Péricles: as diferentes facetas de um grande homem de estado (2005)

September 19, 2017 | Autor: Glaydson Silva | Categoria: Ancient Greek History, Pericles
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ISSN 1807-1783

atualizado em 13 de novembro de 2005

Editorial Expediente

Péricles, as diferentes facetas de um grande homem de Estado

De Historiadores

por Sophie Montel, Airton Pollini e Glaydson José da Silva

Dos Alunos

Sobre os autores

Arqueologia

Sobre as ilustrações

Perspectivas

Sobre o glossário *

Professores

Péricles, homem político ateniense,

Entrevistas

nasceu por volta de 495 a.C. Seu papel foi

Reportagens

tão importante que se fala do século V

Artigos

como século de Péricles. Na verdade, ele foi

Resenhas

influente na vida política da cidade de 461 a 429 e é, sobretudo, a partir de 443 a.C.,

Envio de Artigos

quando seu inimigo Tucídides é ostracizado*, que ele exerce um poder

Eventos

quase absoluto nos negócios da cidade. Os

Curtas

Instituições Associadas

autores antigos permitem melhor conhecer Péricles ©Sophie Montel

sua personalidade, tanto por meio de suas ações políticas como observando as

realizações das quais ele fez beneficiar Atenas. Nossos Links

O contexto: a reconstrução de Atenas após as guerras médicas* Destaques Fale Conosco Cadastro Newsletter

Figura 1

Após a pilhagem dos Persas em 480 a.C., o santuário de Atena, divindade políade* da cidade de Atenas, permanece em ruínas durante mais de trinta anos. É Heródoto, no livro VIII, 51-55, quem testemunha a pilhagem da Acrópole pelos Persas de Xerxes, que escalaram as defesas, «forçaram as portas e mataram os suplicantes. Em seguida, saquearam o templo e incendiaram a cidadela. » (Heródoto, Histórias, VIII, 53. Trad. de J. de Brito Broca. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001). Pausânias, em I 27, 2, alude a uma anedota interessante a respeito da oliveira de Atena, que tinha sido incendiada quando deste trágico acontecimento. Esta oliveira representava o presente dado pela deusa aos atenienses, no momento da disputa entre Atena e Poseidon pela possessão da Ática. Compreende-se, então, sua importância aos olhos dos atenienses, e as lendas que foram criadas sobre esta árvore. « Sobre a oliveira os atenienses não dizem mais que isso : é o testemunho que dá a deusa na desavença a respeito da possessão do país. Conta-se, também, o fato seguinte : esta oliveira foi completamente queimada quando o meda incendeia Atenas ; mas, após ter queimado, no mesmo dia, ela brota em dois cubita ». (tradução nossa, a partir de J. Pouilloux, Paris : Les Belles Lettres, 1992). Um cubitum equivale a 46.3 cm ; o broto extraordinário mediria, então, quase um metro ! Os gregos tinham decidido não reconstruir os santuários antes que a ameaça persa não fosse totalmente descartada, o que acontece em 449, quando da chamada paz de Callias. A fim de marcar os espíritos e de conservar a lembrança das perdas acometidas pelo inimigo, os atenienses decidiram reutilizar os blocos de mármore previstos anteriormente para o Pré-Parthenon no muro circunda a Acrópole. Eles são visíveis ainda hoje. Péricles se cerca dos melhores técnicos e artistas com o intuito de dar aos Atenienses seus locais de culto. Os trabalhos levados a termo sob o governo de Péricles concernem a muitos edifícios : a entrada da Acrópole, os propileus*, sob a responsabilidade de Mnesicles, é a primeira obra ; em seguida é construído o Parthenon, monumento magnífico que abriga a estátua criselefantina* de Atena Parthenos, feita por Fídias ; organiza-se, igualmente, a fortificação que sustentará, rapidamente, o pequeno templo de Atena Nike ; enfim, não é mais que depois da morte de Péricles que será construído o Erecteion*, que substitui o templo de Atena Polias, destruído em 480 ; As ruínas deste último são visíveis ainda hoje, entre o Parthenon e o Erecteion. Se Mnesicles concebe os propileus, outros arquitetos e escultores tornam-se célebres trabalhando sobre o maior e mais célebre monumento da Acrópole, o Parthenon (o escultor e responsável pela obra, Fídias, e seus alunos, por um lado, e Ictinos e Calícrates, arquitetos, por outro). Fora da Acrópole, os trabalhos de construção concernem também ao Odeon, ao sul, o templo de Hefestos sobre a ágora de Atenas (figura 2), o templo de Ilissos, a organização do porto de Atenas (Pireu) e o santuário de

Deméter e Perséfone em Elêusis.

Figura 2 uestões financeiras : Péricles e o tesouro da Liga de Delos Na época clássica, em circunstâncias particulares, a Acrópole foi o ponto central de discussões de ordem financeira. O tesouro da Liga de Delos (ou Confederação de Delos) foi, por um tempo, abrigado na Acrópole ; ele serviu a Péricles. Nós iremos vê-lo financiar trabalhos de reconstrução e de embelezamento da Acrópole entre 450 e 430 a.C, aproximadamente. A Liga de Delos é a aliança que formaram cidades gregas em 478 a.C. para lutar contra os Persas (depois da vitória grega Platéia, em 479 a.C.). Atenas encabeça a confederação a pedido de seus aliados. No início, o tesouro era conservado no santuário de Apolo, na ilha de Delos. As cidades pagavam um tributo (navios para as mais potentes, numerário para as outras). Depois do desastre da expedição do Egito em 454 a.C., o tesouro foi transferido para Atenas. As cidades que pagavam, até então, seu tributo em navios, foram obrigadas a fazê-lo em forma de numerário : a confederação torna-se, então, um verdadeiro império dirigido por Atenas. A ameaça persa não sendo mais verdadeiramente real (paz de Callias, negociada em em 449 a.C.), o dinheiro disponível foi utilizado por Péricles por sua própria conta : a conta de sua cidade. Péricles se justifica no excerto abaixo argumentando que a cidade assegura bem sua função (defender as cidades membros da Confederação de Delos contra o inimigo). «A Grécia não pode esquecer que, pela mais justa e tirânica depredação, as somas que tinha destinado às despesas da guerra são empregadas a dourar, a embelezar a nossa cidade como uma mulher taful que se cobre de pedras preciosas, seja para erigir estátuas magnificentes, para construir templos que chegam a custar mil talentos *. – Péricles, por seu turno, mostrava aos Atenienses que não tinham que prestar contas aos aliados do dinheiro que deles recebiam. Nós combatemos, dizia ele, em sua defesa, e afastamos-lhes os bárbaros das fronteiras ; eles não fornecem para a guerra, nem cavalos, nem galeras, nem soldados ; contribuem apenas com dinheiro que, uma vez pago, não pertence mais

àqueles que o entregam, mas sim aos que o recebem, os quais não são obrigados senão a cumprir as condições que se impõem recebendo-o.» (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, XVIII-XIX. Trad. de A. Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Uma anedota de canteiro de obra: a queda de um trabalhador em serviço nospropileus (fig. 3)

Figura 3 As fontes: o testemunho dos autores antigos Muitos autores antigos evocam uma anedota de canteiro de obras que nos coloca no coração dos trabalhos da Acrópole. É Plutarco quem narra: «Os propileus da Acrópole, construídos pelo arquiteto Mnesicles, foram feitos em cinco anos. Um acontecimento maravilhoso ocorrido durante a sua construção mostrou que a deusa, longe de se opor a ela, a aprovara e queria auxiliá-la, até. O mais hábil e mais ativo dos artistas, tendo dado um passo em falso, deixou-se cair do alto do edifício e ficou tão gravemente ferido que os médicos desesperavam de salvá-lo. Péricles estava muito preocupado, quando a deusa, aparecendo-lhe em sonho, lhe indicou um remédio que permitiu curar esse homem rapidamente. Em reconhecimento desse benefício, Péricles mandou fazer, em bronze, a estátua de Atena Higéia e colocou-a na cidadela, junto do altar que ali existia anteriormente.» (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, XXII. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Plínio o Velho evoca este acontecimento em três momentos em suaHistória Natural ; no livro XXII, consagrado às plantas, em XX, 43-44, fala da planta que permitiu curar o trabalhador (escravo) que caiu de um edifício em construção. Esta planta se chama perdicium ou parthenium, ou, ainda, sideritis. Ele dá, igualmente, a etimologia de um dos nomes da planta : parthenium é, na verdade, derivado do grego parthenos, a virgem, epíclese* de Atena sobre a Acrópole. Na verdade, é necessário distinguir bem sobre a Acrópole o Parthenon, que é o monumento dedicado a esta Atena Parthenos, assim como o Erecteion é o templo, lugar de culto da Atena Polias. Plínio situa a cena quando da « construção de um templo na cidadela » (Plínio o Velho, História NaturalXXII, XX, 44. Trad. nossa a partir de J. André, Paris : Les Belles Lettres, 1970). A

cidadela designa, aqui, a Acrópole e seu muro perimetral ; contudo, o texto de Plutarco parece mais preciso e concorda com as realidades arqueológicas. Somos, então, levados a pensar que Plutarco tem razão ao situar a cena sobre o canteiro de obras dos propileus (ele viu os lugares), ao invés de Plínio, que ao situá-la sobre o canteiro de um templo, parece ter transcrito mal, sem dúvida, o que lhe foi narrado. O último testemunho relativo a esta história é aquele de Pausânias que, quando descreve o rochedo sagrado, evoca, como Plutarco, uma estátua de Atena Higéia. « Junto de Diitrephes (eu não posso descrever as imagens que são menos célebres) há, também, estátuas de deuses, aquela de Higéia (Saúde), que acredita-se ser filha de Asclépio, e aquela de Atena, chamada, também Higéia» (Pausanias, Periegesis, I, 23, 4. Tradução nossa, a partir de J. Pouilloux, Paris : Les Belles Lettres, 1992). A Arqueologia: o testemunho das pedras Os achados arqueológicos confirmaram esta anedota contada pelos autores antigos. Em 12 de setembro de 1939, uma base inscrita em honra de Atena Higéia é descoberta sobre a Acrópole (fig. 4). Ela está, ainda, in situ, antes da coluna meridional (coluna mais ao sul) da fachada dos propileus. Esta inscrição foi publicada por A. Raubitschek, no número 166 de sua publicação das dedicatórias de Atenas (p. 185-188). Trata-se de uma base redonda em mármore pentélico de 0,82m de diâmetro por 0,42m de altura. A face superior apresenta sinais de extração de algumas partes, correspondentes aos pés de uma estátua em bronze. A partir desses elementos, restituímos a posição da deusa : ela estava em pé, apoiada sobre a perna direita, a perna esquerda flexionada. A mão esquerda tinha, talvez, uma lança (junto de uma pequena cavidade podendo acolher a base da lança que teria sido observada sobre a face superior da base, mas os pesquisadores não são unânimes a esse respeito). A parte traseira da base está cortada de maneira a se apoiar sobre o último degrau da crepidoma (o stylobate, base para as colunas) dos propileus. Parece que os trabalhadores que a colocaram fizeram tudo para instalá-la precisamente : podese perguntar se ela não foi colocada exatamente no local do acidente, da queda do trabalhador curado por intermédio do sonho de Péricles.

Figura 4 A observação da inscrição (IG I2 395 ; IG3 506) encontrada in situsobre a base da estátua nos esclarece um pouco mais precisamente: Os Atenienses (dedicaram) a Atena Higéia Pyrrhos fabricou, o ateniense. Vemos que se trata de uma dedicatória dos cidadãos de Atenas, por um lado, caso raro, pois a maior parte das dedicatórias são feitas por particulares ; trata-se, também, de uma obra de um escultor desconhecido, por outro lado. O nome do artesão que assina não é ático, o escultor era, talvez, originário da Grécia do norte ; naturalizado ateniense, precisou isso em sua assinatura. Ora, Plutarco diz que é o próprio Péricles quem dedica a estátua. Para resolver este enigma (a diferença entre o testemunho dos textos e o testemunho da inscrição sobre a base da estátua), muitas hipóteses podem ser feitas. Iremos nos deter sobre duas. A promessa pode ter sido, efetivamente, feita por Péricles, que não teria tido tempo para realizá-la. Os Atenienses, que a cura do trabalhador tinha impressionado, puderam retomar esse desejo e construir a estátua, afim de agradecer a deusa. A grafia da inscrição data a obra de antes de 403 a.C. (data da reforma do alfabeto sob o arcontado de Euclides*) ; a estátua deve, então, datar do período compreendido entre 429 (morte de Péricles) e 403. Por esta razão, pode-se situar a carreira do escultor desconhecido, Pyrrhos, na segunda metade do século V, em pelno classicismo *. A segunda hipótese não desmente a veracidade dos fatos relatados por Plutarco, mas não coloca em relação sua anedota e a dedicatória de uma estátua de Atena Higéia, apoiada à fachada leste dos propileus, na segunda metade do século V. É, na verdade, possível colocar esta estátua em relação com a grande epidemia de peste que devassou Atenas em 429 a.C. Péricles mesmo a ela sucumbiu. Escavações recentes evidenciaram sepulturas coletivas que os arqueólogos puderam datar precisamente deste período. Deve-se tratar de fossas

comuns nas quais enterram-se os mortos. A exposição The City Beneath The City, Finds from excavations for the Metropolitan Railway of Athens, ocorrida entre fevereiro de 2000 e dezembro de 2001 no Museu de Arte Cicládica de Atenas fazia eco destas descobertas recentes. A estátua pode ser dedicada pelos Atenienses e, uma vez terminada a epidemia e o perigo, descartada. O enclave consagrado a Atena Higéia desenvolveu-se em torno desta estátua, como o mostram uma mesa de oferendas, um altar e uma base ainda no lugar, ou, ainda, as fundações de uma exedra*, particularmente bem colocado para resguardar as procissões que por lá passavam. O santuário de Atena Higéia, contrariamente a outros santuários, não tem limite preciso ; não se trata de um temenos* verdadeiro, mas de uma simples enclave sobre a rocha consagrado, principalmente, a Atena. É um espaço que se estende de leste a oeste sobre uma dezena de metros. Parece que o culto de Atena Higéia, atestado desde o fim do século VI, por um vaso assinado que lhe é dedicado, conheceu um grande fervor na primeira metade do século V ; ele diminuiu em seguida em proveito de Asclépio, cujo santuário se instala, também, abaixo da encosta sul (fig. 5). O culto de Asclépio era associado a Higéia, honrada, por sua vez, de uma estátua desta mesma zona (Pausanias, Periegesis, I, 23, 4 citado abaixo).

Figura 5 A eloqüência de Péricles A celebridade de Péricles não deriva unicamente de sua obra de construtor, mas, também, de suas qualidades oratórias, as quais testemunham muitas passagens de Plutarco. Compreende-se melhor os extratos seguintes quando se sabe que os contemporâneos de Péricles chamavam-no de Olímpico, em referência aos poderes de Zeus : «as comédias desse tempo, cujos autores o tomavam muitas vezes para objeto das suas sátiras, umas vezes sérias, outras vezes jocosas, mostram que foi sobretudo pelos seus dotes oratórios que mereceu esse título. Eles dizem que, quando falava na assembléia do povo, lhe saíam da boca trovões e relâmpagos e a língua despedia raios. » (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, X. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Tucídides, adversário político de

Péricles, que não deve ser confundido com o célebre historiador, confirma sua habilidade de persuasão na passagem que segue: « …Quando luto com ele – respondeu Tucídides – e o deito à terra, ele sustenta que não está derrubado e acaba por convencer disso os espectadores.» (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, X. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Sua eloqüência lhe serviu para manter seu poder. Na verdade, Péricles se faz reeleger estratego* quinze vezes, entre 443 e sua morte, em 429 a.C.As visões que os antigos tinham dele eram ambivalentes, do mesmo modo que conduzia sua própria carreira política. « ele podia conter a multidão sem lhe ameaçar a liberdade, e conduzi-la ao invés de ser conduzido por ela, pois não recorria à adulação com o intuito de obter a força por meios menos dignos ; ao contrário, baseado no poder que dava a sua alta reputação, era capaz de enfrentar até a cólera popular. Assim, quando via a multidão injustificadamente confiante e arrogante, suas palavras a tornavam temerosa, e quando ela lhe parecia irracionalmente amedrontada, conseguia restaurar-lhe a confiança. Dessa forma Atenas, embora fosse no nome uma democracia, de fato veio a ser governada pelo primeiro de seus cidadãos. » (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, II, 66. Trad. Mário da Gama Kuri, Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1982). Cabeça de cebola (ver fig. 6)

Figura 6 Os codinomes de Péricles não se resumem a Olímpico. Uma outra comparação, esta, por sua vez, menos elogiosa, foi feita entre a forma de sua cabeça e uma cebola. Quando fala do nascimento de Péricles, Plutarco indica já

esta particularidade de seu corpo ao dizer que : «bem conformado em todo o resto (...) tinha a cabeça de dimensões desproporcionadas. Assim, todas as suas estátuas exibem um capacete na cabeça ; os escultores quiseram, sem dúvida, ocultar um defeito que os poetas atenienses, pelo contrário, lhe censuravam publicamente chamando-lhe Esquinocéfalo » (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, III, 3-4. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Plutarco relata, ainda, uma passagem da comédia « Mulheres da Trácia », de um certo Cratinos, que zomba de Péricles: « Este novo Zeus de cabeça de cebola, E cujo vasto crânio está prenhe do Odeon. Péricles vem até nós altivo, solene, Por ter evitado o naufrágio do ostracismo.» (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, XXII. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Estes dois versos cômicos denotam bem, e de maneira concentrada, os ataques desferidos contra Péricles : Cratinos evoca, ao mesmo tempo, muitas características de Péricles: sua eloqüência, seu poder soberano (tal Zeus), os trabalhos públicos faraônicos que ele empreende ou, ainda, as condenações infringidas pela assembléia, mas a seu pedido, contra seus dois principais rivais, Cimon e Tucídides, que foram ostracizados. Freqüentemente quis se desacreditar esses testemunhos trazidos pelas comédias, contudo, é necessário dar-lhes uma certa credibilidade, pois, estas peças foram apresentadas no teatro (ou no Odeon) pelos cidadãos contemporâneos aos acontecimentos. Para que essas linhas tivessem um efeito cômico, deve-se supor que elas veiculavam impressões partilhadas por um certo número de pessoas. Péricles filósofo: o exemplo de uma anedota Homem político com diversos codinomes, Péricels era conhecido, igualmente, por suas qualidades de homem sensato e temperado. Na verdade, ele segue os ensinamentos da filosofia e era reputado muito moderado e justo. A pequena anedota que segue mostra sua clarevidência e seu espírito racional. « … Péricles, para remediar todos estes males e prejudicar, ao mesmo tempo, os inimigos, mandou equipar uma frota de cento e cinqüenta navios, onde embarcou grande número de excelentes tropas de infantaria e cavalaria. Tão formidável armamento levantou as esperanças dos Atenienses e lançou o pânico entre os inimigos. Estavam os navios preparados para partir e já Péricles subia para a sua galera, quando sobreveio um eclipse do sol, que transformou o dia em trevas e que, sendo considerado como presságio sinistro, encheu de pavor todos os espíritos. Péricles, vendo o seu piloto perturbado e indeciso no que devia fazer, pôs-lhe o manto diante dos olhos e perguntou-lhe se achava que isso era alguma coisa de horroroso e de sinistro. O piloto respondeu-lhe que não via nisso motivo para se horrorizar. – Pois bem ! – disse Péricles – que diferença há entre o meu manto e aquilo que produz o eclipse, a não ser que o que provoca estas trevas é maior que o meu manto ? Mas é nas escolas dos filósofos que se devem

tratar estes assuntos. » (Plutarco, Péricles reformador de Atenas, LIV. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Uma personalidade muito complexa Numerosos outros acontecimentos ou características de sua personalidade poderiam ser evocadas. Para citar algumas, ainda, Péricles foi, por exemplo, promotor da fundação pan-helênica de Thourioi, no sul da Itália, na localização da antiga Sybaris, assim como, também, de numerosos estabelecimentos atenienses mais modestos (as klerouchiai, em grego) implantados em diversas localizações do mundo mediterrâneo ; ele declara guerra contra Esparta, é o início da Guerra do Peloponeso, que dura muitos anos, entre 431 e 404 a.C ; algumas fontes dizem que, com a declaração de guerra, ele queria eclipsar as suspeitas de mau uso do dinheiro durante os trabalhos de construção da Acrópole, suspeitas que acabaram por condenar Fídias. Péricles foi considerado como imperialista por sua política a respeito das cidades membros da Liga de Delos, assim como seu poder quase absoluto foi comparado àquele dos tiranos ; ele foi condenado a pagar uma multa pelos maus resultados de sua política militar ; reeleito, contudo, durante quinze anos estratego de Atenas, aí compreendida a multa (ver passagem abaixo), ele era considerado como arrogante e orgulhoso, mas também chamado de o mais moderado dos Atenienses, o primeiro e o mais honesto dos cidadãos. Esta longa lista, que não é exaustiva, mostra bem a complexidade da imagem que se pode fazer deste homem. Ele era, provavelmente, tudo isso às vezes, e, malgrado todas as críticas que se possa lhe endereçar, Péricles será, sempre, ligado ao apogeu de Atenas. « Péricles merece, pois, toda a nossa admiração, não só pela brandura e moderação que sempre conservou em inúmeros negócios tão importantes e no meio de tantas inimizades, mas sobretudo pela elevação de sentimentos que lhe fazia considerar como a mais bela das suas ações o não ter nunca, dispondo de um poder tão absoluto, dado azo à inveja nem ao ressentimento e para ninguém ter sido um inimigo implacável. Parece-me que esta brandura de costumes, esta vida que ele mantém sempre impoluta no exercício da sua autoridade bastam por si só, para fazer perder ao nome pomposo e arrogante de Olímpico o que poderia ter de odioso, e mostram-nos, pelo contrário, quanto este título lhe convinha, porque acreditamos que os deuses, sendo por natureza autores de todos os bens, são incapazes de produzir males. É por este duplo título que os consideramos reis e senhores do mundo.» (Plutarco,Péricles reformador de Atenas, LIX. Trad. de A.Lobo Vilela. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939). Uma última palavra de Tucídides, enfim, pode resumir bem as diferentes opiniões que os Atenienses podiam ter de seu governo: « Por isso, aqueles e estes somente se sentiram aliviados de sua cólera contra Péricles quando lhe foi imposta uma multa. Não muito tempo depois,

numa reviravolta muito ao gosto das multidões, os Atenienses o reelegeram comandante e lhe confiaram a condução de todos os assuntos d cidade. » (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, II, 65. Trad. Mário da Gama Kuri, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982) Glossário Os termos apresentados abaixo estão em acordo com sua ordem de aparição no texto, assinalados por um asterisco. Ostracismo: meio pelo qual, na Atenas do século V, podia-se excluir, banir um cidadão da cidade. É a assembléia dos cidadãos que votava o ostracismo, escrevendo o nome da pessoa a banir sobre uma superfície de cerâmica (um ostrakon). Exclui-se, primeiramente, os Atenienses que eram considerados como adeptos da tirania, e aqueles que tinham pactuado com o inimigo (os Medas). O pai de Péricles, Xantipo, tinha, ele mesmo, sido ostracizado em 485-484 a.C., pois parecia muito poderoso (Aristóteles,Constituição de Atenas, XXII, 6). Guerras Médicas: guerras que opuseram os Gregos das cidades aos Medo-Persas entre 490 e 449 a.C. As principais batalhas são aquelas de Maratona, em 490, de Salamina, em 480 e, enfim, de Platéia, em 479 a.C. Divindade políade: divindade principal da cidade; a cidade em grego é a polis. Os Gregos, por vezes, adicionavam a epíclese « polias » ao nome da divindade afim de mostrar que ela era a divindade protetora de sua cidade. Em Atenas, Atena é honrada sob diversas epícleses: Polias em seu templo principal, Parthenos no Parthenon, Higéia (da saúde), Nike (vitoriosa) no pequeno templo construído sobre a fortificação sudoeste do rochedo, etc. Propylon (propileu): termo grego empregado para designar a entrada monumental de um santuário (depro : diante e pylon: a porta). Ver fig. 8

Figura 8 Estátua criselefantina: estátua feita de ouro (chrysos, em grego) e de marfim (elephantos) ; a técnica criselefantina é utilizada pelos Gregos desde a época arcaica, como o atestam, por exemplo, fragmentos de estátuas encontradas em Delfos, no santuário de Apolo. Fídias, antes de realizar a Atena Parthenos para o Parthenon de Atenas, tinha concebido a estátua de culto de Zeus Olímpico, no templo do santuário de Olímpia. Esta estátua, realizada provavelmente entre os anos 460-450, foi considerada pelos antigos como uma das Sete Maravilhas do Mundo. Erechtheus: rei mítico de Atenas, criado pela deusa da cidade ; a ele são oferecidos cultos em um dos cômodos do Erecteion. Talento: divisão monetária que equivale a 60 minas, ou seja, aproximadamente 26 kilos (na Grécia, as unidades de pesos têm os mesmos nomes que as unidades monetárias). Uma mina vale 100 drácmas (o salário diário médio de um trabalhador no tempo de Péricles é de uma drácma). Plutarco emprega esta expressão para mostrar que os trabalhos de embelezamento de Atenas custaram extremamente caro. Hoplita: nome grego do soldado de infantaria, armando de lança e de escudo. Epíclese: adjetivo anexado ao nome de uma divindade para especificar sua natureza ou função. Reforma do alfabeto sob o arcontado de Euclídes: em 403 a.C, Atenas adota o alfabeto ioniano oriental (milesiano). A partir desta data, distingue-se “o” curto (omicron) do longo (omega) e “e” curto (ipsilon) do longo (êta). Classicismo: período clássico da arte grega, que corresponde, stricto sensu, ao período do grande canteiro de Atenas, que dá nascimento à arte clássica. Exedra: termo que designa seja um monumento, um cômodo provido de bancos, seja uma construção autônoma associando um banco e um muro por trás, freqüentemente com estátuas em cima. É o segundo caso que é ilustrado aqui no santuário de Atena Higéia, na saída dos propileus. Temenos: espaço consagrado a uma divindade. Era, em geral, cercado ou limitado. Como o altar, ele é elemento essencial na constituição do santuário grego, e isso bem antes do templo (que abriga a estátua de culto) e das outras consagrações (arquiteturais ou esculturais). Estratego: na Grécia, um estratego é o comandante de uma unidade militar ou de uma frota. Em Atenas, os estrategos dirigiam algumas armadas, mas desempenhavam, igualmente, um papel político : eles tinham livre acesso ao Conselho e podiam reunir a Assembléia para votar quando dos negócios mais importantes. Os

estrategos são eleitos (geralmente um por tribo, ou seja, dez a partir do fim do século VI), sem limite de reeleição, o que permitiu a Péricles, mas também a Temístocles e Cimon antes dele, manter um forte poder sobre a cidade durante um longo período. Agradecimentos: Nós agradecemos particularmente a Bernard Holtzmann, professor emérito da Universidade de Paris X – Nanterre, que muito nos motivou o interesse pela História e Arqueologia de Atenas e nos ensinou o método a seguir para conduzir uma pesquisa arqueológica minuciosa utilizando fontes antigas. Devemos muito a Pedro Paulo Funari, professor titular da UNICAMP, pelos seus ensinamentos e incentivos constantes. Bibliografia Em francês: P. Briant et P. Lévêque (dir.), Le Monde grec aux temps classiques, tome 1 : le Ve siècle, Paris, PUF, 1995. P. Brulé, Périclès : l'apogée d'Athènes, Paris, Gallimard, 1994. B. Holtzmann, L’Acropole d’Athènes. Monuments, cultes et histoire du sanctuaire d'Athèna Polias, Paris, Picard, 2004 (Collection Antiqua). E. Lévy, La Grèce au Ve siècle. De Clisthène à Socrate, Paris, Éditions du Seuil, 1995 (Collection Nouvelle Histoire de l’Antiquité, vol. 2). Em ingles: A. Raubitschek, Dedications from the Athenian Akropolis, Cambridge (Mass.), 1949 The City Beneath The City, Finds from the excavations for the Metropolitan Railway of Athens, Catalogue de l'exposition du Musée d'Art Cycladique, Athènes, février 2000 – décembre 2001 Legendas das ilustrações Fig. 1: vista geral da Acrópole de Atenas, a partir da colina de Philopappos (©Sophie Montel). Fig. 2: templo de Hefestos, sobre Kolonos Agoraios, colina a oeste da Agora (©Airton Pollini). Fig. 3: Propileus da Acrópole de Atenas, fachada oeste, da cidade – estado dos trabalhos de renovação, em fevereiro de 2003 (©Sophie Montel). Fig. 4: Base da estátua de Atena Higéia (desenho de Cyril Amourette©, a partir de B. Holtzmann,L’Acropole d’Athènes, fig. 164, p. 178). Fig. 5: Santuário de Asclépio, abaixo do muro sul da Acrópole – estado dos trabalhos de restauração no outono de 2002. Milhares de pedaços de mármore foram reunidos aí pelos arqueólogos que procuram atribuí-los a um dos monumentos que compõem o santuário. No primeiro plano, o pórtico a incubação, ordenado contra o rochedo, onde os doentes esperavam que Ascléspio viesse curá-los em sonho durante seu sono (©Sophie Montel). Fig. 6: Imagem de Péricles com capacete do tipo de Corinto. Cópia romana em mármore de um original grego perdido. Encontrada em Lesbos e conservada em Berlim, Antikenmuseen (n° de inventário 1530). O original grego é datado entre 440 e 425 a.C. Uma referência de Plínio (História Natural, XXXIV, 74-75) atribui um busto de Péricles ao escultor Kresilas. Este exemplar é possivelmente uma cópia deste busto citado por Plínio. (©akg-images). Fig 7: Foto da Acrópole, vista do sudoeste (©Sophie Montel). Utilizada como ilustração da chamada de capa do News Letter Historia e-Historia: Novembro de 2005. Fig. 8: Reconstituição da Acrópole de Atenas ao final das obras de reconstrução do século V a.C., Sobre os autores: Sophie Montel - Doutoranda em História e Arqueologia clássica – Universidade de Paris X - Nanterre; membro da equipe italo-francesa de escavação de Poseidonia-Paestum. Email : [email protected] Airton Pollini - Doutorando em História e Arqueologia clássica – Universidade de Paris X - Nanterre; membro da equipe italo-francesa de escavação de Poseidonia-Paestum; Bolsista CNPq. Email :[email protected] Glaydson José da Silva – Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas. Pesquisador do Centro do Pensamento Antigo Clássico, Helenístico e de sua Posteridade Histórica – Unicamp. Email :[email protected]

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