Uma outra escuta: os usos da acusmática nos filmes de Lucrecia Martel.

September 26, 2017 | Autor: Erly Vieira Jr | Categoria: Cinema, World Cinema, New Argentine cinema
Share Embed


Descrição do Produto

Uma outra escuta...

ERLY VIEIRA JR

Erly Vieira Jr.

Une autre écoute : , de l usage de , l acousmatique dans les films de

Lucrecia Martel

N

Uma outra escuta: -

os usos da acusmatica nos filmes de

104

Lucrecia Martel

a sequência de abertura de La ciénaga (Le marécage)(2001), o intenso tilintar do gelo nas taças é algo que fica tão impregnado na nossa memória quanto o vermelho excessivamente saturado que colore a bebida servida aos personagens. Também são extremamente pregnantes os ruídos que acompanham os planos-detalhes ou fechados desses instantes iniciais do filme – como se, na mixagem final, o volume desses elementos tivesse recebido um ganho sonoro muito maior que os outros sons que os circundam em cena. Escutamos claramente o arrastar do ferro das cadeiras de praia pelo chão de cimento, o ranger de suas molas ao sabor dos corpos que se esticam em letargia, as trovoadas anunciando a intensa chuva de verão vindoura – todos eles não apenas estão bastante presentes, como também colaboram na desconfortável sensação de imprecisão perceptiva que se apossa do espectador, graças a um encadeamento de planos que não nos permite mensurar adequadamente distâncias e localizações no espaço cênico que lhe é apresentado. Mais adiante, um grupo de garotos corre pelas ruas agitadas da cidadezinha, tentando alcançar as jovens que, incansáveis, tentam fugir das bexigas cheias d’água que seus perseguidores insistentemente lançam em sua direção. Subitamente, elas entram numa loja de roupas, e uma delas fecha atrás de si uma grande porta de vidro. Num big close, vemos os lábios de uma adolescente murmurarem algo, enquanto a bexiga estoura contra o vidro que a protege. A água escorre pela superfície com uma suavidade que contrasta com a intensidade com que o ruído ecoa pela sala de exibição, mais próximo das entrelinhas que pontuam o jogo erótico travado entre meninos e meninas recém-ingressados à puberdade. Todavia, essa sobrevalorização dos elementos sonoros acaba sendo essencial para a experiência sensorial proposta ao espectador pelo filme de Lucrecia Martel, criando pontos de escuta privilegiados que permitem traduzir, de certa forma, a sensação dos corpos filmados a vagar por um ambiente em que o calor e umidade insuportáveis regem tanto o torpor dos adultos quanto a ebulição dos mais jovens. Acredito que os três longas-metragens que compõem a filmografia da argentina Lucrecia Martel 1 partilham de um certo “realismo sensório” (Vieira Jr., 2011) que emerge numa certa vertente do cinema contemporâneo. Tal realismo seria marcado pela construção narrativa através de ambiências, pela adoção de um olhar microscópico sobre o espaço-tempo cotidiano e por uma experiência afetiva marcada pela sobrevalorização de uma

intense tintement des glaçons de la séquence d’ouverture de La ciénaga (Le marécage, 2001), reste aussi présent dans nos mémoires que la couleur rouge extrêmement saturée des boissons servies aux personnages. Sont également très prégnants les bruits qui accompagnent les plans rapprochés de ces premiers moments du film, comme si, au mixage final, le volume de ces éléments avait bénéficié d’un renforcement sonore bien plus important que les autres sons présents sur scène. On entend très nettement le crissement des chaises de plage en fer sur le sol de ciment, le grincement des ressorts accompagnant les corps qui s’étirent avec léthargie, les tonnerres annonçant l’intense pluie d’été à venir, tous ces bruits sont assez présents, et contribuent à créer la sensation désagréable d’une imprécision perceptive qui s’empare du spectateur, grâce à l’enchaînement de plans qui ne lui permet pas d’apprécier de façon adéquate les distances et les lieux de l’espace scénique qui lui est présenté. Plus tard, un groupe de jeunes gens court dans les rues agitées de la petite ville, essayant de rattraper des jeunes filles qui, infatigables, tentent d’échapper aux vessies pleines d’eau que leurs poursuivants lancent avec insistance dans leur direction. Soudain, elles entrent dans un magasin de vêtements, et l’une d’elles referme sur elle une grande porte vitrée. Nous voyons en gros plan les lèvres d’une adolescente murmurant quelque chose, alors que la vessie éclate contre la vitre qui la protège. L’eau s’écoule sur la superficie avec une suavité qui contraste avec l’intensité avec laquelle le bruit retentit dans la salle de projection, plus près des intervalles qui ponctuent le jeu érotique mené entre des filles et des garçons tout juste pubères. Cette survalorisation des éléments sonores finit par être essentielle pour l’expérience sensorielle proposée au spectateur par le film de Lucrecia Martel, en créant des points d’écoute privilégiés qui permettent de traduire, d’une certaine façon, la sensation de corps filmés qui errent dans une ambiance où la chaleur et

L’

105

Uma outra escuta...

sensorialidade multilinear e dispersiva. Trata-se de uma espécie de denominador comum entre filmes realizados nas últimas duas décadas por cineastas tão diversos quanto Lucrecia Martel, Hou Hsiao Hsien, Apichatpong Weerasethakul, Claire Denis e Naomi Kawase, entre outros. Se estamos falando de um cinema que aposta na instauração de um estado sensorial extraordinário, numa experiência amplamente mediada pela fisicalidade dos corpos (filmados e espectatoriais), cabe atentar à dimensão sonora, como uma instância fundamental na constituição desse “realismo sensório”. Aqui, a própria elaboração do desenho sonoro de cada filme buscaria dialogar e ampliar a imersão sensorial proposta ao espectador, contribuindo para que apreenda a narrativa fílmica de forma mais centrífuga que o usual. O som a preencher os espaços de forma difusa e modificar nossa percepção de tempo 2 instaura uma certa ambiguidade narrativa, como se fosse possível ao espectador, além da flânerie do olhar inerente a esses filmes, também uma escuta flâneur. E, muitas vezes, esse processo de percepção diferenciada dos sons fílmicos pode ser potencializado por um tipo de recurso que, embora usual no cinema, é assumido como central nos filmes dos cineastas acima citados: a proposital dificuldade em se localizar a fonte sonora a partir de recorrentes processos de acusmatização. Denomina-se som acusmático aquele que, numa narrativa audiovisual, não possui fonte visual reconhecível: ou seja, aquele que ouvimos sem vê-lo. Para Michel Chion, esse tipo de som, de natureza “mágica” e “inquietante”, simbolizaria o “duplo não-corporal do corpo” (Chion, 1999: 173). Ele estaria vinculado a um obscurecimento, ainda que temporário, da identificação visual de alguns objetos sonoros, geralmente localizados no fora-de-quadro, isolando-os e tornando-os portadores de um conceito (Rodriguez, 2006: 40) – e talvez seu uso mais corriqueiro seja no estabelecimento de um suspense momentâneo, como o grito que se ouve no cômodo ao lado num filme de horror. No caso do realismo sensório, defendo que a diferença nos usos da acumastização esteja exatamente em se aproveitar desse obscurecimento de algumas fontes sonoras para criar uma situação de ambiguidade perceptiva, que faça com que nossa memória afetiva se confunda o suficiente para nos fazer sair de uma certa zona de conforto, a fim de escutar o ambiente de formas pouco usuais, atribuindo outras significações aos objetos escutados. Um exemplo dessa obscuridade acústica está nos filmes de Lucrecia Martel, em que murmúrios, diálogos à meia-voz e emissões sonoras em baixo volume pelos televisores e rádios ligados criam, segundo Gonzalo Aguilar, “uma dimensão significante que nada tem a ver com o sentido das palavras” (2010: 95). Pensemos no filme La niña santa (La fille sainte, 2004), em que os misteriosos ruídos escutados na piscina térmica do hotel, por exemplo, acabam servindo como uma espécie de fortaleza para que a adolescente Amália encontre algum tipo de refúgio diante de um incômodo processo que envolve sua relação com o mundo exterior, principalmente no que tange à descoberta do desejo em seu corpo adolescente, e na sintonia que ela encontra, muitas vezes, junto ao corpo de sua melhor amiga e cúmplice de exercícios aquáticos.

106

ERLY VIEIRA JR.

l’humidité insupportables régissent aussi bien la torpeur des adultes que l’ébullition des plus jeunes. Je crois que les trois longs-métrages qui composent la filmographie de l’argentine Lucrecia Martel 1 participent d’un certain “réalisme sensoriel” (Vierra Jr., 2011) qui émerge dans un certain courant du cinéma contemporain. Un tel réalisme serait marqué par la construction narrative au travers d’ambiances, par l’adoption d’un regard microscopique sur l’espacetemps quotidien et par une expérience affective marquée par la survalorisation d’une sensorialité multilinéaire et dispersive. Il s’agit d’une espèce de dénominateur commun entre des films réalisés les deux dernières décennies par des cinéastes aussi divers que Lucrecia Martel, Hou Hsiao Hsien, Apichatpong Weerasethakul, Claire Denis et Naomi Kawase, entre autres. Si nous parlons d’un cinéma qui parie sur l’instauration d’un état sensoriel extraordinaire, avec une expérience amplement médiatisée par la présence physique des corps (filmés et exposés), il faut prêter attention à la dimension sonore, comme une instance fondamentale dans la constitution de ce “réalisme sensoriel”. Ici, la propre élaboration de la bande son de chaque film chercherait à dialoguer et à amplifier l’immersion sensorielle proposée au spectateur, contribuant au fait qu’il appréhende la narration filmique de façon plus centrifuge que d’habitude. Le son, qui emplit les espaces de façon diffuse et modifie notre perception du temps 2, instaure une certaine ambiguïté narrative, comme s’il était possible au spectateur, en dehors de la flânerie du regard inhérent à ces films, d’avoir également une écoute de flâneur. Et, souvent, ce processus de perception différenciée des sons filmiques peut être augmenté par un type de recours qui, bien qu’usuel au cinéma, est assumé comme central dans les films des cinéastes cités ci-dessus : la difficulté intentionnelle pour arriver à localiser la source sonore à partir des processus récurrents d’effets acousmatiques. On appelle son acousmatique un son qui, dans une narration audiovisuelle, ne possède pas de source visuelle reconnaissable : en d’autres termes, le son que nous entendons sans le voir. Pour Michel Chion, ce type de son, de nature “magique” et “inquiétante”, symboliserait le “double non corporel du corps” (Chion, 1999 : 173). Il serait lié à un obscurcissement, bien que temporaire, de l’identification visuelle de certains objets sonores, généralement situés dans le hors-champ, qui les isole et les charge d’un concept (Rodriguez, 2006 : 40) – et peut-être aussi que son utilisation la plus courante est l’instauration d’un suspense momentané, comme le cri que l’on entend dans la pièce d’à côté dans un

Uma outra escuta...

ERLY VIEIRA JR.

La ciénaga, 2001

Para Aguilar, a acusmática dota as imagens dos filmes de Martel de “um relevo e profundidade que se acentuam com a superposição e fragmentação dos corpos, criando um espaço estriado no fora de campo (de seus ruídos ou do não-visto)” (Aguilar, 2010: 106). Podemos então pensar a acusmática, no conjunto da obra da cineasta argentina, como uma possibilidade de intensificar tensões e desconfortos, em especial por potencializar uma atmosfera que transborda do que é externo aos limites do enquadramento, não somente num sentido de exterioridade física, mas também diegética – um tipo de imagem ausente que seria reconectada à cena pela dimensão sonora, principalmente pelas inquietações e incertezas, decorrentes dessa ambiguidade interpretativa dos sons obscurecidos, que emergem durante a construção imaginária que o espectador faz da situação narrativa que se desenrola diante de seus olhos e ouvidos. Esse dispositivo de produção de ambiguidades interpretativas se dá a partir da inversão de pontos de escuta, o que pode gerar, junto ao espectador, efeitos bastante distintos de uma tentativa naturalista de recompor o espaço-tempo narrativo. Tomemos por exemplo a cena à beira da piscina, nos minutos iniciais de La ciénaga, em que, após a série de planos-detalhe com sons sobrevalorizados, seguem-se, junto às imagens que registram a queda da personagem que carrega as taças, sons abafados, como se a percepção de quem assiste à cena estivesse tão embriagada quanto os letárgicos coadjuvantes que, estirados em suas cadeiras de praia, rodeiam o acontecimento, alheios a tudo. O contraste surge quando há um corte para dentro da casa, no quarto em que estão duas adolescentes, e o barulho da queda das taças

film d’horreur. Dans le cas du réalisme sensoriel, je soutiens que la différence dans l’utilisation de l’acousmatique est justement de profiter de cet obscurcissement de certaines sources sonores pour créer une situation d’ambiguïté perceptive, qui fasse que notre mémoire affective se trompe suffisamment pour nous faire quitter une certaine zone de confort, afin d’écouter l’ambiance de formes peu usuelles, en attribuant d’autres significations aux objets écoutés. Un exemple de cette obscurité acoustique se trouve dans les films de Lucrecia Martel, où les murmures, les dialogues à mi-voix et les sons très faibles venant de téléviseurs et de radios créent, selon Gonzalo Aguilar, “une dimension signifiante qui n’a rien à voir avec le sens des mots” (2010 : 95). Nous pensons au film La niña santa (La fille sainte, 2004), où de mystérieux bruits entendus dans la piscine chauffée de l’hôtel, par exemple, finissent par servir de forteresse pour que l’adolescente Amália trouve une certaine forme de refuge face à un processus inconfortable qui marque sa relation avec le monde extérieur, principalement ce qui touche à la découverte du désir de son corps adolescent, et dans la syntonie qu’elle trouve, souvent, près du corps de sa meilleure amie et complice des exercices aquatiques. Pour Aguilar, l’acousmatique

107

Uma outra escuta...

ERLY VIEIRA JR

Uma outra escuta...

La mujer sin cabeza, 2008

quebrando é escutado em volume mais alto que o normal, provocando sobressaltos em espectadores que talvez tenham se comportado de maneira passiva e letárgica ao acompanharem o evento à beira da piscina. Numa entrevista realizada em junho de 2008 (e citada em Barrenha e Passos, 2009: 4), Lucrecia Martel declara seu grande interesse no que ela denomina “dimensão tátil do som”, e na capacidade que ele possui de mudar certas sensações junto ao espectador. Ela ressalta inclusive, neste depoimento, que, apesar de fazer muito frio durante as filmagens de La Ciénaga, muito do desconforto que o espectador sente vem de uma impressão de intenso calor que emana das cenas e é causada, segundo a cineasta, pela utilização do som. É também sob essa lógica de ambiguidades, a partir da definição de pontos de escuta, da evidenciação proposital de alguns elementos sonoros e de usos estratégicos da acusmática que se constrói a atmosfera extremamente pregnante de dúvida e sufocamento que ronda não só a protagonista, mas também a experiência espectatorial em La mujer sin cabeza (La femme sans tête, 2008), também realizado por Martel. Desde seu início, já estamos sob um regime sonoro de sobrevalorização sensorial: os corpos dos meninos e de um cachorro, em movimento incessante, roçam o concreto da valeta ao lado do meio-fio, reverberam por entre ocasionais

108

confère aux images des films de Martel “un relief et une profondeur qui sont accentués par la superposition et la fragmentation des corps, en créant un espace strié dans le hors-champ (de ses bruits ou du non-vu)” (Aguilar, 2010 : p. 106). Nous pouvons alors penser l’acousmatique, dans l’ensemble de l’œuvre de la cinéaste argentine, comme une possibilité d’intensifier les tensions et les inconforts, en particulier pour renforcer une atmosphère qui déborde de ce qui est hors des limites du cadre, non seulement dans le sens d’une extériorité physique, mais aussi diégétique, une sorte d’image absente qui serait reconnectée à la scène par la dimension sonore, principalement par les inquiétudes et incertitudes découlant de cette ambiguïté interprétative des sons obscurcis, qui émergent pendant la construction imaginaire que fait le spectateur de la situation narrative qui se déroule sous ses yeux et ses oreilles. Ce dispositif de production d’ambiguïtés interprétatives se fait à partir de l’inversion des points d’écoute, ce qui peut générer, chez le spectateur, des effets assez différents d’une tentative naturaliste de recomposer l’espace-temps narratif.

La ciénaga, 2001

caminhões ruidosos que cruzam o asfalto fartamente empoeirado. Em seguida, Verónica, a protagonista, nos é apresentada, ao entrar num carro, em meio a outras crianças, mais inquietas que as da cena anterior, a correr e brincar sem parar, em planos médios e fechados. Através dessa decupagem, pouco sabemos da organização espacial da cena – apenas as cores do fundo, vislumbradas em alguns momentos, nos fazem supor, ainda que sem muita clareza, a proximidade geográfica com os garotos à beira da estrada da cena anterior. Com o carro em movimento, ao som da canção “Soley Soley” do grupo escocês Middle of the Road, temos o ponto de vista do motorista, passando por uma curva, depois outra. Acusmaticamente, a campainha de um celular começa a tocar, sobressaindo ao som do rádio, já com a cena enquadrada a partir banco do carona de modo que vejamos, em plano fechado, Verónica desviar o olhar para tentar alcançar o aparelho numa bolsa que aparenta estar a seu lado. É o momento em que sentimos um solavanco mais intenso e a institiva freada da motorista

ERLY VIEIRA JR

Prenons l’exemple d’une scène en bord de piscine, dans les premières minutes de La ciénaga : après une série de plans de détails avec des sons survalorisés, se suivent, avec les images qui enregistrent la chute du personnage qui porte les verres, des sons sourds, comme la perception de celui qui assiste à la scène, tout autant ivre que les coadjuvants léthargiques qui, étendus sur leurs chaises de plage, sont présents lors de l’événement, étrangers à tout. Le contraste surgit quand il y a une coupure vers l’intérieur de la maison, vers la chambre où se trouvent les deux adolescentes, et le bruit de chute de verres cassés est entendu en un volume supérieur à la normale, provoquant des sursauts chez le spectateur qui peut-être s’est comporté de façon passive et léthargique en suivant l’épisode du bord de piscine. Dans un entretien réalisé en juin 2008 (et cité dans Barrenha e Passos, 2009 : 4), Lucrecia Martel déclare son grand intérêt pour ce qu’elle appelle la “dimension tactile du son”, et la capacité qu’il a de transformer certaines sensations chez le spectateur. Elle souligne même, dans ce témoignage, qu’en dehors du fait qu’il faisait très froid sur le tournage de La ciénaga, une grande partie du sentiment d’inconfort que ressent le spectateur vient d’une impression d’intense chaleur qui émane de ces scènes et qui est causée, selon la cinéaste, par l’utilisation du son. C’est aussi dans cette logique d’ambiguïtés à partir de la définition des points d’écoute, de la mise en évidence intentionnelle de certains éléments sonores et de l’utilisation stratégique de l’acousmatique, que se construit l’atmosphère extrêmement chargée de doutes et de suffocation qui entoure non seulement la protagoniste, mais aussi l’expérience d’exposition dans La mujer sin cabeza (La femme sans tête, 2008), également réalisé par Martel. Dès le début, nous nous trouvons déjà dans un régime sonore de survalorisation sensorielle : les corps des enfants et d’un chien, en mouvement incessant, râpent le ciment de la rigole et renvoient un son parmi des chemins bruyants par intermitance qui croisent l’asphalte extrêmement poussiéreux. Et ensuite, Verónica la protagoniste nous est présentée montant dans une voiture au milieu d’autres enfants plus inquiets que ceux de la scène antérieure, filmés à courir et à jouer sans arrêt en plans moyens et serrés. Nous apprenons très peu sur l’organisation spatiale de la scène par ce découpage, seulement les couleurs du fond, aperçues à certains moments, qui nous laissent supposer, bien que sans beaucoup de clarté, la proximité géographique avec les garçons en bord de route de la scène précédente. Grâce à la voiture en mouvement, au son de la chanson “Soley Soley” du groupe écossais Middle of the Road, nous

109

Uma outra escuta...

(embora não cessem a campainha nem a música). Ainda em plano fechado, de perfil, Veró pára, respira, engole a seco uma ou duas vezes, hesita em abrir a porta. Mas continua sentada. As marcas de mãos de criança no vidro da porta do motorista só agora estão claramente visíveis ao espectador, uma vez que a poeira da freada se dissipou. Mesmo que suponhamos serem das crianças que corriam em volta do veículo na cena anterior, elas nos remetem também aos meninos da primeira cena do filme. O que atingiu o carro? Será que foi um atropelamento? Continuamos com a câmera no banco do carona: Veró recoloca seus óculos escuros e novamente suspira. As marcas de mão no vidro teimam em aparecer cada vez mais, inclusive quando o carro finalmente se recoloca em movimento, sem celular tocando ou rádio ligado, numa espécie de fantasma do ente (criança? cachorro?) que possa ter sido atropelado instantes atrás 3. Finalmente o ponto retrovisor nos revela, à medida que o carro se afasta do local do acidente, que alguém (talvez um cão, mas as mãos no vidro instauram a dúvida) está caído ao chão e será deixado para trás em alguns instantes. O que vemos e ouvimos ainda é bastante ambíguo e pouco esclarecedor acerca do que realmente ocorreu, uma vez que são os acovardados pontos de vista e escuta de uma personagem acuada pelo medo do que possa ter causado num momento mínimo de desatenção ao volante. E é exatamente essa rarefação de informações que implantará no espectador uma dúvida semelhante à que assombrará a personagem no decorrer do filme. A partir daqui, temos uma curiosa mudança no registro sonoro do filme. Gradualmente, certos sons, mixados em volume bem mais alto que o normal, começam a compor, em seu conjunto, uma estranha atmosfera: com o rádio ainda desligado, o carro anda aos solavancos pela estrada, cujo asfaltamento nos aparenta, através da audição (já que a câmera continua posicionada no banco do carona, observando Veró de perfil), esburacado e bastante irregular. É esse barulho que sufoca os suspiros, palpitações e as engolidas a seco da personagem, que ainda tenta entender o que acaba de ocorrer. No cruzamento que dá acesso à estrada principal, ela pára por alguns instantes e finalmente sai do carro para respirar. A porta aberta nos traz o som de carros que, em alta velocidade, cruzam a estrada à nossa frente. Alívio trazido por um som de cunho mais naturalista? Não por muito tempo. Trovoadas são escutadas por alguns poucos segundos, enquanto a mulher anda, apressada e inquieta, de um lado a outro, sem saber o que fazer. Vemos, de dentro do carro, um pedaço do volante, a quina que envolve uma parte do vidro frontal e o pedaço dianteiro da janela da porta do motorista entreaberta. Há um momento em que, talvez exausta, Veró para ao fundo de quadro, por detrás da janela dianteira, enquadrada sem ombros nem pernas. Começa a chover e gotas grossas vão obstruindo rapidamente a visão do espectador e tomando todo o espaço sonoro, distanciando nossa atenção dos carros que cruzam a estrada e da angústia da mulher, tomando-nos totalmente como se só houvesse água à nossa frente. Um corte seco súbito de som e imagem anuncia os créditos iniciais do filme e nos retira dessa atmosfera impregnante. É a partir desse momento que se coloca em curso uma outra percepção sonora dos espaços, posterior à pancada que Verónica

110

ERLY VIEIRA JR

avons le point de vue du chauffeur, passant d’un virage à l’autre. La sonnerie d’un portable se fait entendre de façon acousmatique, se superposant au son d’une radio, avec une scène cadrée à partir du siège du passager de façon à ce que nous voyons, en plan serré, Verónica dévier son regard pour tenter d’attraper l’appareil dans un sac qui apparemment se trouve à ses côtés. C’est le moment où nous ressentons un soubresaut plus intense et le coup de frein instinctif du chauffeur (bien que ne cessent ni la sonnerie ni la musique). Toujours en plan serré, de profil, Verónica s’arrête, respire, déglutit deux ou trois fois à sec, hésite à ouvrir la porte. Elle reste assise. Les marques de mains d’enfant sur la vitre de la porte du chauffeur sont alors clairement visibles seulement pour le spectateur, une fois que la poussière du coup de frein s’est dissipée. Même si nous supposons que ce sont des enfants qui couraient autour de la voiture dans la scène antérieure, ils nous renvoient aussi aux enfants de la première scène du film. Qu’est-ce qui a touché la voiture ? Est-ce un accident ? Nous poursuivons avec la caméra sur le siège de la voiture : Verónica remet ses lunettes noires et soupire à nouveau. Les marques des mains sur la vitre ont de plus en plus de mal à apparaître, y compris quand la voiture se remet finalement en marche, sans portable qui sonne ni radio qui fonctionne, dans une espèce de spectre d’un être (enfant ? chien ?) qui aurait pu être renversé quelques instants auparavant 3. Finalement le rétroviseur nous révèle, au fur et à mesure que la voiture s’éloigne du lieu de l’accident, que quelqu’un (peut-être un chien, mais les mains sur la fenêtre laissent planer le doute) est tombé par terre et sera abandonné dans quelques instants. Ce que nous voyons et entendons est assez ambigu et peu éclairant sur ce qui s’est réellement passé, dès lors qu’il s’agit des points de vue et d’écoute effrayés d’un personnage acculé par la peur de ce qu’il a pu causer dans un bref moment d’inattention au volant. Et c’est justement cette raréfaction d’informations qui sèmera chez le spectateur un doute pareil à ce qui fera peur au personnage tout au long du film. À partir de là, nous assistons à un curieux changement dans le registre sonore du film. Petit à petit, certains sons, mixés en un volume bien supérieur à la normale, commencent à composer, dans leur ensemble, une étrange atmosphère : toujours sans radio, la voiture avance par sursauts sur la route, dont l’asphalte nous apparaît parsemé de trous et assez irrégulier à travers l’audition (puisque la caméra est toujours posée sur le siège du passager, observant Verónica de profil). C’est ce bruit qui étouffe les soupirs, les palpitations et les

Uma outra escuta...

ERLY VIEIRA JR

Lucrecia Martel

recebe durante o choque com o ser (ou objeto) indeterminado. A sobrevalorização dos sons, em lugar de inocentemente chamar nossa atenção para alguns detalhes cênicos, como no começo do filme, agora se assume como uma sobreposição do ponto de escuta do espectador com o da personagem, atordoada pelo acidente, com sua percepção temporariamente alterada, como se sua cabeça tivesse se transformado toda num gigantesco ouvido, ou numa caótica caixa de ressonância. No ambiente do hospital para o qual ela é conduzida somos bombardeados por ruídos (em sua maioria oriundos do fora-decampo) equalizados de maneira pouco usual, ainda que totalmente pertencentes ao espaço cênico: a chuva intensa, o zumbido do aparelho de raios-x, as portas metálicas que batem e as travas que abrem e fecham sem parar, o ambiente confuso e repleto de ecos dos corredores (até a voz das pessoas parece ter eco!). Sons muito intensos, que parecem roçar por nossa pele e ouvidos como se esbarrássemos neles, caso isso fosse possível. Tudo ecoa em demasia, e mesmo no banheiro, num momento íntimo em que Verónica leva a mão a cabeça para sentir-se viva e inteira, o barulho das coisas que não vemos é muito mais alto do que numa percepção ordinária, de modo que as vozes se perdem em meio a ele quando fora de quadro – ora os sons falham, ora são presentes demais. E essa escuta adulterada, repleta de zunidos, como uma espécie de ressaca, vai continuar pelo menos até a manhã seguinte, inclusive durante todo o pernoite no hotel. Um copo que bate numa superfície, o fio de água que corre de uma torneira esquecida aberta, uma chave que se choca contra a outra num mesmo chaveiro: tudo é incômodo demais. E, da mesma maneira que a personagem está perdida, nós espectadores também estamos – afinal, é difícil se situar diante de tão frequentes oscilações dos

déglutitions à sec de la protagoniste qui tente encore de comprendre ce qui vient de se passer. Au carrefour qui donne accès à la route principale, elle s’arrête quelques instants et finalement sort de la voiture pour respirer. La porte ouverte renvoie le son des voitures qui passent sur la route devant nous à toute vitesse. Un soulagement apporté par un son de caractère plus naturaliste ? Pas pour longtemps. On entend des coups de tonnerre pendant quelques secondes, alors que la femme marche, pressée et inquiète, d’un côté à l’autre, sans savoir que faire. Nous voyons, depuis l’intérieur de la voiture, un bout de volant, l’angle qui comprend une partie de la vitre frontale et la partie arrière de la fenêtre de la porte du chauffeur entrouverte. À un moment Verónica, peut-être fatiguée, s’arrête au fond du cadre, derrière la fenêtre arrière, cadrée sans épaules ni jambes. Il commence à pleuvoir et de grosses gouttes vont rapidement obstruer la vue du spectateur et occuper tout l’espace sonore, détournant notre attention des voitures qui passent sur la route et de l’angoisse de la femme, nous capturant totalement comme s’il n’y avait que de l’eau devant nous. Une coupure sèche et subite de son et d’image annonce le générique initial du film et nous tire de cette atmosphère prenante. C’est à partir de ce moment que se met en marche une autre perception sonore des espaces, postérieure au coup que Verónica reçoit durant le choc avec l’être (ou l’objet) indéterminé. La survalorisation des sons, au lieu d’attirer de façon innocente

111

Uma outra escuta...

pontos de escuta, mais até do que de vista, num contexto em que qualquer som intruso pode ser textura sufocante, como a chuva que cai incessante lá fora enquanto ela aguarda alguém no restaurante do hotel. No momento do encontro de Veró com seu amante, os volumes dos ruídos começam momentaneamente a se aproximar de uma percepção ordinária. Todavia, basta ela retornar à casa para que outra atmosfera de estranhamento se instaure, e mais uma vez o desenho sonoro é extremamente responsável por isso: da secura de cômodos que deveriam soar familiares e aconchegantes, como a cozinha e o banheiro, à estranha sensação causada pelo rádio e/ou televisão ligados, que soam como se não estivessem dentro da casa, mas sim viessem de um carro de som estacionado a uma ou duas quadras dali. Se antes o estranhamento sonoro era reflexo direto de uma percepção fisicamente adulterada por uma pancada na cabeça, agora que a dor passou, é hora de instaurar uma nova condição: um estado de dúvida que a personagem só irá confessar decorridos quarenta e um minutos de filme: “Acho que atropelei alguém”. O que quer que tenha acontecido naquele momento do acidente, “sua presença-ausência agora assombra todos os enquadramentos do filme” (Oliveira, 2010: 94). E, ao aderir câmera e microfone às cercanias da personagem, o filme nos faz mergulhar sensorialmente em seu cotidiano transfigurado num misto de culpa e dúvida – até porque talvez seja tarde demais para ter alguma certeza sobre o evento que irá transformar a vida de Verónica dali por diante. Em meio a temporários momentos de alívio, basta qualquer evocação ao atropelamento, como quando a protagonista passa de carro pelas proximidades do local do acidente e percebe uma movimentação estranha de pessoas e máquinas, criando a expectativa de algum corpo ter sido encontrado, para que ressurja, no filme, essa mixagem não-naturalista dos sons. O ato de se fechar as janelas para ligar o ar-condicionado, apesar de aparentemente isolar Verónica dos riscos do mundo exterior, potencializa nossa captação do intangível, principalmente porque a vibração do som do rádio mal-sintonizado do carro pelo alto-falante traseiro se torna incômoda demais exatamente por não haver mais a intrusão dos sons exteriores. É como se os sons vibrassem no gume de algo que corta por dentro, um invisível remorso que pode (e vai) irromper em momentos cotidianos até que, talvez, seja possível esquecê-lo. E assim o filme segue, enquanto testemunhamos o apagamento dos vestígios referentes a um episódio que jamais saberemos o que foi exatamente (e se não foi um produto da imaginação de sua principal agente): perto do final do filme, constata-se não haver registro algum de hóspede no quarto 808 na noite da tempestade. Resta a Verónica apenas vagar, ainda que semi-desfocada, em meio a seus amigos, numa espécie de coquetel à meia-luz, no qual testemunhamos seu gradual desaparecimento em desfoque ao som de uma canção de Demis Roussos. E, ao espectador, resta partilhar desse estado de estranhamento com a mesma cumplicidade que tivemos ao testemunharmos um atropelamento que, talvez, tenha sido apenas imaginado – não só por Verónica mas também por nós mesmos, ainda que com uma intensidade muito maior que a própria realidade. n

112

ERLY VIEIRA JR

notre attention sur quelques détails scéniques, comme au début du film, s’assume alors comme une superposition du point d’écoute du spectateur avec celui du personnage, étourdi par l’accident, sa perception temporairement altérée, comme si sa tête s’était transformée en une oreille gigantesque, ou en une caisse de résonnance chaotique. À l’hôpital où elle est conduite, nous sommes bombardés de sons (pour la plupart issus du horschamp), traités de façon peu usuelle, bien qu’ils appartiennent totalement à l’espace scénique : la pluie intense, le bourdonnement de l’appareil de radiographie, les portes métalliques qui claquent et les battants qui s’ouvrent et se referment sans arrêt, l’ambiance confuse et pleine d’échos des corridors (même la voix des personnes semble résonner !) Des sons très intenses, qui paraissent frôler notre peau et nos oreilles comme si nous les touchions, si cela était possible. Tout a un effet d’écho exagéré, et même dans les toilettes, au moment intime où Verónica porte la main à la tête pour se sentir vivante et entière, le bruit des choses que nous ne voyons pas est bien plus fort que celui d’une perception ordinaire, de manière à ce que les voix se perdent, alors qu’en hors-champ, soit les sons manquent, soit ils sont trop présents. C’est cette écoute altérée, remplie de bruissements, comme une sorte de ressac, qui va continuer au moins jusqu’au lendemain matin, y compris durant toute la nuit à l’hôtel. Un verre qui touche une superficie, un filet d’eau qui coule d’un robinet resté ouvert, une clé qui en touche une autre sur un même porte-clés : tout est dérangeant. Les spectateurs sont autant perdus que le personnage, et à la fin, il est difficile de se situer face à de trop fréquentes oscillations de point d’écoute, plus que des points de vue, dans un contexte où n’importe quel son intrus peut être une texture suffocante, comme la pluie qui tombe sans cesse dehors, alors que Verónica attend quelqu’un dans le restaurant de l’hôtel. Au moment de la rencontre de Veronica avec son amant, les volumes des bruits commencent momentanément à se rapprocher d’une perception ordinaire. Il suffit cependant qu’elle rentre à la maison pour qu’une nouvelle atmosphère d’étrangeté s’installe, et une fois de plus, la bande son en est extrêmement responsable : de la froideur des pièces qui devraient être familières et accueillantes, comme la cuisine ou la salle de bain, à l’étrange sensation créée par les sons de la radio et/ou la télévision qui marchent, qui résonnent comme s’ils n’étaient pas dans la maison, mais comme s’ils venaient d’une voiture équipée de hauts-parleurs stationnée à un ou deux blocs de là. Avant, l’étrangeté sonore était le réflexe direct d’une perception physiquement altérée par un coup

Uma outra escuta...

NOTAS 1. A saber: La ciénaga (2001), La niña santa (2004) e La mujer sin cabeza (2007). 2. Pensemos aqui, além dos filmes de Lucrecia Martel, nas paisagens sonoras de Gerry (2002), Elephant (2003) e Last Days (2005), de Gus Van Sant ou a misteriosa e mágica floresta de Sud Pralad (Tropical malady, 2004), de Apichatpong Weerasethakul. 3. Ao analisar esta mesma cena, Luiz Carlos Oliveira Junior faz uma colocação que, acredito, resume bem esse estado de incerteza causado pela decupagem adotada por Lucrecia Martel: “o fora-de-campo se infla na nossa imaginação à medida que nos é adiado o acesso a ele” (OLIVEIRA, 2010: 94). BIBLIOGRAFIA - Aguilar Gonzalo, Otros mundos: Ensayo sobre el nuevo cine argentino, Santiago Arcos Editor, Buenos Aires, 2006. - Christofoletti Barrenha Nathália & Passos Antônio, “À beira da piscina, à beira do quadro: a utilização do som off e a construção de tensão na obra de Lucrecia Martel”, Anais do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Intercom, Curitiba, 2008. - Chion Michel, A audiovisão: Som e imagem no cinema, Texto & Grafia, Lisboa, 2008. - Oliveira Junior Luiz Carlos, O cinema de fluxo e a mise-en-scène, USP, São Paulo, 2010. - Rodriguez Angel, A dimensão sonora da linguagem audiovisual, Senac, São Paulo, 2006. - Vieira Erly Jr, “Marcas de um realismo sensório no cinema mundial contemporâneo”, Sala 206, v. 2, GRAV/UFES, Vitória, 2011. ERLY VIEIRA JR. (1977) é um cineasta e pesquisador brasileiro. Doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é professor do Programa de pósgraduação em artes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). RESUMO Este artigo pretende investigar como o desenho sonoro dos filmes de Lucrecia Martel, calcados no uso criativo de sons acusmáticos, são parte essencial da experiência de ambiguidade narrativa e sobrevalorização sensorial que essas obras oferecem ao espectador. PALAVRAS-CHAVE acusmática – desenho sonoro – percepção sonora – “realismo sensório” – fora-de-campo – Lucrecia Martel – cinema contemporâneo – La ciénaga – La niña santa – La mujer sin cabeza

ERLY VIEIRA JR

sur la tête ; maintenant que la douleur est passée, il est temps d’installer une nouvelle condition : un état de doute que le personnage n’ira livrer qu’après quarante et une minutes de film : “Je pense que j’ai renversé quelqu’un”. Quelque soit ce qui s’est passé au moment de l’accident, “sa présence-absence maintenant pèse sur tous les cadrages du film” (Oliveira, 2010 : 94). Et, en posant caméra et microphone près du personnage, le film nous fait plonger sur le plan sensoriel dans son quotidien transfiguré en un mélange de culpabilité et de doute, justement parce qu’il est trop tard pour avoir toute certitude sur l’événement qui ira désormais transformer la vie de Verónica. Lors de moments passagers de soulagement il suffit de n’importe quelle évocation de l’accident, comme lorsque la protagoniste passe en voiture près des lieux de l’accident et perçoit un mouvement étrange de personnes et de véhicules, créant l’expectative de quelque corps retrouvé, pour que ressurgisse, dans le film, ce mixage non naturaliste de sons. Le fait de fermer les fenêtres pour brancher la climatisation isole Verónica des risques du monde extérieur. Malgre cela, cet acte renforce notre perception de l’intangible, surtout parce que la vibration du son de la radio mal synchronisée de la voiture par le haut-parleur à l’arrière devient trop insupportable, justement parce qu’il n’y a plus d’intrusion de sons extérieurs. C’est comme si les sons vibraient sur la lame de quelque chose qui couperait vers l’intérieur, un remords invisible qui peut (et va) faire irruption dans des moments quotidiens jusqu’à ce que, peut-être, il soit possible de les oublier. Et ainsi le film se poursuit, pendant que nous constatons l’extinction de vestiges se référant à un épisode dont nous ne saurons jamais ce qu’il fut exactement (et s’il ne s’agit pas du produit de l’imagination de son principal agent) : presque à la fin du film, on constate qu’il n’y a jamais eu d’enregistrement d’un client dans la chambre 808 la nuit de la tempête. Il ne reste à Verónica qu’à errer, encore à moitié hors focus, entre ses amis, dans une sorte de cocktail à demi jour, au cours duquel nous constatons sa disparition graduelle, de plus en plus floue, au son d’une chanson de Demis Roussos. Et le spectateur n’a plus qu’à partager cet état d’étrangeté avec la même complicité que nous avions eue lors de l’accident, qui, peut-être, avait été à peine imaginé, non seulement par Veronica, mais aussi par nous-mêmes, quoiqu’avec une intensité plus grande que la propre réalité. n TRADUIT DU PORTUGAIS (BRÉSIL) PAR SYLVIE DEBS

NOTES

1. À savoir: La ciénaga (2001), La niña santa (2004) et La mujer sin cabeza (2007). 2. Nous pensons outre les films de Lucrecia Martel, aux paysages sonores de Gerry (2002), Elephant (2003) et Last Days (2005) de Gus Van Sant, ou à la forêt mystérieuse et magique de Sud Pralad (Tropical malady, 2004) de Apichatpong Weerasethakul. 3. En analysant cette même scène, Luiz Carlos Oliveira Junior fait une observation qui, je crois, résume bien cet état d’incertitude causé par le découpage adopté par Lucrecia Martel : “le hors champ grossit dans notre imaginaire à mesure que nous est retardé son accès” (Oliveira, 2010 : p. 94). ERLY VIEIRA JR. (1977), cinéaste et chercheur brésilien. Docteur en communication

et culture (Université Fédérale do Rio de Janeiro-UFRJ), il est enseignant dans le programme de maîtrise (arts) de l’Université Fédérale d’Espírito Santo (UFES). RÉSUMÉ Cet article tente de montrer comment la bande son des films de Lucrecia Martel, calqués sur l’utilisation créative de sons acousmatiques, constitue l’essentiel de l’expérience de l’ambiguïté narrative et de la survalorisation sensorielle que ces œuvres offrent au spectateur. MOTS CLÉS son acousmatique – bande son – perception sonore – “réalisme sensoriel” – hors-champ – Lucrecia Martel – cinéma contemporain – La ciénaga – La niña santa – La mujer sin cabeza

113

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.