\" Um país que não faz contas não tem a dimensão das suas próprias insuficiências \"

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“Um país que não faz contas não tem a dimensão das suas próprias insuficiências”

Por Milton Machel e Policarpo Mapengo.

O MozAfricaView inaugura este seu espaço nobre com o, digamos assim, “patrono espiritual” do Blogue, o Magnífico Reitor da Universidade Politécnica, Prof. Dr. Lourenço Joaquim do Rosário, que é em simultâneo Presidente da Fundação Universitária para o Desenvolvimento da Educação (FUNDE). Assumindo ele também, de entre várias outras responsabilidades públicas, o cargo de Presidente do Fórum Nacional do MARP (Mecanismo Africano de Revisão de Pares), não desperdiçámos o ensejo de o abordar sobre

o MARP em Moçambique e para África. Pretendemos fazer desfilarem, neste espaço da grande entrevista, figuras incontornáveis do pensar e fazer Moçambique e África. Designámo-lo propositada e ousadamente de FAROL, porque arcámos com a pretensão de fornecer uma bússola intelectual e estabelecer marcos de referência para o debate público, intelectual e académico nacional. Acompanhe a seguir a entrevista com Lourenço do Rosário, ele também um livre-pensador da Moçambicanidade, da Africanidade e da Contemporaneidade global. De que modo um blogue desta natureza pode contribuir para o debate de ideias, para a construção da Nação e de África? Primeiro começar por constatar que as redes sociais constituem neste momento um espaço privilegiado, fundamentalmente urbano, mas a sociedade moçambicana também está a se urbanizar rapidamente…mesmo considerado algumas zonas rurais, mas a expansão da rede móvel está a permitir que Moçambique esteja entre os países que mais rapidamente estão a ter acesso a este tipo de comunicação, que são as redes. Nesse sentido, achámos que não devíamos ficar apenas no espaço dos meios de comunicação de massa mais amplos, jornais, rádio e até televisão. Achamos que devíamos intervir também aqui. Isso é um primeiro aspecto de constatação. Em segundo lugar, nós como espaço universitário, verificámos até há pouco tempo, e se calhar ainda persiste, algum silêncio das universidades e da academia, dos intelectuais, na sua participação no debate. Estamos a deixar para os políticos a hegemonia do debate de ideias e nós sabemos que os políticos têm objectivos muitos claros, quando promovem o debate é com o objectivo de atingirem o poder. É sempre um debate de opiniões já direccionado, significa que as coisas estão condicionadas e sobretudo temos verificado ultimamente que muitos intelectuais ou pessoas que se intitulam académicos ou comentadores estão cooptados pelos políticos e fazem os seus comentários em função de uma agenda política. O que, do meu ponto de vista, é de uma desonestidade intelectual bastante grande, porque não passam de agentes, que defendem ideias – correctas ou não –, mas um intelectual deve estar comprometido com a verdade e com o

debate da verdade e não estar ao serviço de uma agenda política. Se tem agenda política integre-se nos partidos políticos e faça propaganda política. Não se pode camuflar como intelectual, como académico, como se intitulam na televisão ou na rádio e na escrita que fazem. Então nós achamos que temos que fazer alguma coisa. Tornar a voz universitária com maior peso no debate de ideias, não se deixar intimidar pelos “atiradores”… Hão-de verificar que quando um intelectual dá opinião ou escreve um artigo mais agressivo há uma série de “atiradores” que se atiram ao homem, mastigamno e comem-no a torto e direito, como se fosse um problema político. Não nos devemos esquecer que a academia é o espaço de verdadeira liberdade e as pessoas têm que respeitar as diversas opiniões, podemos não concordar mas vamos utilizar o mesmo tom, vamos debater as ideias, não vamos atacar a pessoa. Temos verificado que quando alguém dá uma opinião, dizem: “você já foi ladrão, já foi bêbado”… Quer dizer, vão atacá-lo pela vida privada e menos pelas ideias que a pessoa apresentou e estamos a ver esta forma de estar, desonesta intelectualmente, a crescer e a ganhar folhas e flores na praça. Então, foi para tentar entrar neste deserto que achamos que devíamos – para além da rádio, do jornal – entrar nas redes sociais. É uma intenção muito clara da academia de chamar os académicos e dizer, “temos um espaço, vamos debater, vamos conversar”, e isso só alarga o espaço da democracia no país. Democracia é exactamente isso, sabermos o que as pessoas pensam e não que “é muito corajoso porque disse aquilo.” Corajoso porquê? Quer dizer, não é uma questão de coragem mas de obrigação a gente dizer aquilo que pensa e os outros respeitarem a nossa opinião, discordando ou não. Foi por isso que achamos que devíamos criar este blogue. Não será que durante um tempo ou a partir de um momento os intelectuais usaram a sua capacidade intelectual para atingirem a política? Como é que este blogue pode tentar controlar esse tipo de intelectuais que usam as suas ideias com ambições políticas? O blogue não pretende controlar nada! O que pretende é abrir um espaço onde estes mesmos que eu acho que são desonestos intelectualmente – eles sabem perfeitamente o papel desonesto a que estão a prestar-se – podem participar. Acho pessoalmente que o silêncio da academia se deve em primeiro lugar a forma como ela está estruturada em Moçambique. Nós temos instituições de ensino superior públicas, que são estruturantes, são elas que constituem, digamos, a espinha dorsal. E não nos esqueçamos que estas instituições de ensino superior públicas dependem do poder político, os reitores são nomeados pelo Chefe de Estado. Automaticamente estão manietados. Por sua vez os reitores nomeiam os directores, há toda uma

dependência política que não lhes permite, se calhar até por algum pudor – “você não pode morder a mão que lhe dá de comer” – as pessoas calam-se. O subsistema privado é supletivo, não é relevante, então não pode de forma nenhuma constituir-se numa vanguarda, até porque grande parte das instituições privadas que existem lutam pelos meticais, portanto, não estão consolidadas e se não estão consolidadas não podem aventurar-se em tentar entrar por aquilo que se considera gastos de meticais. Entrar na comunicação social, entrar na cultura, entrar no desporto e não sei quantos são custos que uma instituição privada tem que ter uma grande coragem – isso sim! – financeira para poder entrar. Tem custos bastante altos. Mesmo as públicas têm dificuldades de entrar nesse campo, então não tem relevância a voz dos privados, não chega longe. Era expectável que o sector público das instituições da academia pudesse ter uma voz pesada mas não tem. Não aparecem vozes, a primeira vez que tentou haver-se uma voz da academia, houve um conflito terrível na UFICS, os académicos saíram e foram constituir o IESE. Então, quer dizer, estão a ver estes grandes problemas, você não pode confrontar o poder político se você não está estruturado e confrontar aqui não é golpismo, não é nada! Nem sequer a academia pretende entrar neste tipo de confronto insultuoso que existe entre o Presidente da República, Governo, a Renamo. É dizer simplesmente “você está a governar mal, falhou aqui, acertou acolá”. Há pudor até neste sentido, há um silêncio absoluto! Então, estes intelectuais, os poucos que vêem do sector público inclusivamente e que vão para a televisão, para os jornais escrever, estão nitidamente ao serviço de uma agenda e essa agenda é uma agenda política. A gente sabe perfeitamente o que eles pretendem atingir, denegrir a imagem de um, louvar o outro, etc, burilar aqui e acolá. Servemse muitas vezes de seus conhecimentos, alguns são antropólogos, outros são sociólogos, outros são juristas, para tentar defender as suas damas. Ora, se eles são vendidos porque têm ambições políticas ou não, provavelmente, quer dizer ninguém se vende por nada, por alguma razão quererão ter um lugar amanhã á mesa do poder. É natural, porque ainda há uma convicção aqui no país de que as pessoas ganham relevância social se passarem pela política. Portanto não há uma geração que acha que é bom ser um bom intelectual, um bom académico, um bom jornalista, um bom escritor, etecetera, que essas sim são pessoas tem relevância na sociedade e que o poder até respeita-os. Não, as pessoas acham que todos esses sectores, os académicos, os jornalistas, os poetas, estão ao serviço da política. Então temos que tentar inverter isso. É fundamentalmente isso, só assim é que a democracia cresce, que nós possamos estar a vontade de poder dizer quem tem razão ou quem não tem, quem é competente e quem não é, e não sermos

reféns de forças políticas que se acham donos da sociedade. O problema é esse, é que neste momento as forças políticas acham que são donos deste país e que toda a gente tem que estar ao seu serviço. “AINDA NÃO VI NENHUM PROJECTO DE FORMAÇÃO HUMANISTA” Como olha para o papel desempenhado pelas universidades, através da pesquisa científica, do debate académico e de outras vertentes da universidade? De que modo a academia tem contribuído para a construção de África e em específico para Moçambique, e particularmente neste momento político conturbado em Moçambique e perante o boom e a euforia dos recursos naturais? África já teve, nos finais do período colonial – nos anos 40, 50 até 60 – grandes universidades: a Universidade de Makerere no Uganda, a Universidade do Cairo, a Universidade de Lubumbashi no Congo, para não falar das universidades sul-africanas – que estavam naturalmente debaixo do apartheid. Essas universidades eram grandes universidades! Havia outras, de Mogadishu, mesmo de Adis-Abeba, mas essas três que citei – depois Cocody da Costa do Marfim, a Universidade de Dakar, a Universidade de Accra – são grandes universidades que formaram indivíduos com grande arcaboiço intelectual, e o colonialismo respeitou o peso dessas universidades, não teve como matar! Sabe que o colonialismo britânico e francês funcionou como camaleão, quer dizer, tentou readaptar-se automaticamente aos ventos da história. Acontece que quando a África se tornou independente, o poder político, com os primeiros golpes de Estado, regimes militares e ditaduras, etc, a primeira coisa que a política fez foi atacar as universidades. Todas estas universidades reduziram-se a nada! Nós testemunhámos o empobrecimento do campo universitário em África nos últimos 50 anos. Quer dizer, tínhamos grandes universidades e acabamos por empobrecer completamente a área. Então as pessoas passaram a formar-se no exterior e formando-se no exterior estão formatadas em conformidade com o espaço universitário em que são formadas. Normalmente essas pessoas que são formadas no exterior vão entrar para a política e a política acabou por ser, digamos assim, o polo principal da vida social das pessoas… Depois dos golpes estados, dos regimes militares, há este esforço todo de democratização de África, das guerras civis, etc. As universidades foram sempre muito parentes pobres nos programas de desenvolvimento. Mesmo aqui em Moçambique, depois da

Independência, a Universidade era uma espécie de um Ministério da Educação Superior: por exemplo, a Universidade Eduardo Mondlane entrava na planificação para produzir médicos, engenheiros, agrónomos, etc, mas se entrasse um pouco no debate fechavam, como fecharam a Faculdade de Direito! Portanto, não permitiam que se criasse um embrião de intelectualidade que se pudesse do ponto de vista das ciências sociais e humanas perceber o que é que está a passar. Portanto, nunca foi muito bem visto isso. Tentando ler a sua pergunta, como é que isto pode acontecer? É de facto primeiro que as universidades possam respirar, que os regimes políticos permitam que as universidades respirem, por isso é que em todos os estatutos das universidades do mundo vem estabelecida a autonomia universitária como fundamental, a autonomia é a alma da universidade mas esta alma da universidade não é respeitada, as universidades consagram nos seus estatutos que são autónomas mas a política não respeita. Então, muitas vezes o que acontece, um debate universitário é apropriado por agentes fora da universidade que são capazes de pensar que podem atacar uma opinião produzida por um académico da mesma forma como se ataca um paper de um jornal, um artigo de opinião. Agora, o que é que é preciso fazer? Moçambique está com grandes perspectivas de recursos naturais, há um grande debate sobre a formação de quadros, temos um grande défice nesta área de formação na área das minas, gás e petróleo, mas isso forma-se rapidamente. Podemos pegar, como o Brasil está a pegar em 100 mil estudantes e está a mandar para fora aos centros mais avançados para se formarem nas diversas áreas, como o Uganda está a formar por causa do petróleo. É fácil formar engenheiros, petrolíferos, ferreiros. Isso é fácil, mas agora, formar o homem é o mais difícil. E o grande problema é que ainda não vi nenhum grande projecto de formação humanista, em que se aposte de facto numa formação como deve ser, porque por um lado aquilo que eu disse atrás – há todo um pudor, utilizo a palavra pudor para não utilizar o medo, mas pronto acho que pudor serve: “fica mal, o que é que vão pensar, é chato, etc…”. Isso vai se multiplicando e depois nós estamos a formar pessoas em jornalismo e estão a sair das universidades cheios de pudores também…e depois são os próprios meios de comunicação social que precisam de viver. Conversei no outro dia com um responsável de uma cadeia de televisão e dizia-lhe “vocês começam agora perder o fulgor”, ele disse “preciso de viver. Senão não ponho lá os anúncios das grandes empresas públicas… Preciso de viver, de pagar salários.” Quer dizer, estamos a viver cheios de chantagens! Então a universidade pouco pode fazer. Agora o Parlamento vai discutir a liberdade de imprensa, consagrando liberdades, mas isso é a forma, porque na prática em termos de conteúdo você vai continuar a ser vigiado, você vai

desenvolver mecanismos de autocensura, porque senão não vai poder publicar os seus artigos. Então é um emaranhado, não é só na universidade, são os vários sectores, os próprios professores. Como é que se forma um homem? É permitir que desde o primeiro ano que o jovem entra na carteira universitária seja capaz de expor a suas ideias, discordar se for necessário e não ser punido por isso. Mas depois temos professores que marcam estudantes, “ah, você deu essa opinião, na minha cadeira não vai passar”… quer dizer, ele tem a faca e o queijo na mão, automaticamente o estudante já não tem opinião. É isto que é uma cadeia extremamente complexa na nossa sociedade, se o poder político deixar de manter a população refém e os vários sectores… Nós temos o sistema multipartidário, o que é que se está a passar neste momento? Há um conflito e a sociedade não foi chamada a discutir os problemas. São dois partidos, chegaram a um acordo, a Renamo X, a Frelimo Y, MDM Z, mas no dia 15 de Outubro depois das eleições se o xadrez no parlamento mudar como é que fica esse acordo? Estamos a ficar reféns de uma lei que é obsoleta a partida, já está ferida de morte. Eu estou lá, estou a participar nesse debate porque há outros interesses aqui, de trazer a paz ao país. Mas, este é o problema. Os intelectuais reuniram-se aqui há um mês, e dissemos: “vamos fazer uma convenção nacional, para saber porque é que o país está doente.” Recebemos logo “N” recados a desencorajar a convenção nacional. Por que é que têm medo de convenção nacional? Ninguém quer convenção nacional! “A EXPERIÊNCIA DO MARP É UMA BOA ESCOLA PARA OS POLÍTICOS” Será que podemos generalizar essa situação para o continente. Estamos num continente refém do poder político e em que não há espaço para os intelectuais aparecerem e levantar o debate e lutarem pelo crescimento? Há alguns países bem mais avançados que nós nesse aspecto. Mesmo aqui a África do Sul tem-nos dado algumas lições de debate, tem um sistema universitário que funciona. O Uganda está muito bem, de facto, em termos intelectuais estão avançadíssimos no que diz respeito ao debate público. O Senegal, mesmo o Ruanda, apesar de o presidente Paul Kagame ser um pouco turbulento, mas tem alguma abertura de debate, sobretudo ao nível comunitário. Essa experiência que está a ser feita e que eu aprecio muito, que é do MARP e que Moçambique está envolvido, é uma boa escola, para que os partidos políticos entendam que devem privilegiar eles próprios o debate de

ideias e que não são apenas máquinas para ganharem eleições. O grande problema é esse! Eu desafio-vos a verem os manifestos eleitorais dos partidos que vão para as eleições, e vão me dizer quais são as diferenças. Não há ideias, querem ganhar eleições, vão falar todos da mesma coisa: “vamos acabar com a falta de energia, vamos fazer estradas, vamos aumentar a rede escolar, vamos não sei quantos”. Mas a substância, os pressupostos que estão por detrás, por que é que eu dou prioridade em aumentar a rede escolar primária e não a secundária, e por que é que a rede escolar secundária é relevante em determinadas zonas do país, etc. É aquilo que o Tomaz Salomao dizia, “o importante não é saber que dois-mais-dois são quatro, mas porquê dois-mais-dois são quatro”. É este o problema fundamental, os nossos partidos políticos não discutem por que é que se deve aumentar a rede escolar, os manifestos são extremamente pobres, de todos os partidos, todos! Não há aqui uma excepção, são todos muitos pobres, que se vão reflectir depois nos planos quinquenais e depois nos programas económicos e sociais e naturalmente na distribuição da renda. Isso reflecte-se, portanto quando não há ideologia. Em África, como disse, alguns países tem tido alguns êxitos, a África do Sul, o Quénia estava a caminhar bem, mas depois teve estes problemas sobretudo de natureza étnica que acabaram por o atrasar. São exemplos que vêem exactamente do exercício do MARP e o exercício do MARP permite exactamente que os regimes façam uma introspecção, “fizemos isto, fizemos bem ou mal.” Retomando também a ideia de Tomaz Salomão na Oração de Sapiência, Moçambique não faz contas, dá-se ao luxo de ficar quinze dias sem energia na zona centro, fazendo as contas são prejuízos que depois se repercutem na vida das pessoas durante dois, três, quatro anos. Então, um país que não faz contas significa um país que não tem a dimensão das suas próprias insuficiências. Da mesma forma que uma das grandes preocupações que existe neste momento é a dívida externa, a dívida soberana. Quando um país se lança a fazer empréstimos como Moçambique está a fazer e a fazer empreitadas supervalorizadas – o projecto da Catembe começou por ser de 350 milhões e agora está nos 800 milhões – significa que não faz contas. Alguém vai pagar isto! E quem vai pagar? É exactamente a moeda que vai deslizar, o desemprego que vai aumentar, o descontentamento e as clivagens sociais e etecetera, etecetera. Mas o que é que a propaganda política faz? Faz exactamente o contrário, as grandes obras as pontes, e não sei quantos, etc, etc. Então, enquanto a gente não se interrogar sobre isso, “sim senhor, temos estrada, mas quanto é que custou a estrada, por que é que a estrada basta uma pequena chuva está toda esburacada, etc, etc”, ficamos na ilusão. Este é que é o grande problema que existe em Moçambique, assim como em grandes partes dos países africanos,

porque o discurso político faz máscara a frente destas questões todas. Se houvesse um jogo de espelhos que permitisse reflectir bem as coisas já teriam mais pudor também eles de fazer determinadas coisas descaradamente. Aqui não é uma crítica ao Presidente Guebuza, qualquer que fosse o Presidente e Governo que estivesse lá, é que não estão habituados a fazerem contas e a prestar contas. Foram eleitos, são donos! Não fazem! Então, quem deve cobrar isso? São os intelectuais, a academia, são os investigadores que mostram… Os nossos intelectuais, nossos economistas estão a dizer: “atenção, Moçambique está a entrar num plano inclinado, neste momento, em dívida soberana.” E se entrar num plano em que vai ser necessário depois a austeridade, este país vai voltar aos tempos em que você tem que andar com um “sacudum” de moeda para poder tomar uma refeição. É que os salários vão cair todos, o combustível vai ser caríssimo a vida vai voltar a não se quanto, vao voltar as bichas e etc… e não temos infelizmente um FMI, uma “troika” como os europeus fizeram com países que andaram a gastar dinheiro de qualquer maneira como Portugal, Grécia e companhia. A SADC não tem capacidade para socorrer os outros países. Isto os intelectuais, os economistas falam em surdina, nas conversas de café: “epá, isso está mal, o próximo Governo que vier tem que ter um Ministro das Finanças que aperte essa brincadeira, um Governador do Banco que tenha uma política monetária como deve ser”. Então nós estamos mal! Não é esperar pelo gás que vai sair em 2018, que isso vai resolver o problema! Às tantas esse dinheiro é para pagar tudo isto. Estamos a gastar aquilo que não temos neste momento! Pode falar-nos um pouco mais sobre que papel o MARP pode ou está a desempenhar no diálogo intra-africano? Como sabem, a essência do MARP é uma espécie de jogo de espelhos: cada país submete-se primeiro a uma auto-avaliação, é um fórum nacional feito por nacionais, que fazem uma espécie de revisão de toda a bibliografia da avaliação do país, de agências internacionais e nacionais, PNUD, Banco Mundial, etc, que falam sobre o desenvolvimento humano do país, da governação nas diversas áreas. Na governação democrática e política, governação empresarial e criação de empregos, desenvolvimento Sócioeconómico e governação da economia em si. São as quatro áreas. Depois de se fazer essa revisão bibliográfica, vamos fazer inquérito às famílias, de modo que as famílias se revejam ou não se revejam, através do inquérito, naquilo que os relatórios dizem. Esse debate, por exemplo, sobre pobreza, todas as agências praticamente e as pesquisas dizem que a pobreza em Moçambique aumentou. A razão principal é que a criação da riqueza não acompanha o

crescimento demográfico. Mas o Governo acha que a pobreza baixou, porque temos mais rádios, casas melhoradas, bicicletas… Do povo de vista visível, Moçambique não tem a mesma fotografia de a 10 anos atrás. Mas nós temos que ir perguntar as famílias se elas sentem que estão a viver melhor do que a 10 anos atrás, apesar de terem a casa melhorada, terem bicicleta e terem rádio, etc. E a partir daí as famílias vão nos dizer o que é que elas sentem. Vao falar do problema da comercialização dos seus produtos, há um défice bastante grande de comercialização dos seus produtos, há falta de incentivo, o problema dos custos da produção – o açúcar nacional é muito mais caro que o açúcar vindo de fora, do contrabando; na Zambézia, o açúcar do Malawi está a hipotecar os moçambicanos, são 16 meticais, é o dobro! Com o milho, o que é que o camponês faz, pega no milho e vai vender na fronteira porque não tem nenhum que lhe compre. Tem melhor estrada, mas essa estrada não lhe permite vender o milho dele aqui, porque não há armazenistas, não há rede comercial, então ele vai vender fora. O que acontece é que colocam o milho todo lá fora e quando começa a faltar o Malawi vai voltar a vender o milho cá para o próprio país. Entao, a partir daí fazemos o “input” da auto-avaliação: “as agências dizem isso, as famílias dizem isso, a nossa opinião é esta, os problemas são estes, estes e estes.” Depois há o comité de personalidades eminentes, nomeados pela União Africana, que pegam no relatório da auto-avaliação e vêem ao país com peritos internacionais, africanos para validar aquilo que está no relatório. Vão sozinhos, sem qualquer controlo, para todos os sítios onde eles acharem que devem ir, consolidam e produzem o documento, que é o relatório sobre o país. Nesses relatórios eles apontam os aspectos positivos, negativos os desafios, e produzem depois um documento chamado programa nacional de acção. Nesse programa nacional de acção, eles apresentam as várias sugestões dos problemas que detectaram no país e dão um prazo ao país para fazer um relatório de progresso, sobre como conseguiu ultrapassar ou não esses problemas. Moçambique neste momento já cumpriu essas etapas todas, incluindo o relatório de progresso, que foi apresentado agora na Etiópia. Considerando o panorama africano, Moçambique conseguiu ser aprovado positivamente, embora tenham ficado muitos desafios por resolver, que passaram para 2015. “ESTADOS UNIDOS DE ÁFRICA É UMA UTOPIA PARA MANTER VIVA A CHAMA DA UNIDADE AFRICANA”

Como vê este processo de integração africana? A percepção é que estes processos de integração africana são definidos e tomados em exclusivo pelos políticos. Grandes ideias, grandes bandeiras são tomadas em certos momentos, por exemplo, o desiderato do Pan-Africanismo, em certa altura ouvíamos tanto a ideia de Estados Unidos de África, agora ouvimos de alguns políticos O Renascimento Africano. Todas estas grandes ideias, grandes desideratos, serão assumidos, irão de facto traduzir-se na prática, na vida dos cidadãos africanos, pela forma como os processo têm sido liderados pelos políticos ao nível das cimeiras da União Africana e todos os fóruns em que estão lá basicamente os políticos de forma exclusiva a decidir por via de protocolos e todo o tipo de documentos que vão criando. Como vê este processo da integração africana? Realmente tem razão quando diz que essas ideias partem sempre de um pressuposto político. Quando diferentemente, por exemplo, a União Europeia nasceu de um pressuposto de integração económica e monetária, aduaneira e por aí. A ideia de integração não é nova, desde o tempo dos anos 40,50, 60, de Kwame Nkrumah, que depois deu a OUA e que tinha várias etapas, apoiar a libertação, etc, e criaram-se alguns blocos regionais. Nos últimos 5 a 10 anos Khadafi retomou a ideia de Estados Unidos da África numa perspectiva federalista – que eram também as ideias de Kwame Nkrumah, de que a África só poderia ser respeitada se pudesse integra-se, Khadafi já tinha um roteiro, um governo, uma moeda, divisão administrativa e tudo isso. Nesta última cimeira, a ideia do Khadafi que tinha sido protelada, digamos assim, foi retomada com a “África 2063”, portanto a “Visão 2063” significa que quando fizer esse ano, e se comemorar 100 anos da Unidade Africana, África possa ter nessa altura os primeiros instrumentos de integração. A questão fundamental é essa: integração é naturalmente cada um tirar um pouco da sua soberania e entregar a uma entidade central que é a Comissão Africana. O problema que se coloca normalmente é que os líderes africanos empurram isso lá para a frente e quando chegar a altura já não é com eles, por isso fazem esses discursos e as pessoas ficam muito satisfeitas, mas ninguém acredita naquilo. As pessoas apostam mais nos blocos regionais e os blocos regionais não tendem a uma unidade africana efectiva, porque são muito rivais entre eles. A gente vê, por exemplo, na gestão da coisa africana, a CEDEAO, A SADC, a COMESA quando têm que discutir problemas defendem a sua região de tal forma que nem parece que sejam todos eles Africanos. Mesmo na distribuição dos pelouros, etc, não há um sentido de unidade, então é muito difícil que essa gente que, face aos blocos

regionais não consegue entender-se como deve ser, possa pensar numa integração ao nível continental num futuro. Então, é uma utopia que me parece que é para manter viva a chama da unidade africana, mas que não me parece que venha a vingar muito. Por outro lado, eu próprio tenho dúvidas se é por aí que a solução dos problemas africanos possa estar. Tenho dúvidas na medida em que África não está a desenvolver-se de forma harmoniosa e não há neste momento, pelo menos não deixam que exista, dois ou três países africanos fortes que possam funcionar como motor, como a Alemanha e a França funcionaram no caso europeu. A África do sul pode ser uma grande potência económica em África mas ninguém dá uma grande importância de condução da causa africana a Africa do Sul, que tem os seus problemas políticos internos. Nos debates vê-se perfeitamente que as pessoas não tiram o chapéu a África do sul, assim como a Nigéria, outra potência africana; Marrocos não está dentro bloco africano: o Egipto tem os problemas que tem. Os grandes colossos africanos não são tidos como motores de uma integração futura. Então, não acredito muito que em 63 possa haver os tais Estados Unidos da África. É uma utopia que foi lançada, vamos ver o que é que vai ser feito, mas não vejo a solução de África por aí. Para terminar, fale-nos um pouco da FUNDE? FUNDE é uma unidade que aparece para ampliar o braço da Universidade Politécnica, na medida em que, sendo a Universidade Politécnica uma entidade privada, a sua intervenção fica muito limitada em certas zonas onde não é elegível para desenvolver determinadas actividades. E carácter de uma fundação é exactamente poder intervir nessas áreas fundacionais e de extensão universitária de uma forma mais ampla, na medida em que não tem um carácter lucrativo, não pretende de forma nenhuma desenvolver actividades viradas para a vida privada, mas essencialmente de ligação a comunidade, a sociedade. É um espaço mais fecundo para podermos desenvolver essas coisas que pretendemos fazer, nomeadamente o blogue, as redes sociais, o jornal, a rádio, o desporto, a cultura, etc, é através da Fundação e não propriamente da Universidade. Mas digamos são duas instituições da Universidade, como duas faces da mesma moeda em que uma complementa a outra.

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