Templo-Monumento de Santa Luzia em Viana do Castelo - Ana Marques

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO

O TEMPLO-MONUMENTO DE SANTA LUZIA EM VIANA DO CASTELO ANA CLÁUDIA LOPES MARQUES

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA ORIENTADA PELO PROFESSOR DOUTOR LUÍS ALEXANDRE RODRIGUES

PORTO 2011

RESUMO: A presente dissertação incide sobre o estudo do Templo-Monumento de Santa Luzia, sobranceiro á cidade de Viana do Castelo. O seu objectivo primário é estabelecer o estado da arte no que concerne ao que se tem escrito sobre o objecto de estudo. Na falta de trabalhos científicos completos sobre o Templo-Monumento, pareceu-nos fundamental reunir a informação que se encontrava dispersa, apoiando-nos sobretudo em fontes e em documentação, enraizando aí a nossa exposição. O primeiro capítulo reflecte essa preocupação. Procuramos fazer uma descrição dos acontecimentos que culminaram na construção do nosso objecto de estudo, que tanta história tem antes de ser levantado. O Templo-Monumento faz parte de um programa de obras que foi implementado no monte de Santa Luzia, tendo em vista a reestruturação do local. No segundo capítulo abordamos o tema do monte sagrado, e de que forma é que o local da implantação do edifício contribui para a sua valorização espiritual, artística e cultural. Fizemos ainda uma reflexão acerca dos conceitos de monumento, identidade, cultura e património, e de que forma é que estes se co-relacionam. No terceiro e último capítulo tratamos o Templo-Monumento como um objecto arquitectónico e, portanto, como a obra de um arquitecto e da época em que este se insere. Quisemos ainda chamar à atenção para outros vultos que, trabalhando na construção do edifício, tiveram a sua quota-parte na configuração do mesmo. Este estudo serve, então, como um compêndio do que já fora escrito, não estando, porém, isento de reflexão e novidade, pretendendo-se assumir como um trabalho-base sobre este tema.

Palavras-chave: Templo-Monumento; Santa Luzia; Sagrado Coração de Jesus; Ventura Terra; Monte Sacro.

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ABSTRACT: The present dissertation focuses on the study of Temple-Monument of Santa Luzia, overlooking the town of Viana do Castelo. Its primary objective is to establish the state of the art in regard to what has been written about the subject of study. In the absence of complete scientific work on the Temple-Monument, it became essential to gather information that was dispersed, supporting us primarily on sources and documentation, entrenching there our exposure. The first chapter reflects this preoccupation. We attempt to describe the events that culminated in the construction of our object of study, which has so much history before being built. The Temple-Monument is part of a construction program that was implemented on the hill of Santa Luzia, in order to restructuring the site. In the second chapter we discuss the theme of the sacred mount, and how the implantation site of the building contributes to its spiritual, artistic, and cultural value. We also made a reflection on the concepts of a monument, identity, culture and heritage, and how they co-relate with each other. On third and final chapter we look at the Temple-Monument as an architectural object, and therefore, as the work of an architect and the time period in which he belongs. We also pretend to draw attention to other figures who, working in the construction of the building, had their share of the setup. This study serves then as a compendium of what is already written and is not, however, free from reflection and newness, intending to assume itself as a working base on this matter.

Keywords: Temple-Monument, Santa Luzia, Sacred Heart of Jesus; Ventura Terra, Monte Sacro.

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AGRADECIMENTOS:

Vários foram os contributos para que este trabalho pudesse ser levado a bom porto, e por todos eles estou grata. Gostaria de dirigir o meu primeiro obrigado ao meu orientador, Professor Doutor Luís Alexandre Rodrigues pela orientação tão preciosa, pelo encorajamento e pela rigidez com que me orientou. Obrigada por ir elevando a fasquia, forçando-me a atingi-la. Uma palavra de apreço a outro docente desta casa, o Professor Doutor Manuel Joaquim Moreira da Rocha, a quem agradeço a dedicação e especialmente o impulso que deu a todo este processo desde o primeiro dia que me debrucei sobre o tema. Sem ele este trabalho poderia nunca ter existido. Professor, o tema ainda não está esgotado. Ao Padre Doutor Armando Rodrigues Dias, à data da nossa investigação, Presidente da Confraria de Santa Luzia, pelo acesso à documentação na posse da Confraria de Santa Luzia, documentação essa indispensável para o sucesso deste trabalho. Ao Sr. Alberto Passos Rocha da Silva, igualmente à data da nossa investigação, Tesoureiro da Confraria de Santa Luzia, pela incessante disponibilidade e simpatia com que sempre me recebeu, aquando as inúmeras horas de consulta ao arquivo da Confraria, bem como a confiança em nós depositada no tratamento e organização da documentação. Á Dra. Isabel Marques, por toda a informação que me foi disponibilizada sobre o arquitecto Ventura Terra com generosidade e simpatia, e pelos «brainstorming» que me ajudaram a compreender o Templo-Monumento. Agradeço à minha família, por todo o apoio dado e pela compreensão e motivação. São a minha rede de segurança, e os alicerces do meu ser. Às minhas amigas Raquel e Andreia, e aos meus amigos João e Francisco, pela paciência, pela força e pelo ânimo que nunca permitiram que faltasse, mostrando entusiasmo a cada passo dado. Um especial obrigado à Mariana, companheira de trabalho no longo desfilar de horas que se traduziu numa viagem a duas. Por último, gostaria de deixar o derradeiro agradecimento a todos os vianenses que, de alguma forma, deram o seu contributo para este trabalho. __________________________________________________________________________

Para os meus Avós, os melhores que poderia pedir.

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“ Quem abala de Viana, Leva no peito Agonia… O Lima, a correr no sangue, Nos olhos, Santa Luzia! ”

Maria Emília de Vasconcelos

SUMÁRIO

PÁG.

RESUMO/ABSTRACT

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AGRADECIMENTOS

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

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JUSTIFICAÇÃO DO TEMA

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PROBLEMÁTICA E OBJECTIVOS

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METODOLOGIA DE TRABALHO

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CAPÍTULO I: UM OBRA DE VIANA PARA VIANA – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

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A ANTIGA CAPELA

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A TOMADA DE POSSE PELA CONFRARIA

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A ESTRADA

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A COMISSÃO DE MELHORAMENTOS DO MONTE DE SANTA LUZIA

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A ESTÁTUA AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

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O INÍCIO DAS OBRAS

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HOTEL

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A PEREGRINAÇÃO ANUAL

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CAPÍTULO II. O SACRO-MONTE

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CAPÍTULO III: DECOMPOSIÇÃO DA OBRA

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VENTURA TERRA

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REFERÊNCIA: SACRÉ-COEUR

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DECOMPOSIÇÃO DA OBRA

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MIGUEL NOGUEIRA

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EMÍDIO LIMA

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CONCLUSÃO

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BIBLIOGRAFIA

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ANEXOS FOTOGRÁFICOS

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INTRODUÇÃO

JUSTIFICAÇÃO DO TEMA O Templo-Monumento de Santa Luzia em Viana do Castelo é um testemunho da fé e da persistência de um povo, que durante longos anos se dedicou a erguer um monumento que representasse a devoção por duas entidades – Santa Luzia e o Sagrado Coração de Jesus – não deixando que as dificuldades o desviassem do seu propósito. Hoje, o Templo-Monumento que se ergue no alto do monte de Santa Luzia parece que nos diz que se sente orgulhoso do seu povo e das provações que passaram para o erguer, dominando a paisagem da cidade como se a sua localização lhe permitisse proteger a cidade que tem a seus pés, olhando e zelando por ela como um vigilante que nunca dorme. Assim, e se a sua natureza o permitisse, o Templo certamente nos diria que não tem apenas orgulho em si próprio pela sua magnificência e esplendorosa beleza, admirável a quilómetros de distância, mas também da cidade que o construiu. Quando primeiro tomamos contacto com este tema, não foi sem alguma surpresa que constatamos a inexistência de um trabalho científico e completo sobre este monumento. A pergunta que se impunha era o porquê de ainda ninguém se ter dedicado a investigar de forma completa e metodológica este edifício que, apesar de apenas recentemente ter sido concluído, habita há muito mais tempo no coração de uma região, assumindo-se como ex-líbris da cidade de Viana do Castelo e ocupando um lugar privilegiado no imaginário do Minho. De tal forma é, que dificilmente criamos uma concepção mental de Viana sem que a imagem de Santa Luzia se imponha com toda a veemência, reclamando a sua função icónica e emblemática. Assim, acrescentando-lhe o carinho especial que já ocupava no coração de uma portuense, pareceu-nos apenas lógico e merecido que esse trabalho se realizasse o quanto antes. Esta dissertação pretende ser uma abordagem primordial do tema, dando a conhecer aquilo que se tem escrito, desmistificando muitos erros e preenchendo lacunas que observamos no decorrer da nossa investigação, dando um primeiro passo para a compreensão deste edifício. Queremos desvendar a história por trás da sua construção, chamar à plateia as figuras que merecem ser ovacionadas pela importância que tiveram neste processo, situar o edifício no contexto da história da arquitectura e da arte portuguesa, e

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assegurar-nos que o seu significado vai muito mais além de aquilo que é tangível. Queremos sobretudo que esta obra tenha um lugar cativo na historiografia da arte portuguesa, assim como o tem no coração dos vianenses. E que daqui partam muitos outros trabalhos, para que o Templo-Monumento seja cada vez mais bem entendido e profundamente valorizado. 8

PROBLEMÁTICA E OBJECTIVOS Este trabalho pretende ser, acima de tudo, um ponto de partida para o estudo do Templo-Monumento de Santa Luzia. Para tal, propusemo-nos a fazer uma recolha do que fora escrito até à data sobre o tema, para avaliar o estado da arte, uma vez que não encontramos nenhum suporte que nos informasse sobre o nosso objecto de estudo aliando a exposição plena do tema com a fundamentação dessa exposição. Com isto queremos dizer que os vários artigos encontrados em revistas, publicações ou outra documentação, apesar de precisarem o local da recolha da informação, não faziam uma análise extensa o suficiente do tema. Por outro lado, o volume que retrata a história e construção do Templo-Monumento de forma mais completa – referimo-nos a A Montanha Dourada de Maria Augusta Eça de Alpium – carece de fontes bibliográficas, e portanto, de confirmação dos factos que narra. Assim, propusemo-nos a reunir todos os artigos escritos, bem como outros trabalhos que, mais ou menos fundamentados, servissem de base à nossa monografia. Depois de reunida a informação, fomos procurar outro tipo de registos, nomeadamente fontes, ao arquivo da Confraria de Santa Luzia, que detém um espólio documental significativo, coetâneo da construção do Templo-Monumento. Com esta documentação foi-nos possível confirmar, corrigir e acrescentar dados, para que se torne mais fácil ao futuro investigador ter um ponto de partida sólido para alargar este tema, que sem dúvida merece toda a atenção e empenho. Este trabalho é ainda uma visão pessoal, na medida em que acrescentamos tópicos ao objecto de estudo que consideramos serem fundamentais para a compreensão do mesmo. Certamente que o futuro investigador terá a sua visão pessoal, e será a reunião de diferentes formas de ver o tema que o tornará mais rico e completo. No primeiro capítulo iremos analisar a conjuntura que teve como consequência a edificação do nosso objecto de estudo. Este ponto é necessariamente sujeito a uma observação detalhada dado que o Templo-Monumento faz parte de um conjunto de melhoramentos implementados no monte de Santa Luzia em finais do século XIX. Será esta renovação, e os nomes de figuras que lhe estão associados, que justificarão a sua construção. Dentro deste âmbito, referimos os organismos que estiveram na génese deste processo. A Confraria de Santa Luzia, e o seu fundador, Luís de Andrade e Sousa, são referências incontornáveis pela sua importância e actuação junto do objecto de

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estudo, assumindo-se como elementos catalisadores do conjunto de obras que se realizaram naquele espaço. A Comissão de Melhoramentos do Monte de Santa Luzia virá coadjuvar a Confraria, adquirindo um papel tão crucial como esta, estando a seu cargo muitos dos aspectos práticos dos investimentos realizados por ambos os organismos. É através da Comissão de Melhoramentos que Ventura Terra será incumbido de realizar um projecto que correspondesse ao desenvolvimento do local de Santa Luzia e que se assumisse como um símbolo de fé, ao mesmo tempo que se assumisse como um marco urbanístico que revitalizaria a paisagem do monte e da cidade de Viana do Castelo. Dada a parca documentação, faremos ainda uma chamada de atenção para a pequena ermida que se erguia no monte, tentando recuperar, na medida do possível, a imagem da sua configuração antes de ser demolida em 1926. Queremos sobretudo compreender de que forma é que o monte de Santa Luzia era vivenciado antes, durante e depois da actuação dos organismos que vieram alterar por completo a paisagem daquele local. No segundo capítulo iremos abordar o tema do sacro-monte e a forma como este se relaciona com o nosso objecto de estudo. Procuraremos fundamentar a ideia que este tipo de localização é vital para a compreensão do edifício que nele se insere, atribuindolhe características que o irão tornar detentor de um aglomerado de significados inerentes ao ambiente de que faz parte. Vamos observar o edifício não como um elemento isolado, mas inserido numa paisagem que tem os seus próprios significados e conteúdos. Neste contexto, observaremos o Templo-Monumento como parte integrante de um conjunto de elementos que atribuem ao local de Santa Luzia uma identidade muito própria; o edifício deixa de ser visto de forma individual, para ser observado num contexto colectivo. Encetaremos ainda a busca pelos significados que ele colhe, viajando pelo seu papel enquanto património artístico, enquanto agente da memória, enquanto manifestação de cultura e marco da identidade. O terceiro e último capítulo será dedicado aos vultos que tiveram um papel preponderante na execução do Templo-Monumento. Ventura Terra, ao riscar o projecto vai fazer nascer um edifício que é produto da sua aprendizagem beauxarista e da sua visão prática de conceber a arquitectura. Miguel Nogueira terá a tarefa de se certificar que, na ausência do seu mestre, a obra é erguida segundo os seus desígnios, cumprindose, dentro do possível, o projecto de Ventura Terra. Emídio Lima, enquanto mestrecanteiro, assumir-se-á como o braço direito de Miguel Nogueira, assumindo a direcção

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das obras até à sua conclusão. Por último, faremos uma decomposição da obra, examinando as suas componentes particulares e gerais, encerrando assim a análise do Templo-Monumento.

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METODOLOGIA DE TRABALHO Para a realização desta dissertação nos parâmetros que definimos foi necessária uma intensa investigação que fizesse o levantamento da maior parte dos registos que encontramos sobre o tema. Seguidamente, fomos compelidas a seleccionar os temas que considerávamos imprescindíveis para a correcta análise da obra, tarefa que não se revelou fácil dada a multiplicidade de assuntos que se prendem com o objecto de estudo. Assim, fomos forçadas a excluir determinados tópicos e a abreviar outros que, apesar de relevantes, não se impuseram como fundamentais para a exposição que pretendíamos fazer. O que aqui apresentamos é a nossa visão do tema, esperamos que se constitua como uma base sólida para qualquer leitor ou investigador que decida debruçar-se sobre este assunto. Este trabalho, no que concerne à exposição dos factos que levaram á construção do Templo-Monumento, e sempre que possível nas outras temáticas, teve como suporte as fontes coetâneas que nos permitissem ter uma visão clara e inequívoca dos factos e acontecimentos que iam tendo lugar. Contudo, nem sempre nos foi possível ter acesso a tal documentação, o que dificultou de sobremaneira o objectivo de sermos tão exactas quanto possível. Aquando essas falhas, escolhemos outros registos que nos parecessem críveis ou, em ultimo caso, que nos permitissem ter uma ideia e lançassem hipóteses que mais tarde possam ser confirmadas. O espólio documental do arquivo de Santa Luzia, com particular incidência para os livros de actas revelaram-se um manancial precioso de informação para o desenvolvimento do nosso estudo. Contudo, o desaparecimento do segundo livro de actas da Confraria, correspondente aos anos 1900-1938, do arquivo é uma lacuna documental importante – este período abrange o início da construção do TemploMonumento e a sua evolução construtiva até 1910, tendo as obras cessado pela ocasião da Implantação da República e a consequente Lei da separação da Igreja do Estado - e o seu recomeçar em 1926. Sendo as actas da confraria a fonte a que atribuímos mais relevância, por relatarem as acções da confraria – o organismo principal que tutelava o Templo-Monumento e o local de Santa Luzia – em primeira mão, a sua falta teve consequências contraproducentes na nossa investigação. Por outro lado, a Comissão de Melhoramentos do Monte de Santa Luzia, um organismo criado em 1893 para coadjuvar a Confraria, teve um papel importantíssimo

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antes e durante a construção do Templo-Monumento. A ela se devem realizações fundamentais como a encomenda da estátua do Sagrado Coração de Jesus a Aleixo Queiroz Ribeiro e a contratação de Ventura Terra para executar o projecto do TemploMonumento. Como organismo independente que foi, possuía os seus próprios membros, funções, registos e actas. Contudo, tivemos acesso a uma escassa parte do espólio documental da comissão, que se encontra no arquivo da confraria. Procurámos a restante documentação noutros locais como o Arquivo Distrital e o Arquivo Municipal, mas não achamos qualquer referência a esta comissão, nem à sua documentação. A própria mesa da Confraria de Santa Luzia, em vigor na época da nossa investigação, sabia da sua existência. Sabemos que ela existiu sobretudo pela menção em actas da Confraria, artigos publicados no Jornal de Santa Luzia e no periódico A Aurora do Lima; encontrámos igualmente uns rascunhos de actas da comissão, em mau estado de conservação, e recibos de pagamentos de material pagos pela mesma – este tipo de documentação pouco nos foi útil para traçar um perfil deste organismo, e quais foram as suas competências e que papel teve na construção do Templo-Monumento. Mas, sobretudo, lamentamos não ter acesso ao seu espólio documental por sabermos que este traria à luz do dia dados importantes para a história do lugar de Santa Luzia, concretamente em assuntos que terão sido da competência desta comissão, como a encomenda da estátua a Aleixo Queiroz Ribeiro, e os termos da sua aquisição, e como se chegou ao arquitecto Ventura Terra por entre tantos outros arquitectos nacionais, se é que mais algum arquitecto foi consultado, e que relação existiu entre este e a Comissão, e de que forma orientou as obras no Templo-Monumento. Estas e muitas outras questões, sobretudo as que se referem á evolução construtiva do edifício, permanecem uma incógnita. Outro suporte onde baseamos a nossa exposição foi a consulta do periódico Santa Luzia, dirigido pela própria Confraria; o primeiro número foi lançado a 1 de Março de 1926, com a intenção de dar a conhecer e ajudar a construir o TemploMonumento, através da constante solicitação de donativos ou qualquer outro tipo de trabalho ou material. A quantidade e a variedade de artigos é imensa, constituindo-se como um excelente manancial para a recolha de informação, ainda que por vezes esta possa não ser tão exacta como gostaríamos.

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CAPÍTULO I:

UMA OBRA DE VIANA, PARA VIANA – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

É sabido que o espaço ocupado pelo território português conhece actividade humana desde muito cedo e, à medida que o processo de instalação se desenvolvia, os pontos altos sempre foram locais favoráveis para as populações se fixarem. Isto deve-se ao facto de esses locais reunirem um conjunto de vantagens e significados, tanto em termos estratégicos, permitindo uma melhor organização e defesa, como em termos espirituais ou religiosos, procurando-se uma maior proximidade entre o terreno e o divino. O monte de Santa Luzia é apenas mais um dos inúmeros exemplos, apresentando indícios de ocupação pelo menos desde a Idade do Bronze, sendo sujeito desde então a um contínuo povoamento, como testemunham as ruínas da Citânia de Santa Luzia 1. Por volta do século III a.C., os Turdetanos, um povo da Hispânia Bética, destruíram a aldeia de Calpe, um pequeno burgo portuário situado na foz do rio Lima. Os seus habitantes ergueram então um novo povoado grego-íbero-celta no alto do monte de Santa Luzia que floresceu, diz a lenda, sob o nome de Viana, hoje conhecida como “Cidade Velha” – assim apelidada pela população vianense por se considerar que este castro é o antecessor da actual cidade; esta povoação foi, em 136 a.C., denominada de Britónia ou Brutónia, em honra do seu conquistador, o Cônsul romano Decimus Junius Brutus. Este povoado certamente teve os seus deuses e ritos próprios, que mais tarde viriam a sofrer alterações com a disseminação cristã. António Carvalho da Costa na sua Corographia portugueza, nos inícios do século XVIII, refere-nos já a existência de “hum alto monte para a parte do Norte, onde hoje está a Ermida de Santa Luzia”2; as Memórias Paroquiais de 1758 parecem corroborar a sua presença “na raiz do monte, a que se tem dado o nome de Santa Luzia, porque no alto delle esta situada e edificada huma ermida desta glorioza santta”3 Vários registos referem a existência, durante a Idade Média, de uma pequena capela 1

Segundo Carlos Alberto Brochado de Almeida, o Castro de Santa Luzia apresenta-nos reminiscências de uma povoação da Idade do Ferro, sugerindo ocupação entre o século V e o IV a.C., até finais do Baixo Império Romano, ou seja, entre o séc. III e V. O aglomerado habitacional apresenta habitações que compreendem períodos temporais distintos, o que indica uma prolongada ocupação; os tipos de construção das habitações e a cerâmica encontrada no local corroboram esta afirmação. 2 COSTA, António Carvalho da - Corographia portugueza, e descripção topographica do famoso Reino de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas, & lugares, que contém; varões illustres, genealogias das familias nobres, fundações de conventos, catalogos dos bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edificios & outras curiosas observações [on-line]. Disponível em: p. 207 3 CAPELA, José Viriato – As freguesias do distrito de Viana do Castelo nas Memórias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memória História e Património. Braga: Casa Museu de Monção/Universidade do Minho, 2005.

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cristã dedicada a Santa Águeda do Monte, que foi reconstruída em 1664, conforme diz a inscrição gravada na imposta do púlpito4 – peça que hoje se encontra no Núcleo Museológico do Templo5. No seguimento do que foi referido anteriormente acerca da preferência de locais elevados, Carlos Alberto Ferreira de Almeida acrescenta que “a escolha dos montes sobranceiros (…) para a implantação de capelas resulta também de crenças, segundo as quais essas ermidas (…) protegiam os campos e as povoações.”6 Em 1712 a capela sofreu uma ampliação e foi consagrada a Nossa Senhora da Abadia, sendo-lhe adicionado um altar lateral dedicado a Santa Luzia, a virgem-mártir protectora da visão. O culto a Santa Luzia cresce significativamente a partir desta época, tanto que, depois destas obras, os devotos de Santa Luzia mudaram a sua imagem para o altar-mor e deram o seu nome à capela. Apesar da intensificação do culto, a Paróquia de Santa Maria Maior, administradora da capela desde 1836, descura completamente o culto e qualquer melhoramento na capela ou nas vias de acesso, limitando-se a recolher as esmolas7. Em cerca de 1882, o Capitão de Cavalaria Luís de Andrade e Sousa8, sofrendo de problemas oftalmológicos desde a infância, abandona o exército em Lisboa e regressa a Viana, a sua cidade natal. Começa a frequentar a pequena ermida, onde chegava através de um trilho de mato, e a prestar devoção a Santa Luzia, inclusive mandando lá celebrar missas. A sua dedicação e fé tornaram-no num dos mais notáveis devotos do culto, e o catalisador de todo um processo que culminará na construção da obra em análise. Verificando melhorias no seu estado, podendo, como dizem vários autores, apreciar a beleza da paisagem em redor, dedicou-se a tornar a ermida num local mais conhecido e acessível. Para tal, recorreu a António Alberto da Rocha Páris e Manuel Joaquim Gonçalves de Araújo, seus amigos pessoais, que se dinamizaram na constituição da Confraria de Santa Luzia, compelidos por motivações de carácter religioso e de zelo.

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Santa Luzia, nº429, Novembro de 2008, p.53. O Núcleo Museológico do Templo-Monumento encontra-se no rés-do-chão da sacristia, e é composto por algumas peças relevantes para a história do edifício. 6 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Religiosidade popular e ermidas in Estudos Contemporâneos, dir. de Joaquim Azevedo. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Porto, p. 79 e 80. 7 Santa Luzia, nº429, Novembro de 2008, p.54. 8 Luís de Andrade e Sousa nasceu em Viana do Castelo em 1840. Em Lisboa foi Capitão de Cavalaria, regressando a Viana quando a oftalmia que sofria desde criança se agravou. Foi ainda Governador Civil de Viana e também tenor, convidado por D. Luís para cantar um Sarau do Paço. Foi o fundador e primeiro presidente da Confraria de Santa Luzia. Morre a 16 de Abril de 1904, no Porto. 5

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Assim, apesar de a Confraria ainda não se encontrar oficialmente constituída, apresentam à Junta da Paróquia de Santa Maria Maior, a 20 de Janeiro de 1884, um requerimento para a cessão da capela à Confraria, declarando os motivos para sua constituição: “Ill.mos Snr. es Presidente e vogaes da Junta da Parochia da Freguezia de S.ta Maria Maior. = Os abaixo assignados, moradores n’esta cidade de Vianna, e devotos sinceros da milagrosa Santa Luzia, que se venera na sua capella, erecta no cimo do monte d’esta denominação, sabendo que a administração da referida capella só traz encargos para essa corporação, a cujo cargo está, resolveram constituir uma confraria com o fim, não só de prestar o devido culto á milagrosa advogada contra as doenças dos olhos, como de melhorar, quanto possivel, a respectiva capella: aformosear o local em que se acha erecta, e tornar facil o accesso á mesma, por meio de uma estrada; mas antes de submetter á approvação do Exe.mo Governador Civil, os Estatutos porque ella tem de reger-se, julgaram conveniente sollicitar d’essa Junta da Parochia a cedencia de tal administração, que confiam lhes será feita, em vista do que fica ponderado, e por isso = Pedem a V. E.as se dignem assim deferir-lhes = E.R.M.de = Vianna do Castello, 20 de Janeiro de 1884”.9 Este requerimento encontrava-se subscrito por 137 assinaturas. O pedido foi imediatamente deferido, conforme registado em acta da Junta da Paróquia a 24 de Janeiro, e o presidente da mesma, António da Silva S. Miguel, declara ter encontrado o maior apoio para a realização desta ideia, não só da parte da autoridade administrativa, como também de todos os membros que compunham a Comissão Executiva. O periódico A Aurora do Lima dá notícia deste acontecimento: “Com o fim de prestar o devido culto á milagrosa Santa Luzia que se venera na sua capella erecta no cimo do monte d’esta denominação, que fica sobranceiro a esta cidade, e no proposito de promover o melhoramento da referida capella e do local que a circuita, d’onde se disfructa um panorama cheio de bellezas e tornar fácil o accesso áquella eminencia por meio da construcção de uma estrada, projectam alguns cavalheiros a constituição de uma confraria. Esta ideia foi bem recebida, e tem merecido a adhesão de um grande numero de pessoas”10. Seguiu-se a redacção e aprovação por alvará, a 18 de Fevereiro, dos Estatutos da Confraria, elaborados por João José de Carvalho, que será considerado Irmão Remido pela sua colaboração na constituição da Confraria. A primeira acta da Confraria, datada de 23 de Fevereiro de 1884, tem como intuito a 9

ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 7 A Aurora do Lima, 30 de Janeiro de 1884, p.2.

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instalação definitiva da mesma, lendo-se os estatutos, definindo os seus propósitos “de melhorar o local que circuita a sua capella, e que [Luís de Andrade e Sousa] esperava a cooperação de todos os cavalheiros presentes, para este emprehendimento, que visava tão util e importante fim, tornando de facil acesso aquelle sitio, que constituia um dos melhores passeios d’esta cidade, e o mais excellente ponto de vista d’estes arredores”11 e elegendo-se a Mesa por votação; Luís de Andrade e Sousa convida para escrutinadores D.or Luís Augusto d’Amorim e Júlio Geraldes, procedendo-se à eleição que estabelece que o lugar de Presidente será ocupado por Luís de Andrade e Sousa, o de Secretário por Luís de Figueiredo da Guerra, o de Tesoureiro por José da Cunha Guedes de Brito, e o de Vogais por António Pinto de Araújo Correia, Dr. José Alfredo da Câmara Lemos, João Coelho de Castro Villasboas, e Manuel Joaquim Gonçalves de Araújo. Na acta da Junta da Paróquia de Santa Maria Maior datada de 3 de Março, está assinalada a cedência das alfaias e das chaves da capela à Confraria. Esta acta refere ainda um inventário feito a 11 de Fevereiro de 1878 dos objectos pertencentes à capela de Santa Luzia; estes objectos estavam guardados num armário, e para melhor identificação foram avaliados pelo vogal da Junta António José Fernandes d’ Araújo, e registados num inventário que era o seguinte: “Um terno incompleto, no valor de: ............................................................................................ .… 9$000

Um panno de lã para altar, no valor de: .................................................................................... .………40 Um frontal usado, de seda, no valor de: ..................................................................................... .…… 300 Um frontal usado, de lã, no valor de: ........................................................................................ .…….240 Um manto usado, de seda, no valor de: .......................................................................................... 1$000 Um dito dito aberto, no valor de:…………………………………………………………… .................. .. 300 Um dito dito azul, no valor de: ....................................................................................................... .. 100 Um dito dito verde, no valor de: ..................................................................................................... .. 100 Um dito dito vermelho, no valor de: .............................................................................................. .. 100 Trez alvas sem cordões, no valor de: .............................................................................................. 4$5000 Trez toalhas de altar, no valor de: .................................................................................................. . 500 Trez camisas pequenas, no valor de: ............................................................................................. 100 Quatro manistergios, no valor de: ................................................................................................. 200 Dous pares de corporaes completos, no valor de: .......................................................................... 400 Dous missaes usados, no valor de: ................................................................................................. 100 11

ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 7

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Um veo vermelho, no valor de: ....................................................................................................... 120 Trez arcos d’armação de paninho, no valor de: ...............................................................1$000 Duas pernas de damasco vermelho, no valor de: .................................................................300 Um armario velho de carvalho, no valor de:...................................................................... 300 ______________________________________________________________________________________ 19

Objectos de prata

Uma palma, com pezo de grammas: .................................................................................... 60 Um calice, patena e colher, com pezo de grammas:........................................................... 450 Uma corôa grande sem pedras: ........................................................................................ 170 Uma dita com pedras, com pezo de grammas: .................................................................. 188 Um dita pequena com pezo de grammas: ......................................................................... 158 Um resplendor grande, com peso de grammas: ............................................................... 100 Um dito pequeno com pedras, com pezo de grammas: ...................................................... 40 Um dito dito com pedras, com pezo de grammas............................................................... 15 Cento e vinte olhos, digo cento e vinte e um olhos de prata baixa, com pezo de grammas:... 108___ 1, 289 Sommam mil duzentos e oitenta nove grammas. ______________________________________________________________________________________ Objectos sem valor

Uma estola vermelha Um manto velho verde Um dito cinzento Um amito Um missal pequeno Quatro bolsas de corpoares Duas palhas pequenas Um par de galhetas de estanho, sem prata

Foram tambem entregues as chaves das portas da capella, peteiros e armario, tendo-se verificado que na capella existiam, além das imagens e banquetas, os seguintes objectos relacionados: Sete toalhas brancas d’altar Uma dita vermelha

Duas ditas de chita

Todas no valor de: ...................................... 1$500

Uma pedra d’ara nova comprada em 1848 Duas galhetas de louça Duas canecas para agua Um copo de vidro, e prato Trez pratos para esmolas Uma estante d’altar Um banco de palhinha Dous ditos grandes de madeira e Trez arcos de madeira para armação”

A ANTIGA CAPELA A tarefa de tentar descrever a primitiva capela de Santa Luzia é algo delicado e complexo, por haver pouca documentação escrita e fotográfica12 clara o suficiente que permita fazer uma reconstituição plena de como ela seria, e por remanescerem escassas peças após a sua demolição. Contudo, podemos assinalar algumas características recolhidas da documentação analisada, bem como dos objectos do acervo do Templo para, pelo menos, nos ser possível uma aproximação ao que existiu. Sabemos que a capela medieval inicialmente dedicada a Santa Águeda foi reconstruída em 1664 – conforme a inscrição gravada na imposta do púlpito que se encontra no acervo – certamente eliminando a maior parte dos vestígios da arquitectura daquela época. Em 1712 “uma comissão composta de Juíz e Mordomos, que se intitulava de Nossa Senhora da Abadia”13 reedificou a capela; esta sofreu uma ampliação com o acrescento da capela-mor e da sacristia, mudando-se o orago para a Senhora da Abadia – existindo um bloco de pedra, possivelmente um dintel14, cuja inscrição nos remete para esta dedicação15 – e foi-lhe adicionado um altar lateral dedicado a Santa Luzia, “guarnecendo-se o arco cruzeiro de azulejos policrómicos”16.

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A documentação recolhida sobre a capela resume-se a escassas referências dispersas em artigos variados, e sobretudo algumas fotografias do exterior da mesma quando o Templo-Monumento já se encontrava em construção. Parece-nos que a pequena ermida não teve o destaque suficiente para ter sido feita uma análise mais completa antes da sua demolição. 13 Santa Luzia nº4, pág. 4. 14 Santa Luzia, nº429, Novembro de 2008, p.53. 15 “ESTA CAPELLA E. S. CH R / ISTA HE DE N. S. DABADIA” in COSTA, Domingos de Jesus Sá Pires – Templo de Santa Luzia. Braga: Instituto Superior de Teologia, 1981. p.8. 16 Santa Luzia, nº 4, 1 de Junho de 1926, p. 4.

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Com o crescimento do culto à advogada da vista, os devotos mudaram a sua imagem para o altar-mor, passando esta a ser a padroeira. A capela seria de modestas dimensões e pobre de risco, de planta longitudinal com nave única, e com a imagem de Santa Luzia inserida num retábulo na capela-mor. Este retábulo possivelmente acolheria ainda as imagens da Senhora da Abadia, da Nossa Senhora da Conceição e do Senhor da Cana Verde.17 Na parede oposta à capela-mor, anteriormente à tomada de posse pela Confraria, estaria um altar com uma representação de Santa Águeda (a documentação não clarifica se se tratava de uma pintura ou de uma escultura) que, tendo desaparecido, fora mandada construir uma imagem para a substituir18; isto levanta-nos uma questão: se o altar de Santa Águeda estava colocado em frente ao de Santa Luzia, ou se achava junto à porta, na mesma parede, ou a porta seria lateral, uma hipótese pouco provável dado que não se tratava de um convento feminino. Contudo, dado que não existe documentação que nos esclareça, faz todo o sentido colocar todas as hipóteses possíveis dentro deste cenário. A capela, no seu interior, seria total ou parcialmente forrada por azulejaria, que seria de excelente qualidade19, havendo reminiscências dessa cobertura no acervo do Templo. Esses azulejos, que tivemos oportunidade de analisar, são pintados sobre um fundo branco, em tons de azul, amarelo e vermelho escuro com motivos florais e animais; existem ainda dois painéis de 90x60cm representando S. Paulo e S. Pedro, datados do ano de 1701, que estariam colocados dos lados do arco cruzeiro, conforme nos diz a mesma fonte. A capela teria ainda um anexo com uma cozinha, embora não a saibamos situar, conforme nos diz uma acta que descreve um assalto efectuado à capela: “…quando o servo foi abrir a capela encontrou as portas interiores arrombadas, e aberta a da cozinha…”20. Mais tarde, a Confraria de Santa Luzia fez-lhe uns acrescentos, tendo em vista o acolhimento dos fiéis.

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Na acta da sessão de 20 de Janeiro de 1886 podemos ler o seguinte: “Foi lida uma petição assignada por João Esteves da Silva, e outros devotos, datada de 13 do corrente, em que sollicitão da meza authorisação para mandarem encarnar as imagens da Snr.ª d’Abbadia, Nossa Senhora da Conceição, e Senhor da Cana Verde, que se acham collocadas no Altar Mór da capella de S. ta Luzia…” - ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 36 18 “…tendo varias pessoas deixado esmolas para S.ta Agueda, allegando que existia ali no altar fronteiro ao de S.ta Luzia, e não a tendo a meza recebido da junta de parochia, soube que havia na sachristia um retabulo em que aquella Sancta estava pintada. […] Em vista, pois, da devoção que notava por aquella Sancta parecia-lhe conveniente mandar fazer uma imagem para sêr collocada na capella, ao que a meza annuiu authorizando o Snr. presidente a mandal-a fazer.” 19 “lindos, luminosos e raríssimos – únicos talvez em todo o país” - ARAUJO, José Rosa de – “Uns azulejos preciosos” em Santa Luzia nº 22, 1942. 20 ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 53

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A TOMADA DE POSSE PELA CONFRARIA A Confraria toma efectivamente posse a 19 de Março de 1884, mandando celebrar missa no altar lateral da padroeira, celebrada gratuitamente em espírito de fé pelo Rev.o Capelão de Infantaria nº3, António Augusto Teixeira que mais tarde seria considerado Irmão Remido pelo gesto; considerou também Irmãos Remidos, desde que pagassem a jóia prevista, todos aqueles que assinaram os estatutos e o requerimento à Junta da Paróquia de Santa Maria Maior de 20 de Janeiro; decidiu-se ainda que, para todos os efeitos, aquela fosse considerada a data inaugural da Confraria. O passo seguinte seria a demarcação dos terrenos pertencentes à Confraria de Santa Luzia dos territórios pertencentes à Junta da Paróquia de Santa Maria Maior e também dos terrenos da Junta da Paróquia da Areosa. Este tornou-se um processo algo moroso e difícil, dado que foram feitas algumas demarcações, a primeira a 8 de Maio do mesmo ano, mas a total exactidão da medição dos terrenos nunca foi determinada, arrastando-se a questão até à actualidade.

A ESTRADA Ainda assim, a preocupação e a necessidade de uma estrada que tornasse a capela mais acessível, um dos primordiais intuitos da Confraria, continuou a ganhar força e em Julho, Luís de Andrade e Sousa, aproveitando a visita do arquitecto e arqueólogo João Possidónio Narciso da Silva – altamente reconhecido no Ministério das Obras Públicas, fundador e presidente da Real Associação dos Arqueólogos Portugueses e da Comissão dos Monumentos Nacionais – à Citânia de Santa Luzia, solicita-lhe apoio junto do órgão onde era tão influente relativamente a essa questão dado que “sendo dispendioso aquelle trabalho, e não podendo a Confraria dispôr dos meios precisos para occorrer a elle, se via na necessidade de addiar para mais tarde a realisação d’uma obra, que a seu vêr era a principal”21. Assim, pouco depois, o Ministério das Obras Públicas dá ordem à Direcção das Obras Públicas de Viana do Castelo para se proceder ao levantamento da planta das ruínas da Citânia bem como estudo de uma estrada que lhes desse fácil acesso. Sendo que o intento da futura estrada, segundo o Ministério das Obras Públicas, seria de ligar a cidade às ruínas da Citânia;

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ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 18

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isto convinha à Confraria porque indubitavelmente passaria perto da capela, servindo assim o seu propósito.22 Pela solicitação e pelos esforços empreendidos para a realização da estrada, Joaquim Possidónio Narciso da Silva é considerado Irmão Distinto. O traçado da estrada foi desenhado por José da Silva Dias, empregado técnico da Direcção das Obras Públicas de Viana do Castelo, sendo enviado para o Ministério das Obras Públicas o projecto definitivo a 21 de Junho de 1887. Nesta repartição era vogal da Junta Consultiva Manuel Afonso de Espregueira, que apresentou e apressou o processo para a sua aprovação, tendo sido oficialmente autorizado no ano seguinte. Pela sua prestação, também a Manuel Afonso de Espregueira foi atribuído o título de Irmão distinto pela Confraria, assim como a Ernesto Júlio Goes Pinto, director das Obras Públicas de Viana do Castelo por ter conseguido que a estrada fosse classificada como distrital, e a José da Silva Dias, o título de Irmão remido. A empreitada, cuja base de licitação era de 13.400$000 foi arrematada em 25 de Abril de 1889 pela Empresa Construtora de Estradas no Minho. As obras tiveram início a 13 de Maio do mesmo ano sob a responsabilidade do empreiteiro Francisco Gonçalves Carvalhinhos, de Covas, procedendo-se à inauguração solene da estrada com cerca de 4200 metros até à capela a 17 de Agosto de 1890. A imprensa local divulgou este acontecimento que foi acorrido de muita gente, ou não fosse ele um importante melhoramento para a cidade de Viana do Castelo. A estrada foi classificada oficialmente como ramal nº4 da estrada real. Cumpriu-se assim um dos principais propósitos iniciais da Confraria de Santa Luzia, sendo o primeiro de muitos melhoramentos no local.23 Paralelamente, a Confraria não poupou esforços em fazer melhoramentos na capela, contando com a ajuda da população que, em vários momentos, se mobilizou nesse sentido com donativos, ofertas de alfaias e demais objectos, e também com a própria mão-de-obra e materiais. A estes juntaram-se algumas personalidades que, pelas suas posses, ou influências, contribuíram em larga escala para o plano de melhoramentos; referimo-nos a pessoas como António Tomás Quartin24 que concorreu 22

Na sessão de 12 de Julho de 1885, a mesa da Confraria refere o seguinte: “…a estrada que vae estudarse não é propriamente para serviço da capela, é, fora de duvida, de incontestavel vantagem para a Confraria, porque achando-se as ruinas ao norte da capela, e n’um plano mais elevado, forçosamente a estrada tem de passar, senão junto, ao menos no mesmo plano, e não muito distante desta, tornando-se facilima e pouco dispendiosa a ligação”. ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 29 23 Aurora do Lima, 14-03-2002. 24 Antonio Tomás Quartin nasceu em Viana do Castelo em 1858; viveu no Brasil durante muitos anos, desempenhando cargos públicos como vereador do Rio de Janeiro.

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com donativos de subscritores no Brasil, e Domingos José de Moraes 25, que se tornou um benemérito importantíssimo, enviando regulares quantias de dinheiro para custear as obras. No livro de actas de 1884-1900 estão referidos vários nomes de particulares e de comissões de populares, frequentemente impelidos por índole religiosa, muitos em cumprimento de votos realizados à padroeira. Estas comissões pontuais organizavam procissões à capela com a autorização da Confraria mas sem a intervenção da mesma, convidando-a a assistir ao evento e remetendo-lhe as esmolas e demais doações resultantes da procissão como donativo, promovendo assim o culto a Santa Luzia. Assim, podemos salientar que, tendo a Confraria dado um grande impulso ao culto de Santa Luzia, logo a população aderiu à iniciativa, dela participando e colaborando na medida das suas possibilidades para o engrandecimento desta empresa. Neste mesmo sentido, foi apresentado à mesa da Confraria, na sessão de 20 de Janeiro de 1885, um projecto de uma capela para substituir a existente, da autoria de Henrique Alexandre Nogueira. A mesa, dispondo de parcos recursos e tendo a construção da estrada como prioridade, decide arquivar o projecto “a fim de ser tomado em consideração em occasião opportuna”26; ainda assim, considerando-se que fora feita uma valiosa oferta à Confraria, distinguem o autor como Irmão Remido, fazendo-se um voto de louvor registado em acta. A ideia de se substituir a primitiva capela por uma nova continua presente e, a 30 de Novembro de 1889, o fiscal Câmara Leme apresenta à mesa uma proposta do Engenheiro L. Fontão, que se dispõe a organizar um projecto de capela, escadas, jardins, etc., no terreno adjacente à primitiva pelo lado Sul, virado para a cidade. Pede pelo projecto 90$000 reis e, a mesa, “reconhecendo a utilidade d’esta obra”27 solicita-lhe um orçamento suplementar para o projecto que deveria ser executado de acordo com as 25

Domingos José de Moraes nasceu a 2 de Setembro de 1846 na freguesia da Areosa, filho de António Luís de Moraes, um modesto funcionário público e de Rosa Martins de Moraes; por volta dos 13 anos vai para Lisboa onde trabalha como empregado comercial; aos 18 anos estabelece-se por conta própria no ramo das moagens, abrindo mais tarde uma fábrica em Sacavém, a primeira do género no país, e a Fundição Industrial Agrícola. A fortuna que acumulou não serviu apenas para o investimento nas suas empresas, mas beneficiando inúmeras e diversas pessoas, entidades ou causas com menos possibilidades, em Lisboa e em Viana – a ele se devem grandes melhoramentos na cidade, e também no monte: o escadório de Santa Luzia, a captação de água e respectivo reservatório, terraplanagem, o parque, e sobretudo o Hotel. Crê-se que a causa da sua morte tenha sido por doença cardíaca, falecendo a 29 de Abril de 1903. 26 ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 23 27 idem ibidem, fl. 62

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suas indicações; o mesmo foi entregue e imediatamente aprovado em sessão de 15 de Abril do ano seguinte, mas não encontramos referências à ordem de execução desse projecto de melhoramentos no alto do monte de Santa Luzia, nem ao documento do próprio projecto em si. Contudo, encontramos referências a projectos de obras que foram aprovados pela mesa, no ano de 1891 – concernentes à capela, jardins, etc., – que teriam início assim que a Confraria possuísse meios financeiros, bem como a criação de uma comissão, pelo Reverendo Abade de Santa Maria Maior, Pedro Afonso Ribeiro, para recolha de donativos para as ditas obras. Também o Rei e a Rainha, que em visita a Viana do Castelo foram distinguidos como Irmãos Distintos, apesar de não terem visitado o monte de Santa Luzia como o programa prometia, prometeram auxílio para as obras a realizar naquela estância.

A COMISSÃO DE MELHORAMENTOS DO MONTE DE SANTA LUZIA Com a função de coadjuvar a Confraria nos seus intuitos, foi criada, em 1893, a Comissão de Melhoramentos do Monte de Santa Luzia, encabeçada por António Alberto da Rocha Páris. Esta organização é revestida de algum mistério, dado que são muito poucas as referências que nos permitam estabelecer uma cronologia da sua existência e um plano exacto da sua actuação junto da Confraria e do TemploMonumento. Os parcos documentos que tivemos acesso referem-se a duas actas da Comissão e alguns recibos de pagamento de serviços, levando-nos a supor que o espólio documental deste organismo se encontra num outro lugar. Contudo, nem a Confraria de Santa Luzia nem o Arquivo Municipal de Viana do Castelo nem o Arquivo Distrital de Viana do Castelo nos souberam dar mais indicações sobre esta matéria, desconhecendo inclusive a existência desta Comissão. O primeiro registo da sua existência28 data de 30 de Setembro desse ano, em reunião da mesa da Confraria, onde se refere que fora constituída uma comissão para promover uma quermesse cujo produto deveria remeter em prol dos melhoramentos de Santa Luzia. Nessa reunião estiveram presentes 28

Existe um registo anterior a este, presente no livro de António Tomás Quartin – À Memória de Domingos José de Moraes. Logo nas primeiras páginas, o autor refere a existência desta comissão: “Em fins de Agosto de 1893, tive com o finado conselheiro António Alberto da Rocha Páris […] em passeio nocturno, a propósito do resultado de um bazar que a commissão dos melhoramentos de Santa Luzia ali abrira.” Contudo, por não existir nenhum documento datado que nos forneça informação de forma mais precisa, julgamos conveniente considerar como primeiro registo a acta da Confraria de Santa Luzia.

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membros da comissão, entre os quais o presidente da mesma, António Alberto da Rocha Páris, bem como António Adelino de Magalhães Moutinho e Gaspar Leite. Tendo a quermesse já sido realizada, Rocha Páris põe à disposição da Confraria o produto da mesma, 503,740 reis; Luís de Andrade e Souza declara que “ninguem era mais competente que a referida commissão para fazer bom uso d’aquella importancia, e por tanto dava plenos poderes á mesma para mandar proceder aos melhoramentos que julgasse convenientes”29, propondo ainda um voto de louvor à mesma e elevando António Adelino de Magalhães Moutinho30 à categoria de Irmão Remido pelos serviços que havia vindo a prestar à Confraria. Num outro registo, a 10 de Agosto de 1894, verificamos que aquela comissão continua activa, extrapolando o seu propósito inicial de angariar donativos com a quermesse, continuando a prestar serviços de apoio à Confraria. A mesa refere-se a António Aberto da Rocha Páris como o “dignissimo presidente da Commissão promotora dos melhoramentos em Santa Luzia”31, elucidando-nos também acerca da colaboração que havia entre ambos os organismos. Maria Augusta Eça de Alpuim diznos que esta comissão tomou para si os encargos dos melhoramentos a realizar na montanha, colaborando sempre estreitamente com a Confraria de Santa Luzia. Refere ainda que este organismo cessou a sua actividade em 1910, devido à promulgação da lei de separação da Igreja e do Estado, consequente da Implantação da República, correspondendo à primeira paragem das obras do Templo-Monumento. Nessa mesma reunião de 10 de Agosto, Rocha Páris incita à ideia de se realizar uma peregrinação religiosa à capela, por ocasião das festas da Senhora da Agonia, referindo que tinha o entusiástico arrimo do Reverendo Abade da Matriz, o Padre José Luiz Zamith, e que ambos haviam solicitado os préstimos do Reverendo Joaquim Dias Silvares, um padre jesuíta, para o sucesso do evento.32 A escolha desta figura não foi 29

ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 78 António Adelino de Magalhães Moutinho foi o arquitecto municipal que esteve ligado às melhorias implementadas no local de Santa Luzia e, mais tarde, que tomou a direcção das obras da construção do Templo-Monumento, estando em constante contacto com Ventura Terra para esse propósito. É um vulto ao qual não tem sido dado o devido destaque, dada a importância da sua actuação. 31 idem ibidem, fl. 80 32 “pelo Ex.mo Presidente foi dito que tendo o Ex. mo Conselheiro Antonio Alberto da Rocha Paris, dignissimo presidente da Commissão promotora dos melhoramentos em Santa Luzia, lembrado a conveniencia de que n’este anno por occasião das festas d’Agonia se fizesse uma peregrinação religiosa áquella nossa ermida e tendo sido muito fervorosamente secundado pelo nosso irmão o rev. do abbade da Matriz, e P.e José Luiz Zamith, sollicitando estes do rev.do P.e Joaquim Dias Silvares a sua valiosa coadjuvação para o bom exito d’este piedoso acto, o qual a isso promptamente annuiu, assim o participara a meza para que ella pela sua parte fizesse todos os esforços para que esta peregrinação fosse o mais 30

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um acaso dado que Joaquim Dias Silvares já havia organizado outras peregrinações coroadas de êxito e muito concorridas pela população. É possível que António Alberto da Rocha Páris tenha participado, a 20 de Maio de 1894, numa peregrinação ao Sameiro33 que comemorava o 50º aniversário da fundação do Apostolado da Oração34 e o 25º da sua instalação em Portugal, e que assim tenha tomado contacto com o padre jesuíta que a organizara. A sua ideia de organizar uma peregrinação à capela de Santa Luzia, num acontecimento grandioso como o que presenciara, teria como propósito imediatamente inteligível a recolha de donativos para aformoseamento do monte. Contudo, a nossa investigação leva-nos a crer que outras pretensões existiam já para o local de Santa Luzia, entre os quais a criação de uma estância turística e espiritual provida de um edifício meritório da monumentalidade que lhe pretendiam incumbir e, portanto, esta peregrinação seria, como se veio a verificar, um ponto de partida para uma reestruturação profunda não só do lugar no monte, mas também do próprio culto e devoção. Dias Silvares, residindo na altura em Braga, era descrito como um “homem de grande iniciativa e dotes singulares de conferencista”35, tendo promovido várias peregrinações ao Bom Jesus e ao Sameiro com a colaboração de vários sacerdotes e leigos influentes, incitando a devoção da população. A selecção deste homem estaria aliada a um desejo prévio de tornar o local de Santa Luzia numa estância sagrada semelhante ao Bom Jesus e ao Sameiro, um ponto de referência em termos religiosos e turísticos, sublimando e coroando a cidade que zelaria do cimo do monte.36 Este facto leva-nos a crer que, como à frente veremos, quando se fala pela primeira vez em erguer um edifício, esta ideia não seria de todo uma novidade, sendo a problemática circunstancial a justificação ideal para o concretizar. solemne e concorrida possivel. A meza por unanimidadade votou o maior louvôr aos que tomaram a iniciativa d’esta peregrinação, a qual devia ser feita em honra e louvor do Santissimo Coração de Jesus” 33 COSTA, Domingos de Jesus Sá Pires – Templo de Santa Luzia. Braga, Instituto Superior de Teologia, 1981. (trabalho de História da Arte apresentado ao Prof. Arq. Manuel Gonçalves). Pág. 10. 34 O Culto ao Sagrado Coração de Jesus ou Apostolado da Oração foi fundado a 3 de Dezembro de 1844 em Puy, França, pelo padre Ramiére da Companhia de Jesus. Foi o movimento que mais espalhou a devoção ao Sagrado Coração de Jesus pelo mundo. D. Maria I foi a grande promotora deste culto com a construção, terminada em 1789, do primeiro templo em solo português dedicado ao Sagrado Coração de Jesus: a Basílica da Estrela. 35 Razão da Estátua e do Templo do S.S. Coração de Jesus em Santa Luzia in Jornal de Santa Luzia nº 317 36 “A imagem do Coração de Jesus de Viana, nasceu também de uma inspiração súbita, espontânea, da alma de um pregador a quem o Conselheiro António Alberto da Rocha Páris havia pedido para o ajudar a converter o monte de Santa Luzia num centro de atracção religiosa como eram o Bom Jesus e o Sameiro.” In Razão da Estátua e do Templo Monumento do S.S. Coração de Jesus in de Santa Luzia, nº 316.

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Assim, o padre Dias Silvares começa a ir a Viana mensalmente pregar aos associados do Apostolado da Oração na extinta Igreja de Nossa Senhora de Monserrate, sede deste apostolado de devoção ao Coração de Jesus. Quando António Alberto da Rocha Páris lhe solicita que organize uma peregrinação à semelhança da anterior no Sameiro, com as pretensões que já referimos, este acede “com a condição de ser feita com verdadeiro espírito de fé e em honra ao Sagrado Coração de Jesus”.37 É neste momento que assistimos à introdução da invocação do Sagrado Coração de Jesus no espírito devoto que protagonizava o monte de Santa Luzia, tendo mesmo suplantado as anteriores devoções. Pareceu-nos um tanto ou quanto radical esta “instituição” no sentido em que seria o patrono de uma peregrinação a ditar o orago do futuro templo, sendo que até à data essa devoção não constava no imaginário devocional daquele local; e também pela forma como esse fenómeno tomou forma, pela imposição de um único homem. Julgaríamos talvez que fosse necessário um conjunto de circunstâncias mais significativo para que este patrono se enraizasse nesse imaginário, conquistando os devotos de Santa Luzia (sobretudo), da Nossa Senhora da Abadia e de Santa Águeda. Contudo, ultrapassando o facto de que não podemos ter uma percepção inteiramente racional de vivências e crenças religiosas, também não nos podemos esquecer que se esta devoção já existia na cidade de Viana do Castelo38, talvez tenha tomado um impulso extraordinário nas mãos de um homem que foi um dinamizador activo dessa mesma devoção em Braga, aproveitando a ocasião para difundir a sua fé numa cidade que provavelmente se encontraria disposta a receber esse estímulo religioso. Assim, a peregrinação tomou lugar a 21 de Agosto de 1894 “constituindo ella um facto notabilissimo nos fastos da cidade”39. A Confraria relatou-a em acta da seguinte forma: ”A peregrinação ao monte de Santa Luzia fora sem a menor duvida a mais imponente que se tem realisado e de certo que, afora as duas ultimas effectuadas em Braga á Virgem do Sameiro, mais concorrida e solemne se tem realisado em Portugal”40. Os vários relatos descrevem a peregrinação como um sucesso, tendo sido acudida por um grande número de pessoas, e coroada de êxito, como se ambicionara. A Confraria faz um voto do mais “solemne reconhecimento e louvor ao Rv.do P.e Dias 37

ALPUIM, Maria Augusta – A Montanha Dourada. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1989. p.27. 38 Em Viana, foi instituída em 1743, a 8ª Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, situada no extinto Convento dos Crúzios. O Apostolado da Oração passou então para a também extinta Igreja de Monserrate e daí para o Convento de S. Domingos. 39 ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 81. 40 idem ibidem.

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Silvares pelos serviços prestados a bem d’esta grandiosa manifestação, bem como á digna commissão promotora dos melhoramentos em Santa Luzia, e em especial ao seu presidente, Snr. Conselheiro Antonio Alberto da Rocha Paris pela sua iniciativa”41. Dias Silvares foi considerado Irmão Distinto e José Luiz Zamith foi considerado Irmão Remido, pelas prestações de ambos os sacerdotes na aclamada peregrinação. 29

A ESTÁTUA AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS A peregrinação, que teve como ponto alto o sermão do Padre Dias Silvares no alto do monte de Santa Luzia, junto à antiga capela, foi também marcada pela ideia lançada por este sacerdote de naquele sítio se erguer uma estátua em honra do Sagrado Coração de Jesus “que abençoasse não só a cidade e o mar, mas também o seu distrito, o Minho e toda a nação”42. Dizem-nos vários registos que a ideia foi imediatamente aplaudida pela população que ali se encontrava, mostrando a sua entusiástica aprovação à sua concretização. Contudo, nas actas da Confraria – a documentação que consideramos mais credível por ser a mais próxima, detalhada e contemporânea do evento – não existe menção à referida iniciativa de se construir a estátua, na sessão de 25 de Agosto de 1894, a que regista a peregrinação. A primeira referência sobre esse assunto encontra-se na sessão de 3 de Maio do ano seguinte: “achando-se presentes os Rv.dos padres arcipreste do julgado, D.r Manoel da Silva Vianna, Abbade da Matriz Pedro Affonso Ribeiro, Dias Silvares e José Luiz Zamith, pelo mesmo Snr. Presidente foi participado que se havia organisado n’esta cidade duas commissões, sendo uma composta de senhoras e outra d’ecclesiasticos, encarregadas de obter donativos para o levantamento d’uma estatua ao sagrado Coração de Jesus no alto da montanha de Santa Luzia. N’esta occasião o Snr. Antonio Adelino de Magalhães Moutinho apresentou o respectivo ante-projecto e nivelamento das obras a executar, os quaes foram plenamente approvados, reconhecendo a meza a valia de mais este serviço prestado pelo seu compadre”. Não podemos ter a certeza que a ideia da construção da 41

“Propunha pois que a meza approvasse por unanimidade, que se votasse o mais solemne reconhecimento e louvor ao Rv.do P.e Dias Silvares pelos serviços prestados a bem d’esta grandiosa manifestação, bem como á digna commissão promotora dos melhoramentos em Santa Luzia, e em especial ao seu presidente, Snr. Conselheiro Antonio Alberto da Rocha Paris pela sua iniciativa coroada de tão brilhante exito. Disse mais o snr. presidente que a realisação da peregrinação podia e devia ser fecundissima em resultados prosperos para esta Confraria por isso que elles derivavam da vulgarisação que se d’esse a tão pittoresco estancia e á piedosa Capella que alli se encontra. Foi approvada por unanimidade a proposta do Snr. Presidente.” in ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900], fl. 81. 42 Santa Luzia, nº 429, Novembro 2008, p.56.

estátua data efectivamente de 21 de Agosto de 1894, por não termos encontrado registos na sobredita acta; em alternativa podemos considerar que a ideia não foi assinalada por ser um assunto que concerniria à Comissão de Melhoramentos. No ano seguinte formam-se duas comissões, uma de sacerdotes e outra de senhoras da cidade43, para angariar fundos para a referida obra. Pela mesma altura, António Adelino de Magalhães Moutinho apresenta um ante-projecto que depreendemos44 que se referisse ao nivelamento do pavimento em frente à capela onde a estátua e o seu pedestal deveriam assentar. A proposta é levada avante, tanto que as duas comissões formadas comunicaram à Confraria que pretendiam organizar uma nova peregrinação à capela, o que a mesa prontamente concordou, prestando o seu auxílio. Ao mesmo tempo, o Conselheiro Joaquim José Cerqueira ofereceu um donativo de um conto de réis para a estátua, mencionando que esta deveria ser executada por Aleixo Queiroz Ribeiro45, um escultor minhoto. A estátua é então encomendada ao artista, que a executa em Paris onde se encontrava na altura a aprofundar os seus estudos. Paralelamente, a nova peregrinação é realizada a 22 de Junho de 1895, iniciando-se nesse dia as obras de terraplanagem do local em frente à capela que acolheria a estátua do Sagrado Coração de Jesus. No ano seguinte, no dia 5 de Janeiro de 1896, procede-se à solene colocação da primeira pedra da base do pedestal da estátua, que a acta extraordinária da Confraria relata da seguinte forma: “A Confraria de Santa Luzia encorporada e seguida pelos membros da Commissão dos melhoramentos, e pelos das Commissões da subscripção para a estatua, sahida da Capella e se derijiu ao local do momento e alli, depois de benzida a pedra que serve de baze ao pedestal do mesmo, se collocou essa pedra, sendo batida pelo desembargador e Rv.do Arcypreste do julgado Dr. Manuel da Silva Vianna, como representante do Ex.mo Arcebispo Primaz, D. Antonio, que para esse fim se 43

Maria Augusta Eça d’Alpuim diz-nos que estas senhoras eram zeladoras do Apostolado da Oração. Ver ALPUIM, Maria Augusta de – A Montanha Dourada. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1989. p. 28. 44 Por falta de análise do mesmo, dado que não o encontrámos no arquivo da Confraria de Santa Luzia ou em qualquer outro arquivo. 45 Aleixo Queiroz Ribeiro, de seu nome completo Aleixo Queiroz Ribeiro de Sotto Mayor d’Almeida e Vaconcellos, foi um escultor minhoto, nascido na Casa da Boavista, freguesia de Refoios, concelho de Ponte de Lima, a 18 de Abril de 1868. Nasceu numa família abastada, sendo que os seus pais eram fidalgos de geração. Frequentou a Escola Industrial de Viana do Castelo, onde teve origem a sua paixão pela escultura. Possuindo condições financeiras, partiu para Paris em 1892 para aperfeiçoar os seus estudos, frequentando a Escola de Artes Decorativas, a Academia Julien com o professor Puech, na Escola de Belas Artes o atelier Barrias, e estudou ainda anatomia com Matias Duval. D.Manuel II concdelhe o título de Conde de Santa Eulália, tendo em conta os seus relevantes trabalhos nas áreas da política e das artes.

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dignou expedir uma portaria, concedendo quarenta dias de indulgencia a todas as pessoas que assistissem áquelle acto; e se lavrou esta acta que vae ser encerrada em uma caixa de ferro para isso devidamente preparada, e bem assim uma relação nominal dos primeiros mezarios da Confraria de Santa Luzia, e dos actuaes, e da Commissão de melhoramentos em santa Luzia, e das duas Commissões, uma d’ecclesiasticos e outra de senhoras que promoveram e promovem donativos para esta estatua do Santissimo Coração de Jesus, e bem assim um exemplar de todas as moedas de prata e de cobre do actual reinado, e saber, uma moeda de prata de quinhentos reis, outra de duzentos reis, outra de cem reis, e outra de cincoenta reis, e mais de cobre uma moeda de vinte reis, outra de dez reis, e outra de cinco reis. Em seguida o Rv.do José Luiz Zamith fez um eloquente discurso adquado ao acto, e foi depois cantado um Te-Deum por tão jubiloso acontecimento. Em seguida a commissão dos melhoramentos declarou que fazia entrega de todas as obras e melhoramentos feitos á Confraria de Santa Luzia, protestando proseguir no seu empenho e proposito sem outro intuito que não fosse o de engrandecer o culto de Deus, esta Confraria, e a cidade de Vianna do Castello.”46 Na base do pedestal foi enterrado um cofre que continha a acta da cerimónia, uma lista dos nomes da Confraria, da Comissão de Melhoramentos e das duas comissões angariadoras de fundos, e ainda um exemplar de cada moeda do reinado de D. Luís.47 Esta data e esta cerimónia constituem um marco importante na história da Confraria e do Templo-Monumento dado que, por um lado temos mais uma corroboração dos esforços incessantes da Confraria na revalorização do local de Santa Luzia, expandido a sua acção muito além dos seus desígnios iniciais, e por outro lado, temos um primeiro acto daquilo que se viria a construir no futuro, e que hoje podemos testemunhar com os nossos olhos. A colocação da primeira pedra do pedestal é também a colocação da primeira pedra no conjunto do Templo-Monumento, dado que ele por si só não existe, ou não se refere apenas ao edifício comportado pela igreja. Dele fazem também parte as duas colunas que o ladeiam, bem como a estátua que hoje se encontra protegida e que completa o mesmo. O pedestal é a coluna que se encontra á direita do edifício, do lado oeste, mais próxima do mar. A própria configuração da estátua fez com

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ACSLVC – Livro de Actas [1884-1900] – “Acta da solemne collocação da primeira pedra da baze do pedestal da estatua do II.mo Coração de Jesus no alto do monte de Santa Luzia” 47 ALPUIM, Maria Augusta de – A Montanha Dourada. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1989. p. 33.

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que o pedestal se tornasse inapropriado para a sua colocação, como adiante veremos, o que não lhe retira o valor emblemático que ela continua a possuir. Ainda na mesma acta encontramos uma passagem importantíssima para a história do Templo-Monumento: “no alto do monte de Santa Luzia, e no local da capella d’essa invocação, se procedeu á collocação da primeira pedra da baze do pedestal da estatua do Santissimo Coração de Jesus, no local já disposto e preparado para esse effeito proximo á referida capella aonde deve formar-se o adro do novo templo que espera levantar-se de futuro”. Esta referência indica-nos, indubitavelmente, a intenção de se construir um novo templo que substitua a antiga capela, e é a primeira vez que o conceito de “novo templo” é mencionado. Isto contraria os vários registos que indicam que a pretensão de se erguer um templo que substituísse a capela surgiu apenas no descerramento da estátua em que, ao verificar-se a impossibilidade de a colocar sobre o pedestal, a solução foi construir outra igual e entre ambas erguer um templo que abrigasse a estátua. Dado que a inauguração da estátua se procedeu em 1898, temos aqui o primeiro testemunho de que essa ideia é bastante anterior, como presumíamos, pelo menos 2 anos antes. Ainda que este seja o primeiro registo da pretensão da construção de um novo templo, sem qualquer motivo que justifique esta aspiração, cremos que apenas nesta data ele tenha sido anunciado apesar de esta intenção ser mais antiga, como anteriormente justificamos. De qualquer forma, a documentação assume que a 5 de Janeiro de 1896 a Confraria de Santa Luzia pretende a edificação de um novo templo, e é isto que é relevante para a historiografia da arte. A estátua chega de Paris em 1898, onde esteve para ser exposta no Salón, mas por retardar bastante a sua chegada a Portugal prescindiu-se desta demonstração48, e foi assim “despachada no porto de Havre e veio no navio Corrientes para Lisboa”49, onde foi benzida pelo Cardeal Patriarca e exposta na Sociedade de Geografia de Lisboa com igual aprovação, atraindo “o que em Lisboa havia de mais distinto nas letras e nas

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“Está concluída, prompta e já em caminho para Portugal, a estátua do Santíssimo Coração de Jesus […] A estátua deveria ser exposta no Salon, em Paris, mas só poderia ser de lá retirada no último de julho, e por conseguinte só poderia estar aqui no fim de agosto ou principio de setembro; porém a digna commissão dos melhoramentos, resolveu prescindir da exposição no Salon, auctorizando a remessa immediata, embora seja exposta em Lisboa antes da sua vinda para esta cidade.” In A Aurora do Lima, 14 de Fevereiro de 1898. p.2. 49 BRANCO, José Luís – Aleixo Queiroz Ribeiro - Autor da Estátua de bronze do Sagrado Coração de Jesus, em Santa Luzia, Viana do Castelo. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1999. Pág. 8. e A Aurora do Lima, 23 de Fevereiro de 1898. p.2.

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artes”50. Não podemos precisar a data da sua chegada a Viana, mas a 15 de Agosto do mesmo ano procede-se ao seu solene descerramento, no alto do monte de Santa Luzia. Não temos fontes que nos possam relatar a cerimónia de apresentação da estátua dado que as actas da Confraria não fazem qualquer menção a este evento, nem encontramos qualquer registo no periódico A Aurora do Lima51. Presumimos que a encomenda da estátua e a provável peregrinação que se realizou para o seu descerramento tenham sido organizados pela Comissão de Melhoramentos, e como tal, tenha ficado registado nas suas actas, às quais não tivemos acesso52. Sabemos unicamente aquilo que os registos não coetâneos nos relatam: Que a cerimónia foi antecedida de uma peregrinação, como se vinha a tornar costume, e que ao monte de Santa Luzia subiram cerca de 25 mil pessoas.53 A estátua foi colocada provisoriamente num pedestal no adro da capela, onde se celebrou uma missa campal por D. Francisco José Ribeiro Vieira de Brito54, bispo de Angra do Heroísmo, consagrando a cidade de Viana do Castelo ao Sagrado Coração de Jesus. Maria Augusta Eça d’Alpuim diz-nos que, quando se levantou o pano que cobria a estátua, um murmúrio de decepção percorreu a assistência que a achou feia e desagradável55, e acrescenta que “o escultor Aleixo Queiroz Ribeiro […] desceu o monte triste como a noite, com a recepção feita à sua obra, que mais tarde todos viriam 50

BRANCO, José Luís – Aleixo Queiroz Ribeiro - Autor da Estátua de bronze do Sagrado Coração de Jesus, em Santa Luzia, Viana do Castelo. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1999. Pág. 8. 51 De facto, esta cerimónia encontra-se envolvida em algum mistério, dado que as únicas referências a este evento se encontram em artigos que não mencionam fontes, o que, tendo sido um acontecimento de grande relevo e bastante publicitado, não deixa de causar alguma estranheza. 52 Para fazer esta suposição baseamo-nos no conhecimento que temos que alguns assuntos seriam tratados pela Comissão de Melhoramentos que, apesar de coadjuvar a Confraria de Santa Luzia, agia independentemente desta, e assim não existir sempre o registo das acções desta Comissão por parte da Confraria. É-nos impossível de estabelecer com toda a certeza o campo de domínio da Comissão de Melhoramentos por não termos acesso às suas actas, que sabemos que existiram. Como tal, sabemos que as lacunas de fontes críveis são, na sua maioria, por falta das actas desta Comissão que tratou de assuntos tão importantes como a encomenda da estátua do Sagrado Coração de Jesus e da contratação de Ventura Terra para traçar o projecto do templo. 53 Jornal de Santa Luzia, nº 151. 54 “D. Francisco José Ribeira Vieira de Brito era natural da freguesia de Rendufinho, concelho da Póvoa do Lanhoso: Concluído o Curso teológico em Braga, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. […] Nomeado bispo de Angra do Heroísmo em 1892 […] foi, depois, bispo de Lamego…” in BRANCO, José Luís – Aleixo Queiroz Ribeiro - Autor da Estátua de bronze do Sagrado Coração de Jesus, em Santa Luzia, Viana do Castelo. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1999. Pág. 8. 55 “ …quando solenemente se levantou o pano que a envolvia, um murmúrio de decepção percorreu a assistência: - Oh! É preta! - Não se vê o Coração! - O Senhor está dobrado! De tal forma alguns a acharam feia e desagradável, que se falou em derretê-la para fazer sinos, por ser de bronze.” in ALPUIM, Maria Augusta de – A Montanha Dourada. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1989. pp. 33-34.

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a reconhecer como genial”56. Regina Anacleto, ao reflectir sobre a obra, e a sua recepção negativa pela população, corrobora as palavras de Alpuim, afirmando que se tratava de “uma estátua que não cabia dentro dos parâmetros mentais do português quase a entrar no século XX”.57A imagem apresenta Cristo numa posição curvada, “debruçado sobre a cidade e o mar”58, com a mão esquerda estendida, como quem oferece amparo, e com a direita afastando “a túnica humilde, muito pobre, para deixar a nu aquele ardente coração”59, numa postura de piedade e compaixão. Façamos aqui uma interrupção fundamental na exposição do tema. O que relataremos em seguida é o compêndio de tudo o que lemos durante a nossa investigação, e o que tem sido escrito durante décadas relativamente a este momento do descerramento da imagem do Sagrado Coração de Jesus, em diante. Relembramos a falta de fontes críveis coetâneas para o tratamento desta informação. Assim sendo, dizse que a Comissão de Melhoramentos imediatamente se deparou com um problema maior que o desagrado da população: a posição e o tamanho da estátua não eram favoráveis à sua colocação na coluna que havia sido construída para servir de pedestal à mesma. Este problema decompunha-se em dois, dado que nem a estátua tinha onde ser colocada, nem havia utilidade para a coluna já erigida. Assim, António Alberto da Rocha Páris, na qualidade de presidente da Comissão de Melhoramentos, consulta vários arquitectos para a resolução deste conflito. Crê-se que tenha sido a pedido de Rocha Páris que Miguel Ventura Terra, um arquitecto que já gozava de algum prestígio nacional, traçou um esboço das obras a realizar, erigindo uma coluna igual à já existente, por uma questão de simetria para harmonizar o conjunto, e entre ambas, erguendo um templo que, na sua fachada principal, abrigasse a estátua. Este relato indica que Ventura Terra teria sido contratado para traçar um projecto que desse solução ao problema que expusemos e, portanto, posteriormente a 15 de Agosto de 1898. Contudo, a nossa investigação revelou-nos que isto não é verdade. No arquivo da Confraria de Santa Luzia defrontamo-nos com uma carta de Ventura

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ALPUIM, Maria Augusta de – A Montanha Dourada. Viana do Castelo: Casa dos Rapazes e Oficinas de S. José, 1989. 2ª Edição. Pág. 34. 57 ANACLETO, Regina – Arquitectura Neomedieval Portuguesa (1780-1924). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1992, p.491. 58 BRANCO, José Luís – Aleixo Queiroz Ribeiro - Autor da Estátua de bronze do Sagrado Coração de Jesus, em Santa Luzia, Viana do Castelo. Viana do Castelo: Confraria de Santa Luzia, 1999. Pág. 9 59 idem ibidem.

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Terra, datada e assinada pelo mesmo, ao seu prezado collega, certamente referindo-se a Magalhães Moutinho. Transcrevemos esta carta na íntegra: “Lisboa 23 de Maio de 1898 Meu prezado collega 35

Peço mil desculpas de não ter respondido a seu tempo á sua carta que sinceramente agradeço pelas boas palavras que n’ella me dirige. A todas as propostas que me faz só lhe posso dizer sim; - tudo o que propõe é sensato – A estatua pode ficar separada da fachada da egreja 31/2 a 4 metros, pode dispôr os differentes níveis da forma que descreve na sua carta; julgo preferir a disposição do monumento no eixo da capella que existe, visto que essa capella ficará em pé durante muitos annos ainda e que o pequeno desvio relativamente ás columnas não se nota n’uma extensão tão grande como é a que a separa do monumento – Com relação ao pedestal em que assenta a estatua tem certamente razão o collega; não indiquei no meu croquis cotas precisamente para se dar a esse pedestal largura compatível com a base da estatua tendo-me eu esquecido de chamar a sua attenção para esse ponto – o que felizmente não foi necessário. Não sei bem quaes são as dimensões da base da estatua -; recordo-me, contudo, que esta forma um rectângulo bastante alongado sendo por isso necessário augmental’o no sentido longitudinal da capella. O melhor, e para evitar enganos, seria interrogar o Queiroz Ribeiro sobre essas dimensões; eu vejo-o rarissimas vezes e não tenho tempo de ir medir a base da estatua no local onde esta se encontra – . E ainda preferivel a tudo, visto fazerem essa construcção d’alvenaria e de caracter puramente provisorio – seria executar textualmente a maquette (altar) que o Queiroz Ribeiro ahi tem – supprimindo o meio circo ou bancadas em exedro – e dispondo sendo possível os degraus da forma indicado na referida maquette – Contudo na parte referente a accessos por degraus ou rampas V. Ex.ª fará o que julgar mais conveniente conservando quanto possível os níveis actuaes – Não concordo com a substituição das volutas dos capiteis das columnas por cabeças d’anjos -. Sempre ao seu inteiro dispôr Collega muito reconhecido

Ventura Terra.”60

Como se pode verificar, esta carta está datada de 23 de Maio de 1898, ou seja, cerca de 3 meses antes do evento que teria levado à sua posterior contratação. A partir deste documento podemos retirar várias conclusões. A primeira, e mais evidente, é que nesta data Ventura Terra já estaria em contacto com as obras que se estavam a realizar no alto do monte de Santa Luzia. O destinatário desta carta será muito provavelmente o arquitecto Magalhães Moutinho, dado que este seria o responsável pelas obras que decorriam, e sabendo que depois de Ventura Terra traçar o projecto do templo, o arquitecto municipal ocuparia o lugar de director das obras. Esta carta sugere ainda que existe um ante-projecto, ou um esboço realizado por Ventura Terra, acerca do qual Magalhães Moutinho questiona e faz propostas ao autor. Verificamos também que Ventura Terra discute o sítio onde a estátua deverá ser colocada, mencionando a construção de um pedestal de carácter provisório para a sua colocação. Poderíamos assumir que este pedestal seria provisório até à data da inauguração da estátua, sendo que a partir desse momento ela ocuparia o suporte que havia sido construído para esse efeito – a coluna. Contudo, o arquitecto menciona um “pequeno desvio relativamente ás columnas”, indicando a existência de não uma, mas duas colunas. Ora, se apenas na inauguração se verificou a inutilidade da coluna que serviria de pedestal, porque motivo nesta data já existiriam, ou estariam planeadas duas colunas? A resposta parece-nos óbvia. A 15 de Agosto de 1898, a Comissão de Melhoramentos já teria entrado em contacto com o arquitecto Ventura Terra, pedindolhe que este traçasse um projecto do edifício que pretendiam que ali se levantasse, como nos indica a acta de 5 de Janeiro de 1896. O croquis a que o arquitecto se refere na sua carta será muito provavelmente um ante-projecto, esboçado estando já na posse da informação que a estátua nunca chegaria a assentar na coluna. Até porque o arquitecto já a teria visto antes do seu descerramento, como se percebe pelas palavras “Não sei bem quaes são as dimensões da base da estatua -; recordo-me, contudo, que esta forma um rectângulo bastante alongado”. Assim, o pedestal de alvenaria teria um carácter provisório até que chegasse a altura da sua colocação no local que Ventura Terra teria determinado – o nicho na fachada do Templo-Monumento. Até lá, determina que ela fique colocada “no eixo da capella que existe, visto que essa capella ficará em pé 60

ACSLVC – Carta de Ventura Terra, 23 de Maio de 1898.

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durante muitos annos”; ficaria, pois Ventura Terra saberia que a capela não seria deitada abaixo até que a construção do novo templo assim o exigisse. Confrontadas

com

esta

revelação,

tornou-se

imprescindível

rever

a

documentação, sabendo que deveria existir algum elemento que, aliado à carta de Ventura Terra, nos desse mais informações que nos auxiliassem a estabelecer estes factos com segurança. E descobrimo-lo. Perdida no ano de 1944, encontramos uma acta da Comissão de Melhoramentos, publicada na íntegra no periódico Santa Luzia. Esta acta data de 2 de Fevereiro de 1898, e portanto antecede a carta que acabamos de analisar, e diz-nos o seguinte: “…animado pelo desenvolvimento que nas obras se tem manifestado e ainda pelo auxilio e boa vontade de todos que, como á porfia, se enlevam nas incomparáveis bellezas do local, elle [António Alberto da Rocha Páris] presidente, consultara os melhores architectos que podéra ouvir e ultimamente o nosso distincto comproviciano, Sr. Ventura Terra, residente na Capital, e que, a seu pedido, apresentou um esboço do conjuncto das obras a realizar, utilizando bellamente a columna já construída e até impondo a necessidade d’outra egual, como ornamentação e determinando a collocação da estatua em lugar mais accessivel á vista e approximação dos fieis, por forma que de futuro e quando realizada a obra geral, esta seja uma das mais bellas e grandiosas do pais e com grande cunho de originalidade. […] Declarou mais que em todos estes trabalhos e transformações de planos ou projectos fora sempre auxiliado efficaz e dedicadamente pelo nosso collega, director das obras, Sr. António Adelino de Magalhães Moutinho… […] Que o Sr. Ventura Terra não só se prestaria, obsequiosamente, a visitar o local das obras, mas tem posto, por egual, á disposição d’elle, presidente, os seus serviços fazendo diversos esbocetos e planeando a melhor solução para a belleza e grandiosidade das obras a executar.”61 Esta acta deu-nos a confirmação que procurávamos. Evidencia que, de facto, a contratação de Ventura Terra foi da responsabilidade da Comissão de Melhoramentos, sendo o próprio Rocha Páris a solicitar ao arquitecto que apresentasse uma proposta para as obras a realizar. Assim, a 2 de Fevereiro de 1898 a Comissão já estaria na posse de um esboço prévio, o que corrobora as interpretações que retirámos da carta de 23 de Maio. Torna-se assim mais claro compreender as indicações que Ventura Terra dá, como suspeitávamos, a Magalhães Moutinho nesta última. O arquitecto não considerava adequada a colocação da estátua no topo da coluna, preferindo colocá-la numa posição 61

Santa Luzia, nº 50, Julho de 1944, pp. 5 e 6.

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que fosse mais acessível “á vista e approximação” do devoto, compreendendo-se o local que ocupa no templo que este projectou. Por último, esta acta indica-nos que, até à data, não existiria nenhum projecto definitivo, apenas esboços que Ventura Terra, contando com a colaboração de Magalhães Moutinho, tinha vindo a aperfeiçoar, na procura de uma solução que satisfizesse o propósito de ali se erguer um templo grandioso e notável ao ponto de merecer destaque a nível nacional. Estes dois documentos tornaram-se essenciais à nossa investigação ao revelar que Ventura Terra foi contratado muito antes do que se pensava até agora, e não pelo motivo que tem sido relatado. O descerramento da estátua não levantou quaisquer problemas que já não fossem do conhecimento do próprio arquitecto, nem da entidade que pediu os seus serviços – a Comissão de Melhoramentos. A pretensão de se construir um templo que substituísse a pequena ermida de Santa Luzia já existia pelo menos desde 1986, e estamos certas que a Comissão de Melhoramentos e a Confraria de Santa Luzia ter-se-iam dinamizado e efectuado as devidas diligências para que ele emergisse o quanto antes. Assim, esta documentação veio corroborar o que suspeitávamos: ambos os organismos, no seu esforço mútuo e constante, pretendiam dotar o monte de Santa Luzia de uma estância turística e religiosa que pudesse rivalizar com as suas congéneres espalhadas pelo Minho. Os seus passos formam tomados sempre neste sentido, implementando melhorias à medida das suas possibilidades, num processo crescente, tendo em vista um propósito final: um santuário que coroasse o monte e sublimasse a magnífica paisagem natural do local de Santa Luzia, e que se constituísse como um importante centro espiritual e panorâmico que atraísse milhares de visitantes, não só da região, mas de todo o território nacional.

O INÍCIO DAS OBRAS A tarefa de descrever o processo da construção do Templo-Monumento torna-se delicada pela privação do suporte documental de valor inestimável para esta exposição: o livro de actas da Confraria de Santa Luzia, compreendendo o período entre 1900 e 193862. Sabemos que Ventura Terra se manteve ligado às obras desde então, traçando

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Este livro de actas encontra-se em falta do Arquivo da Confraria de Santa Luzia, não se sabendo do seu paradeiro. Os livros de actas da Confraria têm assumido um papel relevante para a nossa investigação dado que contêm dados precisos e coetâneos, sendo a fonte que tem suportado a exposição do tema; a sua

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esboços que culminaram no projecto final, datado de Agosto de 1899. Este projecto apresentava um imponente edifício de traça revivalista, fundindo o Neo-Românico com o Neo-Bizantino, abrigando na sua fachada principal um pequeno nicho onde se colocaria a estátua de Aleixo Queiroz Ribeiro; o edifício é ladeado pela coluna já referida, encontrando simetria com outra igual construída com esse propósito. Para ligar o edifício à cidade, Ventura Terra projectou uma escadaria monumental, que sulcaria o monte de Santa Luzia, mostrando o caminho que culminaria no adro do santuário, no cimo do monte. Os vários registos dizem-nos que Ventura Terra nada cobrou pelo projecto que apresentou e que foi imediatamente aprovado, o que fez que fosse reconhecido como um valioso benemérito para a construção do Templo-Monumento. Em Fevereiro de 1904 deram-se início as obras de nivelamento do terreno para se fundarem os alicerces do Templo-Monumento, e em Janeiro do ano seguinte foram colocadas as primeiras pedras de cantaria63. Sabemos que a construção se iniciou com o levantamento da capela-mor, para que quando esta estivesse concluída, pudesse ser aberta ao culto, e assim demolir-se a ermida que deixaria de ser necessária, e certamente transtornaria o desenvolvimento das obras. Podemos falar numa primeira fase construtiva, que se estendeu desde 1904, com o nivelamento do terreno, até 1910, altura em que as obras conheceram uma interrupção que durou mais de uma década. Neste ano, o advento da Implantação da República instaurou a laicização do estado, promulgando-se a Lei de Separação da Igreja do Estado. Este acto previa a interdição das ordens religiosas, impunha limitações à acção da Igreja Católica e restringindo os seus privilégios, anunciava uma maior fiscalização do culto público, e confiscação de parte dos bens da Igreja, assim como retirava todo e qualquer apoio da parte do Estado para “encargos cultuais”64. Assim, aliando-se à instabilidade social e política que se vivia no momento, o receio dos efeitos práticos desta lei levou a que a maior parte dos donativos, mensais ou não, fossem suspensos, acarretando a interrupção das obras por falta de verbas. Até então, pouco se construiu, concentrando-se as obras no arranjo exterior do templo, e erguendo-se este timidamente em altura.

carência apenas podia ser substituída pelas actas da Comissão de Melhoramentos que, como já referimos, não tivemos acesso. 63 Santa Luzia, nº50, Julho de 1944, p. 14. 64 Lei de Separação da Igreja do Estado (20 de Abril de 1911) [on-line]. Disponível em: p. 3.

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HOTEL Ainda que o nosso tema se circunscreva a um objecto de estudo muito específico, não podemos ignorar outros conteúdos que nos remetam para o assunto que estamos a tratar, por serem parte integrante do percurso histórico-artístico da existência do nosso objecto, e assim, importantes para a sua compreensão global. Um desses tópicos é o Hotel de Santa Luzia que, não tendo ligação directa com o Templo, é produto de todo um mecanismo que produziu ambas as obras, coabitando no mesmo espaço e integrando um cenário cuja acepção exploraremos mais à frente. Podemos ver germinar este edifício num requerimento de 1889, feito à Câmara Municipal de Viana do Castelo por António Barbosa de Araújo Cardiellos, pedindo para aforar um terreno baldio junto à capela para construir um Hotel. O requerimento foi apresentado à mesa da Confraria de Santa Luzia que decide aprovar o pedido desde que o projecto lhe seja submetido para aprovação, que as consequentes obras sejam feitas sob a inspecção da comissão de obras da própria Confraria e que o produto desse aforamento seja revertido a seu favor.65 A Confraria apenas tinha a cedência do terreno dado que, no mesmo ano, solicita ao Rei licença para a aquisição do terreno ao Município. Não sabemos se, ou de que forma é que António Barbosa de Araújo Cardiellos está ligado com Domingos José de Moraes, mas sabemos que é este o cliente que pede a Ventura Terra que trace um projecto para o hotel que Moraes quer ver construído no monte de Santa Luzia, enquadrando-se no âmbito das obras que se vinham a realizar. A intenção de Domingos José de Moraes seria a de dotar a estância de mais uma obra de relevo, da autoria do arquitecto que projectara o Templo-Monumento, erguendo um edifício que oferecesse aos turistas um local de repouso, emoldurado por uma paisagem natural fabulosa, e ao mesmo tempo, tão próximo daquilo que seria uma obra arquitectónica proeminente no panorama cultural do Alto-Minho. Ventura Terra prontamente realiza a traça do Hotel, iniciando-se a sua construção a 22 de Julho de 1900, para ser concluído três anos depois. Contudo, Domingos José de Moraes falece nesse ano, a 29 de Abril, nunca chegando a ver o seu

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Acta da sessão extraordinária da Confraria de Santa Luzia de 20 de Junho de 1889

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propósito cumprido. Feitas as partilhas do seu património, os herdeiros descuram por completo o Hotel, que caí no esquecimento e no abandono durante anos66. Em 1918, Bernardo Pinto de Abrunhosa, um portuense de visita a Viana, sobe ao monte de Santa Luzia e, deleitando-se com o panorama e vendo o Hotel num estado calamitoso, efectua as diligências necessárias para o adquirir aos seus proprietários; sendo bem sucedido, realiza as obras necessárias para o reformar, inaugurando-o a 2 de Julho de 1921. Além da recuperação e exploração do Hotel, deve-se ainda a Bernardo Pinto de Abrunhosa a instalação do funicular de Santa Luzia que, inaugurado a 2 de Junho de 1923, faz a ligação entre o sopé e o cume do monte67. Pelo seu carácter dinâmico e tendo em vista os propósitos para o local, Bernardo Pinto de Abrunhosa vai ocupar os cargos de Presidente da Confraria de Santa Luzia e da Comissão de Melhoramentos do Monte de Santa Luzia, até à data da sua morte em 1925. Pela excelente situação que ocupa no cimo do monte, o Hotel de Santa Luzia constitui-se como um agente importantíssimo de valorização turística da estância; de igual modo o funicular o é, não apenas por permitir uma maior afluência de visitantes ao cimo do monte, mas por se assumir, per se, como uma atracção turística.

A PEREGRINAÇÃO ANUAL Corria ainda o ano de 1918 quando a Europa encontrava-se a ser devastada pela Pneumónica ou Gripe Espanhola, uma pandemia do vírus Influenza com uma taxa de mortalidade bastante elevada, tendo ceifado milhões de vidas em todo o mundo. Em Portugal a situação não era diferente. A população vianense chorava os seus entes queridos que haviam perecido, e vivia aterrada sob a ameaça constante do flagelo. “Andavam todos apavorados com o incremento da epidemia e com o horror do morticínio. Igrejas e escolas fechadas, ruas desertas, a vida comercial inteiramente paralisada, os enterros faziam-se de noite, à mesma hora e sem toque de sinos, para não assustar os que ainda sobreviviam.”68 Era um pesadelo que parecia não ter fim. A 10 de Novembro desse mesmo ano, a cidade sai à rua em procissão de penitência desde a Igreja de S. Domingos à Senhora da Agonia, em preces para o cessar 66

Santa Luzia, nº2, 1 de Abril de 1926, p.3. Santa Luzia, nº15, Janeiro de 1928, p.3. 68 Santa Luzia nº5, 1 de Agosto de 1926, p. 2. 67

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da epidemia: “…às 4 horas da tarde, saía da Igreja de San-Domingos uma procissão de penitência com o SS.mo Sacramento, e durante ela se rezaram as ladainhas de Todos-osSantos, do Sagrado Coração de Jesus e o rosário. A procissão andou em volta da cidade para recolher ao santuário da Nossa Senhora da Agonia. […] Viam-se lágrimas a deslizar pelas faces, quando, no meio de um religioso silencio, um sacerdote pronunciou em nome de todos a consagração ao Sagrado Coração de Jesus, dizendo bem alto que o povo de Viana […] prometia ir no futuro verão, em piedosa romagem à montanha de Santa Luzia, consagrar-se novamente ao Coração amante do nosso adorável Salvador se Ele pusesse termo ao terrível flagelo e não permitisse que sôbre esta terra viesse outra calamidade semelhante.”69 Como podemos constatar por este relato, a cidade de Viana do Castelo é consagrada ao Sagrado Coração de Jesus, formulando o voto de subir anualmente ao monte de Santa Luzia em peregrinação se a Pneumónica não matasse mais ninguém. Sendo impossível confirmar a exactidão destes relatos, diz-se porém que a partir desse dia não houve mais nenhuma baixa devido à doença, apesar de muitas pessoas se encontrarem infectadas. “As duas vítimas daquela tarde foram, nesta cidade, as últimas colhidas pela epidemia. Cessou a peste, que até hoje ainda não nos tornou a visitar.”70 O povo viu a sua prece atendida, e não se esquecendo do voto feito, propuseram-se a realizar a peregrinação ao cimo do monte em agradecimento. Contudo, as autoridades não permitiram que se realizasse essa peregrinação nos dois anos seguintes. “No verão de 1919, a-pesar-de repetidas instâncias […] a autoridade civil não consentiu que Viana cumprisse o seu dever. […] Passou-se um ano, e em Maio de 1920 foram ter com o sr. governador civil [que] depois veio a dizer tambêm que não se podia fazer ainda a referida peregrinação.”71 A primeira peregrinação anual tomou finalmente lugar a 21 de Agosto de 1921, três anos depois do voto e da consagração inicial da cidade ao Sagrado Coração de Jesus. “No dia 21 de Agosto de 1921, saía realmente a peregrinação da igreja de SanDomingos, pelas 7 horas da manhã (hora oficial), e com o máximo brilhantismo e assistência de milhares de fiéis chegou ao monte de Santa Luzia, onde toda a cidade renovou a sua consagração ao Sagrado Coração de Jesus”.72 Esta peregrinação ainda se realiza anualmente, na semana seguinte ao feriado do Corpo de Deus, e segue a trajectória tradicional: a procissão tem como ponto de partida a Igreja de S. Domingos, 69

Santa Luzia, nº5, p.4 idem ibidem. 71 idem ibidem. 72 idem ibidem. 70

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onde se encaminham as freguesias do arciprestado por ordem alfabética; seguem pela rua Manuel Espregueira, sobem a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, passam pela rua dos Caçadores V.C.9., a Avenida Salazar, e daí entram na estrada de Santa Luzia, subindo até chegar ao Templo-Monumento. Esta é a origem da peregrinação anual, hoje assumindo-se como uma das festas mais importantes da cidade, num louvor em que o povo vianense celebra o final de uma tragédia, renovando a sua gratidão à entidade a que consagrou a cidade.

O RETOMAR DAS OBRAS A 20 de Outubro de 1925 forma-se a Comissão Administrativa do TemploMonumento, um organismo que nos suscita ainda mais dúvidas do que a Comissão de Melhoramentos, por ser tão problemático traçar o seu campo de actuação e os seus desígnios. Pressupomos que este organismo tenha surgido pela necessidade de renovar o compromisso com as obras que já se tinham iniciado, dado que a Confraria de Santa Luzia e a Comissão de Melhoramentos haviam estagnado as suas actividades, possivelmente uma consequência da morte do presidente de ambas, Bernardo Pinto de Abrunhosa. Domingos Pinto Rocha ocupa o lugar de Presidente, e verifica que, para que as obras retomem o seu bom andamento, necessitará de um arquitecto que seja capaz de interpretar e de concluir o projecto de Ventura Terra, dado que este havia falecido em 1919, deixando o Templo-Monumento inacabado. Faria todo o sentido que fosse António Adelino de Magalhães Moutinho a continuar a obra, dado que trabalhou directamente com o autor do projecto e dirigiu as obras durante muitos anos mas, por sabermos tão pouco sobre este arquitecto municipal cujo papel para a construção do Templo tem sido menosprezada, foi fácil perder-lhe o rasto durante os longos anos que formaram este interregno. Assim, em Dezembro de 1925, Domingos Pinto da Rocha entra em contacto com Miguel Nogueira, que tinha sido aluno de Ventura Terra, como este tantas vezes refere, ao lembrar o “saudoso Mestre”. Miguel Nogueira ocupa o cargo de director das obras, tomando então a empreitada de concluir o templo que o projecto de Ventura Terra previa, sendo uma tarefa algo difícil, pois este carecia de alguns detalhes e de resolução técnica de alguns aspectos, que “só um mestre, e um mestre discípulo do

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Mestre Ventura Terra os podia resolver”73. O arquitecto descreve da seguinte forma a tarefa que tomou nos braços: “difícil e cheio de responsabilidades encargo de realizar – diria melhor, talvez, salvar – o projecto do Grande Ventura Terra, o primeiro de meus Mestres, projecto tão felizmente concebido, mas tão falho de detalhes essenciais, tomei posse da minha espinhosa tarefa em 26 de Dezembro do ano referido, recomeçando as obras, paralizadas desde longa data, em Janeiro de 1926”74. Em Janeiro do ano seguinte iniciam-se a 2ª fase das obras da construção do Templo-Monumento, com o objectivo de arrematar a capela-mor para que possa ser aberta ao culto até Agosto desse ano, pela altura das festividades da Romaria da Senhora da Agonia. A 22 de Agosto, encontrando-se a capela-mor concluída, realizouse uma peregrinação em rejúbilo por ver a abertura ao culto do novo e incompleto templo. D. Manuel Vieira de Matos, Arcebispo Primaz de Braga, presidiu aos festejos e, depois de terminados os actos religiosos, dirigiu-se á capela-mor, que inaugurou solenemente, autorizando que ali se praticasse o culto até à conclusão e sagração do Templo-Monumento. O Padre António Carneiro, que será durante muitos anos o capelão de Santa Luzia, celebra uma missa num altar provisório. Neste mesmo ano demole-se a ermida, para dar continuidade às obras do edifício que a substituiria. Três anos mais tarde, a 5 de Janeiro de 1928, Miguel Nogueira, sofrendo de miopia, pede a Emídio Lima que se encarregue da direcção das obras. A presença do mestre-canteiro revelar-se-á uma contribuição notável para o andamento das obras, sendo um dos mais dedicados obreiros que o Templo-Monumento teve, e este tornou-se num núcleo gerador de artistas na arte de trabalhar o granito. Até ao ano de 1940 a construção seguiu um ritmo contínuo, sem paragens, concluindo-se a 6 de Abril75 a última das quatros torres do templo. A 24 de Dezembro de 1943 coloca-se a cruz equilátera que remata o zimbório do Templo-Monumento, dando-se como concluída a sua construção. Contudo, faltava ainda tratar dos acabamentos interiores.

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Santa Luzia, nº 50, Julho 1944.p. 10 idem ibidem pp.7 e 8 75 Tem-se em consideração que a data oficial é no dia seguinte, 7 de Abril, mas devemos ter em atenção que nesse dia se realizou uma comemoração, onde o arquitecto Miguel Nogueira fez um pequeno comunicado. Contudo, a data da colocação da última pedra da quarta e última torre, refere-se ao dia 6 e não 7 de Abril. 74

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INTERIORES Subsistem dúvidas acerca da autoria do altar-mor. Encontramos o nome de Miguel Nogueira associado à autoria do projecto inicial, mas encontramos documentação que sugere que a sua remodelação ou o projecto final foi desenhado pelo arquitecto Moreira da Silva76; os registos que se pronunciam sobre esta questão não são coerentes, uns atribuindo o traço a Miguel Nogueira, outros a Moreira da Silva. O altarmor, em granito e mármore, previa um alojamento para o sacrário de prata, cinzelado pelo ourives portuense Filinto de Almeida, bem como duas consolas para os candelabros que haviam sido oferecidos pela família de Joaquim José Cerqueira, os Belfort Cerqueira, tendo sido adquiridos na colónia vianense no Rio de Janeiro. Esta incerteza da autoria permanece igualmente nos dois altares laterais, o do lado esquerdo dedicado à Senhora da Abadia e o do lado direito a Santa Luzia. Sabemos, contudo, que a sua execução se deve a Emídio Lima, bem como os púlpitos de linhas ondulantes, que tiveram o desenho de Miguel Nogueira. A imagem que havia de ocupar o altar-mor foi bastante ponderada, tendo-se pensado em esculpi-la em mármore de Carrara77. Decidiu-se, porém, utilizar o mármore de Vila Viçosa78, fazendo-se uma reprodução da obra de Aleixo Queiroz Ribeiro. Procurou-se um artista anónimo para executar a obra e não um de renome dado que “os desta categoria criam, não copiam”79. Assim, Bernardino de Araújo, amigo de Manuel Couto Viana que fez várias considerações sobre A Montanha Dourada de Maria Augusta Eça de Alpuim, faz-lhe saber que conhecia um escultor de Alvarães que se incumbiria da tarefa, de seu nome Martinho de Brito. Este artista deitou mãos ao trabalho, executando uma réplica da obra de Aleixo Queiroz Ribeiro, mas nas proporções determinadas por Miguel Nogueira, dado que convinha que a imagem tivesse uma posição mais erecta que a original. 76

“ a escultura, que não só consta do nosso projecto, mas, até certo ponto está na base da sua própria razão de ser, também foi nós orientada das quatro ou cinco vezes que para o efeito nos deslocamos à oficina do Mestre Leopoldo de Almeida, em Lisboa e, por isso, a despeza com ela feita e a fazer não deve ser excluída do custo do altar por nós projectado” ACSLVC - Carta de Moreira da Silva a Bento Abel Alves de Brito, secretário da Confraria de Santa Luzia a 24 de Janeiro de 1956. Ainda outra carta, com o mesmo remetente e destinatário, datada de 21 de Março de 1956 corrobora a nossa afirmação: “…sabido por V. Exª é que muito tempo depois de feito, por minha mulher e por mim, o projecto de remodelação do altar mor, não foi pouco o trabalho que ela e eu tivemos no sentido de o convencer [Leopoldo de Almeida] a firmar contrato com essa Confraria para a execução dos dois anjos destinados ao referido altar”. 77 Região da Toscana famoso pelo seu mármore, utilizado desde a Roma Antiga 78 Considerada a capital nacional do mármore, que é reconhecido a nível mundial 79 Considerações sobre “A Montanha Dourada” por Manuel Couto Viana in Santa Luzia nº254.

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Os vitrais que fecham as três rosáceas, as maiores da península Ibérica, num total de vinte e quatro janelas, foram oferecidos pelo Dr. Frederico Augusto, um advogado lisboeta que dispôs a quantia de 100 mil escudos para esse efeito. O trabalho foi por ele encomendado à oficina Ricardo Leone em Lisboa, especialista neste tipo de obra, procedendo a sua execução e montagem. As cruzes que marcam as estações da Via-Sacra no escadório foram desenhadas por Manuel Couto Viana a pedido do Padre António Carneiro. São de madeira emoldurada a ferro com uma caixa para encerrar a figuração correspondente a cada Estação, só se abrindo na altura devida. Contudo, dada a precariedade dos materiais, foram retiradas. A Casa Leone sugeriu ainda o revestimento da cúpula da capela-mor com mosaicos “italianos e com figuração e decoração adequada”80. Esta ideia nunca iria para a frente, dado os atrasos e os desacertos entre A Casa Leone e a Confraria de Santa Luzia. Foi através de Martinho de Brito que se encontrou o artista que ficaria encarregue da decoração da capela-mor, um escultor seu colega que havia regressado de Paris há pouco tempo, onde se havia especializado em pintura mural. Falamos de Manuel Pereira da Silva81, que rapidamente apresentou um projecto de pintura para a capela-mor representando, na cúpula, a Ascensão de Cristo, e nas paredes a Via-Sacra. Esse projecto, depois de analisado por Manuel Couto Viana e pelo Reverendo Padre Jesuíta Dr. Manuel Antunes, dado que se tratava de um tema sacro, foi aprovado e o artista executou a obra em poucos meses, corria o ano de 1954, pelo valor de cerca de 60 mil escudos. O mesmo Padre Dr. Manuel Antunes sugeriu o nome do escultor Leopoldo de Almeida para realizar as imagens dos dois anjos que haviam de ladear a peça de Martinho de Brito. Assim, depois de apresentado e aprovado o orçamento82 este faz a modelação das imagens em gesso, e recomenda a sua equipa de canteiros para a execução do modelo em mármore. Contudo essa tarefa fica a cargo de Emídio Lima e dos seus homens, encomendando-se dois blocos de mármore de Vila Viçosa para esse

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VIANA; Manuel Couto – Ferro-Velho: memórias e estudos. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1989.p. 220. 81 Encontramos duas referências ao nome deste escultor; a que apresentamos é a que aparece com mais frequência, contudo não podemos excluir a hipótese do mesmo se chamar J. Manuel da Silva. 82 A data do orçamento, bem como o valor dos moldes das esculturas cobrado pelo escultor é-nos revelado na seguinte carta, sem data, ao arquitecto Moreira da Silva: “Mantenho pois […] o meu orçamento enviado em 25 de Maio de 1954 ao Sr. João Alves Cerqueira. Porém acedo que, dessa totalidade me sejam descontados vinte contos que destino ao Santuário de Santa Luzia. Fica sendo, portanto, de 100 contos o meu preço das duas estátuas dos Anjos.” – ACSLVC.

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efeito. A obra, dois anjos que se curvam em adoração ao Sagrado Coração de Jesus, oferecendo-lhe os escudos de Portugal e de Viana, custou 100 mil escudos, sendo que Leopoldo de Almeida fez questão que da referida quantia, 20 mil escudos fossem entregues à Confraria para custear as obras. Terminadas as obras tanto no interior, como no exterior, a 14 de Junho de 1959, procedeu-se finalmente à inauguração e bênção do Templo-Monumento, bem como a sagração do altar-mor dedicado ao sagrado Coração de Jesus. Referimos ainda, outras obras complementares que se efectuaram após a sua conclusão: em 1973 a Confraria dotou o edifício de um elevador interior, situado na torre norte, que dá acesso á subida para o zimbório; no ano seguinte a Câmara Municipal decretou a iluminação exterior constante do Templo, o que oferece um bonito panorama na escuridão da noite; e ainda já no virar de século, um arranjo urbanístico do exterior pela mão do arquitecto Rui Martins, bem como a reorganização do espaço correspondente á sacristia. Aproveitamos ainda para justificar o título deste capítulo: o Templo-Monumento de Santa Luzia é uma obra que pretendeu revalorizar não só o local de Santa Luzia, mas enriquecendo a cidade que está a seus pés. Foi para a população que se ergueu este centro de fé, palco de manifestações religiosas e populares que fazem parte das vivências quotidianas dos vianenses. Ao mesmo tempo o Templo-Monumento é um produto desta mesma comunidade, como verificamos pelas pessoas que foram fundamentais para o seu nascimento – Ventura Terra, Miguel Nogueira, Emídio Lima, Luís de Andrade e Sousa, António Alberto da Rocha Páris, apenas para referir os nomes mais sonantes; por outro lado, a população também teve um papel fundamental, contribuindo para a obra com meios pecuniários, materiais e outros, ressalvando que a sua construção só foi possível graças aos donativos que nunca cessaram até a obra ser concluída. É uma obra de Viana, e para Viana. Ainda neste sentido, terminamos com as palavras de António de Carvalho: “Hoje, o Templo-Monumento que brilha aos nossos olhos no cimo do Monte de Santa Luzia, constitui, em primeiro lugar, um saliente centro de peregrinação consagrado ao Coração de Jesus e também a Santa Luzia. Afirma-se também, como um pólo de atracção turística para muitos milhares de nacionais e estrangeiros que o visitam, seduzidos pela fama de apreciável marco artístico e miradouro de renome

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internacional. Finalmente, constitui um testemunho muito vivo da grandeza da fé dos vianenses que o construíram argamassado em generosidade e bairrismo”83.

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83

CARVALHO, António de – Viana do Castelo século XX. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2001.p.55.

CAPÍTULO II: 49

O SACRO-MONTE

Debrucemo-nos, de seguida, sobre a designação deste edifício. Não é um assunto fácil, em primeiro lugar pela sua própria tipologia, e em segundo pelas entidades a que é consagrado. Comecemos por esta última, que acaba por ser mais simples. Santa Luzia foi o primeiro orago do lugar, pela existência da ermida consagrada à santa. Dada a sua importância primordial, o monte acaba por obter a mesma designação. Contudo, no templo, o espaço reservado à santa é secundário, resumindo-se a um altar lateral. Já a devoção ao Sagrado Coração de Jesus ocupa o altar-mor; e não foi a esta entidade que se construiu a estátua que é antecedente ao templo? Ao mesmo tempo, constatamos que a antiga ermida era primeiramente dedicada a Santa Águeda, depois a Nossa Senhora da Abadia, e Santa Luzia apenas ocupava um altar lateral, acabando esta última devoção por se impor. Não estaremos a assistir ao mesmo processo, em que desta vez o culto ao Sagrado Coração de Jesus se impõe ao de Santa Luzia? É difícil dizer. Podemos constatar que o culto ao Sagrado Coração de Jesus é dotado de maior carga no templo, uma vez que a sua presença se impõe no altar-mor e na estátua que recebe o visitante prestes a entrar no templo, assumindo-se como padroeiro. Porém, a questão da antiguidade pende a favor de Santa Luzia, e observamos que o monte se denomina monte de Santa Luzia e não monte do Sagrado Coração de Jesus. Façamos aqui uma pausa para introduzir um outro conceito. Do nosso ponto de vista, “Santa Luzia” existe também como um local. Não apenas como uma entidade ou um culto, ou como uma ermida e/ou monte com essa denominação. Existe como lugar, um espaço físico que (como veremos mais á frente) é possuidor de um determinado ambiente, abrangendo o que se encontra dentro desse mesmo espaço. Ao considerarmos que o nosso objecto de estudo, o Templo-Monumento, não se resume a um edifício per se, incluímos elementos como as colunas que o ladeiam e a estátua que nele se abriga, pois sem eles o edifício não faz sentido. Imaginemos que este é um primeiro agregado arquitectónico. A este juntemos-lhe o Hotel, a Citânia, e os espaços envolventes – não estamos apenas a definir um objecto isolado, mas sim um conjunto, uma estância. E esta estância será possuidora de um espírito comum, enraizado nas suas origens e significados primordiais, ligando os elementos como um todo. Retomemos então a denominação. Ao mencionarmos Santa Luzia, não nos estamos somente a referir um culto ou um edifício, estamos a abranger todo um local e toda uma história que envolve esse local, considerando o espaço como um conjunto recheado de significado. Importante é também a designação corrente para a população,

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afinal não é, mais uma vez, dela e para ela o monumento que lá está? E nisto, há unanimidade. O templo é o Templo de Santa Luzia, diz-se “Fui a Santa Luzia”, as placas que apontam o caminho para o templo dizem “Santa Luzia”, Santa Luzia está na boca do povo. A isto acrescentamos a designação da Confraria, da Comissão de Melhoramentos, e ainda o Jornal de Santa Luzia e, nas notícias recolhidas no jornal Aurora do Lima, os títulos dos artigos nomeiam, na esmagadora maioria, Santa Luzia. Podemos concluir que os dois termos estão correctos, mas por ser a sua designação mais comum, porque o monte tem o mesmo nome, e sobretudo porque temos em consideração que o templo faz parte de um conjunto que extrapola o edifício, sendo que estamos a estudar este objecto como fazendo parte da estância do monte de Santa Luzia, chamaremos ao templo Santa Luzia. Faremos, de seguida, uma reflexão sobre a localização do nosso objecto de estudo: o Templo-Monumento encontra-se situado no alto do monte de Santa Luzia, que por sua vez é uma ramificação da serra de Arga. O seu posicionamento elevado concede-lhe uma posição privilegiada, dominando a paisagem daquela região, constituindo um ponto de referência a quilómetros de distância. No cenário da região minhota, este não é o único exemplar. Podemos observar a existência de outros santuários situados em locais elevados, como é o caso do Bom Jesus e do Sameiro em Braga, e da Nossa Senhora da Penha em Guimarães. Este fenómeno não é de estranhar se tivermos em consideração as palavras de Carlos Alberto Ferreira de Almeida: “Uma gama de razões diz respeito ao aspecto paisagístico do local eleito para a implantação da capela, escolhido por ser ameno, por ser dominante, ou por ser espaço invulgar. Não é por acaso que nos sítios mais deslumbrantes, ou mais aprazíveis, encontramos sistematicamente ermidas”84. A escolha do alto de um monte para a implantação de uma capela faz todo o sentido se pensarmos que o monte por si só reúne uma série de significados importantes para a população que se encontra aos seus pés. Se recuarmos no tempo, verificamos que, sistematicamente, estes locais foram eleitos para a instalação de povoados, sobretudo pelo seu carácter defensivo e estratégico, como se comprova pela existência de inúmeros exemplos de castros. O monte, enquanto local, colhe desde cedo um determinado significado, mutável com o tempo; e “porque o homem tem uma necessidade fundamental de significados, tornam a imaginabilidade 84

ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Religiosidade popular e ermidas in Estudos Contemporâneos, dir. de Joaquim Azevedo. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Porto. p. 78.

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desse local muito rica, até pelas lendas etiológicas que se lhe associam, permitindo um conjunto de vivências que os passam a unir a esse ambiente.”85 Assim, “a escolha dos montes sobranceiros às paróquias e às agras para a implantação de capelas resulta também de crenças, segundo as quais essas ermidas […] protegiam os campos e as povoações”86. Por outro lado, a altitude é um factor desejado no sentido em que está mais próximo do céu, e portanto, de Deus. O monte funciona como um ponto de encontro entre o terreno e o divino, levando o crente a estabelecer uma maior ligação com o objecto da sua devoção. O monte vai auferir de um carácter místico muito particular, tornando-o ideal para receber capelas que reflictam as preocupações e a espiritualidade da população que por ele se encontra abrigada, formando um pólo sacralizado e protector do espaço em redor, exorcizando os males. Por outro lado, esta localização favorece a realização de romarias ou procissões, que tanta importância têm na cultura religiosa do Norte de Portugal. O conceito de peregrinação e romaria é algo complexo de explicar, dada a dificuldade em “sondar as profundidades da alma colectiva e individual”87, mas podemos sublinhar algumas das motivações deste fenómeno religioso. Existe um primeiro sentimento da prestação da homenagem, de devoção. O peregrino procura igualmente a demonstração do agradecimento, da fidelidade e serviço ao santo, em troca da sua protecção. Este aspecto traz segurança psicológica ao devoto, confortando-o. A peregrinação é sobretudo uma manifestação de fé, que se materializa numa celebração religiosa onde os seus intervenientes podem participar de forma colectiva. Ainda nas palavras de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, “as capelas isoladas prestam-se muito melhor que as paroquiais às vivências do peregrinar que é partir (saindo do seu espaço quotidiano), fazer uma viagem, idealmente a pé (passando por espaço não-familiar e por vezes custoso), para ter a sensação do encontro dum espaço sagrado e aí saudar o santo, dar as voltas à capela, entrar, rezar, tocar ou beijar a imagem e deixar a esmola”88. Assim, sendo parte deste percurso ou «viagem» no sentido ascensional, está implícita a ideia do sacrifício necessário para chegar à meta, o local sagrado onde o santo aguarda o fiel. Como tal, o percurso ou caminho a percorrer pode ter correspondência com a Via-sacra, que tem como término o topo, o ponto de encontro entre o terreno e o divino, a zona de passagem cósmica, onde o devoto entra em contacto com sagrado. 85

Idem ibidem, p. 79. Idem ibidem, p. 79-80. 87 Idem ibidem, p. 83. 88 Idem ibidem, p. 81. 86

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O monte sacro deve ser ainda possuidor de outro tipo de significados e/ou características que enfatizem a sua condição. É usual encontrarmos referências a lendas, mitos ou milagres que atestem a sacralização do local. “A capela do santo está nesse local por sua vontade, porque a sua imagem foi aí encontrada ou porque aí aconteceu qualquer milagre ou facto extraordinário que patenteia esse desejo”89. Isto funciona como um indicador divino que transcende a dimensão humana de atribuição de significado ao local; ou, por outro lado, funciona exactamente como esse desejo inconsciente da procura do significado, tão vital para o homem, como já referimos acima. A este fenómeno acresce a fenomenologia do ambiente, ou seja, as características paisagísticas em redor, e a forma como estas se associam aos aspectos já referidos. Não podemos deixar se sublinhar que Santa Luzia se encontra rodeada por um ambiente fantástico, onde no alto do monte a paisagem é encabeçada pela serra e a sua vegetação, aos pés a urbe que se estende até ao rio Lima, que por sua vez desagua no oceano Atlântico, numa imensidão de água que apenas termina ao encontrar novamente a flora. A paisagem tem um papel relevante na composição do ambiente, dado que ele não se constrói apenas do que é imaterial, mas também do que é visual. Tal permite uma excitação sensorial conduzindo ao numinoso que, segundo Rudolf Otto90, é o estado religioso da alma inspirado ou vivenciado pelas qualidades transcendentes da divindade. Assim, podemos falar do monte sacro enquanto hierofania91, se o qualificarmos como um elemento da natureza, portanto profano, que adquire uma conotação ou um sentido divino, ou porque lhe é atribuído um significado sagrado pelo homo religiosus92. “O objecto passa a ser uma hierofania no momento em que deixa de ser um simples objecto profano e adquire uma nova «dimensão»: a sacralidade.”93 Deste ponto de vista, o monte enquanto elemento natural não terá qualquer outra significação ou valor espiritual para o homem profano; já para o crente, o monte transcende os valores laicos, transmutando o lugar profano em lugar sagrado.

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idem ibidem, p. 81. Rudolf Otto (1869-1937) foi um teólogo alemão, autor de Das Heilige (O Sagrado), criador do termo numinous. 91 Hierofania é um conceito desenvolvido por Mircea Eliade (1907-1986), um historiador de religiões e filósofo romeno, definindo a manifestação do sagrado, ou a manifestação de uma realidade superior através de objectos que são parte integrante do nosso mundo. 92 Homo religiosus refere-se ao ser humano enquanto um ser religioso, ou pertencente a uma comunidade religiosa. 93 ELIADE, Mircea – Traité[1948] trad. It. p.17 in GIL, Fernando – Enciclopédia Einaudi. Vol.12: Mythos/Logos, Sagrado/Profano. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987. 90

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Em última instância, o monte é habitado por mais uma entidade – o genius loci. A explicação mais frequente para este termo refere-se ao “espírito do lugar”, estabelecendo que o local é possuidor de um conjunto de significados que o caracterizam ou, nas palavras de Christian Norberg-Schulz, “podemos dizer que os significados que são reunidos por um local constituem o seu genius loci”94. O genius loci está directamente relacionado com as raízes e significado do local, e portanto, nas relações dos diferentes elementos que compõem o local: “este genius é determinado por tudo aquilo que é visualizado, complementado, simbolizado ou reunido”95. São estas características articuladas que lhe vão atribuir identidade, ou espírito. Assim, quando se constrói uma estrutura arquitectónica neste local, ela irá ser incumbida deste espírito, inclusive tornando-se parte dele. O edifício ocupa um papel importante dado que ele irá funcionar como a materialização do espírito, através da mão do homem que o edifica – “através da construção o homem atribui aos significados uma presença concreta”.96 O invisível encontra-se, desta forma, projectado no visível. Temos de sublinhar, antes de avançarmos mais, a relação entre “significados” e “espírito”; estas palavras representam o mesmo conceito, significam (repetindo a palavra) o mesmo. Os significados são o espírito, o genius loci, e o espírito é o conjunto de significados. Daí a constante repetição, sendo os significados tão relevantes, dado que “a necessidade mais fundamental do homem é atribuir significado à sua própria existência”97. Podemos então concluir que a capela ou templo no cimo do monte toma as propriedades do local da sua implantação, dando-lhe uma dimensão física ou material. Assim, “o «significado» de qualquer objecto consiste na maneira como se relaciona com outros objectos, ou seja, consiste naquilo que o objecto «reúne»”.98 Templo? Porque não Santuário? Ou Basílica? Ou Catedral, ou Igreja, ou ainda Capela? Afinal em que categoria se insere este edifício? Analisemos então a tipologia do nosso objecto de estudo. Decididamente não é uma catedral, dado que não é a “igreja principal onde se encontra a sede da diocese do bispado, onde o bispo ou arcebispo

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”We may say that the meanings which are gathered by a place constitute its genius loci” in NORBERGSCHULZ, Christian – Genius Loci towards a phenomenology of architecture. Londres, Academy Editions, 1980. p. 170. – tradução da autora. 95 “This genius is determined by what is visualized, complemented, symbolized or gathered” in idem ibidem, p.58. – tradução da autora. 96 “Through building man gives meanings concrete presence” in idem ibidem, p.170. – tradução da autora. 97 “Man’s most fundamental need is to experience his existence as meaningfull” in idem ibidem, p.166. – tradução da autora. 98 “the «meaning» of any object consists in its relationships to other objects, that is, it consists in what the object «gathers»” in idem ibidem,. p. 166 – tradução da autora.

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tem a sua cátedra”99, apesar de termos encontrado referências que afirmam o contrário. Embora seja comummente conhecida como basílica, o decorrer da nossa investigação revelou que, de facto, não é considerada como tal. Para obter o título de Basílica «maior», ou Patriarcal, seria necessário que estivesse sob a autoridade do Papa, contendo um altar e trono papal, e uma Porta Sancta. Para o título honorífico de basílica ou basílica «menor» é também necessária a aprovação papal, concedida por a igreja ser possuidora de determinadas características indeterminadas que a definam como relevante enquanto igreja católica. Encontramos ainda a seguinte definição: “Igreja cristã do séc. IV ao XI, construída segundo o plano das basílicas romanas e, por extensão, toda a igreja católica de grandes proporções. […] Hoje recebe aquele nome só o templo titular com especiais dignidades, decorrentes de certas funções consideradas importantes e especiais”.100 Portanto Santa Luzia não é uma basílica, uma vez que não abrange nenhum destes parâmetros.101 É, de facto, um templo; o vocábulo tem origem no latim templum que significa local sagrado; templo exige, ainda, que seja aclamado a uma entidade sagrada: “Lugar consagrado à divindade. Os templos antigos não eram, como as igrejas cristãs ou as sinagogas judias, locais de assembleia para os fiéis, mas uma caixa de mármore para a estátua do deus”102. O nosso edifício encaixa perfeitamente nesta definição. É também um santuário; recorremos uma vez mais ao latim e encontramos fanum, remetendo para local sagrado ou templo, e sacrarium de lugar onde se guardam objectos sagrados, ou seja, relíquias, bem como “templo dedicado a um culto de especialidade devoção. Altar ou capela onde se guarda o Santo Lenho ou relíquias de santos”103. Carlos Alberto Ferreira de Almeida acrescenta ainda que “santuário designa, sistematicamente, um templo que, apesar de originariamente não ter sido igreja-paroquial, tem uma certa grandeza arquitectónica, onde o concurso de gente devota é grande, e a autoridade eclesiástica reconhece uma particular manifestação do sagrado, como o seu nome indica. A atribuição de milagres é pois 99

SILVA, Jorge Henrique Pais da, CALADO, Margarida – Dicionário de termos de arte e arquitectura. Lisboa: Editorial Presença, 2005, pág. 79. 100 Idem ibidem, p. 56. 101 Acerca deste assunto, António de Carvalho refere: “Detendo na hierarquia das igrejas a simples categoria de santuário diocesano (…) e sabendo-se que o título de “Basílica” pode ser requerido ao Sumo Pontífice, por intermédio da Sagrada Congregação de Ritos, depois de obtido o consentimento do Ordinário, bastando para isso que este considere o Templo-Monumento no quadro das “igrejas principais, notáveis pela sua antiguidade, beleza arquitectónica ou importância peculiar” (…) o que falta então para que seja requerido o título de “Basílica” para este testemunho eloquente da crença dos vianenses, que é o Templo-Monumento?” in CARVALHO, António de – Acontecimentos que Viana sentiu. in Santa Luzia, nº424, p.8. 102 SILVA, Jorge Henrique Pais da, CALADO, Margarida – Dicionário de termos de arte e arquitectura. Lisboa: Editorial Presença, 2005, pp. 350-351. 103 Idem ibidem, p. 327.

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essencial”104. Importa referir que Santa Luzia possui uma relíquia da santa, devidamente certificada e remetida pelo Vaticano em 1957, para ser venerada. E nunca é demais sublinhar a importância do culto das relíquias para o local onde elas se encontram. Pois, “por muito ínfimo que fosse este objecto e qualquer que fosse a sua natureza, este conservava a sua inteira graça de que o santo era investido em vida. Por isso, uma relíquia santificava o local onde se encontrava, de uma maneira não menos eficaz que o próprio santo o teria feito”105. Para terminar, faremos ainda uma rápida distinção entre igreja e capela, para que não restem mais dúvidas relativamente à sua tipologia. Uma capela diferencia-se de uma igreja por ser “mais vasta do oratório porque serve o culto público”106. As capelas são, em geral, semelhantes a pequenas igrejas; “a diferença entre ambas é de carácter administrativo, regulada pelo direito canónico. Capela é o templo que não é sede de paróquia e por isso é desprovido de padre com assistência permanente”107. Assim, a capela terá menos afluência que a igreja, dado que serve um menor número de devotos, podendo não prestar o serviço litúrgico regularmente. O antecessor do nosso edifício seria um exemplo desta tipologia, mas este último vai mais além desse culto primitivo. Ao longo deste trabalho, referimo-nos constantemente ao nosso objecto de estudo como “Templo-Monumento” de Santa Luzia. Já resolvemos a questão da terminologia da consagração, e justificamos este termo tipológico. Resta-nos legitimar a inclusão de “monumento” nesta denominação. Comecemos então por dissecar o vocábulo, tendo como ponto de partida novamente o latim: Monumentum significa monumento, recordação, testemunho. Designa ainda uma estrutura erigida por motivações simbólicas e/ou comemorativas. ”Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação”.108 Numa análise imediata, verificamos a ligação directa e inerente à ideia de memória. Procuramos a definição de monumento noutros campos, e encontramos na Alegoria do Património de Françoise Choay, o seguinte: “Em primeiro lugar, o que entender por monumento? O sentido original do termo é do latim monumentum, ele próprio derivado 104

ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Religiosidade popular e ermidas in Estudos Contemporâneos, dir. de Joaquim Azevedo. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Porto, p. 75 105 GIL, Fernando – Enciclopédia Einaudi. Vol. 1: Memória-História. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1894. p. 60. 106 SILVA, Jorge Henrique Pais da, CALADO, Margarida – Dicionário de termos de arte e arquitectura. Lisboa: Editorial Presença, 2005, pág. 199. 107 Idem ibidem, pág. 76. 108 GIL, Fernando – Enciclopédia Einaudi. Vol. 1: Memória-História. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1894. p. 95.

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de monere (advertir, recordar), o que interpela à memória. A natureza efectiva do destino é essencial: (…) excitar, pela emoção, uma memória viva. Neste primeiro sentido, chamar-se-á monumento a qualquer artefacto edificado por uma comunidade de indivíduos para se recordarem, ou fazer recordar, a outras gerações, pessoas, acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. A especificidade do monumento prendese, então, precisamente com o seu modo de acção sobre a memória. Não só ele a trabalha, como também a mobiliza pela mediação da afectividade, de forma a fazer recordar o passado, fazendo-o vibrar à maneira do presente. Mas, esse passado invocado e convocado não é um passado qualquer: foi localizado e seleccionado para fins vitais, na medida em que pode, directamente, contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade (…). É garantia das origens (…). A sua relação com o tempo vivido e com a memória, noutras palavras, a sua função antropológica, constitui a essência de um monumento.”109; continuando, diz-nos ainda que um monumento é “encarregue pela sua presença de objecto metafórico de recordar à vida um passado privilegiado e de aí reemergir aqueles que o olham.”110 Choay faz a sua abordagem inicial em torno do mesmo conceito, caracterizando o monumento como um agente da memória, que recorda ou evoca uma especificidade, recuperando o passado ao revivê-lo no presente. Por outro lado, afirma que o que é recordado ou revivido é dotado de uma importância vital para a comunidade a que se dirige, ou de outra forma não seria relevante essa transmissão para a posteridade. Assim, os acontecimentos, pessoas, crenças, ou outros registos assumem-se como parte integrante da identidade dessa comunidade, ao sublinhar aspectos do percurso desta; e isto funciona nos dois sentidos, pois tanto serve para as pessoas que recebem esse testemunho, como assegura as que tomaram parte na construção do monumento que essa “mensagem” será transmitida. E é exactamente isto a que se refere o termo monere: “uma atenção solicitada, um pensamento virado para o passado, mas também uma advertência para o futuro, uma monição contra o esquecimento.”111 Esta preocupação com a perpetuação da memória é inata ao ser humano, que faz de tudo para que o seu ser individual ou colectivo não caia no esquecimento. Queremos ser recordados. De tal forma que, por exemplo, no Antigo Egipto os faraós mandavam gravar nas paredes dos templos a sua efígie, e se o seu 109

CHOAY, Françoise – Alegoria do Património. Coimbra: Edições 70, 2008. pp. 17 e 18. Idem, ibidem, p. 20. 111 VALLET, Odon, Les Mots du Monument, in Cahiers de Médiologie, nº7, Gallimard, 1999, p. 21, in ABREU, José Guilherme - A problemática do monumento moderno [on-line]. Disponível em 110

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governo desagradava a população, após a sua morte todas as suas representações eram apagadas. Esta era, como em tantas outras culturas, a derradeira punição que se podia oferecer – a queda no esquecimento. “No inferno órfico, o morto deve evitar a fonte do esquecimento, não deve beber no Lethes, mas, pelo contrário, deve nutrir-se na fonte da Memória, que é uma fonte da imortalidade.”112 A memória actua então como uma garantia de vida após a morte, ainda que esta não seja literal ou física, mas uma perpetuação daquilo que fomos, enquanto indivíduos, comunidade ou ideologia, sabendo que continuaremos presentes nas sociedades que nos sucederão. Ainda segundo esta linha de pensamento, podemos fazer a distinção entre dois tipos de testemunho ou anamnese: o directo/intencional e o indirecto/ não intencional. O primeiro refere-se às construções que foram erguidas com o próprio desígnio de perpetuar uma memória, em geral muito específica. Falamos dos monumentos narrativos, comemorativos ou históricos113. Este tipo de monumento tem como função celebrar um determinado acontecimento muito particular, de modo a que esse acontecimento seja imediatamente associado ao monumento que lhe dá corpo. Observemos, a título de exemplo, a Coluna de Trajano, mandada construir pelo imperador com o mesmo nome, para celebrar as vitórias militares sobre os dácios. Este tipo de monumento permite uma associação imediata à memória que ele pretende conservar, sendo essa a sua função primária. A narração dos acontecimentos é neste caso bastante evidente (com a utilização da banda espiralada de baixos-relevos), mas não tem de o ser necessariamente. A utilização de elementos simbólicos é suficiente para suportar este carácter narrativo que sublinha determinados aspectos do tema que comemora. É, portanto, uma referência directa à memória que é exaltada pela construção. O testemunho indirecto ou não intencional é aquele cujo significado não é imediatamente inteligível quando se nos apresenta o monumento, ou cuja função principal não é a de comemorar ou assinalar determinado facto. O que não significa que

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GIL, Fernando – Enciclopédia Einaudi. Vol. 1: Memória-História. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1894. P.21. 113 José Guilherme Abreu refere que: “Daí que monumento-histórico seja o mesmo que monumentonarrativo já que quando se fala em monumento-histórico não é tanto da vinculação ao passado deste que se fala, como se um mero vestígio arqueológico se tratasse, mas sim da circunstância de lhe estar associada ou de lhe ser incutida uma determinada narrativa histórica, que tende a tornar-se totalizante, impondo-se como valor primeiro, ao tutelar e converter à sua própria imagem o valor artístico.” in ABREU, José Guilherme - A problemática do monumento moderno [on-line]. Disponível em

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ele esteja ausente, pelo contrário. Uma construção pode ser dotada de uma carga simbólica bastante específica sem que ela esteja bem patente. Enquadramos aqui o nosso objecto de estudo. O Templo-Monumento de Santa Luzia afigura-se-nos como um agente da memória no sentido em que através dele nos recordamos de indivíduos importantes para a sua história e para a cidade de Viana do Castelo, de um culto arcaico que habitou longos anos aquele local, de uma promessa e uma consagração feita em hora de necessidade, de um esforço colectivo para a construção de um verdadeiro testemunho da fé de uma cidade e de uma região. Não é narrativo ou comemorativo na medida em que não foi construído com esse propósito, e portanto não é directa a sua relação com as memórias que ostenta. Mas elas existem e estão presentes. Concluindo, “o monumento tem como característica o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas”114, assumindo-se como uma herança á memória colectiva que nos foi transmitida. Um monumento é-o ainda ao ser detentor de outro tipo de valores. Talvez aquele que seja mais facilmente identificável seja o seu valor estético/artístico. Na linguagem corrente, define-se monumento por uma qualquer construção que seja visualmente apelativa, excitando os sentidos. Diz-se que um monumento é belo, grandioso, magnífico, imponente, soberbo, ou utilizando-se mesmo o adjectivo “monumental”. É certo que não é bem assim, sendo necessário ir mais além deste juízo. Importa perceber que tipo de características notáveis é possuidor, como a execução técnica, a mestria do projecto, a qualidade decorativa, de que forma é que estas qualidades artísticas se relacionam e/ou reflectem o panorama cultural coetâneo e a sociedade que o criou, enfim, aquilo a que nos habituamos a ter em consideração numa obra de arte. Abreviando, e nas palavras de Argan e Fagiolo, “o conceito de arte não define, pois, categorias de coisas, mas um tipo de valor. Ele está sempre ligado ao trabalho humano e às suas técnicas e indica o resultado de uma relação entre uma actividade mental e uma actividade operacional. […] O valor artístico de um objecto é aquele que se evidencia na sua configuração visível ou como vulgarmente se diz, na sua forma”115. Destacamos esta última palavra, pois encontramo-la no texto de José Guilherme Abreu, que por sua vez cita Régis Debray ao instituir um novo tipo de monumento – o monumento-forma: “herdeiro do castelo ou da igreja […] que se impõe pelas suas 114

GIL, Fernando – Enciclopédia Einaudi. Vol. 1: Memória-História. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1894. p.95. 115 ARGAN, Giulio Carlo, e FAGIOLO, Maurizio – Guia da História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 14.

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qualidades intrínsecas, de ordem estética ou decorativa, independentemente das suas funções utilitárias ou de testemunho”116. Deste ponto de vista, atribuímos ao ser humano uma relação mais activa com o monumento, sendo este um produto das suas capacidades cognitivas, da sua sensibilidade, da sua posição num determinado contexto cultural, enfim, do seu saber e do seu sentir. Existe um louvor ao trabalho humano, uma valorização do seu papel enquanto artista/criador. A qualidade aqui impressa na forma, o seu valor artístico, passam então a ter um carácter predominante sobre outro tipo de valores. Este monumento-forma “denota um carácter sensorial, eminentemente da ordem do visível”117 por oposição ao monumento-memória que “denota um carácter mental”118. Importa esclarecer que, segundo o autor, estas duas componentes se encontram associadas, sendo que uma não anula a outra, antes co-existindo; o que advém é que, nestas circunstâncias, o valor puramente estético/artístico se sobrepõe ao valor de testemunho ou ao valor utilitário do objecto. Choay também entra em considerações sobre este assunto: “Quatremére de Quincy […] nota que, «aplicada às obras de arquitectura», esta palavra [monumento] «designa um edifício, quer construído para eternizar a recordação de coisas memoráveis, quer concebido, erguido ou disposto de forma a tornar-se num agente de embelezamento e de magnificência nas cidades» […] Monumento denota, a partir de então, o poder, a grandeza, a beleza: compete-lhe explicitamente afirmar grandes desígnios públicos, promover os estilos, dirigir-se à sensibilidade estética”119. Assim, o valor e o significado do monumento expandem-se para além de si mesmo, constituindo um factor de aformoseamento e prestígio para a cidade, o local ou a região onde se encontra. Evidencia-se a sua relevância no plano urbano onde está inserido, ou apenas na ambiência que o envolve, actuando decisivamente como um agente de notoriedade local. É um modo de enriquecimento cultural e artístico. Obviamente que, sendo uma manifestação da cultura, retornamos à sua condição de modo de acção sobre a memória; mas como vimos anteriormente, uma realidade não invalida a outra, fundindo-se ambas

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Debray, Régis – Trace, forme ou message? in Cahiers de Médiologie, nº7, 1999, pp. 30-34 in ABREU, José Guilherme - A problemática do monumento moderno [on-line]. Disponível em 117 Idem ibidem 118 Idem ibidem 119 CHOAY, Françoise – Alegoria do Património. Coimbra: Edições 70, 2008, p. 19.

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no mesmo edifício, qualificando e sinalizando o espaço urbano, constituindo a excelência estética da cidade como obra de arte.120 Enfim, um monumento, e este (Templo-)Monumento em particular, assume-se como um exemplar admirável da produção cultural de uma sociedade, e um legado para a memória colectiva das sociedades que lhe advirão. E entramos assim nas considerações patrimoniais. Argan e Fagiolo referem, e bem, que “a arte é uma componente constitutiva do sistema cultural, [e] existe decerto uma relação entre os problemas artísticos e a problemática geral da época”.121 Sabendo à partida que é a cultura que produz o património e que este por sua vez pode ser artístico ou não, encontramos aqui subjacente a ideia de que o património artístico é um produto da cultura da sociedade, e que esta, por sua vez, obedece à conjuntura histórica onde está inserida. Sendo a obra de arte produzida no interior dessa sociedade, num local e numa época específica, da qual o artista ou artistas fazem parte, torna-se impossível analisar qualquer objecto artístico isoladamente, sem termos em conta as suas raízes culturais, porque ela nunca pode ser descontextualizada da sociedade e da cultura que a criou, sem ela a obra não faz sentido. Assim, ao considerarmos que “a cultura é um processo contínuo de herança, assimilação, […] e transmissão”122 de valores de uma geração para a geração seguinte, de forma a que os seus sucessores a incorporem na sua memória colectiva, na sua cultura, podemos falar do património como uma herança histórico-social que está em constante mutação, funcionando como um organismo vivo. Este pressuposto funciona de igual maneira para o património artístico, nunca esquecendo que “porque a obra de arte se destina a durar no tempo, não vale apenas por aquilo que significou na situação do momento, mas por aquilo que significou depois, significa para nós, significará para quem vier depois de nós. Cada época deve definir o que significam as obras de arte do passado no âmbito da sua própria cultura e que problemas representam no quadro dos seus próprios problemas”123. O património artístico ou, se quisermos especificar, a obra de arte arquitectónica onde se insere o

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ABREU, José Guilherme - A problemática do monumento moderno [on-line]. Disponível em 121 ARGAN, Giulio Carlo, e FAGIOLO, Maurizio – Guia da História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 17. 122 ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Património – A autenticidade da qualidade. Espaço e Memória – Revista de Património, Universidade Portucalense, 1, 1996. p.19. 123 ARGAN, Giulio Carlo, e FAGIOLO, Maurizio – Guia da História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 29.

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nosso objecto de estudo, é um espólio de cultura artística, de valores sociais, de história, de manifestações do pensamento colectivo e da sensibilidade humana. A herança que nos é transmitida pelo património é importantíssima na estruturação da memória colectiva e da matriz cultural de uma sociedade – “é como se tratasse de construir uma imagem da identidade humana, por via da acumulação de todas essas conquistas e de todos esses vestígios”124. Conhecer e sentir o passado é a forma de nos construirmos enquanto seres individuais e colectivos, e de contribuirmos para o futuro, sabendo onde se estabelecem as nossas origens, e sobretudo sabendo quem somos. A identidade é indispensável ao ser humano porque é ela que nos define, que nos descreve, que nos constitui, que nos faz pertencer a uma determinada comunidade ou local, percebendo-se assim a estreita relação entre identidade e memória, dado que uma é o veículo que leva à constituição da outra, e vice-versa. Portanto, os objectos que nos remetem à memória são marcos fundamentais para o processo social e cognitivo dado que, como Choay nos refere, “indivíduos e sociedades não podem preservar e desenvolver a sua identidade senão na duração e através de memória”.125 O património artístico é então um representante material de toda uma cultura que, por sua vez, é o sustentáculo identitário do indivíduo. Com este capítulo pretendemos abordar o tema do monte sacro, considerando-o fundamental para o entendimento daquilo que temos vindo a estudar. A localização do Templo-Monumento de Santa Luzia é relevante para a sua plena compreensão, dado que a sua situação envolve um conjunto de significados que transcendem a análise do objecto per se. Pretendemos ainda sublinhar que o templo é parte integrante da estância que coroa o cimo do monte, e que faz todo o sentido tomarmos estes elementos como um agregado, uma vez que a intenção da Confraria de Santa Luzia não se restringiria a erguer um edifício isolado, mas a criar todo um conjunto de objectos que conferissem àquele local um ambiente muito particular, tornando-o num ponto de referência no âmbito religioso e cultural, não apenas para a cidade de Viana do Castelo, mas traçando um paralelismo e rivalizando com situações semelhantes no Minho. Por último, sabendo que “Templo-Monumento” é uma terminologia um tanto ou quanto incomum para designar um edifício religioso, fizemos uma análise detalhada desta designação, justificando a sua utilização ao logo deste trabalho; para tal, referimos conceitos como 124 125

CHOAY, Françoise – Alegoria do Património. Coimbra: Edições 70, 2008. p. 253. Idem ibidem, p. 116.

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memória, identidade, património e cultura que, tratando-se de um objecto artístico, lhe estão necessariamente associados, esperando, desta forma, dar mais um passo na total compreensão deste edifício.

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CAPÍTULO III:

DECOMPOSIÇÃO DA OBRA

VENTURA TERRA Na decomposição de um objecto artístico, neste caso, uma peça arquitectónica, justifica-se a apresentação primordial do arquitecto que a idealizou e desenhou, tendo a consciência que, sem conhecermos este, não poderemos atingir um nível de compreensão satisfatório da obra em questão. Assim, abriremos este capítulo com a explanação da vida e da obra do homem que concebeu o Templo-Monumento de Santa Luzia: o arquitecto Miguel Ventura Terra. “Terra (Miguel Ventura) - A família de Ventura Terra era muito pobre e os seus principios foram deveras rudes, mas todos os obstaculos desappareceram deante da sua irresistivel vocação, manifestada bem cedo. Os seus esforços, na sua incessante actividade, foram sempre coroados de bom exito e de talento não tem tido razão de queixa da fortuna. (…) é dos nossos architectos de mais solida reputação e d’aquelles a quem o publico mais considera e estima. O numero dos seus trabalhos é devéras consideravel, o que prova não só a sua infatigavel diligencia e fina comprehensão da vida moderna, mas tambem a confiança que tão praticamente tem sabido inspirar”126. É com estas palavras que Sousa Viterbo descreve Ventura Terra, nascido na freguesia de Seixas, Caminha, a 14 de Julho de 1866, filho do pescador João Bento Terra e de Maria Vitória Lindo, residentes no lugar do Sobral. Oriundo de uma família e de um meio humilde, aos 15 anos de idade ingressa na Academia de Belas Artes do Porto, onde vai encetar a sua formação académica. Inscreve-se nos cursos de Arquitectura Civil e de Desenho Histórico e, mais tarde, em Escultura, Pintura Histórica e no Curso de Perspectiva Linear. Durante estes anos vai concorrer, como em toda a sua vida, a diversos concursos, obtendo duas Menções Honrosas: no Concurso Pecuniário Anual de Desenho Histórico e no Concurso ao Premio Soares dos Reis. Exceptuando isto, o seu percurso não foi particularmente brilhante, assumindo-se como um aluno mediano. Nos finais do século XIX, Paris era o local da única escola oficial de ensino da arquitectura - a Escola de Belas-Artes, “com um curriculum teórico de matérias tais como Desenho, Modelagem, Matemática, História e Composição e, também, como um

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VITERBO, Sousa - Dicionário histórico e documental dos arquitectos, engenheiros e construtores portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988.

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poderoso meio difusor além-fronteiras do progresso urbanístico”127. Assim, o aprofundamento de estudos arquitectónicos teria de contemplar a frequência nesta instituição. Por este motivo, em 1886 concorre ao lugar de pensionista do Estado da Classe de Arquitectura Civil, sendo nomeado a 4 de Setembro do mesmo ano. Ventura Terra chega a Paris a 6 de Novembro, instalando-se na casa-pensão na rua Duguay-Trouin, 12, onde trava conhecimento com os colegas residentes: Teixeira Lopes, com quem manterá uma relação de amizade para o resto da vida, Tomás Costa, José de Brito, Rodrigo Soares e Joel da Silva Pereira. Inscreve-se no atelier preparatório do arquitecto Georges Guicestre a 1 de Dezembro e, paralelamente, frequenta os cursos de História Geral da Escola de Belas-Artes, administrado por Mr. Lensonier, Matemática e Geometria Descritiva sob a tutela de Mr. Chabrol, e Escultura orientado por Mr. Berthé. Depois de realizar as provas de admissão, a 4 de Abril de 1887 é aprovado na École Nationale et Speciale des Beux-Arts de Paris. O programa de ensino da escola parisiense não contemplava somente a componente teórica da Arquitectura ensinada nas aulas, recaindo igualmente sobre a vertente prática; esta era administrada em ateliers, situados num espaço exterior à Escola, e dirigidos por professores designados pela mesma; era dada uma certa liberdade na escolha do atelier pelo pensionista. O ensino dos ateliers observava os programas estipulados pelos professores das aulas tóricas, mas aplicando-os aos projectos que se estudavam e executavam, de acordo com a orientação do mestre. Assim, Ventura Terra escolhe ingressar no atelier do arquitecto Jules André com a seguinte justificação: “[o atelier] de Mr. André é hoje o mais considerado não só pelo magnífico professor, como pela boa escolha de alunos que em grande quantidade fazem o seu curso”128. Paralelamente a este método de ensino, existia um “sistema de concursos anuais que serviam de incentivo e que por vezes se assumiam como objectivo primordial na carreira do estudante de arquitectura”129. Era exigido aos alunos que concorressem a estes programas, sendo que Ventura Terra terá ganho algumas menções honrosas, medalhas e prémios neste âmbito.

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AA.VV. – Ventura Terra (1866-1919). Catálogo da exposição apresentada na Assembleia da República. Lisboa: Divisão de Edições da Assembleia da República, 2009.p. 27 128 Idem ibidem, p. 47. 129 PERDIGÃO, Maria José Araújo Lima – O Arquitecto Ventura Terra – vida e obra. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, 1988. p. 12.

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Outra componente desta formação seria a importância dada ao desenho, exigindo-se aos alunos tanto rigor e detalhe quanto possível na elaboração de esboços e projectos. Esta disciplina será algo que Ventura Terra nunca abandonará, dando um “ênfase especial ao desenho dos seus projectos expressos regularmente e de uma forma tão completa, não ignorando a necessidade do realce dos pormenores”130. Por último, a formação contemplava a recolha de referências e a reportação a modelos antigos, que eram estudados e trabalhados de forma constante e detalhada, fomentando o gosto e a predilecção pela Antiguidade Clássica e pela Arqueologia Medieval. Ventura Terra irá fundamentar o seu trabalho prático nestes preceitos, utilizando ambos os dialectos, fundindo-os ou empregando a sua utilização conforme o papel a desempenhar pelo edifício. Pelo seu óptimo desempenho em diversas provas e projectos no âmbito do curso de Construções Gerais, em 1890 passa a aluno de 1ª classe de Arquitectura da Escola de Belas Artes de Paris: “…recebi os trabalhos da Remessa do seu 4º anno (…) e mostreios aos meus collegas que ficaram muito satisfeitos tanto pelas distincções que V.Exª obteve no referido anno, como pela boa execução e muito trabalho dos ditos projectos (…) todos lhe enviam os parabens por ter vencido todas as dificuldades o curso da 2ª classe d’architectura, e de ser já classificado alumno de 1ª classe na Escola de Belas Artes de Paris.”131 Jules André falece no mesmo ano, deixando como seu sucessor o prestigiado arquitecto Vitor Laloux, autor da Gare D’Orsay e Grande Prémio de Roma em 1878. Como o Conselho Superior da Escola não permitiu essa sucessão, os alunos deliberaram fundar um atelier externo, sob a orientação de Laloux132. Sob a sua orientação, Ventura Terra irá incrementar um trabalho de reflexão e execução, desenvolvendo a relevância

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Idem ibidem. p. 12. OFICIOS, 1890: Ofício 15. 1890-10-18. Fl.44v-45 in RIBEIRO, Ana Isabel – Miguel Ventura Terra: A Arquitectura enquanto Projecto de Vida. Câmara Municipal de Esposende, Esposende, 2006, p.48. 132 “Foi efectivamente uma grande perda para o ensino da Arquitectura e particularmente para os alunos do atelier André, a morte do nosso chefe, querido professor e amigo Mr. André. Felizmente ele deixou um sucessor que, é de crer, saberá conservar no atelier o nome tão glorioso que o grande mestre lhe soube dar. Não foi contudo apoiada pelo Conselho Superior da Escola a escolha que Mr. André tinha feito […]. Em presença desta decisão resolvemos todos os alunos, em número superior a 150, fundar um atelier externo, onde graciosamente recebemos os conselhos do Mr. Laloux.[…]Mr. Laloux é Grand Prix de Rome, cavaleiro da Legação de Honra e hoje um dos primeiros arquitectos franceses.” In AA.VV. – Ventura Terra (1866-1919). Catálogo da exposição apresentada na Assembleia da República. Lisboa: Divisão de Edições da Assembleia da República, 2009.p. 65. 131

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da planta a partir da qual se gera o edifício133. Em 1893 termina os estudos de Arquitecto de 1ª Classe com a apresentação final do projecto do Palácio da Justiça, que havia traçado em 1889 para um Concurso promovido pelo Governo de Portugal, carecendo o Diploma do Governo Francês que obtém, um ano mais tarde. Abandona Paris em Abril de 1895, e segue para Itália; chegando a Portugal poucos meses depois, estabelece-se em Lisboa, a cidade que irá ser o palco da maior parte das suas obras. Antes de avançarmos mais, urge fazer uma reflexão sobre as duas cidades que foram fundamentais para a constituição de Ventura Terra enquanto arquitecto: Paris, onde efectuou a sua aprendizagem académica na École Nationale et Speciale des BeuxArts, e Lisboa, a cidade onde, residindo o resto da sua vida, porá em prática a sua erudição. Qualificada pela sua condição de grande metrópole, Paris deve ao Imperador Napoleão III e sobretudo a Georges-Eugène Haussmann, durante a segunda metade do século XIX, a sua reforma urbana mais significativa que lhe conferiu o aspecto regular, amplo, monumental e imponente que apresenta nos dias de hoje, com o propósito que o desenvolvimento urbanístico acompanhasse o desenvolvimento populacional e importância política e cultural da capital. Foi nesta capital “haussmannizada” que Ventura Terra realizou a sua formação, sendo marcado, indubitavelmente, por este cosmopolitismo. Por outro lado, na Escola de Belas Artes de Paris vai assimilar “todo um espírito francês num modelo progressista, prático, objectivo, proudhoriano, uma arquitectura que respondia cabalmente aos objectivos e preocupações da sociedade dominante da época”134. Estes ensinamentos e influências da escola parisiense em Ventura Terra (e noutros arquitectos, que partilharam a mesma formação, como Marques da Silva) tomaram o nome de práticas beuxartistas e serão visíveis na configuração da sua obra. “O ensino das Beaux-Arts fará Ventura Terra desencadear uma arte urbana familiarizada com a herança clássica em edifícios públicos, mais ou menos imponentes […] mas sempre construídos com rigor e ostentando fachadas bem ornamentadas com motivos classicizantes. […] Mas, Ventura Terra seria também marcado pela visão das obras/modelos que vira em Paris. A influência da Ópera de 133

PERDIGÃO, Maria José Araújo Lima – O Arquitecto Ventura Terra – vida e obra. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, 1988. p. 14. 134 ALMEIDA, Pedro Vieira de, FERNANDES, José Manuel – História da Arte em Portugal – Arquitectura Moderna, vol.14. Publicações Alfa, Lisboa, 1993, p.74.

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Garnier […] que ele cita elogiosamente na sua correspondência, fá-lo-ia tomar contacto directo com a monumentalidade, a cor, o espectáculo dos edifícios”. Assim, o arquitecto vai usar uma dialéctica muito própria nas suas obras que, apesar de serem conotadas com um cunho pessoal muito forte, terão sempre este diálogo estudado na capital francesa entre as manifestações clássicas e o pendor romântico que surgirá através dos revivalismos. Ao instalar-se em Lisboa, Ventura Terra encontra uma cidade que também tinha vindo a conhecer um incremento económico e cultural, mas que não tinha conhecido uma renovação urbana profunda como a capital francesa, embora a promoção das obras públicas instaurada por Fontes Pereira de Melo estivesse a ser implementada. Lisboa era, assim, uma cidade que procurava dinamizar-se, recuperando o seu atraso relativamente a outras cidades europeias, tanto a nível de infra-estruturas, como a nível urbano, mas que, de um modo geral, ainda se apresentava com uma configuração muito modesta para aquilo que era ambicionado. Esta conjuntura afigurou-se como um desafio para Ventura Terra que pretendia exercitar a sua aprendizagem parisiense num meio mais modesto, e contemplar a cidade com construções grandiosas e imponentes, não só através de edifícios isolados, mas pensando a cidade como um todo harmonioso, à semelhança do que Haussmann fizera. Assim, atendendo à especificidade do local e às suas limitações, Ventura Terra procurou, ao longo de toda a sua carreira, adaptar a ideologia urbana francesa à realidade e ao quotidiano português. Em Lisboa vai assumir diversos cargos de destaque, como Presidente do Conselho Director da recém-formada Sociedade dos Arquitectos Portugueses, tendo-se dinamizado activamente na constituição desta; vogal dos Monumentos Nacionais; e vereador da Câmara de Lisboa. É ainda galardoado com vários Prémios Valmor, e em 1904 é nomeado Cavaleiro da Ordem de Santiago, distinção de mérito científico, literário e artístico, pelo serviço exímio da reconstrução da Câmara dos Deputados. A aglomeração de todo este rol de prémios e cargos reflectem a posição e o prestígio que tinha vindo a conquistar no âmbito da arquitectura a nível nacional. Até à data da sua morte, a 30 de Abril de 1919, Ventura Terra, enquanto arquitecto e enquanto vereador, preocupou-se fundamentalmente com dois aspectos: a primeira, a de aperfeiçoar e modernizar a cidade de Lisboa, impregnando-lhe um carácter monumental, como convinha a uma capital; a segunda, a problemática urbanística, concebendo a cidade como um organismo vivo, um espaço em constante mutação, mas que necessitava de ser

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assegurado por um programa de fundo que assegurasse o seu equilíbrio e a sua harmonia construtiva. O seu corpus artístico comporta, desde o início, algumas características que permanecem em quase toda a sua obra, o que denota uma busca pela sua própria linguagem: a abordagem paradigmática e racionalista dos programas; a recusa do pitoresco, mas não a de uma arquitectura decorada; a procura da expressão racional no emprego dos materiais utilizando-os não só como suporte construtivo, mas também como materiais plásticos; o edifício perde o sentido de “único” e irrepetível, sendo possível que o modelo possa ser aplicado num outro edifício – homogeneização do espaço urbano; noção de plano e de pano de parede em detrimento da noção de massa corpórea. Apesar da procura de um vocabulário próprio, Ventura Terra não receou experimentar, procurando novas soluções e formas. Assim se compreende que o Banco Lisboa & Açores não esteja de acordo com o habitualmente praticado pelo arquitecto no que diz respeito aos volumes; o banco vai privilegiar o jogo da massa e da profundidade ao invés do jogo de planos, conferindo à obra algum dramatismo. Nos primeiros anos da sua carreira ocupou-se essencialmente com encomendas oficiais, como a Câmara dos Deputados e os Pavilhões Portugueses da Exposição Universal de Paris de 1900, atendendo às necessidades da cidade e explicando-se a diversidade das tipologias – bancos, hotéis, uma assembleia, teatros, hospitais, liceus e templos; entretanto vai começando a desenvolver as suas várias casas particulares, nas quais o arquitecto vai desenvolver a noção de chalet, procurando o conforto e a elegância, não só interior mas também no exterior, de modo a que a casa particular deixa de ser tão privada, na medida em que integra um conjunto urbanístico, pertencendo à sua cidade e tornada bela também para os olhos de quem a contempla, além do proprietário. Ainda nesta tipologia, que constitui cerca de metade da sua produção artística, Ventura Terra vai trabalhar num modelo de casa privada, ou arquétipo, que vai utilizar como uma espécie de fórmula, adaptando-a individualmente às diversas situações. O arquitecto vai conceber a maior parte das suas obras segundo a vertente beauxartista, onde é realçada a tradição clássica; fá-lo-á especialmente nas obras públicas, dado que estas se encontram mais receptivas a estas características estilísticas, tanto pelo tipo de edifício, como pela localização (geralmente em grandes ruas ou avenidas), bem como à impressão de monumentalidade, imponência e solenidade que seria propício que transparecessem; mas também em algumas casas

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privadas como o Palacete de Henrique Mendonça e a Casa da Viscondessa de Valmor. A sua arquitectura religiosa converge praticamente em dois exemplares – a Sinagoga Shaaré Tikvah, em Lisboa e, obviamente, o Templo-Monumento de Santa Luzia em Viana do Castelo – tornando-se mais difícil a análise da tipologia. Podemos afirmar que as características estilísticas utilizadas nos dois templos referem-se à gramática românico-bizantina, utilizada de forma discreta na Sinagoga, e de forma mais profusa no Templo-Monumento. Justificamos a utilização, nestes edifícios, do forte pendor revivalista e eclético, como um contraponto entre a arquitectura civil e a arquitectura religiosa, que lhe permitiria exercitar outro tipo de soluções, e especialmente com uma característica peculiar do arquitecto: a sua capacidade extraordinária, perante as condicionantes, de adaptação de um determinado conteúdo à realidade em que se pretende inseri-lo, atribuindo-lhe, simultaneamente, a linguagem própria desenvolvida pelo arquitecto. No decorrer do ano de 1898, mais precisamente a 10 de Novembro, requer uma licença de 120 dias na qualidade de arquitecto de 3ª classe do quadro das Obras Públicas para elaborar um plano de melhoramentos para o monte de Santa Luzia, referindo que o mesmo lhe havia sido encomendado pelo Governador Civil de Viana do Castelo. Finda esta licença, solicita mais 90 dias sem vencimento para finalizar o trabalho em questão, sendo-lhe concedida a 22 de Julho do 1899; terá sido nesta altura que conclui o projecto final do Templo-Monumento, estando este datado de Agosto de 1899, e sendo aprovado no ano seguinte.

REFERÊNCIA: O SACRÉ-COEUR DE MONTMATRE Não podemos deixar de referir as semelhanças com o Sacré-Coeur parisiense, implantado no alto do monte de Montmatre. Esta última nasceu do traço do arquitecto Paul Abadie, dando-se o início das obras em 1875, com a colocação da primeira pedra em 1881. O edifício estaria completo em 1914. Se tivermos em conta que ambos os arquitectos

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tiveram a mesma formação nas Belas-Artes parisienses que, como vimos,

obedecia a um programa de estudos bem estruturados, torna-se fácil estabelecer uma ligação entre os dois edifícios. Contudo, existem muitas questões que se levantaram

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Paul Abadie (1812-1884), entrou na École Nationale et Speciale des Beux-Arts em 1835, estudando sob a tutela de Achille Léclere.

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durante esta reflexão, e que separam mais os edifícios do que os unem. Primeiramente, acabamos de ver como a reestruturação urbana de Paris tinha sido importante para formação de Ventura Terra, enquanto estou na cidade. Seria de pensar que Abadie teria experimentado essa mesma inclusão. Contudo, o plano de obras de Haussmann só entraria em vigor em 1853, muito depois do arquitecto ter terminado os seus estudos; portanto, não podemos assumir que a reestruturação parisiense tenha influído de modo igual nos dois arquitectos. Há ainda a questão das influências. Podemos assumir que a obra de Abadie foi uma inspiração para Ventura Terra, que criou um edifício que lembra de sobremaneira o seu congénere francês. Mas, ao analisarmos as datas, verificamos que será com alguma dificuldade que isso acontece. O projecto para o Templo-Monumento é datado de 1889, e o Sacré-Coeur é terminado apenas em 1914. Ventura Terra nunca poderia ter visto o edifício completo antes de riscar o projecto. Sendo que o Sacré-Coeur foi iniciado em 1881, resta-nos um curto espaço e tempo de 9 anos em que a basílica teria de estar construída o suficiente para que a sua configuração fosse visível; de qualquer das formas esta parece-nos uma hipótese um tanto ou quanto rebuscada. A única hipótese viável seria que Ventura Terra teria visto o projecto riscado por Paul Abadie; contudo não temos base nenhuma para poder afirmar isto, nada que indique que este facto pode constituir uma sequer uma hipótese. Portanto, a relação entre ambos os edifícios continua a ser um enigma por esclarecer.

DECOMPOSIÇÃO DA OBRA De forma e resolver o problema criado pela inadequação da estátua do Sagrado Coração de Jesus e da coluna já construída onde esta assentaria, Ventura Terra apresenta então um projecto, de um templo que adopta a gramática românico-bizantina, que o arquitecto utilizou também na Sinagoga de Lisboa. A escolha do românico não causa surpresa, dado que, aludindo à problemática do nacionalismo, esta corrente foi das mais emblematicamente portuguesas, assinalando e inaugurando os primórdios da história do nosso país, sendo também, mais característica do Norte de Portugal. O projecto dava solução á coluna já construída, elevando outra igual, e entre as duas levantou um templo que acolheria, na fachada principal, a estátua de Queiroz Ribeiro, ficando esta mais acessível aos fiéis, abençoando a cidade a seus pés.

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Implantada no cimo de uma escadaria de 20 degraus, a igreja apresenta uma planta centrada, tipicamente de inspiração bizantina, com a forma de um quadrado de 22 metros de lado. Internamente inscreve-se uma cruz grega; uma única nave, com dois altares laterais a ocuparem dois dos braços da cruz (a Este e Oeste), a capela-mor a ocupar o terceiro braço (Norte), e a entrada ocupando o quarto (Sul). A área da sacristia e de outras zonas de apoio, em forma de meio círculo, está anexada ao alçado norte e a capela-mor estende-se através deste espaço. No interior o espaço é aberto, sendo possível a observação de todo o espaço de uma só vez. A igreja possui duas grandes cúpulas: uma interior, cobrindo a nave central e assentando sobre pendentes, e outra exterior, assentando num tambor octogonal colocado imediatamente por cima da cúpula interior. Nos ângulos do edifício elevam-se quatro torres quadrangulares rematadas por pequenas cúpulas. A cúpula exterior, o mais característico traço da arquitectura bizantina, tem 5 metros de raio, assentando no tambor que, em cada das oito faces, possui duas aberturas para iluminação, encaixilhadas em arcos de volta perfeita repousando sobre pilastras, um esquema claramente de gosto românico que se vai repetir em toda a fachada; esta cúpula é coroada por um lanternim assente em oito colunas de fuste liso, rematado por uma cruz grega. O espaço ocupado pela cúpula e pela parede contém, no seu interior, uma escada em caracol, que dá acesso ao lanternim. Este conjunto assenta e é suportado pela cúpula interior, cujo raio é cerca de 5,5 metros, dividida em oito panos, com 3 janelas de volta perfeita e cobertas de vitrais, em cada pano. Por sua vez, a cúpula interior descarrega o peso nos quatro arcos interiores, distribuídos pelos quatro braços e, através dos pendentes, nas torres. Os arcos interiores, sendo que o correspondente à capela-mor é triunfal, à semelhança da Idade Média, têm forma de meia circunferência com cerca de 5,5metros de raio, e vão igualmente descarregar o peso nas torres. Todos os braços, exceptuando o da capela-mor, contêm um coro-alto que assenta num arco em volta de cesta. Exteriormente, o templo é tratado de forma equilibrada, com uma correcta distribuição dos espaços. Todas as fachadas são rematadas em empena, com uma banda lombarda e, exceptuando a do lado norte, contêm arcos com o mesmo raio dos arcos interiores, com a profundidade de cerca de 1 metro, assentes em pilastras. Nelas inserem-se três enormes rosáceas, as maiores da Península Ibérica, ao gosto medieval cobertas por enormes vitrais, ocupando grande parte da fachada. Essas fachadas possuem ainda, cada uma, dois portais rectilíneos encaixilhados por frontões semicirculares assentes em colunas, criando dupla arquivolta ornamentada por linhas

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em ziguezague, elemento decorativo que se repete no lintel. A fachada principal (Sul) contém um nicho ao centro, onde se encontra alojada a estátua do Sagrado Coração de Jesus, copiando a mesma empena das fachadas, e o mesmo sistema de arcos, que repousam em três pilares de cada lado. A fachada norte é constituída por uma parede semicircular, apoiada numa galeria composta por arcos de volta perfeita, emoldurados pelas aduelas do próprio arco que assenta em colunas de fuste liso e plinto cúbico. Esta parede recebe seis janelas em volta perfeita, outras seis superiores, rectilíneas, e na mesma linha das anteriores, outras seis pequenas frestas. O arquitecto que, conforme visto, apostava na noção de plano nas suas fachadas, vai valorizar aqui a paredemembrana, criando pouca, ou quase nenhuma noção de profundidade, permitindo a abertura a uma sobrecarga decorativa que enaltece a obra em termos visuais. As torres são quadrangulares e medem cerca de 18 metros de altura, contendo aberturas para iluminação com cerca de 6 metros de altura e 1,5 de largura, enquadradas por pequenos arcos que repousam em finos pilares. São coroadas por campanários com duas aberturas em cada lado encaixilhadas em arcos de volta perfeita repousando sobre pilastras, e em cima, pináculos formados por pequenas colunas suportando um elemento cónico, e uma repetição dos elementos da cúpula exterior com o suporte octogonal a suportar uma pequena cúpula. As torres têm ainda adossados contrafortes com cerca de 15,5 metros. Toda a construção é em granito, típico do Norte de Portugal, e o aparelho é isódomo. Ventura Terra jogou cautelosamente com as massas arquitectónicas, dividindo o edifício numa massa inferior sólida e quadrangular, com apontamentos verticais sugerindo altura. Teve especial atenção na decoração, garantindo o bom gosto e a harmonia das proporções, sem com isso comprometer a opulência. Os campanários e as pequenas cúpulas que neles assentam acentuam ainda mais a sensação de verticalidade numa massa que contudo indica bastante solidez, coroando o conjunto com a cúpula que ainda mais se eleva e rasga o céu graças ao laternim. As suas linhas geometrizadas e a clareza da definição volumétrica é tornam-na facilmente identificável e bem visível ao longe.

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“Ventura Terra, com o seu incontestável talento, concebeu e propôs uma das mais belas obras de Arquitectura e a mais perfeita, mais pura e mais bela planta entre todas as que os arquitectos portugueses têm composto nos últimos dois séculos.136” MIGUEL NOGUEIRA Como o seu mestre, nasce em freguesia de Seixas, em 1883. Habilitado com o curso de Arquitectura da Escola de Belas Artes de Lisboa, fixou-se em Viana em Dezembro de 1925, para dar aulas na Escola Industrial e Comercial Nun’Álvares. Foi nesse ano que recebeu o convite de Domingos Pinto da Rocha, em nome da Comissão Administrativa do Templo-Monumento para dirigir as obras de construção do mesmo. Miguel Nogueira aceitou assim um posto de grande responsabilidade, dado que o projecto de Ventura Terra levantava bastantes interrogações, que urgiam de resposta para a correcta execução do programa. ” Só me felicito de me ser dado a realizar a mais difícil e pesada tarefa do projecto de Mestre Terra, conforme o meu critério me aconselhou, sempre norteado pelo respeito absoluto à obra do Mestre, com meticuloso escrúpulo”137 Miguel Nogueira vai-se propor a cumprir rigorosamente a obra que Ventura Terra desenhara, sendo da sua responsabilidade a maior parte da construção do Templo-Monumento. Se um concebeu o edifico, o outro realizou-o, a ambos os ofícios são essenciais para o produto final.

EMÍDIO LIMA Queremos ainda fazer uma breve referência a Emídio Pereira Lima, que durante longos anos se dedicou arduamente e exclusivamente a esta construção, merecendo por isso, umas linhas do nosso trabalho. Nascido no lugar de Milhões, freguesia de Vila de Punhe, concelho de Viana do Castelo a 24 de Março de 1898, Emídio Lima era oriundo de uma família de artistas, “Os Limas”, hábeis mestres canteiros, efectuando a sua aprendizagem no meio familiar, vindo a continuar esse legado. Merece destaque por ser o responsável pelos trabalhos de granito na construção do Templo-Monumento durante várias décadas, chegando mesmo a assumir a direcção das obras a pedido de Miguel 136

MONTEIRO, 1944: 4:50 (Julho de 1944) in RIBEIRO, Ana Isabel – Miguel Ventura Terra: A Arquitectura enquanto Projecto de Vida. Câmara Municipal de Esposende, Esposende, 2006, p.161. 137 Santa Luzia, nº 50, Julho 1944.p. 8.

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Nogueira, trabalhando nesta obra até a data da sua morte, a 17 de Dezembro de 1984. Os Limas mantiveram-se, durante quatro gerações, ligados às obras do TemploMonumento. Emídio Lima foi também um benemérito de Santa Luzia pois, aquando as inúmeras dificuldades económicas por parte da Confraria, o mestre canteiro solicitou a redução do seu vencimento para que não fossem despedidos trabalhadores. Dedicou a sua vida a este monumento, trabalhando nele com afinco e carinho. Emídio Lima esculpiu ainda os anjos do altar-mor, sob molde de Leopoldo de Almeida, e foi igualmente o responsável pelos trabalhos de cantaria nos altares e nos púlpitos, contando com a ajuda do seu filho Albino Lima. No ano de 1970 estuda e executa a renovação do escadório do monte de Santa Luzia. A Câmara Municipal de Viana do Castelo atribuiu-lhe a título póstumo, a Medalha de Mérito da Cidade de Viana do Castelo, a 20 de Janeiro de 1995. O Templo-Monumento deve a estes três vultos aquilo que hoje é. Se uns tiveram um papel mais fundamental que outros, foi necessária a actuação conjunta de todos para que o projecto pudesse ser, de facto, concluído.

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CONCLUSÃO

A escolha do objecto de estudo a tratar na dissertação em momento algum apresentou um desafio para nós, pois estávamos conscientes que a correcta investigação e exposição dos dados seria sempre uma mais-valia para a historiografia da arte, sendo que tratámos de um edifico que não se encontra tão explorado quanto gostaríamos, tendo em conta o seu indubitável valor artístico e histórico-cultural. Mais intrincado foi a selecção dos temas que considerávamos serem intrínsecos à análise do objecto de estudo, dada a multiplicidade de olhares que são possíveis sobre o edifício. Dividimos a dissertação em três capítulos de acordo com essa selecção. Sendo ainda que esta dissertação tem como fundamento a recolha e difusão de dados, tendo um carácter essencialmente expositivo, torna-se talvez um pouco ambíguo falar de conclusões retiradas; ao invés, preferimos pensar em informações apreendidas. No primeiro capítulo procuramos relatar de forma precisa e concreta os acontecimentos que estiveram na génese da edificação do Templo-Monumento. Assim, atentámos uma reconstrução da ermida de Santa Luzia, esse edifício que nos parece ter sido um pouco negligenciado face à escassez de informação que encontrámos sobre ele. Inclusive não podemos deixar de considerar que foi ele o motivo que levou Luís de Andrade e Sousa, fundador e primeiro presidente da Confraria da Santa Luzia, a visitar e a interessar-se pelo local, tendo criado um organismo que visasse a protecção da capela e do monte que a envolvia. Este propósito foi evoluindo, procurando-se uma crescente intervenção que melhorasse o local de Santa Luzia e que resultaram em obras como a estrada, a imagem do Sagrado Coração de Jesus, o Hotel, o funicular, e claro, o Templo-Monumento. Por outro lado, a Comissão de Melhoramentos do Monte de Santa Luzia nasce para coadjuvar a Confraria nos seus propósitos. O seu primeiro presidente, António Alberto da Rocha Páris, veio a revelar-se uma figura de destaque pela sua visão de tornar o monte de Santa Luzia numa estância religiosa à semelhança de outras no Minho. É nesse sentido que pede ao Padre Dias Silvares que encabece uma peregrinação a Santa Luzia, que terá como consequência a encomenda da estátua ao Sagrado Coração de Jesus a Aleixo Queiroz Ribeiro. É também através de Rocha Paris que Ventura Terra apresenta o projecto de um santuário que correspondesse aos propósitos da Confraria de

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Santa Luzia e da Comissão de Melhoramentos de se erguer um templo que glorificasse o local de Santa Luzia e o convertesse numa estância turístico-religiosa de referência a nível nacional. Queremos ainda sublinhar que a nossa investigação nos levou a concluir que Ventura Terra terá sido chamado não com o intuito de dar solução a um problema prático, apesar de poder existir uma motivação como pano de fundo, mas porque os organismos que tutelavam as melhorias no monte tinham um interesse que vinha de longa data em transformar dotar o local de Santa Luzia de um edifício imponente que substituísse a pequena ermida, e que fosse de encontro ao carácter que pretendiam conferir ao local. No segundo capítulo debruçamo-nos sobre um outro tipo de conceitos, fazendo uma abordagem mais teórica. Exploramos a ideia de monte sagrado, ou sacro-monte, como um local próprio que recolhe em si uma panóplia de especificidades que lhe vão imputar um simbolismo que vai transcende aquilo que é tangível. A sua situação, num cume elevado e rodeado de um ambiente que leva à excitação dos sentidos, favorece o carácter místico do local. Os significados e as sensações que o local reúne em si irão determinar o seu genius loci, o espírito do local. Observamos como este tipo de localização é propício às vivências religiosas e festivas da população que ele abriga, ou que lhe é mais próxima, favorecendo a realização de peregrinações ou romarias. O sacro-monte funciona como um pólo sacralizado e protector, arrogando-se na sua totalidade como hierofania ao transcender a sua medida profana, alcançando uma dimensão sagrada. Imputamos estes conceitos ao nosso objecto de estudo, e desta forma verificamos que ele não vale o que vale apenas por si, mas pelo local onde está enraizado, local esse que possuía uma história e uma identidade antes de o objecto surgir. O edifício vai beber do significado e da identidade desse local, da mesma forma que o vai enriquecer, para passarem a ser um todo. No terceiro e último capítulo tratamos do objecto de estudo enquanto uma peça arquitectónica e, portanto, sujeita à autoria do arquitecto que a concebeu. Deste modo pareceu-nos fundamental que se fizesse uma narração e reflexão sobre a vida e a obra de Ventura Terra. O seu percurso é relevante para entendermos o nosso objecto de estudo, pois, como vimos, a sua formação nas Belas-Artes parisienses vai ser a sua base sólida

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para a forma de conceber a arquitectura; a sua estadia numa cidade cosmopolita, que tinha sofrido uma reforma urbana profunda às mãos de Haussmann, abrindo-se largas avenidas com uma monumentalidade e harmonia conseguida sobretudo através da ostentação e disposição dos edifícios, foi igualmente vital para as preocupações com o urbanismo que vai reflectir em Lisboa. 79

Este modo de conceber a arquitectura vai-se reflectir no Templo-Monumento de Santa Luzia, onde Ventura Terra utiliza uma gramática românico-bizantina em detrimento do classicismo com que geralmente dotava os seus edifícios, possivelmente para marcar um rompimento entre arquitectura civil e religiosa, sendo que a civil se mostraria mais receptiva a receber uma linguagem que revelasse monumentalidade e imponência, e a arquitectura religiosa primasse materialização das emoções e dos sentimentos com que se pretendia receber o devoto. As questões urbanísticas encontram-se subjacentes, pois o arquitecto criou um edifício que se adaptasse ao local, ao mesmo tempo que o integra na paisagem urbana existente, fazendo a ligação entre uma e outra através de um escadório monumental. Importa referir que o projecto de Ventura Terra não foi concluído na sua totalidade, dado que o escadório, a colunata e as imagens de anjos que deveriam adornar as cúpulas e as colunas não chegaram a ser concretizados por falta de verbas. Quisemos ainda dedicar algumas linhas a Miguel Nogueira e a Emídio Lima, dada a sua colaboração como sucessores de Ventura Terra, empenhados em concluir a obra respeitando sempre o projecto do arquitecto que a concebeu. No final da nossa exposição só podemos esperar que esta tenha sido uma fonte de informação importante para o estudo do Templo-Monumento de Santa Luzia, que tanta importância tem para a cidade que está a seus pés, cumprindo-se o nosso objectivo de fazer um compêndio que seja não um ponto de chegada, mas um ponto de partida para novos trabalhos sobre as temáticas que exploramos, e que o futuro investigador encontre uma base sólida na nossa obra para as sua própria investigação e reflexão sobre esse “poema de granito a perpetuar ante os séculos vindouros a fé e o bairrismo dos vianenses e benfeitores deste século”. 138

138

in Santa Luzia, nº150.

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* ACSLVC – Arquivo da Confraria de santa Luzia de Viana do Castelo.

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ANEXOS FOTOGRÁFICOS

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Figura 1 – Estátua do sagrado Coração de Jesus em frente á capela de Santa Luzia

Figura 2 – Altar-mor da antiga capela de Santa luzia

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Figura 4 – Conclusão da capela-mor

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Figura 4 – Sacristia em construção

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Figura 5 – Templo-Monumento em contrução

Figura 6 – Frontispício em construção

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Figura 7 – Templo-Monumento em avançado estado construtivo

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Figura 8 – Vista aérea do templo-Monumento.

Ana Marques, Porto 2011.

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