100 ANOS DO GENOCÍDIO ARMÊNIO, 1915-2015

July 22, 2017 | Autor: F. Silva | Categoria: Genocide Studies, Armenian Genocide, Genocide
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100 ANOS DO GENOCÍDIO ARMÊNIO, 1915-2015.

Aos cem anos do genocídio de 1.5 milhão de armênios cometido pelo exército turco-otomano durante a Primeira Guerra Mundial em 1915, continua o debate em torno de seu reconhecimento. Negado pela Turquia atual, foi reafirmado pelo Papa Francisco, Suécia, Argentina e Uruguai. Os Estados Unidos, Israel e Brasil embora reconheçam a morte de milhares e milhares de armênios se recusam a nomeá-lo como "genocídio".


O Holocausto judaico, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), por suas características cruéis e todo seu grandioso aparato montado pelo Terceiro Reich enquanto empreendimento de estado, permanece como paradigma, consciente ou inconscientemente, para os demais fenômenos ditos "correlatos". Desde o final da Segunda Guerra Mundial, e depois que o termo "genocídio" foi criado e amplamente aceito (pelo jurista Raphael Lemkin, em 1944), inclusive transformado em fato do "direito público internacional", pela Convenção da ONU de 1948 para "A Prevenção dos Crimes de Genocídio", continuamos dependendo de grandes potências para a caracterização do crime. O texto da ONU, assinado por todos os estados-membros incluindo a Turquia, define com clareza o crime de genocídio:

Artigo II - Na presente Convenção, entende-se por "genocídio" qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:

A) Assassinato de membros do grupo.

B) Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

C) Submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial
; D) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

E) Transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.


CRIME E ESQUECIMENTO

Tal definição, e seu caráter hediondo, foi amplamente aceita no Brasil através da Lei Nº 2.889, de 1 de outubro de 1956, tornando-se, portanto, crime de direito público recepcionado pelo país. Da mesma forma, o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, em 1998, incorpora plenamente a definição da ONU sobre genocídio, o que transforma todas as ações de "limpeza étnica" e assassinatos sequenciais em crime de genocídio. Contudo, vários historiadores, e políticos e Estados, insistem em resguardar o termo exclusivamente para o caso dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e acabam, por esta via, a esvaziar o caráter hediondo dos crimes coletivos que surgiram depois de 1945.
Outra surpresa, é a frequência dos eventos genocidárias depois da Segunda Guerra Mundial. Os historiadores estão acordes para considerar o genocídio armênio como aquele que forneceu o primeiro material para institucionalização do crime, recebendo depois de 1945 forte impacto pela descoberta do Holocausto. Contudo, genocídios anteriores a 1945 foram "esquecidos", e o estatuto de crime em massa recusado. Desta forma o genocídio do povo herero na Namíbia ( então, Sudoeste Africano Alemão, uma colônia alemã na África, em 1907); o genocídio de haitianos na República Dominicana, em 1937 e o genocídio de chineses, pelo Japão Imperial, na Segunda Guerra Sino-Japonesa ( 1937-1945), culminando no Massacre de Nanquim, em 1937 ( e nunca reconhecido pelo Japão enquanto genocídio, sempre descrito, inclusive nos livros didáticos japoneses, como "baixas de guerra"), ainda não mereceram sua devida atenção pelos historiadores e seu estabelecimento "de jure" como genocídios.
O fato dos hereros, povo africano, haitianos negros e chineses não serem povos europeus brancos e católicos (os haitianos são sincretistas afrodescendentes), sem dúvida, lamentavelmente, desempenha um forte papel na assunção pelo Ocidente do caráter de genocídio das ações movidas contra eles por alemães, dominicanos e japoneses antes da Segunda Guerra Mundial contra tais populações.
Mesmo depois de 1945, negando a própria letra da Declaração da ONU de 1948, os vários genocídios ocorridos são tratados conforme as necessidades políticas de então. A Guerra Fria (1945-1991) e do etnocentrismo ocidental desempenharam neste campo um papel fundamental na definição e assunção plena de diversas matanças enquanto genocídios. Assim, o genocídio do Camboja, entre 1975 e 1979, cometido por um regime autodeclarado marxista em torno de Pol Pot, foi de pronto assumido como tal (o que fato é!). Enquanto isso, os massacres genocidários contra a população negra da África do Sul, durante a vigência do regime de Apartheid, não mereceu a mesma denominação. Os massacres de muçulmanas na Bósnia e no Kosovo, cometidos por ultranacionalistas sérvios depois de 1991, foram aceitos, sem relutância, como genocidários, mas o massacre de muçulmanos palestinos em Sabra e Chatila, em 1982, cometido por cristãos e com assistência do Estado de Israel, não é reconhecido como "genocídio". Da mesma forma, o massacre de 800 mil civis em Ruanda, em 1994, foi reconhecido como tal, mas as tropas europeias presentes no país se abstiveram de qualquer ação preventiva ou defensiva da população negra tutsi (e de hutus moderados). Também a Índia, no imediato pós-Independência, em 1947 trouxe cenas dramáticas de matanças coletivas, limpeza étnica e de expulsão de populações.
Resta ainda, no coração do debate, a questão dos palestinos de Gaza, sob constante ataque e sistematicamente expulsos de casas e bairros, além de submetidos à privação de agua, comida, remédios...


O GENOCIDIO ARMENIO
Assim, pode-se falar de um genocídio dos armênios praticado pelos turcos durante a Primeira Guerra Mundial como aquele – dado o "esquecimento" dos genocídios não-europeus – que abriu caminho para o estabelecimento de crimes massivos como genocídios. O motivo na ocasião, em meados de 1915, era o grande medo do regime nacionalista dos chamados Jovens Turcos – oficiais do Exército otomano – de que os armênios servissem de ponta de lança para uma invasão dos aliados. Assim, quando ingleses e australianos desembarcam na região turca de Galípoli, inicia-se a matança de armênios. Em primeiro lugar, são os soldados armênios alistados no próprio exército turco; em seguida, a população masculina e, finalmente, as mulheres, as crianças e os velhos submetidos a longas marchas da morte por desertos, obrigados a se deslocar a pé por centenas e centenas de quilômetros através de regiões desérticas, em especial da Síria, sendo constantemente fustigados pelas populações turcas. Mais de um milhão de mortos e a deportação de outros milhares em direção à Rússia (limpeza étnica) marcam o genocídio armênio.
No entanto, até hoje, passados cem anos, os diversos governos turcos se negam a reconhecer a existência de um genocídio dos armênios praticado pelas tropas turcas, ainda sob regime otomano, e orientado, em seus objetivos, pelo partido "União e Progresso". Mesmo hoje, o governo de Recep Erdogan, na Turquia (do partido religioso muçulmano "Justiça e Desenvolvimento", anti-kemalista e, portanto, não vinculado de qualquer forma ao passado recente da Turquia otomana), se recusa a reconhecer a existência de um genocídio dos armênios. Erdogan, ex-premiê e atual presidente turco, expressou suas "condolências" ao povo armênio mas se recusa, peremptoriamente, a reconhecer que houve um "genocídio". Aqui, o político turco (e mesmo alguns historiadores) exigem que para se reconhecer a existência de genocídio deva haver um plano oficial, preestabelecido, de extermínio de um povo por razões políticas, raciais ou religiosas, contrariando o caráter factual, objetivo, dos milhares e milhares de mortos. Trata-se, evidentemente, de um formalismo, posto que a própria Turquia fala em genocídio de muçulmanos na Bósnia e em Kosovo nos anos de 1990.
O próprio Papa Francisco, recentemente, reconheceu a existência do genocídio dos cristãos da Armênia, como também a Assembleia Nacional francesa, a Suécia, a Argentina e o Uruguai. O papa apontou para a Armênia como o primeiro genocídio da era moderna, ao alvorecer do século XX. Claro, não sendo um historiador e talvez mal assessorado pelo grupo palaciano vaticanista, esqueceu-se dos hereros, dos haitianos e dos chineses.

O PRIMEIRO GENOCIDIO MODERNO
Contudo, o primeiro genocídio do século foi cometido pelas tropas alemãs de ocupação contra a população nativa da Namíbia, então Sudoeste Africano Alemão. O fato de ter acontecido numa colônia europeia na África, longe das vistas da imprensa e dos interesses ocidentais, e numa época de pouca atenção para com a sorte dos povos coloniais e de cor – como comprova a própria situação dos negros americanos entre 1880 e 1920 – mantém na obscuridade a matança praticada na África pelos alemães.
Desde 1885, os alemães procuravam estabelecer uma colônia no sul da África, ocupando então o território da Namíbia, expropriando os pastores negros hereros. Em 1904, estes se revoltaram, iniciando uma longa guerra contra os invasores brancos, que só terminará em 1907, com a morte de 85% da população herero e a "pacificação" do território. Grandes empresas alemãs, entre as quais o Deutsche Bank, tinham interesses na região e lucraram com o extermínio herero. Estes ainda hoje lutam pelo reconhecimento do episódio genocida e exigem, em tribunais americanos, uma indenização.

Tristemente o século XX anuncia, com o genocídio dos hereros em 1904/1911, e dos armênios, em 1915, os horrores que atingiriam outros povos, como os haitianos, os judeus, muçulmanos (na Índia, em Chatila, na Bósnia), bem como os cambojanos sob Pol Pot e os ruandeses.
Até o momento Estados Unidos, onde Barack Obama havia se referido aos eventos de 1915 como "genocídio" durante a campanha eleitoral, permanecem em silencio e a palavra "genocídio" continua oculta nas declarações da Casa Branca. Neste caso, Obama é contido pelas excelentes relações Washington-Ancara, inclusive no âmbito da NATO.
Mais surpreendente ainda é o silencio de Israel, recusando-se a reconhecer – o que até os alemães já fizeram – o genocídio dos armênios como um antecessor do Holocausto. Neste caso, duas razões são apresentadas pelos críticos do governo israelense: de um lado, a insensata tentativa de Israel em manter um monopólio histórico sobre o termo "genocídio" e, por outro, a busca de melhoria de suas relações com a Turquia, ante seu isolamento regional.
Também o Brasil, ao contrário de seus parceiros do Mercosul, Argentina e Uruguai, que reconheceram o genocídio armênio, mantém-se em silêncio. É vergonhoso que um país como o Brasil, no qual uma diáspora armênia fez vicejar talentos e contribuições fundamentais para a cultura comum brasileira e que se apresenta como um defensor dos direitos das nações, guarde silencio em torno da questão armênia.

Francisco Carlos Teixeira da Silva/UFRJ

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