiste à intensificação da participação por formas não tradicionais”. A constante mutação das sociedades e as tensões dai decorrentes, em muito exponenciadas pela globalização e pelas redes nacionais e internacionais, levaram ao surgimento de novos quadros de ação político-legislativa que “de per si” assumem várias formas, como por exemplo: democracia deliberativa, “e-democracia”, orçamento participativo, julgados de paz, entre outros, que recentram as interações entre o estado e o cidadão, aproximando-os. É destas constantes e linhas de força que o modelo da Governança Pública se assume como supletivo dos ainda vigentes Modelos Administrativo/Burocrático e da Nova Gestão Pública, relacionando-se simbioticamente com estes.

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O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO COMO PONTO DE ENCONTRO

O Orçamento Participativo (O.P) vem introduzir aos mecanismos de governação pública novos elementos, até agora, próprios da democracia representativa, espaço onde o eleitor participa no “jogo político” de acordo com os ciclos eleitorais nacionais e locais, conferindo poder funcional aos representantes eleitos, por recurso ao sufrágio. Desta feita, e com a introdução paulatina dos mecanismos e práticas do O.P, alicerçadas em instrumentos de participação cívica, vieram puxar para “fora” os políticos dos cidadãos, contribuindo para que “aumentasse a participação comunitária num contexto de governação descentralizada”, (Ahmad et al. 2005; Faguet 2012; Faguet e Sanchez 2008; Foster e Rosenzweig 2001 apud Beurmann e Amelina, p. 6). Com esta dialética relacional em paulatino processo de afirmação, denota-se que o modelo de atuação da(s) Administração(ões) Pública(s) de lógica Weberiana pautadas, segundo Vigoda (2002, p. 529), pela “clara ordem hierárquica, concentração de poder nos quadros dirigentes, as estruturas formais dotadas de regras estritas e regulamentos, canais de comunicação limitados

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e o relativo fechamento à inovação e à mudança”), são alvo de exigências externas para adequar a sua estrutura de funcionamento a um novo conjunto de exigências das populações. O padrão introduzido por este fluxo de informação representa uma clara aproximação dos cidadãos à Administração, introduzindo um elemento de criação de consciência cidadã face às questões orçamentais, tão definidoras das noções de bem-estar e justa alocação de recursos junto das populações. Graças a esta realidade denotamos um reforço nas práticas de cidadania, indo ao encontro de dois elementos chave nos processos tradicionais de orçamentação. O primeiro visa melhorar o fluxo de informações entre cidadãos e a Administração Pública, deixando os primeiros melhor informados no que respeita aos bens e serviços tidos como prioritários. A segunda parte, atine ao fortalecimento dos mecanismos de responsabilização dos políticos, dado que estimula controlos mais frequentes das promessas feitas ao eleitorado. Os princípios do Novo Serviço Público, de acordo com o pensamento de Denhart e Denhart, cuja visão se alicerça na promoção e reafirmação dos valores da democracia, da cidadania e do interesse público, estão aqui refletidos, na medida em que as componentes da responsabilidade democrática partilhada e da accountability mútua estão presentes nas práticas anteriormente mencionadas. Destarte, o notório cariz evolutivo dos processos que enformam o O.P tornam ambígua a sua alocação exclusiva a uma teoria ou modelo de governação pública, posto que assume os cambiantes acima mencionados, cabendo-nos para além destes, proceder a uma aproximação aos novos processos da governança, onde são acolhidos, segundo Bingham, Nabatachi e O´Leary (2005, p. 554)

fenómenos como – “ a colaboração dentro das estruturas da

Administração, com as empresas, sociedade civil e cidadãos; aumentam a participação democrática; exponenciam a legitimidade da decisão, o consenso (…)” Este entrecruzamento de práticas induz a uma relação entre as redes de atores da sociedade civil e o estado, relevando um conjunto de sinergias que permitem a partilha de expertise entre estes. Os ganhos de eficiência na formulação de políticas podem surgir como fruto desta relação, tal como possibilitam o surgimento de dinâmicas supletivas entre a administração e a sociedade. Desta feita, e na esteira destes fenómenos de acentuada progressão que a afirmação de Santos (2002, apud Granado, p. 9) encontra no O.P “uma emanação da teoria da democracia participativa. Teoria esta assente na ideia de que os cidadãos devem participar diretamente nas decisões políticas e não apenas, como quer a democracia representativa, na escolha dos 10

decisores políticos.” É, pois, nosso fito elaborar de seguida sobre este instrumento basilar da democracia participativa no patamar que se segue do nosso Working Paper.

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O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

5.1 A dificuldade em definir o conceito de orçamento participativo Atualmente, não existe uma definição única de orçamento participativo que seja unânime devido à multiplicidade de experiências existentes por todo o mundo. Contudo, consegue-se definir um conjunto de parâmetros idênticos que nos permitem analisar este mecanismo, tendo em vista os seus objetivos primordiais. Em traços gerais, o orçamento participativo consiste num processo através do qual a população contribui para a tomada de decisão ou decide sobre o destino de parte dos recursos públicos de um orçamento de uma determinada entidade. Para Meirinho (2010), o orçamento participativo é uma das novas formas de participação que garantem o exercício da cidadania enquanto oportunidade de participação na vida da comunidade. Santos (1998) define o orçamento participativo como uma “estrutura e processo de participação de cidadãos na tomada de decisão sobre os investimentos públicos municipais” que, em regra, está assente em três princípios basilares: 1. Participação aberta dos cidadãos, sem discriminação positiva atribuída às organizações comunitárias; 2. Articulação entre democracia representativa e direta, que confere aos participantes um papel essencial na definição das regras do processo; 3. Definição das prioridades de investimento público processada de acordo com critérios técnicos, financeiros e outros de caráter geral, que se prendem, sobretudo, com as necessidades sentidas pelas pessoas. Por outro lado, Ubiratan de Souza, um dos principais responsáveis pelo Orçamento Participativo em Porto Alegre (Brasil), local onde pela primeira vez foi implementado este mecanismo no ano de 1989, propõe uma definição teórica, que pode ser aplicada à maioria dos casos brasileiros:

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Orçamento Participativo é um processo democrático direto, voluntário e universal, onde as pessoas podem discutir e decidir sobre orçamentos e políticas públicas. A participação do cidadão não se limita ao ato de votar, para eleger o poder executivo ou legislativo, mas envolve também as prioridades para os gastos públicos e o controle da administração do governo. Ele deixa de ser alguém que possibilita a continuidade da política tradicional e torna-se um protagonista permanente na administração pública. O OP combina a democracia direta com a democracia representativa, uma conquista que deve ser preservada e valorizada. (ONU-HABITAR, 2009, p.21) Numa vertente mais prática do orçamento participativo e perante a dificuldade em balizar o conceito, Sintomer (2007) apresenta uma definição baseada em cinco critérios: 1. A vertente orçamental e/ou financeira deve ser explicitamente debatida; o orçamento participativo lida com recursos escassos; 2. O envolvimento no processo tem de ser organizado ao nível de governo local (município ou freguesia) – ou de um departamento (descentralizado) com órgãos eleitos e algum poder na administração; o nível de bairro não é suficiente; 3. O processo tem de ser contínuo e ter práticas repetidas; um encontro ou um referendo sobre questões financeiras não são exemplos de um orçamento participativo; 4. O processo tem de incluir alguma forma de deliberação pública, no âmbito de encontros específicos ou fóruns, sobre a matéria orçamental e/ou financeira; 5. A prestação de contas aquando da apresentação de resultados é fundamental.

5.2 Enquadramento histórico do Orçamento Participativo: Onde surgiu e como evoluiu a disseminação desta ferramenta de participação cidadã? O primeiro ensaio ou experiência de implementação do orçamento participativo nasceu em Porto Alegre (Brasil), no ano de 1989, tendo sido replicada a iniciativa, com especial incidência, na América do Sul e Central e, posteriormente, na Europa, África e Ásia. Todos os processos se designaram por orçamento participativo, tendo, no entanto, sido aplicado e implementado de formas distintas.

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De acordo com Cabannes e Baierle (2004), a experiência temporal de implementação e disseminação do orçamento participativo poderá ser dividida em quatro fases: 1. [1989 - 1997] – Experimentação. Destacam-se Porto Alegre e Santo André, no Brasil, e Montevideu, no Uruguai; 2. [1997 - 2000] – Massificação no Brasil. Mais de centro e trinta municípios brasileiros implementam orçamento participativo, com grandes diferenças entre as várias cidades; 3. [De 2000 até ao presente] – Expansão pela América do Sul e Central e, mais recentemente, na Europa, sendo Lisboa a primeira capital europeia a implementar o mecanismo de participação, com várias alterações de fundo ao desenho original do mecanismo; 4. [Atualidade] – Construção e implementação de redes de cooperação e colaboração nacionais e internacionais de orçamentos participativos.

5.3 Orçamento Participativo, um processo multidimensional O orçamento participativo, sendo um processo de elevada complexidade, diferencia-se do ponto de vista dimensional, em quatro grandes dimensões, de acordo com a visão de Cabannes e Baierle (2004): 1. Dimensão Orçamental/Financeira: Quanto maior a dimensão financeira, maior será a relevância do processo de participação. Se o volume financeiro for diminuto, dificultará e obstaculizará a que o processo prossiga com sucesso ou que tenha impacto na comunidade; 2. Dimensão Participativa: A dimensão participativa poderá processar-se de várias formas, entre as quais se destacam a participação individual e direta, a participação de representação comunitária e indireta e a participação em regime misto, associando a participação comunitária com a individual; 3. Dimensão Normativa/Jurídica e/ou Metodológica: Uma larga maioria dos orçamentos participativos em funcionamento são regidos por um regulamento interno, que pode ir evoluindo ao longo das várias edições do processo, em permanente melhoria, e que estipula e baliza as regras e condições do mecanismo do orçamento participativo. Contudo, já existem modelos regulamentados por legislação específica. Uma maior regulamentação legal do processo não significa que haja maior capacidade cidadã de controlarem o processo;

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4. Dimensão Territorial/Setorial: A dimensão territorial e/ou setorial é bastante diferenciada nos inúmeros exemplos de implementação do processo de orçamento participativo existentes. Desde logo, se destacam os orçamentos participativos de base supramunicipal, municipal e inframunicipal e os orçamentos participativos de base setorial ou temático.

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CONCLUSÃO

Percebe-se neste ponto que a participação dos cidadãos na atividade estatal depende e evolui consoante o modelo de Gestão Pública aplicado. Partindo do Modelo Profissional Weberiano, onde a participação individual era descurada, passando pela sua inserção no conceito de Nova Gestão Pública e pela sua afirmação no modelo de Governança, é possível descortinar nesta sede uma evolução clara, que se reflete de forma evidente nas medidas adotadas pelos Estados, das quais o Orçamento Participativo é exemplo paradigmático. É a partir das ideias de colaboração, parceria, redes e cooperação democrática que a intervenção dos cidadãos se torna notória na gestão do serviço público. Nas palavras de Fung (2006, p. 64) “Citizens can be the shock troops of democracy.”, atuando com maior conhecimento local e comprometidos com o melhor para aquela, que é também a sua, sociedade. Verifica-se que, ao longo dos tempos, as matérias económicas e financeiras constituíram a pedra angular da maior ou menor intervenção do Estado. Os novos modelos de gestão surgem inicialmente associados à intervenção do Estado na economia. Assim, percebe-se que o Orçamento Participativo seja uma poderosa ferramenta de intervenção dos cidadãos na atividade do Estado e no controlo do mesmo, caraterística do modelo de Governança. Juntamente com as suas quatro dimensões, já referidas anteriormente, o orçamento participativo dá corpo à ideia defendida por Bovaird (2005, p. 225) “Another highly topical aspect of public governance is the extent to which citizens become involved in civil society associations and engage in the decision-making process around public decisions”. É ainda inevitável referir o seu peso na efetivação da democracia representativa, afastando-a apenas da escolha dos decisores políticos e aproximando os cidadãos das próprias políticas públicas. Embora, atualmente, o orçamento participativo constitua uma medida maioritariamente aplicada a nível local/autárquico, prevê-se que num futuro próximo a sua extensão seja nacional. Procurar-se-á reservar uma verba do Orçamento de Estado para projetos propostos e escolhidos pelos cidadãos, tornando ainda mais visível a sua participação nas políticas e projetos do Estado.

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