1596 – Um Raide Português a Terras de Sua Majestade, Academia de Marinha, 2014

May 26, 2017 | Autor: A. Salgado | Categoria: Maritime History
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1596 – UM RAIDE PORTUGUÊS A TERRAS DE SUA MAJESTADE

Comunicação apresentada pelo académico Augusto Alves Salgado, em 19 de Março

Introdução “A História de Portugal está inçada de erros e de falsos conceitos. E não obstante proclamar-se a necessidade da sua revisão, e de alguma cousa se ter feito, ultimamente, nesse sentido, erros e falsos conceitos continuam a propagar-se até pela pena de escritores conceituados. Os documentos sobre que, geralmente, se tem baseado o exame da nossa actividade naval nos séculos XVI e XVII têm sido quási exclusivamente as relações, ou ementas, extraídas dos registos da Casa da Índia, que respeitam apenas às nossas comunicações com o Oriente. Coordenados, não existem outros elementos e, deste modo, sendo as premissas incompletas, incompletas terão de ser as conclusões. Não se fez ainda o inventário das unidades utilizadas na navegação do Atlântico – para o Brasil principalmente – e nem sequer das Armadas da Coroa que asseguravam essa navegação.”1. Apesar de Frazão de Vasconcelos ter escrito estas palavras há quase 70 anos, a verdade é que se mantêm muito actuais no presente panorama da historiografia portuguesa, com raras excepções. E a questão complica-se ainda mais quando “…por motivos que radicam ancestrais sentimentos [...], pode afirmar-se que a época filipina continua a ser a mais ignorada da história portuguesa…”2. No entanto, o período entre o século XVI e o século XVII é caracterizado por várias alterações militares que se repercutem em diversas vertentes, mas cujo expoente é o surgimento do Estado como principal entidade bélica, relegando para segundo plano os indivíduos.

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Frazão de Vasconcelos, “A marinha da coroa de Portugal no tempo dos Felipes”, in Actas do IV Congresso do Mundo Português, vol.IV, tomo I, Iº secção, Lisboa, Comissão Executiva dos Centenários, 1940, pp.251-252. 2 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal. 1580-1640, 2ª ed., vol. 4, Lisboa, Editorial Verbo, 1990, p.7. 1

AUGUSTO ALVES SALGADO

O Final do reinado de Filipe II de Castela Após a batalha de Lepanto, em 1571, a declaração de bancarrota pela monarquia espanhola em 1575 e a celebração da primeira de várias tréguas entre os dois impérios mediterrâneos, este mar ficou dividido em duas zonas de influência: uma espanhola, desde Tunes até Gibraltar e outra do Império Otomano, de Tunes ao Mar de Mármara, em competição com os Venezianos a Oriente3. Esta situação de tréguas no Mediterrâneo e a internacionalização do conflito nos Países-Baixos, com a entrada em cena da Inglaterra e da França, assim como um acréscimo das acções de corso desses dois reinos protestantes no Atlântico, acabaram por arrastar o principal eixo da actividade naval do monarca castelhano do Mediterrâneo para o Atlântico4. Este agravamento da situação no Atlântico Norte e Central fizeram com que a monarquia espanhola transferisse o seu ponto focal do Mediterrâneo para o Atlântico. Aqui, os portugueses desde meados do século XVI que conduziam aquilo que o historiador sueco Jan Glete definiu como “Estratégia Defensiva”, protegendo os seus territórios e linhas de comunicação mas, essencialmente, limitando a liberdade de acção dos seus inimigos5. Importa não esquecer que a falta de controlo do espaço atlântico entre os Açores e Portugal continental, independentemente do domínio exercido no Oriente, impediria que os tão importantes rendimentos não chegassem aos cofres da Coroa de Portugal. Essa estratégia seguida pelos monarcas lusos só foi alterada após 1580, embora a Coroa de Castela já tivesse em 1574 ensaiado uma primeira expedição ao Mar do Norte, com resultado em tudo semelhante às seguintes6. A Felicíssima Armada, que largou de Lisboa em 1588 e que contou com uma importante participação portuguesa, foi a primeira grande materialização do que o já mencionado historiador sueco definiu de

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Carmen Corona Marzol, “La defensa de la Península Ibérica: La frontera de agua a finales del siglo XVI", in Congresso internacional “As sociedades ibéricas e o mar a finais do século XVI”, tomo II, [Madrid], Pavilhão de España, 1998, p.534. 4 David Goodman, “El dominio del mar y las armadas de la monarquia”, in Congresso internacional “As sociedades ibéricas e o mar a finais do século XVI”, tomo II, [Madrid], Pavilhão de España, 1998, p.372 e Carmen Corona Marzol, op. cit., p.536. 5 Jan Glete, Navies and Nations, vol. I, Stockholm, Almqvist & Wiksell International, 1993, pp.18-21. 6 Magdalena Pi Corrales, La outra Invencible. 1574, Madrid, Editorial San Martin, 1983. 2

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“Estratégia Ofensiva”, embora ainda hoje os verdadeiros objectivos dessa expedição sejam desconhecidos7. Nos anos seguintes a este episódio, fizeram-se sentir com grande intensidade a presença de armadas inglesas nesse espaço estratégico entre os Açores e a Península Ibérica, em particular, na denominada “contraarmada” de 1589, que atacou La Coruña e Lisboa8 e o famoso combate naval entre os galeões ibéricos e o galeão inglês Revenge em 15919. Da parte de Filipe II, e apesar da sempre constante ameaça aos seus domínios, o monarca envia mais outras duas forças navais ao Norte da Europa. A primeira, composta por 11 navios, desembarca soldados em 1594, na Bretanha, regressando os navios a Lisboa10. No ano seguinte, em 1595, Diego de Brochero leva uma força naval até Inglaterra, onde desembarca soldados que destroem várias localidades e a fortaleza de Pezance. Depois destas acções, esta força abandona a ilha, face à ameaça de aproximação de uma forte resposta inglesa11. Deste modo, o Atlântico Norte transformou-se no campo de batalha entre as duas Coroas, em que Espanha tentou alterar o balanço do poder através do envio de grandes armadas de uma região da Europa para outra, onde já operava a forte armada inglesa. Esta tentativa de ambas as partes de tentar implementar estratégias ofensivas, através do envio de grandes armadas (battle fleets) estava para além das capacidades tecnológicas e dos limites logísticos da época, devido à falta de portos na zona de operações. É neste cenário que o ano de 1596 teve início, mas desta vez de um modo algo favorável ao monarca castelhano, com a morte do famoso almirante inglês Drake, durante uma expedição inglesa enviada às longínquas Caraíbas, que apesar de ter efectuado alguns ataques, não infligiu estragos significativos. Contudo, no início de 1596, as finanças da monarquia hispânica voltaram a encontrar-se debilitadas, e o novo empréstimo que a coroa foi obrigada a contrair quando o monarca foi informado que os ingleses se encontrariam a preparar um novo ataque de grande envergadura aos domínios Ibéricos, em nada melhoraram a situação. Esse empréstimo era 7

Augusto Salgado, Os navios de Portugal na Grande Armada. O poder Naval Português. (1574-1592), Lisboa, Editora Prefácio, 2004. 8 João Pedro Vaz, Campanhas do Prior do Crato. 1580-1589. Entre reis e corsários pelo trono de Portugal, Lisboa, Tribuna da História, 2005. 9 José Ignacio González-Aller Hierro, “El combate de isla Flores (8 de septiembre de 1591)”, Revista de História Naval, Año XXX. Nº 116, Madrid, 2012, pp.9-24. 10 ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, Maço 271, doc.69 e 207. 11 Manuel Martín-Bueno, Costa da morte: Atopámo-la história, imp. Vigo, Xunta de Galicia, [1989], p.11. 3

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fundamental para preparar as defesas das principais cidades costeiras da Península Ibérica, incluindo, naturalmente, a cidade de Lisboa. O raide a Inglaterra Sob a iminência desse ataque, e independentemente dos mencionados preparativos, que estavam a ocorrer na maioria das principais cidades Ibéricas à beira mar, é preparada uma audaciosa acção contra Inglaterra. Desta vez e, ao contrário do habitual, por ordem do Conselho de Estado e do monarca, é ordenada a realização de uma missão no âmbito do que actualmente se designa por “acções especiais”, contra os navios ingleses que estavam a ser aprontados para o ataque à Península Ibérica. Este tipo de acção não seria inédita, pois sabe-se que a 27 de Agosto de 1589, o piloto Juan de Escalante, influenciado pelo ataque de brulotes dos ingleses aos navios da Armada do ano anterior, em Dunquerque, tenta com 3 navios requisitados a particulares, atacar os navios ingleses nos portos de Inglaterra. Deste ataque, apenas se sabe que terá falhado redondamente12. É com este objectivo, que a 19 de Março, larga de Santander o navio Roda Mundi, ou Mundo, sob o comando de um Francisco Terante (sic), levando a bordo um português, o capitão Domingos Martins Barbosa, com destino a um porto inglês, e que conta com pilotos experientes e conhecedores da costa de Inglaterra. Surge aqui a primeira dúvida relativa a esta excursão, relativa ao destino desta acção. De acordo com o documento enviado ao monarca por um oficial de Santander a relatar o raide, o ataque tinha sido efectuado ao porto de Falmouth13 mas, o documento que acompanha o relato e que contém os testemunhos de diversos participantes14, o porto atacado terá sido Plymouth. É minha convicção que o ataque realizou-se a este último porto, pois a Armada anglo-holandesa desse ano larga efectivamente de Plymouth15. Após ter largado de Santander, o navio Roda Mundi chega à entrada de Plymouth ao final do dia 24 desse mesmo mês, onde no interior do qual

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Manuel Gracia Rivas, “La campaña de Bretaña (1590-1598). Una ameaza para Inglaterra”, Cadernos Monograficos del Instituto de Historia y Cultura Naval, nº 20, Madrid, 1993, pp.44-45. 13 AGS GA Leg.454, fol.21. 14 AGS GA Leg.454, fol.22. 15 Stephen& Elizabeth Usherwood, The Counter-Armada. 1596, London, The Bodley Head, 1983. 4

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se encontravam cerca de 40 navios, todos devidamente guarnecidos – incluindo sete galeões grandes da rainha. Pelas 18.00 horas ainda desse dia, e com o navio a cerca de uma légua16 de terra, o capitão Domingos, acompanhado por outros 11 elementos de bordo17, embarca na chalupa do navio e dirige-se para o interior do porto. A chalupa consegue passar, sem ser detectada, pelos três castelos que protegiam a entrada do mencionado porto18 e aproximar-se dos navios. Estando os navios guarnecidos, é mais provável que a aproximação final aos navios tivesse sido efectuada sem o recurso à mencionada chalupa, que terá ficado mais afastada. Possivelmente os homens do capitão Barbosa terão efectuado a aproximação final aos navios nadando à superfície, dirigindo-se primeiramente a um dos maiores galeões da rainha que se encontrava fundeado no porto. Na zona da linha de água do navio, foram colocados, sem ser detectados, dois barris com matéria incendiária o que incendiou de imediato o galeão. Possivelmente terá sido o grande incêndio que se seguiu que terá cortado as amarras ao galeão, tendo este deslizado à deriva com a corrente de vazante, acabando por encalhar junto a terra, sem danificar nenhum outro navio. Apesar de já terem perdido o efeito de surpresa, os atacantes dirigiram-se de seguida para junto de duas naus que se encontravam amarradas próximas, nas quais colocaram quatro barris semelhantes aos anteriormente utilizados. Não tardou que as chamas também as envolvessem. No regresso e, de modo a aumentar a confusão, o mencionado capitão português desembarca com nove homens em terra e incendeia pelo menos 10 das cerca de 40 casas da povoação de Castelbay [sic], regressando de seguida à chalupa e ao navio19. Já a bordo do Roda Mundi, face ao mar agitado e de modo a não perderem muito tempo, afundam a chalupa e de imediato largaram pano com destino à Península Ibérica, em particular à cidade de Santander, onde entraram a 31 de Março.

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3 milhas ou cerca de 6 quilómetros. Alguns testemunhos referem 12 elementos, mas pode ser que já estejam a contar com o próprio Martinez. 18 Das cartas/mapas do porto da época, não é possível identificar esses três castelos. 19 AGS GA, Leg.454, fols.21 e 22. 17

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1596 Um ano difícil Não obstante tão auspiciosa acção, o aprontamento da armada inglesa não sofreu qualquer atraso, e as informações que continuaram a chegar ao monarca indiciavam que o ataque teria como alvo provável a cidade de Lisboa, razão pela qual as forças que defendiam a cidade foram substancialmente reforçadas20. Face a essa ameaça, foram idealizados diversos dispositivos para evitar a entrada de navios na Barra e no evento de tal ocorresse, de impedir o desembarque na zona do actual Terreiro do Paço. A força anglo-holandesa larga de Plymouth a 13 de Junho desse ano de 1596 e dirige-se a Cádis, que também era referenciada como possível alvo do ataque, sendo composta por 128 velas (inglesas e holandesas) dos quais 20 era galeões; 6.360 soldados, 1.000 voluntários ingleses e 6.772 gente de mar. No domingo, 30 Junho, a força anglo-holandesa é avistada desde Cádis, mas não entra na baia devido às condições meteorológicas. Na manhã seguinte e após 2 horas de intenso canhoneiro, os navios de Castela acabam por retirar para o interior da baia. Ao contrário do ataque de Drake perpetrado em 1587, este consegue ter mais sucesso e ocupar a cidade, para além de destruir ou capturar diversos navios que se encontravam no porto, incluindo dois galeões da Coroa de Portugal21. São também capturados os seguintes galeões: San Andrés e San Mateo; o San Felipe e o Santo Tomás afundam-se depois de incendiados pelas tripulações. Como resposta ao ataque das forças protestantes e, especialmente a este novo ataque inglês, o monarca mandou preparar uma nova armada para atacar a Irlanda, mais concretamente o porto de Cork, no Sul22, tendo escolhido o porto de Lisboa como ponto de partida. O comando desta nova Armada foi atribuído ao capitão-general do Mar Oceano, D. Martin de Padilla, conde de Santa Gadea23 cuja armada, no início do Verão, apenas contava com 24 navios grossos e mais alguns ligeiros. À semelhança do que já tinha ocorrido durante a preparação de outras armadas, a maior dificuldade no aprontamento das armadas reais 20

AGS GA, Leg.456, fol.155. R.B. Wernham, ed., The return of the Armadas, Oxford, Clarendon Press, 1994, p.100. 22 Micheline Kerney Walsh, “La expedicion española a Irlanda en 1601”, CMIHCN, nº20, Madrid, 1993, p.32. 23 Edward Tenace, “A strategy of reaction: The Armadas of 1596 and 1597 and the Spanish struggle for European hegemony”, English Historical Review, vol. CXVIII, nº478, Sep.2003, p.855-882, e HHSA, Spanien, Varia, karton 3, f, f.276. 21

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prendeu-se com a falta de fundos, tendo, inclusivamente, sido necessário confiscar toda a prata vinda das Américas. Apesar desse expediente, o aprontamento dos navios para esta expedição foi um processo moroso. No final da melhor época para a navegação, esta nova armada reunida em Lisboa, contava com 81 navios, incluindo cerca de 20 galeões da Coroa de Portugal e de Castela, aos quais se juntaram 16 navios pequenos de Sevilha com soldados e 41 navios de Vigo, com 6.000 soldados embarcados. Tendo largando tarde – a 28 de Outubro de 1596 – e após apenas quatro dias de navegação, esta força naval foi dispersa por um temporal ao largo de Finisterra, perdendo-se cerca de 30 navios, dos quais 13 acabaram por ir dar contra a costa. Da Coroa de Portugal, perdeu-se o galeão S. Filipe e Santiago (de 500 toneladas, 140 soldados e 60 marinheiros) e uma galizabra (350 toneladas, 120 soldados e 60 marinheiros), mas nos quais ninguém perdeu a vida. Nestes navios, iam embarcados muitos dos soldados veteranos do terço de Portugal, mas também muitos outros portugueses de vários ofícios (serralheiros, pedreiros, carpinteiros, carvoeiros, entre outros) que tinham sido recrutados e embarcados à força nos navios da armada, mesmo perante o pranto e protestos das mulheres e filhos dos homens embarcados24. Este desaire não impede que logo no ano seguinte, uma nova força naval que largue da Corunha, a 19 de Outubro 1997, sob o comando de D. Martin de Padilla. Esta Armada, com cerca de 136 navios, dos quais 44 eram do monarca (16 dos quais galeões), 16 navios particulares, 52 urcas e filibotes alemães e flamengos e 24 caravelas portuguesas, transporta 8.634 soldados, 4.000 homens do mar e 300 cavaleiros25, dirige-se com destino à Irlanda. Largando mais uma vez depois da época ideal de navegação, esta força conseguiu ainda chegar à entrada do Canal da Mancha mas, à semelhança do passado, a armada foi dispersa pelos temporais26. Será esta a última acção ofensiva de Filipe II de Castela.

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Enrique García Hernán, Irlanda y el rey prudente, Madrid, 2000, R.B. Wernham, ed., The return of the Armadas, Oxford, Clarendon Press, 1994, p.132 e Manuel Martín-Bueno, ibidem, p.17. 25 Embora ainda não tenha encontrado qualquer referência à participação portuguesa nesta armada, parece-me provável que fosse integrada por navios da Coroa de Portugal. 26 R.B. Wernham, ed., ibidem, p.184. 7

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Uma nova estratégia genética A morte de Filipe II de Espanha, em 13 de Setembro de 1598, levou a que pouco depois o seu filho reorganizasse as armadas tradicionais, que garantiam o fluxo normal da navegação ibérica. O envio de uma armada em 1601 e o desembarque em Kinsale, na Irlanda, foram a primeira e última tentativa do novo monarca em repetir a estratégia ofensiva de seu pai, passando a aproveitar, pelo menos até 1621, ano terminal da trégua com a Holanda, por uma conjuntura mais pacífica na situação mundial, que lhe permitiram implementar uma Estratégia Defensiva nos mares europeus. A subida ao trono inglês de um monarca católico, também veio favorecer esse regime de paz que se viveu na época no Atlântico Norte. Apesar da situação de paz na Europa, o confronto mantinha-se no resto do mundo, e a chegada ao Oriente dos Holandeses, originando uma dupla necessidade de navios no Atlântico e no Oriente, provocou, naturalmente, uma enorme sobrecarga em todo o sistema de construção naval da Coroa de Portugal. A agravar essa difícil situação, a falta de naus para a Carreira da Índia, que se fazia sentir desde os anos 90 do século XVI e, consequentemente, de galeões, levaram à cedência de vários por parte da Coroa de Castela, e culminam com a Coroa lusitana a comprar galeões na Biscaia e na Guipúzcua, em particular para seguirem para a Índia27. A necessidade que as armadas ibéricas tinham em adquirir galeões que permitissem responder às necessidades de ambas as Coroas, levam a que a 3 de março de 1605, o Conselho de Guerra propusesse ao monarca dar início ao processo que levou à posterior publicação das célebres Ordenanzas de 1607, 1613 e 1618, pois conforme afirma “De más del provecho que será esta junta para la fábrica y fortificación que se ha de hacer servirá de dar la orden que se ha de tener en el arqueamiento y formar un codo general porque en Vizcaya y el Andalucía se arquea de una manera y en Portugal de otra muy diferente y con esta junta quedara asentado de una vez el modo de fabricar y arquear y el codo uno con que se han de medir en todos los reinos de VMd”28.

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Augusto Salgado, “Galeones de Felipe II al servicio de la Corona de Portugal”, RHN, nº82, Madrid, 2003, pp.81-90. 28 AGS, Guerra y Marina, Leg. 640, fol.21 8

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Conclusões Embora se tivesse tratado de uma acção de reduzida envergadura, partindo do princípio que efectivamente ocorreu, e que foi um sucesso, conforme foi relatado ao monarca, há uma verdade que é inegável, não foi não ter sido suficiente para impedir que a armada anglo-holandesa se fizesse ao mar nesse Verão de 1596. Talvez tivesse sido esse o maior óbice para que esta ousada acção tivesse sido devidamente divulgada e passasse ao domínio público. Parece-me pouco provável que um conjunto de indivíduos prestasse falsos testemunhos ao seu monarca, sabendo que este tinha outros meios para confirmar o sucedido, junto de espiões ou, inclusivamente, de católicos ingleses. Além disso, é natural que mesmo que os documentos coevos ingleses façam referência a este episódio, que os historiadores anglo-saxónicos o omitam, de propósito ou até por o considerarem “impossível” de ter ocorrido... era algo nunca antes efectuado. Contudo, gostaria de destacar o facto da acção ter tido um carácter “oficial”, pois terá sido ordenada ou pelo menos com o conhecimento do monarca, Filipe II de Castela. Este facto, só por si, dá contorno completamente diferente a eventuais outras acções do mesmo género que possam ter ocorrido anteriormente na História de Portugal. Naturalmente que era importante encontrar documentação inglesa que permitisse validar esta acção, mas poderá eventual ocorreu um dia, quem sabe. Para terminar, apenas lamento que os documentos analisados não sejam suficientemente esclarecedores ou pormenorizados, sobre como é que a acção foi conduzida, embora o mais provável, face ao espaço confinado onde se encontravam os cerca de 40 navios ingleses e ao facto destes se encontrarem guarnecidos, julgo que a aproximação final terá sido efectuada por água, mantendo-se a chalupa nas proximidades. Independentemente do modo como foi efectuada a aproximação final aos navios ingleses, e de acordo com tudo o que anteriormente já foi mencionado, este terá sido a primeira acção especial ou “golpe de mão” oficial, conduzido na água, e comandado por um português. Por fim, gostaria de referir que tenho muitas dúvidas relativamente ao episódio que consta na página dos Mergulhadores da Armada, supostamente ocorrida em 1580, em que "nadadores Portugueses, nadando debaixo de água, atacam navios Espanhóis fundeados no rio Tejo procurando danificar-lhes o casco". Deste episódio, nunca me foi possível encontrar qualquer referência em documentos coevos e, neste caso, nada se sabe quanto aos resultados obtidos... 9

AUGUSTO ALVES SALGADO

AGS GA Leg.454, fol.21 El navio Roda Mundi que por mandado de Vossa magestade y del Consejo de estado despache Con Domingo Martinez português. A cargo de Francisco terante. Capitan del – entro en Ultimo passado. en este puerto de buelta, y lo que an declarado Los que he dto – el piloto y otros marineros –an echo es que aviendo partido. de aqui: a los diez y nueve de março – en veynte y três Reconocíeron a urgente – y en veynte y quatro llegaron al canal de Ynglaterra y puerto de falamua29 yalde lu, y alas seyes de la tarde. Se rreoluteran de embarcarle chalupa fuera. y seenbarco on ella domingo martinez português Con Onze perssonas – y los artifícios de fuego que llevava – y fueron por la canal adelante – y muy noche passo – por entre, três castillos, que estan a la entrada de la rrada, de plemua y entraron en ella donde allaron Como quarenta navios todos aparejados y com gente de guarda – los siete galeones grandes de la Reyna, y los de mas pequenos – y al Un galeon Le pussieran dos barriles enzenidos por los lados y se enzendio – y segun dizen – no podia dejar de hazer mucho dano a los demais porque en faltando las amarras Con el fuego – avia de hir sobre ellos – por la grande jusante que corria – luego Vasaron mas bajo lo canal. Y dieron fuego a otras dos nãos que estavan juntas. Con quatro barriles y se quemaron – y subzesíve salio en tierra domingo Martinez. Con nueve de los que llevava en la chalupa y fue a um lugar que se llama Castilbay de quarenta Cassas y le dio fuego por quatro partes y asubista quando se volvieron a embarcar. Estavan quemadas Como diez y las demas Seyban quemando – y por ser sentidos les fue forçosso bolbiersse en busca del navio. A donde llegaron otro dia, a las Ocho de la manana – Veynte y cinco y por andar La mar Grande y la costa alborotada – dando fondo a la calupa Se an venido Com o mas particularmente consta por la Verigucion que echo que será conesta. Domongo Martinez dize, Va dar quenta a Vossa Magestade deste serviçio y aver lo que Vossa Magestade sera servido de mandar haga, y porque que da aqui el cappitan terente Con su navio y gente se sirva Vossa Magestade de mandar lo que ay de hazer – y de que seynuie el dinero Con que se pueda executar sin que si pierda tiempo pues el de aora es azepto: para hazer pressas, O otros effectos. (...)

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Nos testemunhos é referido o porto de Plymouth.

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