\" Paisagem sonora mista \" : por uma poética composicional em soundscape composition

May 27, 2017 | Autor: Cesar Damaceno | Categoria: Soundscape composition, Processos De Criação
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“Paisagem sonora mista”: por uma poética composicional em soundscape composition Julio Cesar Damaceno Fátima Carneiro dos Santos [email protected] Universidade Estadual de Londrina/Departamento de Música e Teatro Artes, Música Palavras-chave: processos de criação, paisagem sonora, composição musical. Resumo Este estudo pretendeu experienciar uma poética composicional em paisagem sonora, dada a partir da relação entre a música produzida acusticamente e os procedimentos composicionais utilizados por movimentos ligados à soundscape composition, uma vertente composicional surgida no início da década de 1970, no Canadá, e que continua se expandindo até nossos dias. As questões éticas e estéticas implícitas nesse campo da composição musical são o que lhe garante uma marca de contemporaneidade neste início de século, em que vem se discutindo mais que nunca as relações entre o indivíduo e o ambiente sonoro no qual ele se encontra. Além disso, pensar outras formas composicionais em paisagem sonora pode ampliar não apenas a própria idéia de soundscape composition, como também contribuir para constantes reflexões sobre a idéia de música. Introdução Em meados da década de 1960, surgia no Canadá um movimento intitulado World Soundscape Project, que reunia pesquisadores de diversas áreas em torno de um novo campo de estudos: o ambiente sonoro. No âmbito de tal movimento, que tinha como objetivo principal a investigação e mesmo a reconfiguração do continuum sonoro que permeia nosso cotidiano, foi introduzido o conceito de paisagem sonora, que pode ser definido como “qualquer porção de um ambiente sônico visto como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p. 366). Devido à própria natureza de seu objeto de estudo, uma das principais atividades do WSP consistiu no registro (gravação) de sons ambientais em diferentes contextos. A partir destes materiais, desenvolveu-se, através de ANAIS DO 21º EAIC / 2º EAITI | ISSN - 1676-0018 | www.eaic.uem.br Universidade Estadual de Maringá | 9 a 11 de outubro de 2012 | Maringá –PR

compositores engajados no projeto, um novo ramo composicional: a soundscape composition, ou composição de paisagem sonora (TRUAX, 1996, p. 54). Partindo dos princípios composicionais propostos pelos compositores ligados ao WSP, a poética que desenvolvemos durante nosso estudo, a qual denominamos “paisagem sonora mista”, é um modo de compor calcado na inter-relação entre a composição de paisagem sonora (paisagem ambiental), e estruturas e sonoridades acústicas características da música ocidental (paisagem acústica). Materiais e métodos Nosso estudo teve o campo da criação como norteador das reflexões teórico-conceituais. Ou seja, ao mesmo tempo em que realizamos um “mergulho”, através da escuta e da composição, tanto nas sonoridades ambientais, quanto nas sonoridades dos instrumentos acústicos, refletimos e repensamos tanto idéias de música, quanto idéias de composição de paisagem sonora. O ato de “mergulhar” nas paisagens sonoras (ambientais e acústicas) implicou em um contato direto com o campo a ser investigado, possibilitando tanto o exercício de criação quanto e exercício reflexivo e conceitual. O desenvolvimento de nossas atividades se deu em duas etapas. A primeira consistiu em um estudo teórico através da leitura de textos referentes a temas como escuta, composição de paisagem sonora e princípios composicionais da música ocidental, além da escuta e análise de repertório. Na segunda etapa, desenvolvemos um estudo prático, através da escuta e captação de ambientes sonoros do campus da UEL, com o auxílio de um gravador digital; edição destes materiais e composição de paisagens sonoras com a utilização do software multi-pistas Audacity; criação, execução e registro de materiais musicais com instrumentos acústicos, gravados digitalmente, e, por fim, a própria composição de paisagem sonora mista, através da inter-relação dos materiais ambientais e acústicos, utilizando, novamente, o software de edição sonora Audacity. Resultados e Discussão Partindo do princípio de que a principal característica da soundscape composition é a utilização de sons ambientais em contextos reconhecíveis, cujo propósito é “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à paisagem” (TRUAX, 1996, p.60), optamos por adotar como “guia” composicional a ideia de Westerkamp (1999), segundo a qual na ANAIS DO 21º EAIC / 2º EAITI | ISSN - 1676-0018 | www.eaic.uem.br Universidade Estadual de Maringá | 9 a 11 de outubro de 2012 | Maringá –PR

composição de paisagem sonora o compositor age como um pintor, um fotógrafo, ou um caricaturista, ou seja, aquele que delineia contornos sonoros e evidencia sons que poderiam passar despercebidos na paisagem. Seguindo esta ideia, e tendo sempre em vista a manutenção da referencialidade da fonte emissora dos materiais sonoros empregados, a poética que desenvolvemos mantém o som ambiental sem qualquer tipo de manipulação, sendo que é através dos materiais musicais (paisagem acústica) que o compositor age sobre a paisagem ambiental, realçando sonoridades e evidenciando significados simbólicos que os sons da paisagem ambiental possam conter. Através da escuta, o compositor busca possíveis relações entre os sons ambientais da paisagem e materiais acústicos, por exemplo, uma possível semelhança timbrística entre o som emitido por um objeto feito de um determinado material e a sonoridade de um determinado instrumento musical. Para além disso, o significado simbólico que um som possa trazer em si, no contexto da paisagem, pode sugerir uma textura, uma “cor” harmônica, ou mesmo um perfil melódico que de alguma forma se relacione com o simbolismo do som em questão. O processo que vivenciamos durante o projeto culminou na composição de uma peça de ‘paisagem sonora mista’, intitulada “Jogo de Malha”, criada a partir de registros sonoros realizados durante a prática do jogo de malha realizada regularmente por servidores no campus da UEL. Nesta composição, as sonoridades reveladas pelo processo de escuta da paisagem ambiental, em especial o som dos discos metálicos lançados ao chão pelos jogadores e as vozes dos participantes, guiaram nossas escolhas na criação da paisagem acústica. A primeira possibilidade de relação entre a paisagem ambiental e um material acústico que observamos, foi a semelhança timbrística entre os sons dos discos metálicos e a sonoridade do Glockenspiel, instrumento musical da família dos idiofones, o que nos levou a optar por esta instrumentação. Em um segundo momento, nos chamou a atenção, na paisagem ambiental, a presença de um sotaque caracteristicamente nordestino nas falas dos jogadores, o que nos sugeriu realçar este aspecto da paisagem através da utilização de estruturas musicais que fizessem referência à cultura do nordeste. Desse modo, concretizou-se, nesta peça, a nossa ideia de um processo composicional que integra a composição de paisagem sonora e a música produzida acusticamente.

Conclusões

ANAIS DO 21º EAIC / 2º EAITI | ISSN - 1676-0018 | www.eaic.uem.br Universidade Estadual de Maringá | 9 a 11 de outubro de 2012 | Maringá –PR

Diante do exposto, note-se que, na poética proposta, o material musical (paisagem acústica) surge da própria paisagem sonora ambiental através de relações feitas pelo compositor, sendo, portanto, sempre revelado pela paisagem, tendo como função específica “comentar” e re-significar os sons ambientais, jamais tomando a frente em relação a estes. Assim, o que denominamos paisagem sonora mista, é um tipo de composição que se enquadra no conceito de composição de paisagem sonora, tal qual definido por Truax (1996, p. 54), incorporando, porém, a este conceito, a possibilidade de diálogo com sonoridades instrumentais e/ou vocais características da música ocidental. Agradecimentos Nossos agradecimentos à Fundação Araucária pela concessão da bolsa que possibilitou nossa dedicação a este estudo, e a todos os participantes do projeto “Paisagem sonora urbana: do sonoro ao musical”, em especial aos colegas Túlio Frigeri e Ercole Martelli, pela colaboração nas questões referentes às técnicas de áudio envolvidas no projeto.

Referências

SCHAFER, R. M. A Afinação do Mundo. São Paulo: UNESP, 1997. TRUAX, Barry. Soundscape, acoustic communication and environmental sound composition.Contemporary Music Review, London, v. 15, n. 1, p. 4965, 1996.

WESTERKAMP, H. Soundscape composition: linking inner and outer worlds, 1999. Disponível em www.sfu.ca/~westerka/writings.html. Acesso em: 25 jul. 2012.

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