2º SEDRES (2014) | Desenvolvimento (Humano) Sustentável: Trilhando caminhos para a construção do Desenvolvimento Sustentável

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2º SEDRES

SEMINÁRIO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESTADO E SOCIEDADE

A Diversidade Regional Brasileira em Perspectiva

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Copyright © EDUEPB A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. O selo EDUEPB segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil, desde 2009.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB 338.9 S456 2 º SEDRES – Seminário de Desenvolvimento Regional, Estado e Sociedade. - Anais [recurso eletrônico] – GT 2 – Dados eletrônicos, 2014. EDUEPB/UEPB: Campina Grande, Paraíba. 0000 kb. 167p.

Tema: A diversidade Regional Brasileira em Perspectiva. ISSN 2358 - 4408

1. Desenvolvimento regional. 2. Sociedade. 3. Economia regional. 4. Planejamento regional. 5. Iniciação científica. 7. Anais. 8. UEPB. 21. ed. CDD

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Rua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário Campina Grande-PB - CEP 58429-500 Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br e-mail: [email protected]

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GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS

Os sub-temas propostos neste GT são os seguintes: a) um balanço crítico da produção técnicocientifica da área de planejamento urbano e regional, evidenciando temas, desafios e inovações teórico-metodológicas, bem como , possíveis impactos dessa produção nas dinâmicas socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais nas diferentes regiões e/ou territórios; b) discussão sobre o lugar (e atualidade) dos chamados clássicos do planejamento regional e, consequentemente, dos diferentes intérpretes/abordagens das questões regionais (estruturalistas, marxistas, desenvolvimentistas, “neodesenvolvimentistas” etc.); c) a relação ciência-sociedade no contexto dos estudos regionais e urbanos Também contempla análises sobre Abordagens Teóricas Socioespaciais; Desenvolvimento em suas Múltiplas Dimensões e Articulações: Urbano-Regional, Rural-Regional, Urbano-Rural, Setorial, Territorial e Ambiental; Mobilidade Demográfica, do Capital e do Trabalho e Reestruturação Territorial; Indicadores e Métodos de Mensuração das Desigualdades Regionais. Coordenação: Rainer Randolph (UFRJ – SE); Luis Henrique Cunha (UFCG – NE); Ivo Theis (FURB – SUL).

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SUMÁRIO 4 CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL WALDECY RODRIGUES RENAN DE PAULA NEVES 25 O Decrescimento como uma alternativa para a sobrevivência do Planeta Terra Josefa Cicera Martins ALVES Diego Coelho do NASCIMENTO Suely Salgueiro CHACON 33 SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E SOCIEDADE DE CONSUMO: POR UMA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA Maria da Penha Sousa Lima Suely Salgueiro Chacon Francisca Laudeci Martins de Sousa Adelia Alencar Brasil 45 Equidade social e expansão da consideração moral para além dos humanos. Uma conciliação fundamental para pensar a dimensão ambiental do desenvolvimento regional Luciano Félix FLORIT Diego da Silva GRAVA 62 Exclusão Territorial e Meio Ambiente: uma questão acerca do “urbanismo de risco” Katia Fabiane Rodrigues Zelimar Soares Bidarra 74 Análise Microclimática do Campus I da UFPB Aplicada ao Planejamento Ambiental Anne Falcão de FREITAS Joel Silva dos SANTOS Rita de Lima BALTAZAR 86 Desenvolvimento (Humano) Sustentável: Trilhando caminhos para a construção do Desenvolvimento Sustentável Maria Laís dos Santos LEITE 98 Desenvolvimento Local Sustentável e o Novo Papel do Estado Ana Keli de QUEIROZ Ângela Maria Cavalcanti RAMALHO

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Economia Criativa como Alternativa para o Desenvolvimento no Município de São José do Barreiro – SP

Edson Trajano VIEIRA Ademir Pereira dos SANTOS Felipe Rezende SANTOS George Rembrandt GUTLICH 5

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Juventude e Criminalidade: Uma Análise Sob o Viés da Desorganização Social

Mariana Cavalcanti Pereira Marconi do Ó Catão

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Desenvolvimento Local no Município de Imperatriz - MA

Larlô Antonio Macêdo Andrade NASCIMENTO Quésia Postigo KAMIMURA Mônica Franchi CARNIELLO

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Desenvolvimento, Cidades e Violência no Trânsito: Breves Apontamentos

Diuslene Rodrigues FABRIS Zelimar Soares BIDARRA

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Territórios Luminosos e Territórios Opacos – uma análise à luz das contribuições

de Milton Santos Virginia Elisabeta Etges Eduardo Carissimi

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CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL GT2 – TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS REGIONAIS E URBANOS

ESTUDOS

WALDECY RODRIGUES – Doutor (UnB), Professor do Curso de Economia e do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (UFT). [email protected] RENAN DE PAULA NEVES – Estudante Ciências Econômicas (UFT). Bolsista Iniciação Científica. Resumo: Capital social é um capital intangível que é encontrado nas relações sociais. Esperase que quanto maior sua presença em uma região maior também sejam os níveis de desenvolvimento econômico. O objetivo principal deste trabalho é esclarecer qual a função do capital social no desenvolvimento econômico no Brasil. Sabe-se que desenvolvimento econômico é um conceito que extrapola os limites do mero crescimento da renda à medida que visa à subjetiva liberdade individual, entendida como a definição mais ampla do bem estar individual. Assim, este trabalho busca explicar porque algumas regiões são mais desenvolvidas economicamente que outras tendo como hipótese ser o capital social um dos principais fatores explicativos. Para tanto, examina-se os conceitos de capital social e os seus componentes apontados pela literatura a fim de um indicador de capital social e testar as suas dimensões teóricas em modelos de regressão múltipla para saber quais são as reais variáveis explicativas do capital social e saber qual o modo mais eficiente de aumenta-lo. Os resultados apresentados servem de subsídio ao esclarecimento dos melhores métodos para desenvolver as regiões estudadas. Palavras-chave: Desenvolvimento econômico, função institucional, democracia.

Abstract: Social apital is an intangible capital which is found in social relations. It is expected that the higher your presence in a region are also higher levels of economic development. The main objective of this paper is to clarify the role of social capital in economic development in Brazil. It is known that economic development is a concept that goes beyond the bounds of mere income growth as visa to the subjective individual freedom, understood as the broader definition of individual well-being. Thus, this work seeks to explain why some regions are more developed economically than others with the chance to be the capital of a major explanatory factors. To this end, examines the concepts of social capital and its components targeted by the literature in order to a social capital indicator and test their theoretical dimensions in multiple regression models to know which are the explanatory variables of the real capital and know the most efficient way to increase it. The results serve as a grant to the clarification of the best methods to develop the regions studied. Keywords: economic development, institutional function, democracy.

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1. INTRODUÇÃO A partir da década de 1980, com o Consenso de Washington, ficou claro que o crescimento econômico não é suficiente para resolver todos os problemas sociais, pois ele tende a gerar desigualdades na distribuição da renda. A melhoria no bem-estar da população não é causada pelo crescimento da renda, que é apenas uma das formas de liberdade apontadas por Amartya Sen. O censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística – IBGE – mostra que enquanto a classe dos 10% mais ricos da população do Brasil possuía 48,17% de todo o rendimento mensal, a classe dos 20% mais pobres tinha somente 3,98%. O rendimento mensal do 1% mais rico da população corresponde a 17%. Mas a desigualdade de renda não é só em relação às pessoas. O censo de 2010 mostra ainda que Sul e Sudeste do país representam 71,9% do Produto Interno Bruto nacional, enquanto a região norte do país representa apenas 5,3%. O capitalismo proporciona o acúmulo de riqueza nas mãos de poucos indivíduos, enquanto a maior parte da população vive com uma pequena percentagem da renda brasileira. Os dados demonstram que crescer a economia não é suficiente e pode ser o objetivo de uma democracia. Enfim, a hipótese adotada nesse trabalho é que o capital social vem atender a necessidade, apontada por Sen (2000, p. 187), de aperfeiçoamento da democracia: “Por mais valiosa que a democracia seja como uma fonte fundamental de oportunidade social [...] existe ainda a necessidade de examinar os caminhos e os meios para fazê-la funcionar bem, para realizar seus potenciais”. Adota-se aqui a definição de desenvolvimento como liberdade que é “[...] a capacidade das pessoas para levar o tipo de vida que com razão valorizam” (Sen, 2000, p. 323). O objetivo de uma nação deve ser então a eliminação da ausência de escolhas e de oportunidades para uma pessoa, o que pode ser entendido como subdesenvolvimento (Sen, 2000). O desenvolvimento socioeconômico tem de estar necessariamente relacionado à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Para Granovetter (1985), o agente econômico deve ser compreendido como um ser que convive em redes sociais. Em outros termos, as ações individuais sofrem influências da conjuntura social, ou seja, das interações humanas. Para Fukuyma (1996), as atitudes humanas são tanto egoístas e individuais como sociais visando ao reconhecimento de sua dignidade humana – alcançada apenas no plano social. A dignidade humana (assim como a justiça, a honra, o status e a religião) é o que faz o indivíduo acumular bens materiais além de 8

seu nível de subsistência, afirma o autor. As ações individuais são motivadas pelo egoísmo e pelo reconhecimento social – este último limitado pela cultura e normas formais (Fukuyama, 1996). Cultura corresponde aos hábitos éticos herdados. Éticos do ponto de vista da lógica histórica da comunidade. Além disso, os hábitos são virtudes sociais gerais, pois contribuem à relação social reprimindo o interesse individual e promovendo o interesse do grupo. Nesse sentido, capital, antes de ser estoque de algum bem, representa poder, como observou Bourdieu (1980). Essa definição ampla de capital admite então compreendê-lo em suas diversas dimensões: econômica, social e cultural. O capital social é o instrumento de coesão, um estoque de relações sociais que tenham certas características em comum, como a confiança interpessoal e normas. “Capital social consiste nas normas e interações de confiança, reciprocidade e cooperação” (Durston, 2000, p. 15). Então, apresenta-se o método de pesquisa no tópico dois, examina-se mais detalhadamente o conceito de capita social no tópico três e a sua relação com o desenvolvimento econômico no tópico quatro. Posteriormente classificam-se os determinantes teóricos do capital social no tópico cinco. Os resultados são apresentados no tópico seis.

2. O CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL Capital social é encontrado na relação social entre membros de uma sociedade civil, nas palavras de Coleman (1988), ou comunidade cívica, nos termos de Putnam (2000). A “[...] comunidade cívica se caracteriza por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração” (Putnam, 2000, p. 30-1). As principais dimensões do capital social são a confiança e a cooperação. Capital social “diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (Putnam, 2000, p. 177). Ele é resultado de investimento social em rede de ligações utilizáveis no curto e/ou longo prazo (Bourdieu, 1980). Coleman (1988) nota três formas de manifestação do capital social: 1) obrigações e expectativas, as quais dependem de trustworthiness (compromissos confiáveis) presente no ambiente social; 2) capacidade de fluxo de informações da estrutura social, que é a 9

informação de baixo custo – aquela adquirida no grupo social e não individualmente e 3) normas acompanhadas por sanções. Uma norma consagrada pelo uso é uma forma de capital social quando elas são acompanhadas por sanções (como o desligamento de toda a família de um membro da comunidade cívica que agir indevidamente) e reforçadas por status, por honra, e por outras recompensas (Coleman, 1988). Uma das funções do capita social é tornar as informações simétricas dentro da comunidade cívica, porque reduz o seu custo, e facilitar as ações de seus participantes, porque existe um ambiente de cooperação. Afinal, cooperar ou não é uma questão de utilidade. Como apontou Pinheiro (2003), é possível observar as relações sociais com uma pequena contribuição de teoria dos jogos. Se os jogadores agirem racionalmente (escolherem a estratégia que produz o melhor resultado) e puderem firmar compromissos que sejam confiáveis (trustworthiness), pode ser conveniente cooperar, principalmente em se tratando de jogos repetitivos. O dilema dos prisioneiros1 é um tipo de jogo que serve como exemplo de uma situação em que cooperar (o jogador 1 e 2 não confessam) traz o melhor resultado para os dois jogadores. Putnam (2000) destaca que as relações sociais são equilibradas tanto pela confiança como também pela falta dela. Afinal, também é uma ação racional preferir agir isoladamente e não coletivamente. Porém, quando existe comunidade cívica é melhor para os seus participantes (em vários aspectos) agir em grupo através da cooperação. Enquanto a confiança mútua reforça a cooperação e contribui para a eficiência das instituições, a ausência de confiança interpessoal contribui para o equilíbrio não cooperativo. Então, confiança nos participantes de uma comunidade cívica é racional no sentido de pressupor que o próximo preferirá agir de maneira a contribuir para o benefício mútuo. Assim, a não cooperação é um equilíbrio estável enquanto a cooperação não passa de um equilíbrio condicionado à existência de confiança interpessoal. Em uma comunidade cívica, os membros são iguais em direitos e deveres, agindo em relações sociais horizontais de cooperação, e não verticais de dependência. O que faz uma comunidade cívica é a confiança mútua nas atitudes por parte dos membros da comunidade de acordo com as normas. Fukuyama (1996, p. 41) define confiança como “a expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas

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Situação em que dois suspeitos são presos e são interrogados separadamente sob as seguintes condições: se o primeiro suspeito confessar o crime e o segundo não o fizer, aquele é solto e esse fica preso por 4 anos. Se os dois suspeitos confessarem, ambos ficam presos por 2 anos. Mas, se ambos não confessarem, ficam presos por 1. Se os dois suspeitos agirem racionalmente, confessarão o crime. Porém, se eles puderem firmar um acordo confiável entre si, será melhor para os dois não confessar.

compartilhadas pelos membros dessa comunidade”. Nesse caso, os participantes de uma comunidade cívica obedecem às normas que não são explícitas em contratos, mas reconhecidas dentro da rede de cooperação e sustentadas pelo capital social. O mesmo autor define o capital social como “uma capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade ou em certas partes dessa sociedade” (1996, p. 41). Capital social é, assim, um instrumento de coesão de um tipo específico de relação social: aquela caracterizada pela existência de confiança interpessoal. O que faz com que as normas implícitas sejam eficientes (existirem e funcionarem) em algumas estruturas sociais e não o ser em outras (normas existem e não funcionam) é uma propriedade chamada por Coleman (1988) “closure” (cercamento) da estrutura social. O autor afirma que o closure cria confiança na estrutura social, reduzindo o risco de transação, pois cria barreiras à entrada de novos participantes na comunidade cívica. Quando o Estado promove estruturas sociais abertas – à medida que os direitos de igualdade são difundidos – ele destrói as estruturas sociais cercadas. Quando o Estado intervém obrigando o grupo a admitir pessoas fora de um padrão estabelecido espontaneamente pela comunidade cívica, acaba eliminando o closure, e consecutivamente a facilidade das ações. Também as normas deixam de ser eficientes. Tudo isso decorre da eliminação do poder de decisão do grupo (baseado na reputação ou outros pré-requisitos). Capital social também pode ser acumulado. “O volume de capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada membro desse grupo” (Bourdieu, 1980, p. 67).

3. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E CAPITAL SOCIAL Neste trabalho será adotada a definição de desenvolvimento de Amartya Sen (2000), Prêmio Nobel de Economia de 1988, segundo a qual o desenvolvimento de um país não pode ser medido apenas com o nível de renda, mas a partir dele envolvendo certas questões sociais relacionadas às liberdades humanas. O trabalho de Sen (2000) foi tentar aperfeiçoar o conceito de desenvolvimento econômico. Este, antes, poderia ser definido como crescimento econômico: alto nível 11

industrial (produção em escala ou produção de produtos tecnológicos), elevada renda nacional ou mesmo poderoso mercado financeiro. Amartya Sen (2000) argumentou que o objetivo do desenvolvimento econômico não pode ser mero crescimento da renda e sim expansão das liberdades humanas. Desta forma, a liberdade humana foi definida pelo autor como principal fim e meio do desenvolvimento econômico. Liberdade humana é basicamente a possibilidade de escolha, desfrutar de algo ou não. A pobreza, morte prematura, estados autoritários, desnutrição, entre outros são formas de privações de liberdades humanas. A privação política (falta de democracia e de direitos civis) é um exemplo de variável que a teoria do desenvolvimento como liberdade apresenta. Enfim, desenvolvimento como liberdade é um conjunto de liberdades humanas correlacionadas e está relacionado à qualidade de vida (Sen, 2000). Segundo Amartya Sen (2000), a renda é classificada na análise do desenvolvimento por proporcionar ao indivíduo a liberdade de escapar da pobreza. De que forma, então, pode-se avaliar a liberdade humana? A partir da variável base: a renda. Na renda, seja individual ou nacional, devem ser feitas alterações através de variáveis complementares. Se existem questões sociais que influenciam a qualidade de vida, coletam-se os dados relacionados a estas questões e altera-se o nível de renda para mais ou para menos, dependendo do resultado da análise dos dados sociais – é isto o que defende Amartya Sen (2000). Os dados sociais devem estar ainda ligados ao poder de escolha individual – viver da forma como achar melhor. Outras formas de liberdades humanas, citadas por Sen (2000): acesso à educação, à saúde, à informação, ao mercado, à transparência política, a auxílios financeiros em momentos de crise, à alimentação (liberdade de escapar da fome), de ter uma vida longa e agradável, entre outros tipos de coisas que as pessoas valorizam. Para fazer uso das oportunidades oferecidas pelo mecanismo de mercado e aproveitar melhor a troca e o comércio, os países em desenvolvimento precisam atentar não apenas para as virtudes do comportamento prudente, mas também para o papel de valores complementares, como formar e manter a confiança, resistir às tentações da corrupção disseminada e fazer da garantia um substituto viável para a imposição legal punitiva (Sen, 2000, p. 303).

Sabe-se que a economia capitalista desenvolvida possui a necessidade de instituições formais para que funcione corretamente, defendeu Sen (2000). Entretanto, foi visto que normas informais são menos custosas que normas formais. Isto é lógico: normais informais não precisam de instituições legislativas nem executivas para funcionar, apenas da coerção social. 12

Os meios coercitivos legais, embora necessários (principalmente em transações internacionais), são ao mesmo tempo custosos demais e por isso devem ser substituídos ao máximo pelo capital social. Para um país em desenvolvimento, que precisa sempre reduzir custos e aumentar sua eficiência, o capital social constitui grande vantagem. Conclui-se que o substituto perfeito para a imposição legal punitiva, citada por Sen (2000), é a coerção social informal sustentada pela confiança (normas sociais informais eficientes). Para Fukuyama, “[...] ao calcular vantagens comparativas, os economistas precisam levar em conta dotes relativos de capital social, bem como formas mais convencionais de capital e recursos” (1996, p. 32). Para realizar alguns destes cálculos recomendados é preciso, primeiramente, medir o desenvolvimento de um país de acordo com a teoria do desenvolvimento estudada. Percebe-se que liberdade humana aborda diversas questões sociais e individuais quase imensuráveis. E existe a necessidade de uma medida mais simples e prática que sirva de índice aproximado das liberdades humanas. Este é o problema que veio solucionar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)2. Conforme Coleman (1988), é possível, a partir do capital social, compartilhar capital humano familiar. Assim, poderá ampliar os níveis de capital humano. Além disso, o conhecimento sofre interferências por parte dos costumes e valores compartilhados por uma comunidade (Pessali e Dalto, 2010). Nas palavras de Pessali e Dalto (2010, p. 18): “O conhecimento é algo moldado por valores, costumes, teorias e tradições compartilhadas por uma comunidade – suas instituições”. Nesse sentido, buscar-se-ão as variáveis explicativas do acúmulo de capital humano assumindo por hipótese que o capital social será uma delas.

4. MATERIAL E MÉTODOS Durante a pesquisa buscou-se definir o conceito de capital social através de três autores considerados fundamentais neste tema: Robert D. Putnam, James S. Coleman e Francis Fukuyama. Também se buscou artigos científicos a fim de

complementar

teoricamente os diferentes tentáculos conceituais deste conceito. O trabalho seguiu as seguintes etapas metodológicas: 1) Foi criado e calculado o Índice de Capital Social tentando agregar nele os determinantes do conceito; 2) Através de geoprocessamento observou-se o IDH, o PIB per capita os indicadores educacionais e o 13

próprio ICS em todos os municípios brasileiros, visto que a apresentação dos dados para os 5565 municípios brasileiros em tabelas tornou-se inviável. Foi verificado estatisticamente se o 2

O IDH é uma medida consagrada pela Organização das Nações Unidas, um instrumento que combina variáveis sociais e econômicas com foco nas liberdades humanas a fim de melhor avaliar o desenvolvimento de um país. O IDH foi criado por Mahbub Ul Haq e por Amartya Sen para servir como uma medida aproximada da qualidade de vida dos indivíduos. Combinando dados de renda, educação e saúde, constitui-se em um índice mais preciso que a renda per capita.

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capital social interfere nos Índice de Desenvolvimento Humano e mensurada a dimensão desta influência. Foi construído um Indicador de Capital Social – ICS - subsidiado por dados do IBGE, Ministério do Trabalho e Emprego e Organização das Cooperativas do Brasil. O ICS é composto de dois grupos: 1) esforço econômico3; 2) esforço cívico. O primeiro componente é subsidiado por dados do Ministério do Trabalho e Emprego (que mostra o número de associações, cooperativas e grupos informais relacionados à economia solidária), e pelo número de cooperados cadastrados na Organização das Cooperativas do Brasil (informação fornecida por e-mail). Ele tenta mensurar a participação da sociedade civil na economia através de dados sobre cooperativismo e associativismo. O segundo componente, construído a partir dos dados do IBGE sobre quantidade e qualidade dos conselhos municipais, tem o intuito de observar o resultado das mudanças formais/institucionais (aquelas de alta frequência, indicando que são estimuladas economicamente e/ou legalmente pelo Estado) nas estruturas sociais informais (aquelas de baixa frequência, indicando que surgem espontaneamente) e na cultura da população dos municípios brasileiros. Surgem espontaneamente também as associações, cooperativas e grupos informais para a economia solidária, bem como as cooperativas de diversas áreas da OCB/BR. Mudanças institucionais foram destacadas na pesquisa de Putnam (2000) como causadoras de mudanças positivas em toda a estrutura social regional. A fórmula do ICS municipal utilizada:

Esforço Econômico

Esforço Cívico Conselhos existentes

ICS =

Total de conselhos

X

Conselhos ótimos e bons

Nº de associados e cooperados

+

Conselhos existentes

População total

Nº de membros participativos X Nº de associados e cooperados

(01)

2

O Indicador de Capital Social – ICS - varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior é o ICS. Os resultados obtidos pela fórmula (1), ou por parte dela, foram classificados em 5 classes: muito baixo (de 0,0 a 0,2); baixo (de 0,2 até 0,4); médio (de 0,4 até 0,6); alto (de 0,6 até 0,8) e muito alto (de 0,8 até 1,0). 3

Quando o número de ocupados na semana de referência do IBGE em 2010 do município em 2010, distribuiu-se o excedente (o percentual acima de 100%) na macrorregião (a diferença entre a quantidade de associados e população de ocupados). Foi feito uma distribuição ponderada para cada macrorregional (excedente macrorregional dividido pela população macrorregional de ocupados) para os municípios que não possuíam excedente fazendo a multiplicação da população de ocupados de cada município pela distribuição ponderada

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macrorregional. Após esse procedimento, normalizou-se todos os valores dividindo todos pelo maior valor encontrado ( município de Cerro Largo – RS).

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Os conselhos municipais são instâncias de exercício da cidadania, servindo ao controle social da gestão pública. Os conselhos sociais são os de: educação; saúde; criança e adolescente; tutelar; habitação; direitos do idoso. Os conselhos humanos são os de: saneamento; direitos humanos; de igualdade racial ou similar; de política para as mulheres; de pessoa com deficiência e de direitos de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. O Esforço Cívico é a média dos 12 conselhos municipais bons e/ou ótimos avaliados. Para o tratamento quantitativo dos dados, utilizou-se o método de mínimos quadrados ordinários (MQO). Foi realizado o teste de Variance Inflation Factors (VIF) para saber se existe colinearidade entre as variáveis (se o resultado for igual ou maior que 5). IDH = a0 + a1ICS +a2PIBpc + a3Conc + a4Edu + a5IDEB + Ei

(02)

Onde: ICS = Índice de Capital Social; PIBpc = PIB per capita de 2010; Conc = Razão de concentração de renda média domiciliar per capita dos 10% mais ricos sobre os 40% mais pobre; Edu = Indicador de escolarização. Percentual da população de 2010 de 10 anos de idade ou mais com ensino fundamental completo, médio incompleto ou completo e superior completo ou incompleto; IDEB = Índice da Educação Básica da 8ª série / 9º ano em 2011 dos municípios; Ei = Erro.

Os dados do modelo também foram logaritimizados para homogeneizar as grandezas e observar as contribuições marginais de cada variável explicativa na variável dependente (IDH, nesse caso). A equação 03 expressa esta operação em termos de derivadas parciais:

𝐼𝐷𝐻 = 𝜕𝐼𝐷𝐻

𝜕𝐼𝐷𝐻

+

+

𝜕𝐼𝐷𝐻

+

𝜕𝐼𝐷𝐻

+

𝜕𝐼𝐷𝐻

+ 𝑒𝑖

(03)

𝜕𝐼𝐶𝑆 𝜕𝑃𝐼𝐵𝑝𝑐 𝜕𝐶𝑜𝑛𝑐 𝜕𝐸𝑑𝑢 𝜕𝐼𝐷𝐸𝐵 Onde: 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝐼𝐶𝑆 = Contribuição marginal do capital social; 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝑃𝐼𝐵𝑝𝑐 = Contribuição marginal do Produto Interno Bruto per capita; 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝐶𝑜𝑛𝑐 = Contribuição marginal da concentração de renda; 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝐸𝑑𝑢 = Contribuição marginal do indicador de escolarização; 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝐼𝐷𝐸𝐵 = Contribuição marginal do Índice da Educação Básica da 8ª série / 9º ano; 𝜕𝐼𝐷𝐻/𝜕𝐼𝐶𝑆 = Contribuição marginal do capital social. Ei = Erro.

Os resultados da equação 02 são suficientes para afirmar se o capital social, e também as outas variáveis explicativas, tem influência positiva ou negativa no Índice de Desenvolvimento Humano, bem como se essa variável explicativa é significativa (quanto mais significativa é a variável, mais o nível de significância tende a zero). E os resultados da equação 03 são suficientes para mostrar o tamanho da influência do capital social no Índice de 17

Desenvolvimento Humano.

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5. RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1. Desenvolvimento Econômico e Humano no Brasil O mapa 01 mostra o Índice de Desenvolvimento Humano de 2013 para os municípios brasileiros. Percebe-se que os níveis mais elevados de IDH estão nas regiões sudeste, sul e centro-oeste do país. O Estado de maior IDH é Distrito Federal (0,824) seguido por São Paulo (0,783), Santa Catarina (0,774), Rio de Janeiro (0,761), Paraná (0,749) e Rio Grande do Sul (0,746). O PIB municipal per capita é apresentado no mapa 02. Curiosamente, a ordem decrescente de PIB per capita estadual é semelhante à ordem de colocação dos estados quanto ao IDH. O Distrito Federal é o Estado com maior PIB per capita (R$58.325,68), seguido por São Paulo (R$30.235,81), Rio de Janeiro (R$25.462,20), Santa Catarina (R$24.403,28) e Rio Grande do Sul (23.603,90). O mapa 03 mostra a razão entre a renda média dos 10% domicílios mais ricos e os 40% mais pobres, que é um indicador de concentração de renda. Quanto maior, significa que maior é a concentração de renda. Os Estados com menor concentração de renda são: Santa Catarina (9,76%), São Paulo (10,13%), Paraná (11,20%) e Rio Grande do Sul (11,60%).

Mapa 01: IDH dos municípios brasileiros em 2010.

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Mapa 02: Produto Interno Bruto per capita dos municípios brasileiros em 2010.

Mapa 03: Concentração de Renda nos municípios brasileiros. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2010).

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Mapa 04: Indicador de escolarização municipal, 2010. Percentual da população de 10 anos de idade ou mais com ensino fundamental completo, médio incompleto ou completo e superior completo ou incompleto em 2010. O mapa 04 mostra a população que concluiu o ensino fundamental e que pelo menos iniciou o ensino médio. Esses dados servem para observar a população que ainda estuda ou já estudou. O Distrito Federal também apresenta o maior valor (64,5%), seguido por Rio de Janeiro (58,0%), São Paulo (57,3%) e Santa Catarina (54,0%). 5.2. Capital Social no Brasil O mapa 05 mostra o funcionamento dos conselhos municipais. Observa-se que aparentemente o esforço cívico é bem distribuído. No entanto, a média estadual aponta grandes desigualdades. A maior taxa de esforço cívico é encontrada no Estado do São Paulo (0,67) e a menor é encontrada no Acre (0,30). O desvio padrão estadual em relação à média dos Estados (0,47) é 0,08. O mapa 06 mostra o percentual de ocupados na semana de referência do IBGE que pertenciam a alguma cooperativa e/ou grupo de economia solidária. Observa-se uma concentração em Rio Grande do Sul (0,28), seguido por Santa Catarina (0,23) e pelo Distrito Federal (0,14). A média dos Estados é 0,07 e o desvio padrão é 0,21. Isto demonstra a grande variação entre um Estado e outro. 21

Mapa 05: Esforço Cívico dos municípios brasileiros.

Mapa 06: Esforço Econômico dos municípios brasileiros. Finalmente, o mapa 07 traz o Índice de Capital Social para todos os municípios do Brasil. A média municipal do Brasil é 0,31. O sudeste e o sul do Brasil possuem um ICS de 22

0,35. As grandes regiões centro-oeste e nordeste, por sua vez, apresentam um ICS de 0,26. Enquanto o norte do Brasil tem um ICS de 0,22. O Estado com maior nível de capital social é o Rio Grande do Sul (0,41), seguido por São Paulo (0,39), Santa Catarina (0,36) e Rio de Janeiro (0,33). Eles estão sempre entre os dez melhores Estados em se tratando de IDH, PIB per capita, baixa concentração de renda e indicador educacional. Os Estados com menores ICS são Pará (0,18) e Acre (0,19). Eles estão entre as dez piores colocações em relação ao IDH, baixa concentração de renda, PIB per capita e indicador educacional. A seguir, foram colocadas todas estas variáveis em um modelo econométrico que é capaz de dizer qual é a relação de cada uma delas com o IDH e o tamanho desta relação. Assim, sabe-se se o PIB per capita, por exemplo, ajuda a elevar os níveis de IDH e se ele é mais importante que o capital social nesse processo, ou seja, se a sua influência no IDH é positiva e maior que a influência do ICS no IDH.

Mapa 07: Índice de Capital Social. O resultado do modelo econométrico da equação 02, contido na tabela 01, explica 88,2% do IDH e mostra que o capital social eleva o nível de desenvolvimento humano. O coeficiente de regressão negativo para a concentração de renda significa que a concentração de renda tem um efeito negativo no IDH. As demais variáveis têm coeficientes de regressão 23

positivo, ou seja, quanto maior o PIB per capita, por exemplo, maior o IDH. Observa-se também que o VIF de cada variável explicativa é sempre menor que 5 (não existe colinearidade entre elas). Além, todas as variáveis são muito confiáveis, visto que o nível de significância de todas elas é menor ou a 1%. Tabela 01: Estimativa dos parâmetros dos determinantes do desenvolvimento humano no Brasil. Variáveis explicativas Coeficientes de regressão Teste “t” de Student VIF Constante 0.400* 192.173 Capital social 0.025* 7.604 1.111 PIB per capita 0.000* 10.854 1.239 Concentração de renda -0.001* -23.460 1.113 Índice de Escolarização 0.561* 131.186 1.568 IDEB do 8ª série / 9º ano 0.015* 34.741 1.230 Coeficiente (R2) 0.882 Valor F 8045454.00 Durbin-Watson 1.887 Nível de significância: * significativo até 1%

** significativo até 5%

***significativo até 15%

Conforme demostrado no gráfico 01, a variável que mais influencia o desenvolvimento humano é o Índice de Escolarização (0,2), seguido pelo IDEB da 8ª série / 9º ano (0,122). O gráfico 01 também mostra a influência da redução da concentração de renda (conforme tabela 01, quanto maior a concentração de renda, menor o IDH), que é menor que a variação causada do PIB per capita no IDH. O Capital Social é a variável que menos contribui para elevar os níveis de IDH. Portanto, os resultados confirmam a hipótese inicial, de que o capital social contribui ao desenvolvimento humano, mas também mostram que o tamanho de sua influência no desenvolvimento do Brasil é pequeno se comparada às demais variáveis (PIB per capita, educação e menor concentração de renda). Gráfico 01: Contribuições Marginais para o Índice de Desenvolvimento Humano 2010.

24

0,200 0,180 0,160 0,140 0,120 0,100 0,080 0,060 0,040 0,020 0,000 Capital social Contribuição Marginal

0,007

PIB per capita 0,055

Concentração Índice de de renda Escolarização 0,038 0,200

IDEB do 8ª série / 9º ano 0,122

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O referencial teórico adotado apontou para o capital social como facilitador da ação dos atores econômicos, que através da confiança interpessoal cooperam para o benefício mútuo. E este trabalho, que desenvolveu um indicador de capital social para todos os municípios brasileiros e analisou a influência desse indicador nos níveis de desenvolvimento (mensurado através do Índice de Desenvolvimento Humano), mostrou que o capital contribui para o desenvolvimento do Brasil. Isto é, comprovou-se a importância do cooperativismo e dos conselhos municipais no processo de desenvolvimento brasileiro. Contudo, o Indicador de Capital Social não conseguiu captar a confiança interpessoal, mas mesmo assim apontou que ele tem importância no desenvolvimento do Brasil. Ou seja, tem-se subsídio teórico para melhorar o indicador através de pesquisa de campo, a fim de fazê-lo representar fielmente o estoque de capital social da região de pesquisa.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALESTRO, Moisés Villamil. Capital social, aprendizado e inovação: um estudo comparativo entre redes de inovação na indústria de petróleo e gás no Brasil e Canadá. 2006. 248p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Centro de Pós-Graduação e Pesquisa sobre as Américas. Universidade de Brasília (CEPPAC-UnB). Brasília, DF, 2006. BOURDIEU, Pierre. (1980). O Capital Social – Notas Provisórias. In: NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio (org.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 251. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros – 2011. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2011/defaulttabzip_xls.shtm>. 25

Acesso em: 21 ago. 2013.

26

. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Banco de Dados Agregados, 2010. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo1.asp?e=v&t=4&p=CD&z=t&o=3. Acesso em: 21 ago. 2013. . Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. Atlas da Economia Solidária, 2007. Disponível em: http://www.mte.gov.br/sistemas/atlas/AtlasESmenu.html. Acesso em: 21 ago. 2013. . Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2013. CANÇADO, Airton Cardoso. Cooperativas e cooperados nos municípios brasileiros em 2013. Mensagem recebida por < [email protected]> em 6 de junho de 2013. COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. The American Journal of Sociology. 94 (supplement), 1988, p. S95-S120. DURSTON, John. ¿Qué es el capital social comunitario? Santiago de Chile. Julho de 2000. Publicación de las Naciones Unidas. Series Políticas Sociales. Nº 38. FUKUYAMA, Francis. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Tradução Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1996, p. 455. Tradução de: Trust - The Social Virtues & The creation of prosperity. FURLANETO. Instituições e desenvolvimento econômico: a importância do capital social. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 55-67, agosto, 2008. GRANOVETTER, Mark. Economic Action and Social Structure: the problem of the embeddedness. American Journal of Sociology, Volume 91, 481-510, 1985. HIGGINS, Silvio Salej. O capital social como infra-estrutura de iniciativas produtivas: estudo de caso de um projeto agroindustrial na Colômbia. 2008. 3448p. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) e École Doctorale des Sciences Sociales, Université Paris-Dauphine (França). Florianópolis. SC. 2008. PESSALI; Dalto. A mesoeconomia do desenvolvimento econômico: o papel das instituições. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 20, p. 11-37, janeiro-abril, 2010. PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 257. Tradução de: Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy. RENNÓ, Lucio R. Estruturas de oportunidade política e engajamento em organizações da sociedade civil: um estudo comparado sobre a América Latina. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 21, p. 71-82, 2003. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. . Tradução de: Development as Freedom. 27

(GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS)

O Decrescimento como uma alternativa para a sobrevivência do Planeta Terra1

Josefa Cicera Martins ALVES2 Universidade Federal do Ceará – UFC/Campus Cariri Diego Coelho do NASCIMENTO3 Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Suely Salgueiro CHACON4 Universidade Federal do Cariri – UFCA

RESUMO

O trabalho apresentado traz a discussão sobre a importância do decrescimento para a sobrevivência do planeta terra. O estudo foi desenvolvido por meio da análise bibliográfica acerca do conceito de crescimento e seus enfoques atuais. O decrescimento emerge como para alguns como possibilidade para outros como necessidade urgente para resolução da crise ambiental instalada, uma vez que pode-se constatar que não há como ter um crescimento infinito em um planeja finito. Nesse contexto, ressalta-se que a busca por qualidade de vida não se resume ao ato de consumir ou obter lucro a todo custo, mas é preciso

Trabalho apresentado no GT 2 – Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014 2 Mestra em Desenvolvimento Regional Sustentável, e-mail: [email protected] 3 Doutorando em Geografia, e-mail: [email protected] 4 Reitora e Professora, e-mail: [email protected] 1

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uma reavaliação do que realmente importa para a sobrevivência humana, enfocando a relação homem-natureza na busca por uma melhor qualidade de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Qualidade de Vida; Decrescimento; Impactos ambientais; Mudanças;

INTRODUÇÃO

A ciência tecnológica avançou muito no último século, produzindo uma série de produtos que facilitam a realização das atividades humanas em aspectos como novos meios de locomoção e de comunicação, praticidade na alimentação, novos produtos e substâncias para diversas finalidades. Ao mesmo tempo que se é produzido, há, consequentemente, um aumento do consumo e descarte de resíduos, com tendência de agravamento ao longo do tempo. Dessa forma, pode-se constatar que as pessoas estão cada vez mais escravas da tecnologia, consumindo produtos que nem sempre são necessários, fazendo-o pela a facilidade na hora da compra ou pela persuasão midiática. Esse consumo exagerado das pessoas faz com que a produção cresça e necessite de mais matéria prima a ser retirada da natureza, proporcionando um grave quadro de degradação ambiental justificado pela manutenção do crescimento econômico. Entretanto, sabe-se que os recursos naturais são finitos e já há algum tempo que o esgotamento dessas matérias primas tornouse evidente com a escassez de alguns recursos, a competição por outros e a ocorrência de desastres ambientais nas diferentes partes do globo. O conceito de “desenvolvimento sustentável” idealizado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas - ONU, tem como propósito a harmonização entre o desenvolvimento sócio-econômico e a conservação ambiental, cuja ênfase maior é dada a 29

preservação dos ecossistemas naturais e a diversidade genética, para a utilização dos recursos naturais (FRANCO, 2000, p. 26). Entretanto, o termo “desenvolvimento sustentável” precisa de novas delimitações, nesse sentido, surge, na atualidade, a concepção do decrescimento que trabalha com a ideia que não é possível um crescimento infinito num planeta finito. Emerge então, o conceito de decrescimento. O objetivo geral do presente estudo é identificar os principais aspectos relativos ao surgimento e desenvolvimento do processo de decrescimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa em foco enquadra-se na natureza exploratória-descritiva, que proporcionam uma maior aproximação com o problema, tornando-o mais explicito (GIL, 2010). Nesse sentido, pretende-se discorrer sobre a atualidade do discurso acerca do decrescimento, promovendo uma reflexão sobre a temática. O estudo foi realizado a partir de uma revisão bibliográfica e análise documental, onde foram analisados artigos, livros e documentos referentes ao surgimento e principais vertentes acerca do conceito de decrescimento.

É preciso decrescer para continuar a vida no planeta

O decrescimento nasce da necessidade de minimizar os problemas ambientais atuais, decorrentes de um consumismo exagerado alicerçado na busca por crescimento econômico. O conceito de decrescimento surgiu em março de 2002, a partir do colóquio da Unesco “Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo” (SBARDELOTTO, 2011).

30

Em síntese, contou Latouche chegou-se à conclusão de que é preciso combater o desenvolvimento sustentável, que é uma contradição em termos, porque o desenvolvimento “nada mais é do que uma transformação qualitativa do crescimento, e um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito”, afirmou. “Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”. (SBARDELOTTO, 2011, p,1).

Nos anos 60, Ivan Illich e Rachel Carson alertaram para os aspectos negativos do modelo de economia atual e a interferência desta na degradação ambiental, sobretudo pelas técnicas utilizadas para a prática de uma moderna agricultura. Já Herman Daly (economista chefe do departamento ambiental do Banco Mundial) apresenta um conceito de “deseconomia de escala”, que ele classifica como algo que traz benefício até certo ponto, depois desse ponto o benefício agregado é menor do que os problemas obtidos. É o que está acontecendo hoje com a economia em nível mundial, os ganhos com produção, conforto, riquezas e consumo já são menores do que as perdas com degradação ambiental, estresse e perda de saúde da população em geral, ou seja, perda da qualidade de vida (FRANCO, 2011). O decrescimento defende que não é possível um crescimento infinito num planeta finito, com isso falar em desenvolvimento sustentável é uma maneira de manter as coisas como estão (FRANCO, 2011). Nesse sentido, destaca-se o pensamento de Latouche (2011, p. 18):

A palavra de ordem do decrescimento tem sobretudo por finalidade ficar a assinalar claramente o abandono do objectivo do crescimento ilimitado, cujo motor não é senão a busca do lucro pelos detentores do capital, com consequências desastrosas para ao ambiente e, portanto, para a humanidade.

De acordo com Franco (2011, s. p.):

O decrescimento econômico propõe a redução das atividades econômicas e financeiras em escala mundial, com aplicação em escala local; menos produção de bens comerciáveis, menos deslocamentos, menos quantidade de horas trabalhadas, menos poluição e desmatamento.

31

No que diz respeito ao decrescimento e as medidas utilizadas para mensuração do crescimento/desenvolvimento de um espaço geográfico é interessante destacar o ponto de vista de Alliana (2011, s. p.) “Nesse conceito, o real crescimento e a melhoria das condições de vida de um povo não se medem pelo seu PIB, mas principalmente por outros resultados como IDH, Pegada Ecológica e o Índice de Saúde Social.”. Serge Latouche, economista francês, criticou a forma de avaliar o crescimento pelo PIB, pois o mesmo reduziu a felicidade a um indicador econômico, passando a medir a felicidade terrestre pelo bem-estar material, esse bem-estar que foi classificado como sendo os bens e serviços comercializáveis e consumíveis. Latouche afirma que o PIB também não inclui a saúde das crianças, a beleza da poesia, a solidez do casamento, a integridade, a inteligência e a sabedoria de um povo. “Mede tudo, menos o que faz com que a vida valha a pena de ser vivida”. A proposta do decrescimento envolve vários níveis de ação e vários grupos sociais. O economista francês Serge Latouche, ainda lista algumas ações que devem ser postas em prática por toda a sociedade para gerar o que ele chama de “ciclo virtuoso do decrescimento”. São conhecidas como oito “R’s” (SBARDELOTTO, 2011). De acordo com Latouche (2011, p. 10), são oito Rs que podem “desencadear um circulo virtuoso de decrescimento sereno, convivial e sustentável: reavaliar, reconceptualizar,

reestruturar, redistribuir,

reduzir,

reutilizar e reciclar.” No que se refere ao Reavaliar (LATOUCHE, 2011, p. 50 e 51), destacase que

Vivemos em sociedades que se baseiam em velhos valores “burgueses”: a honestidade, o serviço do Estado, a transmissão do saber, o trabalho bem feito, etc. Todavia “estes valores, como é notório, tornaram-se irritsórios” [...] “Preocupação com a verdade, sentido de justiça, responsabilidade, respeito pela democracia, elogio da diferença, dever de solidariedade, vida do espírito: eis os valores que é necessário reconquistar custe o que custar, porque constituem a base do nosso desenvolvimento e a nossa salvaguarda para o futuro.

32

Quanto ao reconceptualizar, Latouche (2011, p. 52) sugere que “a mudança dos valores implica outro olhar sobre o mundo e, portanto, outra maneira

de

aprender

a

realidade.

Re-conceptualizar,

ou

redefinir/redimensionar, impõe-se, por exemplo, no caso dos conceitos de riqueza e de pobreza”. Para Latouche (2011, p. 54), o reestruturar “significa adapatar o aparelho de produção e as relações sociais em funço da mudança de valores“. Já o redistribuir “compreende a repartição das riquezas e do acesso ao patrimônio natural, quer entre o Norte e o Sul, quer no interior de cada sociedade entre as classes, as gerações e os indivíduos” (LATOUCHE, 2011, p. 54). O relocalizar “significa, é claro, produzir localmente, em empresas financiadas pela poupança recolhida também localmente, o essencial das produções destinadas a satisfazer necessidades da população.” (LATOUCHE, 2011, p. 56). Enquanto o reduzir “significa, em primeiro lugar, diminuir o impacto na biosfera das nossas maneiras de produzir e de consumir” (LATOUCHE, 2011, p. 56). Por

fim, o reutilizar/reciclar, diz respeito a não contestação da

“necessidade de

reduzir

o

desperdício

desenfreado,

de

combater

a

obsolecência programada dos equipamentos e de reciclar os resíduos não reutilizáveis directamente” (LATOUCHE, 2011, p. 56). O termo “pegada ecológica” está se tornando comum nos textos sobre decrescimento, refere-se à quantidade de terra e água necessária para sustentar uma determinada população, tendo em vista todos os recursos materiais

e

energéticos

gastos

por

essa

mesma

população.

(DECRESCIMENTO, 2011) Rafael Reinehr em uma entrevista concedida à IHU On-Line, quando perguntaram a ele sua opinião sobre decrescimento sustentável ele disse que:

33

“... a criação de arranjos de trabalho que possibilitem aos seres humanos viver mais e trabalhar menos é uma possibilidade hoje, lamentavelmente oculta sob a necessidade do lucro por parte das empresas, que, como regra, rejeitam qualquer ideia de benefícios trabalhistas que não aqueles impostos por lei” (AS VANTAGENS DO DECRESCIMENTO.., 2010, s. p.)

Existe também o trabalhador-consumidor, que impulsionado pela propaganda e o meio onde vive se sente chamado a comprar até mesmo o que não tem necessidade, isso faz com que ele precise trabalhar cada vez mais para manter o seu padrão de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALLIANA, A. Opinião: Decrescimento e Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: < http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/opiniao-decrescimento-edesenvolvimento-sustentavel-46449#y=865 >. Acessi em: 16 de Julho de 2014.

AS VANTAGENS DO DECRESCIMENTO SUSTENTADO: Entrevista especial com Rafael Reinehr. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/30160-asvantagens-do-decrescimento-sustentado-entrevista-especial-com-rafael-reinehr >. Acesso em : 16 de Julho de 2011. DECRESCIMENTO. O que é decrescimento? 2011. Disponível em: < http://decrescimento.blogspot.com.br >. Acesso em: 16 de Julho de 2014.

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GIL, A. C.; Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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LATOUCHE, S. Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno. Lisboa: Edições 70, 2011. SBARDELOTTO, M. Decrescimento: ''É preciso deseconomizar o imaginário''. 2011. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/noticias/503647-decrescimento-e-precisodeseconomizar-o-imaginario >. Acesso em: 16 de Julho de 2014.

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SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E SOCIEDADE DE CONSUMO: POR UMA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA GT2 - Tendências e desafios contemporâneos dos Estudos regionais e urbanos1

Maria da Penha Sousa Lima2 Suely Salgueiro Chacon3 Francisca Laudeci Martins de Sousa4 Adelia Alencar Brasil5 Universidade Federal do Cariri – Juazeiro do Norte, CE

RESUMO: O debate sobre desenvolvimento sustentável surge em contraponto ao modelo produtivo capitalista que tem no crescimento econômico a ideia de desenvolvimento. O tema data dos anos 50, do século XX, porém o conceito de desenvolvimento sustentável é lançado em 1987, no Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum). Sustentabilidade tem sido a tônica do momento, no entanto os resultados de projetos sustentáveis nas sociedades, que cresceram baseadas no consumo de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo e o carvão (fontes principais de gases estufa), não têm tido resultados positivos. A pesquisa visa trazer uma contribuição ao debate teórico sobre os conceitos que orientam a discussão em torno da sustentabilidade, refletindo sobre sustentabilidade ambiental no processo de desenvolvimento urbano e suas possibilidades de se pensar para além de modelo hegemônico atual. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sociedade de Consumo.

Sustentável;

Meio

Ambiente;

ABSTRACT: The sustainable development debate arises in counterpoint to the capitalist production model that has on the idea of economic growth development. The issue date of the 50 years, of the 20th century, however the concept of sustainable development is launched in 1987, the Brundtland Report (our common future). Sustainability has been the keynote of the moment, however the results of sustainable projects in societies, which have grown based on the consumption of fossil fuels, especially oil and coal (main sources 1

Trabalho apresentado no GT 2 - Tendências e desafios contemporâneos dos estudos regionais e urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. 2

Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFCA) [email protected]. Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB) e Docente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFCA) - [email protected]. 4 Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Docente do Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Regional Sustentável(UFCA) [email protected]. 5 Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFCA) - [email protected]. 3

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of greenhouse gases), have not had positive results. The research aims at bringing a contribution to the theoretical debate on the concepts that guide the discussion of sustainability, reflecting on environmental sustainability in the urban development process and its possibilities of thinking beyond current hegemonic model. Keywords: Sustainable Development; Environment; Consumer society.

Introdução Pensar o meio ambiente sustentável e ecologicamente correto tem cada vez mais ganhado força nos diversos segmentos da sociedade. Foi na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, Conferência de Estocolmo, realizada na Suécia em 1972, que as discussões acerca dos problemas ambientais tomaram dimensão mundial, sendo um passo importante para a criação de políticas de gerenciamento ambiental. Assim, o diálogo aqui empreendido se ancora em torno do conceito de desenvolvimento sustentável, tentando compreender suas possibilidades, limites e dificuldades de efetivação prática no âmbito da sociedade. O conceito de sustentabilidade aqui adotado se alinha com um pensar sistêmico, que alcança os aspectos econômicos, sociais, culturais, políticos e ambientais. Na prática, a noção de sustentabilidade, significa garantir que a exploração de áreas e o uso de recursos, numa escala planetária, sejam utilizados de forma a prejudicar o menos possível a harmonia entre meio ambiente, as comunidades humanas, bem como toda a biosfera que dele depende para existir. O mesmo, se vincula a possibilidade de encontrar caminhos, alternativas, planos e/ou soluções, a partir da busca por práticas sustentáveis, na vida das pessoas e do meio ambiente como um todo. O presente trabalho visa realizar um debate teórico, no intuito de trazer algumas contribuições a temática em questão. A metodologia aplicada e desenvolvida nessa pesquisa traz uma abordagem teórico-conceitual sobre a dimensão ambiental do processo de desenvolvimento regional e urbano sustentável. Valemo-nos das ideias de Ignacy Sachs, na intenção de dialogar

37

sobre os caminhos para o desenvolvimento sustentável, seus dilemas e percalços. Alinhamo-nos, também, ao pensamento de Hans Jonas e Leonardo Boff, para discutirmos a dimensão da ética na civilização tecnológica, e os princípios de responsabilidade que envolvem a humanidade. Com o intuito de aproximar as nossas reflexões do local de nossas pesquisas, utilizamos ainda Chacon, por tratar da realidade do território do semiárido, do sertanejo e seus conflitos, sua luta e os caminhos em busca da sustentabilidade. Construir/reconstruir os conceitos necessários à compreensão da temática do desenvolvimento regional e urbano, no que se refere às práticas de sustentabilidade, conservação/preservação e uso do meio ambiente é, pois, objetivo maior dessa reflexão. Não é nossa pretensão aqui trazer conceitos prontos e acabados. A intenção maior está no entendimento de que somos “(...) corresponsáveis pelo destino de nosso planeta, de nossa biosfera, de nosso equilíbrio social e planetário.” (Boff, p.18. 2009). Portanto, a reflexão desse artigo sobre a temática em questão discute em que medida os mesmos são incompatíveis com a sociedade de consumo e que um possível caminho possa germinar a partir de um processo de conscientização que venha a garantir a sustentabilidade regional e urbana, em especial na sua dimensão ambiental. Retomando conceitos sobre sustentabilidade e suas tendências O conceito de desenvolvimento sustentável tem gerado muitas dúvidas e controvérsias, sobretudo porque os resultados de projetos sustentáveis aplicados nas sociedades, que cresceram baseadas no consumo de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo e o carvão (fontes principais de gases estufa), não têm tido resultados positivos. O fato é que durante muito tempo o conceito de desenvolvimento esteve relacionado com a ideia pura e simplesmente de crescimento econômico a qualquer custo, e que assim alcançaríamos o tão sonhado desenvolvimento e justiça social. A história mostrou o contrário: que esse modelo além de degradar o meio ambiente tem provocado fome, miséria, violência e catástrofes. A esse modelo, Sachs (1986) o classificou como “maldesenvolvimento.” 38

Para Chacon (2007), a individualização e exacerbação da razão, a acumulação de riquezas e as sutis novas formas de dominação foram promovidas pela modernização dos ideais capitalistas. Tudo isso resultou na perda de identidade pela humanidade, apontando a ciência como mola propulsora dessa fase de dominação hegemônica. Admite, ainda, que o grau de complexidade dos conflitos é fruto da sociedade moderna, que acabam por ser internalizados, normatizados e institucionalizados. A problemática presente nos planos de desenvolvimento reside na total ausência de preocupação com o meio ambiente, transformando as fontes de recursos da natureza, limitadas aos processos produtivos. O passado mais recente dos chamados países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil também revelam essa visão reducionista do conceito de desenvolvimento, no qual atribui uma condição instrumental da natureza e no poder do mercado, vistos como regulador das ações dos agentes econômicos e na crença de que cientificismo seria capaz de dar respostas e solucionar os problemas resultantes da exploração dos recursos. Outra crença está no fato de que as desigualdades sociais e regionais seriam eliminadas “naturalmente” pelos efeitos do crescimento continuado. As primeiras discussões em torno do tema, desenvolvimento, datam dos anos de 1950, mas só podemos falar de uma preocupação com o meio ambiente de forma mais ampla a partir da Conferência de Estocolmo (1972), que teve como resultado a criação do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. É nessa Conferência que se dão os primeiros passos de legitimação de um direito fundamental das pessoas ao meio ambiente sadio e equilibrado, e que essa é uma condição necessária na garantia do direito para as gerações presentes e futuras. No entanto, há um consenso entre os estudiosos de que foi a partir do Relatório de Brundtland (Nosso Futuro Comum), em 1987, que o tema ganha notabilidade e divulgação em escala mundial. O relatório traz ao debate a necessidade de um novo tipo de desenvolvimento, em que se mantenha o progresso em todo o planeta, a longo prazo, e que este seja alcançado pelos 39

países desenvolvidos e em desenvolvimento. Aponta a pobreza como uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais do mundo e faz uma critica ao modelo insustentável adotado pelos países desenvolvidos. O ponto norteador do Relatório centra-se na definição do conceito de desenvolvimento sustentável como: "o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (WCED, 1987). Para tanto, algumas medidas deveriam ser tomadas pelos países, visando promover o desenvolvimento sustentável, quais sejam: limitação do crescimento populacional; garantia de recursos básicos em longo prazo (água, energia, alimentos); atendimento ás necessidades básicas; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; controle da urbanização desordenada e integração entre campo e cidades menores. Já a década de 80 é marcada pela mundialização do movimento ambientalista e dos partidos verdes. Destaca-se, também, nesta década, a ocorrência de vários desastres ecológicos (Chernobyl, 1986; Bhopal, Índia, em 1984) e da intensificação da poluição (emissão de diácido de carbono das indústrias e dos automóveis; emissão de diácido de enxofre (SO2); chuva ácida; e efeito estufa (CFCs). Em 1992, acontece mais uma Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD, no Rio de Janeiro, a ECO 92, assim conhecida. A intenção do encontro entre os países era consagrar o conceito de desenvolvimento sustentável, além de ampliar a consciência de que os danos ao meio ambiente eram majoritariamente de responsabilidade dos países desenvolvidos. Os resultados da ECO-92 culminaram com a elaboração dos seguintes documentos oficiais: a Carta da Terra, as três convenções (Biodiversidade, Desertificação e Mudanças Climáticas) e ainda uma declaração de princípios sobre florestas; e a principal de todas, a Agenda 21 (base para que os países elaborassem seu plano de preservação do meio ambiente). No Brasil, a expressão “sustentabilidade” ganhou dimensões 40

maiores após a realização da ECO 92. Vários outros acontecimentos marcam esse percurso histórico de construção e reconstrução do conceito e dos caminhos na tentativa da sustentabilidade, dos quais se destacam: a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo (2002). Nela reafirmou-se o desenvolvimento sustentável como o elemento central da agenda internacional e se deu um novo impulso à ação mundial para combater a pobreza, assim como a proteção do ambiente; e a Conferência Mundial Rio+20, em 2012, com a intenção de comprometimento dos líderes mundiais com o desenvolvimento sustentável do planeta. As lógicas do crescimento econômico, no Brasil, têm também

suas

raízes no modelo hegemônico, com base na desigualdade social e segregação espacial, isso é expressamente percebido no âmbito das políticas e práticas governamentais, que se revela na presença forte do Estado que, para Chacon (2007), ocupa papel central nessa empreitada do desenvolvimento a qualquer custo, na atuação e manutenção do poder neoliberal e das elites políticas locais. Controle e dependência no sertão afora, assistencialismo do Estado e de suas políticas públicas mirabolantes controladas pelas elites locais, fazem parte de um cenário que, em nome dessa dita modernidade, intensificou-se num processo brusco de urbanização, provocando o aumento da fome, miséria, exclusão social e violência no universo sertanejo. Então, nos vem uma grande pergunta: sustentabilidade para que e para quem? Pois é, esse é um dilema não só do conceito, em sua dimensão teórica, mas, sobretudo, na vida prática em sociedade. No Brasil, o modelo de desenvolvimento empreendido sempre foi pautado por uma política de segregação, de exclusão e assistencialista, sem nenhuma preocupação com a vida do seres humanos e do planeta em suas várias formas de vida e de existência. Para Sachs (1993), a sustentabilidade deve considerar cinco as dimensões: social, econômica, espacial cultural e ecológica. A primeira dimensão refere-se à equidade social, funcionando como um pacto entre as 41

atuais gerações; a sustentabilidade econômica vai além da necessidade de manter fluxos regulares de investimentos (preocupação central nos projetos de desenvolvimento neoliberais), mas também à gestão eficiente dos recursos produtivos e que estes permaneçam em sua região ou local. A sustentabilidade ecológica significa consumir sem que os danos ao ambiente ocasionados pelos processos de desenvolvimento, sejam drásticos. Um boa saída segundo Sachs(1993) seria: procurar substituir o consumo de combustíveis fósseis por outros renováveis, reduzindo as emissões de poluentes, preservando a biodiversidade etc. A sustentabilidade espacial, assenta-se

numa

configuração

rural-urbana

equilibrada,

bem

como

alternativas melhores para os assentamentos humanos. A sustentabilidade cultural significa respeito às diferentes culturas, reconhecendo-as importante na construção de uma outra possibilidade de desenvolvimento, que seja apropriado às especificidades de cada ecossistema, cada cultura e cada lugar. Portanto, refletir os conceitos de sustentabilidade é compreender que necessitamos assumir uma posição aberta ao diálogo, ter uma visão holística e interdisciplinar, em que estudiosos das ciências naturais e sociais “trabalhem juntos em favor do alcance de caminhos sábios para o uso e aproveitamento dos recursos da natureza, respeitado a sua diversidade.” (Sachs, p.32, 2009). Pois,

desenvolvimento

como

sinônimo

de

crescimento

se

mostrou

ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto, e o esgotamento deste modelo é o que caracteriza a sociedade global do final deste século. Sustentabilidade

ambiental

e

sociedade

de

consumo:

por

uma

consciência ecológica. Os países que alcançaram patamares mais igualitários entre seus cidadãos utilizaram de políticas públicas, visando incentivar ao consumo, além de ter ampliado o acesso aos serviços públicos, e assim incluíram milhões de pessoas nos sistemas de saúde, seguridade social, educação etc.Tudo parecia perfeito com o sistema produtivo capitalista nesses países. Os sinais de 42

colapso começam a acontecer a partir do momento em que o consumo se coloca acima do bem-estar e a força do individualismo se sobrepõe ao coletivo. Alcançamos, atualmente, o ponto critico desse sistema, com cerca de bilhões de excluídos com poucos consumindo muito e ainda levando à exaustão os recursos finitos do planeta. Não existe mais remédio, é necessário “inventar” outra forma de distribuir riquezas sem tanta degradação do planeta, garantindo a cada ser humano o necessário para uma vida digna, sem prejudicar a vida na terra. Para Boff (2009), vivemos uma crise em todos os âmbitos: crise econômica, energética, social, educacional, moral, ecológica e espiritual. Essa crise está no tipo de civilização que nós seres humanos criamos a partir dos últimos 400 anos. Boff denuncia que esse modelo de civilização “produz sempre pobreza e miséria de um lado e riqueza e acumulação do outro.” Nesse sentido, Hans Jonas (2006) afirma que: “Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante inclusive a existência da espécie. (...) Reconhecer a ignorância torna-se, então, o outro lado da obrigação do saber, e com isso torna-se, uma parte da ética que deve instruir o autocontrole, cada vez mais necessário, sobre o nosso excessivo poder”. (HANS JONAS 2006, p. 41).

Eis o grande dilema da humanidade, a necessidade urgente de se pensar novas formas de utilização dos recursos, o que pressupõe uma mudança de atitude, de valores e de paradigmas para além da sociedade capitalista. Não podemos mais adiar, esperar simplesmente que as coisas aconteçam, a natureza, a vida, o planeta necessitam de uma tomada de decisão. “A natureza está perdendo para a irracionalidade humana, o seu espaço. Ela está sendo menosprezada pela civilização antropocêntrica.” (HANS JONAS 2006, p. 32). Conseguir alterar as relações de consumo e educar a população para o real significado das políticas de preservação do meio ambiente pode ser uma possibilidade de garantir a sustentabilidade ambiental de forma efetiva e com resultados em médio e longo prazo.

43

O grande desafio é conseguir que nossas populações questionem o seu modo de vida, pois se os recursos do planeta não tiverem “a oportunidade” de se renovarem/sustentarem sob a pressão de uma demanda constante de consumo exacerbado, a vida no planeta, como a conhecemos, acabará de forma dramática. O “problema da ecologia é real já há algum tempo, ainda que, evidentemente, por razões inerentes à necessidade do crescimento capitalista, poucos tenham dado alguma atenção a ele” (MÉSÁROS, 2002, p. 988). Não restam dúvidas, o colapso das grandes cidades e os conflitos sociais entre países serão inevitáveis e de proporções apocalípticas. Sendo os “vitoriosos” sobreviventes, herdeiros de uma terra exaurida e devastada, incapazes de sustentar a vida e inútil para qualquer um: ricos ou pobres. O mundo contemporâneo precisa mudar o comportamento e o posicionamento em relação aos recursos naturais, o capitalismo impõe o consumo e as relações de exploração que vem resultando disso tem gerado em grandes impactos. “O uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o meio ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos consciência de que todas as nossas atividades econômicas estão solidamente fincadas no ambiente natural.” (Sachs, 32 2009)

Portanto, destaca-se a necessidade da participação da comunidade e do Poder Público como agentes construtores de um meio ambiente equilibrado, objetivando a melhoria da "qualidade de vida" da população e da preservação do meio ambiente. A participação é um processo de conquista, construída constantemente através da abertura de espaços, pois não existe participação suficiente e acabada. A atuação/exigência do cidadão é instrumento eficaz de consolidação da democracia participativa, não só individual, como também coletiva, através de várias formas de organização. A participação é parte que integra o exercício democrático e alicerce da cidadania; e a continuidade da democracia numa sociedade pluralista depende de uma participação popular que busque solidificar/intensificar/atualizar as conquistas em todos os campos. Neste caso, 44

as relacionadas com os problemas das incertezas globais referentes à questão do meio ambiente. Concorda-se com Hans Jonas (2006), ao afirmar que: “O poder causal é condição da responsabilidade. O agente deve responder por seus atos: ele é responsável por suas conseqüências e responderá por elas, se for o caso. Em primeira instância isso deve ser compreendido do ponto de vista legal, não moral. Os danos causados devem ser reparados, ainda que a causa não tenha sido um ato mau e suas consequências não tenham sido nem previstas, nem desejadas. Basta que eu tenha sido a causa ativa.” (HANS JONAS 2006, p. 165).

A maneira como o homem se transforma a partir de sua relação com o meio ambiente mostra o quanto o falar, o pensar e o fazer sobre a natureza são importantes para entendermos a nós mesmos e mundo que ajudamos a construir. "A sociedade moderna, com suas características antropocêntricas resultou na compreensão de que “(...) objetos não humanos não formavam um domínio eticamente significativo.”(Hans Jonas, 2006, p 35) O tema ambiental é um dos mais importantes, das últimas décadas do século XX, por ser revelador dos impactos negativos provocados no ambiente natural e por permitir reflexões, ensejando em outras possibilidades viver esse ambiente. O crescimento sem limites que impôs forte domínio sobre a natureza além de suas necessidades, já mostrou ser ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto, e o esgotamento deste modelo é o que caracteriza a sociedade global do final deste século. Pontos de Partida e Considerações Finais

As questões acima apontadas têm a intenção de contribuir com um repensar das políticas de desenvolvimento sustentável local. Não há um único caminho para iniciar um processo de desenvolvimento sustentável local. A Constituição Federal e a Agenda 21 são referências importantes, mas



muitas outras que também devem ser consideradas, como os elementos que compõem os índices de Desenvolvimento Humano e de condições de vida. Chacon (2007) acredita que qualquer política pública para ter eficácia precisa 45

conhecer as pessoas e o lugar, não de forma isolada, mas reconhecendo o contexto global em que se insere. É com esse olhar sobre o Sertão que Suely Chacon lança seu entendimento do semiárido nordestino. Outro ponto problemático do planejar, com vistas a sustentabilidade refere-se ao fato de que as escolhas e meios envolvem renúncias, mudanças, comportamentais e aprendizado coletivo. A equidade social, apresenta-se com um dos requisitos básicos desse novo modo de pensar e praticar o desenvolvimento, a partir de uma ampla e profunda conscientização e comprometimento do indivíduo com a vida em geral, com o meio ambiente e com a sociedade. O fortalecimento do Estado e a ampliação da participação popular e a capacidade dos governos de conduzir as questões econômicas e sociais com soberania, poderá ser um passo importante. Um requisito que se depreende do conceito de desenvolvimento sustentável é a necessidade de ampliar a participação da população nos processos decisórios. Esse requisito está diretamente associado à sustentabilidade política. Isso significa considerar a participação efetiva de uma multiplicidade de atores que compõem uma dada sociedade nos processos de tomada de decisão. Assim, participação efetiva não se reduz ao exercício do direito de votar para escolher os governantes e os representantes no legislativo. Uma das formas mais efetivas de participar dá-se através da sociedade civil organizada para defender direitos, promover ajuda humanitária, difundir informações, proteger o meio ambiente, etc. Todo esse esforço parece ainda distante de uma ação mais efetiva e mais eficaz do que a sustentabilidade está buscando provar. Compreendemos que o termo sustentabilidade não deve ser visto como uma ciência exata nem muito menos com um conceito acabado. Podemos considerar que é tudo o que dá sustentação à vida, mas a solução encontrada para um caso pode não servir para outro. É inegável que o debate sobre sustentabilidade tem trazido à tona críticas ao modelo produtivo capitalista e sua maneira insustentável de se relacionar com a natureza. As propostas que trazem a possibilidade de um 46

novo “fazer” oportunizam que a sociedade questione o seu modo de vida e entenda que se os recursos do planeta não tiverem “a oportunidade” de se renovarem e de se sustentarem, sob a pressão de uma demanda constante de consumo exacerbado, a vida no planeta, como a conhecemos, acabará de forma dramática. E somente a partir de uma conscientização poderemos garantir a sustentabilidade do processo de desenvolvimento regional e urbano, em especial na sua dimensão ambiental. REFERÊNCIAS ZAOUAL, Hassan. Nova Economia das Iniciativas Locais: uma introdução ao pensamento pós-global. DP&A, Consulado Geral da França, COPPE/UFRJ: Rio de Janeiro, 2006.(tradução de Michel Thiollent). HANS, Jonas.O Princípio Responsabilidade - Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica. Contraponto/PUC: Rio de Janeiro, 2006. CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007.(Série BNB teses e dissertações, n. 08). BOFF, Leonardo. Ética da Vida: a nova centralidade. Rio de Janeiro: Record, 2009. SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI : desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel e Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1.993. . Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento. São Paulo, Vértice, 1986. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Organização: Paula YoneStroh. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. SENNETT, Richard. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Record, 2012 (tradução Clóvis Marques). MÉSÁROS, István. Para Além do Capital. São Paulo: Editora da UNICAMP Boitempo Editorial, 2002. SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento, crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986

47

GT2 – TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS

Equidade social e expansão da consideração moral para além dos humanos. Uma conciliação fundamental para pensar a dimensão ambiental do desenvolvimento regional

Luciano Félix FLORIT

1

Diego da Silva GRAVA 2 Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, SC

RESUMO O artigo compartilha uma reflexão teórica a respeito dos fundamentos normativos e ético-políticos do desenvolvimento regional. Argumenta-se sobre a importância de que as proposições que discutem a dimensão ambiental do desenvolvimento formulem abordagens que contemplem ao mesmo tempo critérios de equidade social e a consideração moral dos seres vivos não humanos. PALAVRAS-CHAVE: Justiça Ambiental, Sustentabilidade, Fundamentos normativos.

Ética

Ambiental,

Desenvolvimento

Regional,

Introdução3 Boa parte das disputas por legitimar modelos de desenvolvimento, além de expressarem conflitos de interesse, expressam disputas em torno da visão sobre o dever ser dos processos de desenvolvimento, isto é, disputas simbólicas em torno de pressupostos normativos prescritivos que definem as finalidades substantivas do desenvolvimento. Quando se qualifica o desenvolvimento com o adjetivo “sustentável” ou “ambiental” isto não é diferente, uma vez que a busca pela sustentabilidade ambiental, sempre justaposta a variáveis tecnológicas, econômicas e sociais, envolve sempre uma dimensão valorativa que pré-estabelece o rumo das decisões (GUDYNAS, 2004). Também não é diferente quando se lhe acrescenta ao desenvolvimento sustentável a perspectiva “territorial”, uma vez que a territorialidade se manifesta 1

Professor no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (FURB).. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Desenvolvimento Regional (FURB). Doutorando em Sociologia no IESP/UERJ. Bolsista da CAPES. E-mail: [email protected]

48

3

Os autores agradecem ao CNPq pelo auxílio financeiro.

49

em operações de poder que definem o que pode ou não pode ser feito no território ou o que é aceitável ou inadmissível de um lado ou outro de uma fronteira (SACK, 2011). Disto resulta que um padrão de desenvolvimento regional, não seja um processo apenas decorrente de fatores econômicos como produção, distribuição, trocas e consumo, “mas também um processo referido a condutas, hábitos e valores, individuais e coletivos – condicionado pelas relações de poder em que entram os indivíduos, os grupos e as classes sociais, que se encontram num dado espaço geográfico concreto.” (THEIS, 2008, p.13). A dimensão valorativa inerente às questões ambientais e a relação com a natureza têm provocado problematizações específicas e a produção de subáreas acadêmicas, como a ética ambiental. Esta subárea tem produzido nos últimos anos resultados que recolocam na pauta de discussão as objeções contra o antropocentrismo, que foram agenda fundamental do ambientalismo, mas que perderam espaço nos últimos anos diante de discussões mais pragmáticas voltadas à solução de problemas de interesse dos principais atores econômicos e políticos e dos paradigmas teóricos consagrados no emergente mainstream da política ambiental. Estas contribuições trazem importantes desafios à análise social, em particular àquela voltada a analisar os processos de desenvolvimento e a conformação e consolidação de padrões de desenvolvimento regionais, mas sua incorporação nesta discussão não é em absoluto simples nem trivial. De um lado, as proposições realizadas no campo da ética ambiental não oferecem respostas mais do que normativas para a tensão entre a consideração moral dos seres vivos não humanos e os processos de desenvolvimento. Por outro, nas discussões

sobre o

desenvolvimento, o imperativo fundamental de contribuir para a equidade entre os seres humanos tende a deixar as considerações realizadas no campo de ética ambiental num plano bastante secundário, ou incluso a ignora-las. Com efeito, mesmo quando atenta para as questões ambientais, o imperativo da equidade com relação aos processos de desenvolvimento tende a realçar o acesso equânime aos recursos e serviços ambientais e a condições de vida decentes para o conjunto da população sem, no entanto, atentar para as objeções contra o antropocentrismo levantadas pela ética ambiental. Este viés antropocêntrico, por vezes, tem sido inclusive encarado como uma bandeira e não como uma limitação, na medida em que assim estaria se superando o “viés elitista” do ambientalismo clássico (LEGARDA e PARDO BUENDÍA, 2011) Diante destes desafios, o artigo discute as objeções contra o antropocentrismo que nos últimos anos têm sido elaboradas no campo de ética ambiental, para seguidamente confronta-las e 50

buscar concilia-las com o imperativo ético-político da equidade, tal como apresentado pela perspectiva da justiça ambiental isto é, a perspectiva que analisa a problemática ambiental sob o ponto de vista da equidade, e ataca a distribuição desproporcional de impactos ambientais para as populações mais vulneráveis (ALCSELRAD, 2010).

A dimensão ético política do desenvolvimento e a ética ambiental Os padrões de desenvolvimento de fato observados expressam sistemas de relações sociais, muitas vezes conflitivas, que se consolidam em ordens econômicas e políticas mais ou menos duradouras, consagradas, protegidas e reproduzidas a partir do Estado ou com forte influência deste. O desenvolvimento se concretiza propriamente em padrões, no sentido de regularidades que resultam de práticas que, por se tornarem rotineiras, resultam em condicionantes para as novas práticas. 4 Assim, as diversas trajetórias dos processos de desenvolvimento constituem experiências históricas peculiares, de escalas mais ou menos amplas, que derivam de diferentes combinações e dosagens da importância reconhecida às diversas concepções dos agentes envolvidos. Essas diferentes trajetórias se definem num campo de lutas no qual os agentes em disputa organizam suas forças no intuito de constituir um poder simbólico que legitime suas próprias concepções normativo prescritivas. É frequente neste contexto a confrontação entre sistemas de valor aparentemente irreconciliáveis entre agentes comprometidos com perspectivas de equidade social e agentes que reconhecem um valor intrínseco à natureza. Os primeiros aceitando tacitamente um olhar antropocêntrico e instrumental da natureza, e os segundos insistindo em que a realização das necessidades humanas não deveria se consumar às custas da degradação de paisagens naturais ou do desrespeito à vida de seres não humanos. Mas esta clivagem não resolve os desafios ético políticos que colocam os processos de desenvolvimento contemporâneos. Isto porque os processos sociais que resultaram nas desigualdades que o apelo à equidade tenta remediar eles próprios estão assentados numa específica valoração do ambiente e da natureza que requer, ela própria, uma reflexão crítica. Como reconhece Eduardo Gudynas,

4

Esta concepção de padrão de desenvolvimento como resultante de práticas rotineiras que resultam em condições objetivas remete à uma concepção teórica estrutural construtivista, apoiada nas concepções de agencia e condicionantes estruturais de Giddens e

51

Bourdieu.

52

Na construção do desenvolvimento sustentável as considerações sobre os valores são cruciais. As visões tradicionais [...] em boa medida respondem a uma longa história que tem valorado o ambiente em função da utilidade para o ser humano. Concebem a Natureza como objeto de valores. Por outro lado, as perspectivas mais inovadoras [...] apostam num ambiente sujeito de valores. Por sua vez, na construção de estratégias de sustentabilidade novamente aparece uma carga ética quando se demandam comportamentos respeitosos do ambiente, ou se interpõe a sobrevida de uma espécie diante de um projeto produtivo. Uma e outra vez aparecem os problemas éticos, seja na própria prática dos profissionais involucrados em temas ambientais, nos comportamentos de quem desenha as políticas de desenvolvimento em nossos países, assim como nas concepções de toda a sociedade em relação à Natureza. [...] Seja evidente ou não, sempre existe um componente ético nas abordagens sobre sustentabilidade. Em alguns casos, este é reduzido ou escondido [...] enquanto que em outras perspectivas o que se busca é amplia-lo e fortalece-lo. (GUDYNAS, 2004, pp 189).

Compreende-se, então, a necessidade de que a análise social e ético-política sobre o desenvolvimento regional dialogue e se aproxime das análises sistemáticas sobre

os

fundamentos normativos das relações com a natureza e os seres vivos não humanos e os conflitos éticos deles decorrentes, e os correlacione com a dinâmica social, política e econômica que constitui a condição de possibilidade desses conflitos. A ética ambiental é o campo de reflexão sobre estes fundamentos normativos. É a especialidade da ética que atende a questões como – Se justifica uma atividade que criará empregos mas provocará a extinção de espécies? É melhor proteger um parque natural do que produzir energia que melhorará a vida de determinadas pessoas? Devemos nos importar se um empreendimento humano provoca a morte de animais? Respostas a este tipo de questões não podem se estabelecer apenas com base em informações fáticas como a quantidade de energia que produzirá uma barragem ou a utilidade médica potencial de uma espécie vegetal. Ainda que tais informações possam ser úteis para

uma

decisão, os problemas envolvidos requererão julgamentos de valor, os quais se apoiarão em bases como preferencias, aspirações, critérios de eficiência ou princípios morais. Na medida em que consideremos que princípios morais são importantes precisamos nos questionar sobre a validade e consistência dos mesmos para verificar se realmente se justificam. Assim, no intuito de avaliarmos se nossas ações em relação à natureza são eticamente justificáveis, a ética ambiental se formula questões como - Temos obrigações morais em relação à Natureza, às espécies, aos seres vivos individualmente, às paisagens naturais? Um indivíduo de uma espécie silvestre é mais importante do que um de uma espécie domesticada? Um ser vivo tem um valor em si mesmo, ou apenas vale alguma coisa se for útil para satisfazer necessidades de pessoas? É importante constatar aqui que se, por um lado, o segundo leque de questões remete à análise abstrata e específica de um ramo da filosofia, o primeiro leque remete a circunstancias que não 53

raro se colocam no desenrolar dos processos de desenvolvimento concretos. Por outro lado, quando se trata de decisões com implicações políticas num contexto democrático (que, por definição, implica na convivência de diversos sistemas de valores) resulta imprescindível a reflexão crítica o mais aberta possível sobre os pressupostos morais que dão suporte ás decisões. Esta reflexão crítica sobre os pressupostos morais que dão suporte as

decisões

políticas que afetam à natureza e aos seres vivos não humanos constitui o campo da ética ambiental com o qual a reflexão sobre o desenvolvimento regional precisa dialogar. Embora seja possível encontrar justificativas para lidar com a natureza considerando exclusivamente as necessidades dos seres humanos (como é feito mais habitualmente quando se discute o desenvolvimento

sustentável), existe a convicção compartilhada entre muitos

pensadores da ética ambiental, de que um dos traços mais problemáticos do modo como a civilização ocidental vem lidando com a natureza está no seu exacerbado antropocentrismo. Este, que é definido e amparado nas suas tradições religiosas (judaico-cristãs) e filosóficas morais (notadamente, escolas aristotélica, kantiana, utilitarista e contratualista), se reflete

nas

concepções políticas, econômicas e desenvolvimentistas que historicamente levaram à prática a moralidade que justificou o impulso em transformar a natureza para o domínio humano. A potencialidade reflexiva desta área para as discussões sobre os imperativos ético políticos do desenvolvimento fica evidente se estabelecemos uma distinção entre as correntes da ética ambiental entre holistas e individualistas (Quadro 1). Os primeiros afirmam que uma vez que a preocupação primária do ambientalismo são entidades que constituem totalidades, como ecossistemas e espécies, a ética ambiental deve se ocupar em fundamentar o estatuto moral ou valor intrínseco destas entidades, e para tanto deve se apegar a alguma forma de holismo para o qual os paradigmas clássicos estão mal preparados. Estas entidades totais que formam o cerne da preocupação holista, são compostas tanto por elementos bióticos (animais, plantas, etc.) quanto por componentes abióticos (rios, pedras, etc.) Esta forma de justificação, explora a necessidade de sistematizar as implicações éticas do legado darwinista o qual, por sua vez, informa a visão de mundo do pensamento preservacionista e das ciências biológicas de modo geral (Callicott, 2001). Já os pensadores de linha individualista buscam fundamentos éticos para defender o valor moral de indivíduos vivos não-humanos, entendendo que esta fundamentação poderia dar bases mais consistentes e evitaria novos problemas que se suscitam ao defender entidades totais 5. Neste 54

5

Para aprofundar no debate entre individualistas e holistas ver, por exemplo, Varner, 2001, e a resposta de Callicot, 2001.

55

sentido, Paul Taylor, apoiado em fundamentos kantianos, defende uma perspectiva biocêntrica na qual teríamos responsabilidades morais com “cada organismo individual [...] que é uma unidade de vida teleológica (ou seja, que persegue objetivos) que busca seu próprio bem de uma maneira que lhe é única” (Taylor, 2011, pp 44-45). Já numa outra perspectiva, os seres com os quais temos responsabilidade moral são aqueles que têm capacidade de ter sensações, de sentir dor e de sofrer, aos quais se qualifica como “seres sencientes”. Nesta linha, e através de uma argumentação consequêncialista formulada na tradição utilitarista, Peter Singer defende que a qualidade da senciencia é razão suficiente para compreender que esses seres teriam interesses, os quais deveriam ser levados em consideração, independente da espécie à qual pertençam. A negação dos interesses de seres sencientes pelo fato de não serem humanos (ou seja, em função da sua espécie) seria incorrer em especismo. Já através de uma argumentação kantiana Tom Regan defende que esses seres devem ser considerados “sujeitos de uma vida” o que os torna dignos de direitos. Ao serem portadores de direitos, estes seres não poderiam em hipótese alguma terem violada a sua dignidade e interesse, independente do cálculo de benefício geral que eventualmente possa se fazer diante de uma hipótese de uso instrumental dos mesmos. Os argumentos que se apoiam na senciencia, como os de Singer, incluem evidentemente todos animais de sistema nervoso mais complexo, deixando dúvidas em relação a outras categorias de animais. Estes, cuja inclusão na consideração moral é questionável ou duvidosa por meio da senciencia, poderiam, por sua vez, vir a ter seus interesses preservados com base na categoria de sujeitos-de-uma-vida de Regan, tornando-se esta última uma categoria mais inclusiva. Cabe esclarecer, que embora as linhas de raciocínio de Singer e Regan muitas vezes sejam chamadas de “animalistas”, também têm implicações para a defesa de unidades de paisagem mais amplas que incluem vegetais, elementos abióticos, etc. Isto se verifica na medida em que em condições naturais os indivíduos sencientes silvestres não teriam condições de garantir seus interesses se não com a preservação dos ecossistemas ou unidades de paisagem dos quais fazem parte. Por outro lado, as perspectivas individualistas proporcionam alicerces para a reflexão sobre a ética do tratamento que humanos emprestam tanto aos animais silvestres quanto aos domésticos, o que não ocorre com as perspectivas holistas que têm como foco de preocupação unidades de paisagem “naturais” ou silvestres, excluindo da sua preocupação os animais criados por humanos.

Quadro 1: Holismo e Individualismo nas correntes de Ética Ambiental 56

Escala de consideração moral

Corrente na Ética Ambiental

Escola filosófica da qual é tributária

Autores contemporâneos da Ética Ambiental

Atores sociais que dão base social

Holismo

Holismo preservacionista

Darwinismo Ética de Terra de Aldo Leopold

J. Baird Callicot

Ambientalistas preservacionistas

Biocentrismo individualista

Filosofia kantiana

Paul W. Taylor

Consequencialismo Utilitarista

Peter Singer

Filosofia kantiana

Tom Regan

Individualismo Sencientismo

Ecologistas biocêntricos Animalistas consequencialistas Animalistas Abolicionistas

Fonte: Elaboração própria

Mas resgatar a crítica ao antropocentrismo no campo das ciências sociais do desenvolvimento não pode representar, evidentemente, o abandono da preocupação ético-política que busca modelos de desenvolvimento socialmente inclusivos e a interpelação ao modo desigual e desproporcional com que muitas vezes são distribuídos os ônus ambientais e o acesso aos recursos e serviços ambientais nos padrões de desenvolvimento dominantes. Em outras palavras, a crítica ao antropocentrismo não pode ser realizada à custa de abandonar as premissas normativas da equidade social com relação à dimensão ambiental do desenvolvimento.

Justiça Ambiental, equidade e o imperativo da dupla inclusividade Boa parte dos autores que vêm se dedicado a discutir o aspecto da equidade em relação à dimensão ambiental do desenvolvimento têm se auto rotulado como partícipes da corrente da Justiça Ambiental. No Brasil, o uso do conceito de justiça ambiental incorpora movimentos com antecedentes significativos, como os movimentos de pessoas atingidas por barragens (MAB), e mais recentemente incorporou, dentre outros, os movimentos deflagrados por populações tradicionais (índios, ribeirinhos, etc.) cujo modo de vida é ameaçado pelas obras de infraestrutura realizadas no impulso neo-desenvolvimentista da última década. Trata-se de expressões de “conflitos ambientais” resultantes de “conflitos ecológicos distributivos” (MARTINEZ-ALIER, 2007) os quais são decorrentes da apropriação material, territorial, econômica e simbólica dos diversos recursos e serviços naturais, de maneira desigual. Estes conflitos têm provocado a emergência de movimentos de resistência por diversos grupos e movimentos sociais (as denominadas organizações de justiça ambiental), habitualmente compostas de ambientalistas, populações atingidas, entidades e movimentos sociais solidários, por vezes apoiados por grupos acadêmicos engajados. Segundo PORTO FIRMO (2013) esta 57

perspectiva representa uma tendência de visão democrática radical e tolerante. Radical, no sentido que pleiteia participação equitativa no processo de discussão e distribuição do uso dos recursos e serviços naturais, e tolerante, no sentido que explicita valores éticos como fator de legitimação de processos políticos que sejam tanto sustentáveis quanto justos. Estes movimentos constituiriam sujeitos fundamentais no processo de planejamento do desenvolvimento regional, para o qual se requer uma democracia “sem atalhos”. Trata-se do planejamento através de processos decisórios que incorporem decisivamente o diálogo, não apenas entre atores reconhecidos (stakeholders) mas entre todos os atores portadores de demandas legítimas e defensores de seus modos de vida (stakerights) de forma tal que os interesses em jogo de todos os envolvidos sejam claramente explicitados e as “bases éticas e morais dos mesmos forneçam a necessária legitimidade aos consensos produzidos.” (PORTO FIRMO, 2013, 96) O mesmo autor apresenta uma tipologia segundo a qual existem quatro âmbitos principais nos quais ocorrem os conflitos ambientais no Brasil. Estes âmbitos conjugam setores econômicos bastante dinâmicos (com suas correspondentes derivações no metabolismo industrial) com grupos sociais vulneráveis que tem ameaçados seus direitos territoriais e a continuidade de seus modos de vida. O primeiro está relacionado à produção de biomassa através do agronegócio de exportação de commodities rurais. Aqui se enquadram os setores dedicados a monocultivos, a carcinicultura e a pecuária. O segundo se refere à mineração de metais e de petróleo (incluindo o seu processamento para a produção de commodities como derivados de petróleo, aço e alumínio). O terceiro, esta constituído pela produção de energia e grandes obras de infraestrutura associadas (barragens, usinas hidrelétricas, termoelétricas e usinas nucleares) e outras obras de infraestrutura como as hidrovias, rodovias, gasodutos e minerodutos, e transposição e integração de bacias hidrográficas. O quarto está composto pelos conflitos urbanos, onde a segregação espacial obriga a vastas populações a viver e trabalhar em condições perigosas ou indignas, devido à falta de saneamento básico e outros equipamentos urbanos e à exposição desproporcional a riscos de poluição e a desastres ditos “naturais” (PORTO FIRMO, 2013). Atentar aos âmbitos em que acontecem os principais conflitos ambientais permite perceber com clareza que os mesmos em geral envolvem populações cujo modo de vida está intimamente relacionado com as próprias valorações da natureza. Com efeito, salvo no caso dos conflitos ambientais tipicamente urbanos, todos os âmbitos mencionados afetam populações que detêm concepções da natureza peculiares como indígenas, quilombolas, agricultores parcialmente integrados ao mercado ou voltados à agroecologia, e diversas categorias de comunidades 58

tradicionais, como extrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais, faxinalenses, etc. Estas concepções, embora contenham uma valoração de uso da natureza, elas não implicam necessariamente numa redução da natureza a um estatuto meramente instrumental. Pelo contrário, trata-se de uma relação com a natureza carregada de sentidos e significações simbólicas e de práticas de uso que denotam uma simultaneidade entre o uso dela e a sua consideração moral. Por outro lado, estas valorações, além de diversas e culturalmente situadas, são as mais das vezes incomensuráveis, especialmente se comparadas com a valoração monetária realizada no âmbito do mercado e com a qual operam os atores mais fortes no contexto do padrão de desenvolvimento dominante (MARTINEZ ALIER, 2007). Assim, reconhece-se uma multiplicidade inerente às diversas concepções culturais e lógicas de uso, própria da diversidade de sujeitos (ACSELRAD, 2010). Contudo, este reconhecimento das múltiplas valorações, concepções socioculturais e lógicas de uso, muitas delas encarnadas por sujeitos que sustentam modos de vida tradicionais, não tem feito que as discussões em torno da justiça ambiental se abrissem para a inclusão da consideração moral de outras formas de vida que não humanas. Em outras palavras, embora elas tenham acenado com o reconhecimento dos valores e as culturas não dominantes, isto não tem levado a uma perspectiva capaz de questionar em termos éticos o antropocentrismo dominante, mesmo diante do fato de que as populações envolvidas muitas vezes sejam exemplos em que a lógica de uso convive com formas específicas de consideração moral6. Essas lógicas de uso, se bem nem sempre representam visões biocêntricas ou senciocentricas no modo em que são formuladas pelos filósofos, certamente não são compatíveis com o antropocentrismo exacerbado característico que predomina atualmente no capitalismo globalizado. As razões disto são diversas e inter-relacionadas. Existe uma continuidade, difícil de superar, da divisão do trabalho em lógicas disciplinares entre ciências humanas e ciências da natureza que se perpetua em formas de luta política onde uns centram sua preocupação nas pessoas e outros na natureza. Existe também, muitas vezes associado ao anterior, o estabelecimento de prioridades políticas onde o foco em certas pautas dificulta uma perspectiva mais abrangente. E existem também razões associadas às matrizes teórico-metodológicas que trazem embutidas implicitamente concepções normativas prescritivas de por si antropocêntricas, que delimitam o 6

Esta tem sido a conclusão de pesquisa intitulada “Injustiça ambiental e luta contra o especismo. Visões de natureza e

59

consideração moral dos animais entre movimentos por justiça ambiental” (PEREIRA FERNANDES e FLORIT, 2012).

60

campo de reflexão, mesmo que este antropocentrismo não seja posição deliberadamente assumida pelo pesquisador. Disto resulta que muitas das análises realizadas em nome da justiça ambiental, ao enfatizar nas implicações ambientais dos conflitos e clivagens sociais incorporam concepções normativas de desenvolvimento que têm naturalizada a noção de que o ser humano é o único sujeito realmente digno de consideração moral. Esta situação reproduz uma divisão do trabalho acadêmico e político, onde os preocupados pelas questões relativas à face ambiental da injustiça social mantêm as questões éticas relativas ao tratamento aos seres não humanos na sombra nas suas reflexões. Com isto, perde-se uma parte importante da potencialidade crítica da reflexão ambiental e perde-se a chance de pensar substantivamente como e em que medida, ambas as questões estão inter-relacionadas.

Considerações Finais O Quadro 2 busca classificar algumas perspectivas ambientais com relação às duas dimensões de inclusividade aqui discutidas (equidade social + expansão da consideração moral), o que permite evidenciar a cela ainda em aberto sem correntes consolidadas que efetivem o cruzamento de ambos tipos de inclusividade. Quadro 2: Perspectivas ambientais com relação a sua inclusividade (equidade social + expansão da consideração moral)

Sem expansão da consideração moral (- Inclusivo) Com expansão da consideração moral (+ Inclusivo) Fonte: Elaboração própria

Sem equidade (- Inclusivo) Modernização ecológica Economia Verde Neo malthusianismo Holismo Preservacionista Biocentrismo individualista Sencientismo

Com equidade (+ Inclusivo) Socioambientalismo Ecologismo dos Pobres Justiça Ambiental ?

Bem certo é que as críticas generalistas “à humanidade” como responsável da crise ambiental escondem as responsabilidades desiguais que existem dentro dessa categoria genérica, operação que certamente resulta na legitimação de uma abordagem da questão ambiental que reproduz as desigualdades. É preciso admitir, como sinaliza Alcselrad, que os impactos ambientais “não são democráticos” no sentido de que não afetam a todos por igual, como parecem sugerir algumas retóricas que apelam a figura da “crise global” (ACSELRAD, 2008). Também é defensável que os interesses de humanos, especialmente de aqueles que estão em 61

condições de maior vulnerabilidade, sejam estabelecidos como prioritários. Há boas razões, como faz Martínez Alier, para desmontar os argumentos que colocam a pobreza como causa de degradação ambiental, reconhecendo que o problema ambiental está mais relacionado com a afluência e que muitos conflitos ecológicos são conflitos distributivos. Mas, por outro lado, não são claras as justificativas éticas, nem também as analíticas, para simplesmente ignorar o leque de questões levantadas pela crítica ao antropocentrismo. O projeto ético-político de uma abordagem que concilie a inclusividade social com a inclusividade dos seres não-humanos ainda está em aberto, e a sua necessidade ainda não é suficientemente percebida nem por analistas nem por ativistas. Tal projeto implica em reconhecer que tanto o valor da equidade social quanto a expansão da consideração moral para além dos humanos são elementos necessários de modos de vida éticos que superem as concepções de sustentabilidade restritas e economicistas. O desafio teórico-metodológico para avançar neste projeto é muito grande, e excede às possibilidades de uma proposição individual. Ele pode ter caminhos teóricos e referencias empíricas diversas. Vejamos alguns exemplos. O quadro traçado por Porto Firmo já aponta alguns âmbitos em que os conflitos ambientais ocorrem associados à valoração não meramente instrumental da natureza por parte de populações tradicionais. De um modo mais amplo, na América do Sul, observa-se um crescente debate evolvendo a perspectiva do Bem Viver inerente às culturas indígenas de América e as formas de desenvolvimento alternativas (GUDYNAS, 2011, dentre outros). Políticas públicas de desenvolvimento associados a concepções de felicidade amparadas em concepções de natureza com valor moral, como no caso do Butão, têm recolocado a centralidade das valorações subjetivas e culturalmente situadas como fator crucial das finalidades do desenvolvimento (THINLEY, 1999). A exacerbação da concepção de seres sencientes não humanos como meras coisas que sustenta a cadeia industrial da carne tem levantado a crítica de defensores de animais e o questionamento moral dos padrões de desenvolvimento a ela associados (NIBERT, 2013, FELIPE, 2013, FLORIT, 2013). Em todos os casos, há pertinência em associar normativamente a problemática da consideração moral de seres não humanos (ou seja, a crítica ao antropocentrismo) com o imperativo da equidade social. No entanto, mesmo que a associação normativa de ambas problemáticas disponha já de argumentação consistente, os processos sociais concretos não atendem espontaneamente a esse tipo de razões. Isto porque o problema de conciliar inclusão social com 62

consideração moral de seres vivos não humanos passa menos por problemas de argumentação ética normativa e mais pelas relações sociais concretas que se estabelecem em função de interesses e pelas moralidades naturalizadas reproduzidas socialmente sem necessariamente ter justificativas racionais. Assim, para realizar esse propósito requer-se articular sistematicamente as categorias normativas da ética ambiental pertinentes a cada situação com categorias analíticas das ciências sociais. As primeiras, apontando e qualificando o tipo de fenômeno a ser analisado, e as segundas provendo ferramentas conceituais para explicar a sua gênese e reprodução sociais e assim incorporar este componente na sua reflexão.

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and

Global

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64

GT 2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Exclusão Territorial e Meio Ambiente: uma questão acerca do “urbanismo de risco”1 Katia Fabiane Rodrigues2 Zelimar Soares Bidarra3 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/campus de Toledo)

RESUMO O trabalho discute a relação entre a exclusão territorial e o meio ambiente, a partir da referência do “urbanismo de risco”, com vistas a subsidiar a discussão sobre a questão do planejamento socioambiental do meio urbano. Os dados e as análises dispostas no texto advêm de uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório, cuja finalidade foi apontar como que no Brasil o processo de urbanização centralizado foi um fator determinante da formação de periferias precárias, cujas condições de vida são vulneráveis e como esse processo refletiu nas condições sociais e ambientais das cidades brasileiras. Sob estes aspectos confirmou-se que formação de periferias em áreas ambientalmente frágeis, gera problemas ambientais e sociais. PALAVRAS-CHAVE: Urbanização; Exclusão Territorial; Meio Ambiente.

INTRODUÇÃO Segundo Santos (2008) a noção de espaço, reflete a relação entre a ação humana e o meio ambiente. Neste processo constrói-se uma forma de interação, através da qual a produção do espaço ocorre mediante o controle dos recursos, inclusive daqueles que são escassos, natural ou socialmente produzidos. A capacidade do ser humano de intervir na natureza aumentou significativamente após a Revolução Industrial, no século XVIII. Por um lado, o 1

Trabalho apresentado no GT 2 - Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos– II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. 2 Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste/campus Toledo). E-mail: [email protected]. 3 Professora Associada da Unioeste/campus Toledo, com atuação no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio e no curso de Serviço Social. Professeure Associée de la Faculté Science Sociale – Université Laval/Québec-Canadá. E-mail: [email protected].

65

subsequente desenvolvimento econômico e

as

inovações tecnológicas

atreladas ao uso intensivo de matérias-primas aceleraram a utilização de recursos naturais e o aumento de resíduos no meio ambiente (LUSTOSA, 2003). Por outro lado, com a industrialização, o processo de urbanização se intensificou. Sobre isto Hogan (1992) afirma que, com a Revolução Industrial, diversas cidades surgiram muitas delas, sem o planejamento para a ocupação, o que resultou em diversos problemas ambientais. Esta modalidade de constituição do espaço urbano está diretamente relacionada com o processo de expansão do modo de produção social capitalista e suas repercussões também podem ser observadas em virtude da transformação urbano-industrial ocorrida na sociedade brasileira, desde os anos trinta do século XX, mas com importante intensificação a partir da década de 60. Diante desse cenário, constatou-se significativa mudança no padrão de assentamento da população brasileira, a qual passou de uma condição predominantemente rural, para urbana em menos de 40 anos. Esta transição foi impulsionada pela migração de uma população de baixa renda, tendo como pano de fundo um processo de desenvolvimento urbano, de caráter excludente e concentrador de renda. Outro aspecto nesse processo de urbanização, foi a predominância da ilegalidade na constituição das moradias, tal fato tem persistido e pode ser ilustrado com o seguinte demonstrativo: em 2000, 16 milhões de famílias brasileiras viviam em assentamentos precários, das quais 12 milhões são famílias de baixa renda. (ROLNIK, 2006, p. 199). Corroborando o efeito desse processo, Bezerra e Fernandes (2000) destacam que a rede urbana brasileira é constituída por cidades heterogêneas que comportam um grau maior ou menor de problemas urbanos, como: problemas relacionados à aquisição de terras urbanizadas, aos altos índices de moradia irregulares, ao déficit de saneamento, ao desemprego e a violência. Diante desses elementos torna-se relevante compreender as consequências do processo

de

questionamentos

urbanização,

apontando

quanto

ônus

ao

discussões

ambiental 66

e,

que

refletem

em

consequentemente,

socioeconômico, desse desigual processo de urbanização. Assim, o presente trabalho quer contribuir com a discussão sobre a urbanização brasileira e seus reflexos na exclusão territorial, bem como no desenvolvimento socioambiental das cidades. 2 URBANIZAÇÃO NO BRASIL A configuração atual das cidades brasileiras decorreu da ascensão e reprodução do sistema capitalista. Segundo Oliveira (1985), o surgimento das cidades no período do Brasil colônia foi resultado da necessidade de escoar a produção para as exportações. Além da saída de produtos, as cidades também eram importantes como portas de entrada das mercadorias vindas de Portugal. Do final do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, as cidades desempenhavam um papel relevante, no que se refere ao armazenamento, transporte e exportação do café. Cano (1977) afirma que a infraestrutura deixada pelo complexo cafeeiro permitiu o surgimento de uma economia industrial, em razão do legado de fluxo que favoreceu a instalação do que se denomina como rede urbana. Herança da economia cafeeira, a economia industrial revelou novos padrões de urbanização a partir do século XX, com o processo de substituição de importações, via industrialização. Assim, a urbanização disseminou-se rapidamente, de modo que o país passou de agrícola-rural, para industrialurbano, em curto tempo (RIOS-NETO et al., 2009). Para Cano (1989), a urbanização foi mais intensa a partir da década 1960, com a inserção da indústria pesada, que tendeu acirrar a modernização no campo, levando a migração campo-cidade, acelerando o processo de urbanização. Nesse contexto, Castells (1983) define o processo de urbanização como uma dissolução das estruturas sociais agrárias, provocando assim a emigração da população para os centros urbanos já constituídos. Essa emigração apresenta dois elementos relevantes, quais sejam: primeiro, ela fornece mão-

67

de-obra para indústria e, segundo, auxilia na transformação de uma economia doméstica para uma economia industrial. Para outros estudiosos do tema, como Singer (1977), este fenômeno ocorreu porque o processo de industrialização não consistiu somente em mudanças nos modos de produção, mas, sobretudo, em alterações na divisão social do trabalho. Constatou-se que a industrialização do espaço urbano, num primeiro momento, atraiu segmentos populacionais que buscavam emprego e melhores condições de vida. Num segundo momento, motivados por esses fluxos populacionais, movimentaram-se as demais atividades econômicas, como foi o caso do setor terciário. Como Baeninger (1998, p. 731) observa em 1940, houve um expressivo aumento da população urbana no Brasil, ou seja, a população urbana era de 12,8 milhões, enquanto a população rural representava 69% da população total do Brasil. Em 1991, a população urbana ultrapassava os 110 milhões, e em 1996, passava dos 123 milhões. Em 2010 a população urbana excedeu os 80% da população nacional (IBGE, 2010). Nessas condições a concentração de população conferiu novas feições ao espaço urbano e na estrutura produtiva, social e ambiental. Os impactos no meio ambiente, aqueles que afetam sua dinâmica física, química e biológica, tornaram-se relevantes, em virtude de suas respostas na esfera social. Segundo Moretti (1997) os impactos ambientais atrelados ao processo de urbanização aumentaram de forma preocupante neste último século. A expansão desordenada e agressiva das periferias nas cidades e o modo como foram criados os novos assentamentos, fundamentam um quadro de degradação socioambiental.

2.1 Urbanização desordenada e a produção de assentamentos precários As ocupações clandestinas e as consequentes formações de favelas fazem parte da paisagem urbana brasileira, desde o início do século XX. Essa foi uma maneira encontrada por expressiva parcela da classe trabalhadora 68

brasileira para ter acesso à moradia. É fato que esse cenário apontou para outro tipo de precariedade, a da atuação do Estado, no que se refere

à

histórica fragilidade do planejamento e a ineficácia de suas políticas (IPARDES, 2009). Sob estes aspectos Mueller (1997) chama a atenção para elementos que caracterizam os assentamentos precários brasileiros, sendo eles: i) população de baixa renda morando em construções precárias, desprovidas de saneamento; ii) as áreas ocupadas na periferia são ambientalmente impróprias para habitação, como, encostas, várzeas e terrenos próximos a pontos de poluição, como aterros sanitários; iii) as habitações de baixa renda, geralmente são ilegais do ponto de vista da legislação de uso do solo, que em certos casos, impossibilita a instalação de serviços urbanos, como água, esgoto, energia elétrica, pavimentação e coleta de lixo e iv) em muitos casos esses espaços favorecem a proliferação de doenças e a criminalidade, devido a falta de qualidade dos equipamentos urbanos e a presença de redes de narcotráfico. Ressalta-se que a formação desses espaços está diretamente relacionada com os seguintes fatos: primeiro, a instalação espontânea de uma população que não possui recursos financeiros para adquirir terrenos no mercado legal, por isso recorre às alternativas presentes no mercado ilegal, assim esses espaços não-ocupados, os intitulados “vazios sociais”, tornam-se alvos potenciais à ocupação clandestina. Em segundo, essa forma de ocupação reflete um autoprocesso de organização social, de uma população que migra para as cidades, à procura de seus espaços. (IPARDES, 2009). No âmbito da demanda e da oferta do mercado habitacional, é possível apontar que, pelo lado da demanda, os gastos com moradia aumentam com a expansão da atividade econômica, ou seja, a disponibilidade de renda aumenta a procura por bens e serviços, nesse caso, moradia e demais serviços básicos (PAES BARROS; MENDONÇA, 1992). Já a oferta é motivada por três elementos: a) a ação do Estado via serviços públicos, como a infraestrutura; b)

69

a ação pública no que se refere o estabelecimento de sistemas regulatórios e c) pelo desempenho do ramo da construção civil. Além desses, acresce-se o fator localização que é determinante para a oferta no mercado imobiliário; sobre isto Smolka (1990 apud Cardoso, 2008) afirma que a construção de moradias depende de disponibilidade de terrenos e de certa infraestrutura. Estes terrenos devem apresentar o mínimo de acessibilidade ao centro urbano, ou seja, esses espaços devem estar próximos dos ofertantes de bens e serviços. A presença ou a falta de itens como: transportes, saneamento, escolas bem equipadas, serviços de saúde e lazer definem os preços dos terrenos. São esses os aspectos referenciais para se construir uma divisão social simbólica do espaço, que se configura na valorização diferenciada de distintos pontos da cidade. A qualidade simbólica do espaço se reflete diretamente na valorização, sendo essa uma característica marcante das cidades brasileiras. Todavia, não se pode deixar de reconhecer que esta valorização é produzida, em parte, pelo mercado que “categoriza a inutilidade” de certos espaços como recurso estratégico para movimentar, pressionar e criar a demanda e a oferta em outros, que em dada conjuntura são mais interessantes para os agentes da especulação imobiliária. Diante desse cenário construído a partir do processo de exclusão territorial passa-se a conviver nos espaços urbanos com a proliferação, a intensificação e o agravamento dos problemas ambientais e sociais. 3 Exclusão territorial e meio ambiente: a questão do “urbanismo de risco” Contrastes intensos convivem e conflitam num mesmo espaço urbano, no qual vê-se em determinados pontos algumas condições de urbanização sendo que em outros configuram-se áreas com a inexistência de planejamento urbanístico. Estas características estão presentes na maioria das cidades brasileiras e para Rolnik (1999, 2002) consiste a nominada exclusão territorial. “Essa situação de exclusão é muito mais do que a expressão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: ela é agente de reprodução dessa desigualdade”. (ROLNIK, 2002, p. 2). 70

Diante dessa configuração dual de muitas cidades brasileiras, a desigualdade tende a aumentar, pois a população que já esta em situação desfavorável devido às condições do local de moradia, não enxergam a possibilidade de mudanças porque estão distante das melhores oportunidades, sejam elas de emprego, educação ou lazer, pois estas estão próximas dos que já possuem uma condição de vida melhor. (ROLNIK, 2002). As áreas com urbanismo de qualidade passam a ser objeto de cobiça, elevando abusivamente os preços dos imóveis nessas localidades. Nessas condições as cidades expandem-se pelo seu entorno, formando periferias precárias, com limitadas condições econômicas, sociais e ambientais. Considerando a relação exposta entre renda e características urbanas de qualidade, a tabela 1 apresenta esta relação para cidades brasileiras em 2010. Tabela 1 - Percentual de domicílios particulares permanentes, por classe de rendimentos nominal mensal domiciliar per capita (em salários mínimos), segundo as características do entorno – Brasil – 2010 Características do entorno

até 1/4

Iluminação Pública

91,6

94,4

Pavimentação

61,7

Meio fio/guia

mais 1/4 a 1/2 mais de 1/2 a 1

mais 1 a 2

mais de 2

96,2

97,6

98,8

71,7

79,9

86,9

94

55,7

65,7

74,7

82,7

91,3

Calçada

45,4

55,5

65,3

75,1

87,4

Arborização

56,8

60,4

65,9

70,9

78,5

Bueiro/boca de lobo

20

29,2

37,6

47,1

58,5

Rampa para cadeirante

1,0

1,6

2,5

4,2

12,2

Esgoto a céu aberto Lixo acumulado nos logradouros

24,9

17,9

11,7

7

3,8

8,2

6,8

5,4

4,2

2,6

Fonte: IBGE, 2010 (Censo demográfico)

As características urbanísticas no entorno do domicílio são importantes para denotar a qualidade dos domicílios brasileiros, tendo como referência elementos básicos de infraestrutura. Nota-se na tabela 1 que conforme a renda aumenta maior é a concentração de domicílios em áreas que possuem iluminação

pública,

pavimentação,

meio

fio/guia,

calçada,

arborização,

bueiro/boca de lobo e rampa para cadeirantes. Na contramão quanto menor a

71

renda per capita maior é a concentração de domicílios nas áreas que apresentam esgoto a céu aberto e lixo acumulado nos logradouros, ou seja, 24,9% dos domicílios com renda per capita de até 1/4 do salário mínimo encontram-se em áreas com esgoto a céu aberto, contra 3,8% dos domicílios com renda per capita maior que 2 salários mínimos. Da mesma forma, os domicílios que se encontram em áreas com lixo acumulado nos logradouros são 8,2% dos que possuem renda per capita de até 1/4 do salário mínimo; na outra ponta da tabela vê-se que tal realidade está presente em 2,6% dos domicílios com renda per capita maior de 2 salários mínimos. Nesses locais o abastecimento de água também fica prejudicado porque, essas áreas são progressivamente deterioradas e passam a não comportarem as estruturas de saneamento. Em muitos casos esses espaços são áreas ambientalmente frágeis, fato que além de justificar a falta de infraestrutura, levanta outro elemento importante, como aponta Ronilk (2002), que é a do meio ambiente. Esse é um retrato dramático das cidades brasileiras, e na atualidade pode ser diagnosticado tanto em suas áreas centrais, como em suas periferias, que configuram o que a autora denomina de “urbanismo de risco”, ou seja, “aquele marcado pela inseguridade, quer do terreno, quer da construção, ou ainda da condição jurídica da posse do território. (ROLNIK, 2002, p. 1). O urbanismo de risco se torna evidente porque áreas ambientalmente frágeis, áreas de encostas íngremes, beiras de córregos e áreas alagadiças são destinadas ao mercado informal representado pela população de baixa renda. (ROLNIK, 2002). Do ponto de vista da referida autora, a exclusão territorial não representa somente a questão da desigualdade social, mas também de um “urbanismo de risco”, pode-se dizer de uma ausência/omissão do Estado, que se estende por toda a cidade e gera impactos em seus fluxos e atividades. É importante esclarecer que esta forma de “urbanismo” causa prejuízos e têm consequências a todos os segmentos sociais. Apesar disso, de forma mais imediata o maior risco está para o morador da periferia que tem sua 72

moradia ameaçada pelas inundações. Além do desconforto de ter que gastar uma enorme quantidade de horas em transporte público insuficiente e de baixa qualidade para se deslocar até o local de emprego. Porém, ninguém está isento das consequências decorrentes do “urbanismo de risco”, pois quando a erosão causada pelos desmatamentos se aloja nos rios e córregos toda a cidade é prejudicada, ou mesmo paralisada, em razão das enchentes. Diante desse cenário, reitera-se a importância da estruturação do espaço urbano e, para tanto, é crucial pensar como a população deve ser distribuída de modo a assumir uma configuração sustentável. Cita-se, como exemplo, a cidade que tenha capacidade de escoamento de suas ruas que por um lado, torna mais dinâmica as atividades diárias e, por outro lado, reduz o consumo de energia nos transportes, amenizando a formação de ilhas de calor e, consequentemente, o aquecimento global (SEIFFERT, 2009). A planificação da ocupação do espaço urbano deve prever áreas destinadas à expansão residencial, comercial e industrial. No caso das indústrias sua localização deve ser estruturada de modo que evite prejuízos à população em virtude de uma possível poluição, além disso, deve-se também estar distante de áreas verdes formadas por espécies vegetais nativas da região (SEIFFERT, 2009). Outro elemento importante é a presença de áreas verdes distribuídas pela cidade. Segundo Seiffert (2009) a presença da vegetação nas áreas urbanas estabiliza as condições físicas, proporciona conforto ambiental, como: o equilíbrio da umidade do ar, o aumento da permeabilidade do terreno, ação quebra-ventos e a presença da fauna ainda configurar um local excelente para recreação e o lazer. Em síntese, a estruturação sustentável do espaço urbano confere uma gama de elementos que se configuram como um ciclo de benefícios. O planejamento urbano nesse contexto ameniza o processo de exclusão territorial e consequentemente a exclusão social e o urbanismo de risco. Em suma ressalta alguns elementos relevantes para sustentabilidade do espaço urbano. 73

Quadro 2 - Estruturação sustentável do espaço urbano Programas de habitação

Descentralização da infraestrutura urbana

Presença de áreas verdes

- Diminuição do déficit habitacional - Diminuição das moradias irregulares - Diminuição de problemas ambientais e sociais - Limitação da formação espontânea de periferias precárias - Diminuição da especulação imobiliária - Aumento das oportunidades de emprego, saúde, lazer, cultura - Diminuição do déficit de saneamento, da poluição dos recursos hídricos e da proliferação de doenças - Equilíbrio das condições físicas - Controle da erosão e preservação da biodiversidade local. - Diminuição dos prejuízos à população e ao meio ambiente advindos da poluição industrial, comercial e doméstica

Áreas destinadas à expansão residencial, comercial e industrial Fonte: Rodrigues; Bidarra (2013)

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente ensaio pretendeu problematizar as históricas medidas de urbanização de caráter excludente, medidas estas que acentuaram a exclusão territorial e consequentemente o urbanismo de risco. Nessas condições os problemas ambientais e sociais são acentuados. Observa-se um círculo vicioso de desigualdades, que começa com a falta

de

um

planejamento

urbano

adequado,

caracterizado

pela

descentralização de infraestrutura, que leva ao espraiamento da população de baixa renda e a formação de periferias carentes. Diante de condições precárias e distantes das melhores oportunidades, esta população fica inerte a possibilidade de mobilidade social. Os problemas ambientais também se tornam mais evidentes, isto porque a ocupação das periferias, em muitos casos ocorre em áreas ambientalmente frágeis e as conseqüências são

as

inundações e deslizamentos constantes, aliados a falta de saneamento, poluição dos recursos hídricos e a proliferação de doenças. Ressalta-se a importância do planejamento urbano descentralizado e participativo que respeite as condições físicas do meio ambiente, nos termos da atual legislação da área, Lei n. 10.257/2001, intitulada como Estatuto da Cidade. 74

Referências BAENINGER, R.. A Nova Configuração Urbana no Brasil: desaceleração metropolitana e redistribuição da população. In: XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP, 1998, Caxambú, MG. Anais... do XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP. Belo Horizonte: ABEP, 1998. BEZERRA, M. do C.; FERNANDES, M. A. Cidades sustentáveis: subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. (coordenadores). – Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21 IBAM-ISER-REDEH, 2000. CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. [s.l.]: T. A. Queiroz Editores, 1977. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. Revista de Economia Política, v. 9, n° 1, jan/mar de 1989. CASTELLS, M. A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983. CARDOSO, A. L. contextualização/ Caracterização In: Ministério das Cidades (Org.) Política habitacional e a integração urbana de assentamentos precários: parâmetros conceituais, técnicos e metodológicos. Brasília, 2008, p. 13-45. Disponível em:. Acesso em junho de 2012. HOGAN, D. J. Migração, ambiente e saúde nas cidades brasileiras. In: HOGAN, D. J. & VIEIRA, P. F. (Orgs.). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. Campinas: Unicamp, 1992. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Demográfico – 2010. Disponível em: . Acesso em: 15 de julho de 2012. INSTITUTO PARANAENSE SOCIAL



IPARDES.

DE

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Problemas

habitacionais

dos

E

assentamentos

precários urbanos na região metropolitana de Curitiba (relatório 1). Curitiba: IPARDES, 2009. 51p.

75

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Meio de divulgação: Impresso;

ISSN/ISBN: 01016628. . A construção de uma política fundiária e de planejamento urbano para o país – avanços e desafios. Políticas Sociais - Acompanhamento e Análise – IPEA. 12. Fev/2006. SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2008. SEIFFERT, M. E. B. Gestão Ambiental: instrumentos, esferas de ação e educação ambiental. São Paulo: Atlas, 2009 SINGER, P. Economia política da urbanização. 4 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977. 76

Análise Microclimática do Campus I da UFPB Aplicada ao Planejamento Ambiental Anne Falcão de FREITAS1 Joel Silva dos SANTOS2 Rita de Lima BALTAZAR3 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO

Os diferentes materiais de revestimento das amostras experimentais exercem influencia sobre as trocas de energia e calor, alterando diretamente os valores das variáveis atmosféricas, que controlam o nível de estresse térmico ambiental. É diante deste contexto que esta pesquisa tem como objetivo verificar as alterações do campo térmico do Campus I da Universidade Federal

da Paraíba (UFPB) apontando as

diferenciações microclimáticas encontradas nesse espaço intra-urbano. Para a análise das condições microclimáticas locais, foram definidos nove pontos experimentais de coleta dos dados (temperatura e umidade relativa do ar), em função de diferentes materiais de revestimento do solo, onde foram instalados termo-higrômetros, seguido do georreferenciamento e descrição física de cada amostra. Para o cálculo de desconforto térmico foi utilizado o Índice de Thom e foi realizado o cálculo da Ilha de Calor. Os resultados demonstraram que as diferentes formas de uso e cobertura do solo têm alterado o campo térmico da área em estudo, pois ocorreu à formação sutil de ilha de calor (3,2 ºC) e de diferentes microclimas, assim, a população acadêmica apresenta a sensação térmica classificada em parcialmente confortável, dessa forma, nota-se a falta de um planejamento ambiental adequado, necessitando de um ordenamento territorial.

PALAVRAS-CHAVE: microclima, Campus I da UFPB, clima urbano

Trabalho apresentado no GT2: TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014 1

Mestrando do PRODEMA/UFPB, email: [email protected]

2,3

Professores do PRODEMA da UFPB. email: [email protected]

77

INTRODUÇÃO Um dos sistemas mais afetados é o atmosférico, principalmente no que diz respeito ao equilíbrio termodinâmico. Vários estudos foram realizados com essa temática e apontaram que problemas derivados da interação entre a sociedade e a natureza sempre marcaram os espaços de aglomeração humana, sendo evidenciadas as maiores variações no microclima das cidades, quando comparados aos espaços rurais (ROBAA, 2011; AMORIM, 2011; UGEDA e TRINDADE, 2011; FISCHER et al., 2012). Para Oke et al. (1999); Duarte e Serra (2003); Santos et al. (2011; 2012) essas alterações estão relacionadas com o uso e ocupação desordenado do solo, ocasionado pelo crescimento da malha urbana, pelo adensamento de construções, supressão da vegetação natural, propriedades térmicas dos materiais artificiais das cidades, causando diversos impactos como formação de ilhas de calor, desconforto térmico, entre outros. Apesar dos vários estudos sobre a influência da urbanização sobre o microclima, ainda é deficiente a aplicação desses estudos no planejamento e ordenamento das cidades, com vistas a desenvolver metodologias capazes de auxiliar na melhoria da qualidade ambiental urbana. Este trabalho tem como meta auxiliar no planejamento ambiental do Campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), para que haja um programa de ações políticas promovendo o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade ambiental e social, com vistas ao ordenamento territorial do uso do solo da área de estudo, a conservação das áreas naturais e a atenuação dos problemas socioambientais vivenciados pela população acadêmica em locais com alto grau de urbanização. E como objetivo geral analisar as alterações que ocorrem no campo térmico do espaço intra-urbano da UFPB Campus I e, especificamente, compreender o comportamento do campo termodinâmico do sistema climático através da análise do Índice de Conforto Térmico na área de estudo; verificar o nível de conforto térmico da população acadêmica; mapear as diversas formas de uso e cobertura do solo da área de estudo e sua relação com as variáveis: temperatura e umidade; assim como detectar a formação e a intensidade de ilhas de calor.

78

MATERIAIS E MÉTODOS Área de estudo A Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus I, está inserida no município de João Pessoa, Paraíba (Figura 1), entre 07°08’03” e 07º 08’58” de latitude sul e entre 34°50’13” e 34°51’06” de longitude oeste e altitude média de 33 metros e possui limites: ao Norte com o conjunto residencial do Bairro Castelo Branco, ao Sul com a Área de Preservação Permanente – APP do Vale do Riacho do Timbó, a Leste com terrenos do Estado e ao Oeste com o Resquício de Mata Atlântica, onde se localiza o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio e o Jardim Botânico Benjamim Maranhão.

Figura 1. Localização geográfica do município de João Pessoa-PB, no qual esta localizada a área de estudo. Quanto à característica macroclimática da região pode perceber que a área de estudo permanece durante todo o ano dentro da influência dos ventos alísios de sudeste. O clima predominante é tropical chuvoso (com classificação Am, segundo Köeppen) com verão seco e quente e úmida durante todo ano. Analisando os dados da AESA-PB (2012) no período histórico de 1990 a 2012, a precipitação apresentou média aproximada de 3545,23 mm. Com ocorrência de seis meses úmidos, coincidindo com os meses do período chuvoso (março a agosto), sendo o mês de

79

junho o mais representativo, possuindo média 8552,3 mm. Pereira et al. (2012) sugerem que esse comportamento acontece através da influência da Massa Polar Atlântica e Ondas de Leste e seis meses secos, referentes aos meses de estiagem (setembro a fevereiro), sendo o mês de novembro o mais seco, com média de 559 mm (Figura 2). A insolação é relativamente elevada, a média anual de temperatura está entre 25,5 a 29,5 ºC (SOBREIRA et al., 2011) e a umidade relativa do ar média anual é de 80 % de maio a julho, atingindo o valor máximo no período correspondente a estação chuvosa; enquanto que no período mais seco a umidade relativa do ar cai

Precipitação (mm)

para 68% (SANTOS et al., 2011).

10000 8000 6000 4000 2000 0

Meses Figura 2. Histograma dos totais médios mensais de precipitação pluviométrica de João Pessoa, referente ao período histórico de 1990 a 2012. Procedimentos Metodológicos A análise do clima urbano através de descrições físicas do espaço ocupado foi realizada com base na metodologia apresentada por Monteiro (1976); Katzschner (2002) e Costa (2007). O método consiste em medições in loco e a análise rítmica das variáveis climáticas de temperatura e umidade relativa do ar. A partir disso, foi realizada observação in loco para a caracterização da área de estudo, e de acordo com as diferentes configurações da cobertura do solo foram selecionados 9 pontos para o levantamento das variáveis (Figura 3). Para a coleta desses dados foram instalados Data Loggers Hobo®, programados para realizar medições em intervalos horários, os quais foram acondicionados em cabines plásticas apoiadas em tripé a uma altura aproximada de 1,5 metros do solo, em cada ponto. Posteriormente, cada ponto de coleta foi georreferenciado (Tabela 1). A periodicidade para o levantamento dos dados compreendeu de Janeiro a Março de 2014.

80

Figura 3. Localização dos pontos de medições no espaço intraurbano da Universidade Federal da Paraíba, Campus I. Tabela 1. Localização dos pontos experimentais em coordenadas geográficas. Ponto P01 P02 P03 P04 P05 P06 P07 P08 P09

Localização dos pontos Mata do DSE CCS – Microbiologia Educação Física Centro de Convenções Caixa CCHLA – Estacionamento Próximo ao LTF LES CT

Longitude “X” 07°08'21,80" 07°08'11,86" 07º07'58,11" 07°08'09,52" 07°08'11,49" 07°08'22,43" 07°08'25,85" 07°08'29,64" 07°08'37,26"

Latitude “Y” 34°50'37,26" 34°50'33,31" 34º50’36,19" 34°50'48,72" 34°51'00,16" 34°50'58,06" 34°50'50,84" 34°51'03,07" 34°51'01,34"

Altitude (m) 23 50 55 39 56 57 38 56 49

Para medição das variáveis em cada ponto do experimento, foi delimitada a unidade climática local com um raio de 150 m da localização do ponto de coleta, nas direções norte e oeste (KATZSCHNER et al., 2002) e um raio de 350 m nas direções leste e sul, de maneira que se obtenha o valor total de 500 m que correspondesse à medida de 0,5 km (OKE, 2004). Este procedimento objetiva analisar a importância da ventilação como um elemento de controle climático para o campo térmico da área. Dessa forma, foi determinada a análise numa área total de 0,21 km² no entorno de cada ponto analisado, conforme detalhado na Figura 4.

81

Figura 4. Área de análise de cada ponto de coleta durante os dois períodos experimentais: período seco e chuvoso. Fonte: Costa, 2007. O índice de revestimento do solo, de cada unidade foi obtido pela contribuição percentual dos seguintes tipos de classe de cobertura para a formação da área total de cada ponto experimental: cobertura de amianto; cobertura de amianto, cobertura de cerâmica, cobertura de concreto, cobertura metálica, corpo hídrico (piscina), corpo hídrico (rio), pavimento asfáltico, solo exposto/vegetação rasteira e vegetação arbórea/arbustiva. Com o auxílio do programa ArcGis® licenciado no Laboratório de Ensino, Pesquisa e Projetos em Análises Espaciais (LEPAN). Para medir o conforto térmico em áreas urbanas, um dos índices utilizados por vários estudiosos do clima urbano é o Índice de desconforto térmico (IDT) desenvolvido por Thom (1959), o qual estabelece uma relação entre a temperatura média e umidade relativa do ar com a finalidade de se obter resultados quanto ao conforto ou estresse experimentados em um ambiente físico modificado. Esse índice se constitui em uma ferramenta indispensável para o planejamento e ordenamento territorial dos centros urbanos, e pode ser obtido pela seguinte equação: IDT = T – (0,55 - 0,0055 UR)(T -14,5) Onde T é a temperatura do ar (°C) e UR é a umidade relativa do ar (%). Para a caracterização do nível de desconforto térmico, utilizou-se a classificação de Santos (2011), ajustada para condições tropicais, apresentada na Tabela 2, abaixo:

82

Tabela 2. Faixa de classificação do índice de desconforto de Thom (IDT), aferida para ambiente tropical. Faixas 1 2 3 4

IDT (ºC) IDT < 24,0 24 ≤ IDT ≤ 26,0 26 < IDT < 28,0 IDT ≥ 28,0

Nível de desconforto térmico Confortável Parcialmente confortável Desconfortável Muito desconfortável

A intensidade de ilha de calor urbana (ICU) foi obtida pela diferença entre a temperatura do ar da menos urbanizada com as mais urbanizadas (SILVA et al., 2010). Foi considerado como ponto de referência para o estabelecimento da intensidade de IC, o ponto P01 localizado na mata próxima ao Departamento de Sistemática e Ecologia. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise do campo térmico da área de estudo e sua relação com a descrição física do uso e cobertura do solo evidenciaram a presença de setores com cobertura constituída por materiais impermeáveis, a exemplo de amianto, cerâmica, concreto, asfalto, cobertura metálica; e materiais permeáveis com solo exposto, gramíneas, vegetação arbórea, arbustiva e corpo hídrico – piscina (Figura 5). A Tabela 3 apresenta as classes de uso e cobertura do solo dos nove pontos monitorados na área de estudo com seus respectivos valores. Os pontos P01 e P07 são os que apresentaram as maiores taxas percentuais de cobertura vegetal com porte arbóreo. Essa classe de revestimento do solo determina melhores condições de conforto térmico. Por outro lado, os pontos P03 e P08 apresentam materiais de revestimento do solo com propriedades térmicas desfavoráveis às condições de conforto térmico. As classes de revestimento do solo apresentadas na Tabela 3 destacam características que podem ser favoráveis ou desfavoráveis ao conforto térmico do entorno de cada ponto experimental. O ponto P01 (Mata do DSE) apresentou condições de conforto térmico mais favorável por ter características de um ambiente natural sem tanta interferência antrópica, no que diz respeito à constituição do solo; por essa razão foi assumida neste estudo como ponto de referencia para o estabelecimento da intensidade de ilha de calor. Por outro lado, os pontos P02, P03, P04, P05, P06, P07, P08 e P09 apresentaram os maiores percentuais de revestimento classificados, de forma geral, como impermeáveis. Foi verificado que esses diferentes

83

materiais de revestimento das amostras experimentais exercem influencia sobre as trocas de energia e calor, alterando diretamente os valores das variáveis atmosféricas, que controlam o nível de estresse térmico ambiental, assim como verificado por Rovani et al. (2012) e Cohen et al. (2013). Tabela 3. Classes de revestimento do solo das amostras experimentais (%). Tipo I = Cobertura amianto; Tipo II = Cobertura de cerâmica, Tipo III = Cobertura de concreto, Tipo IV = metálica, Tipo V = Corpos hídrico (piscina), Tipo VI = Corpo hídrico (rio), Tipo VII = Pavimento asfáltico, Tipo VIII = Solo exposto/vegetação rasteira e Tipo IX = Vegetação arbórea/arbustiva, de acordo com o raio de 0,21 Km². Cobertura Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V Tipo VI Tipo VII Tipo VIII Tipo IX

P01 0,01 0,71 7,14 0 0 0,48 2,43 10,05 79,18

P02 3,00 0,14 21,71 0,24 0 0 9,86 8,95 56,10

P03 0,3 6,5 23,5 1,5 0,5 0 8,0 20,1 39,6

P04 0,14 2,00 28,29 0,62 0 0 9,14 10,38 49,43

P05 4,19 4,1 24,43 0,71 0 0 12,81 8,38 45,38

P06 14,14 0,52 25,29 0,76 0 0 2,14 10,76 46,38

P07 6,90 1,62 16,71 0,10 0 0 3,10 11,67 59,90

P08 11,05 1,43 27,52 0,19 0 0 12,33 21,14 26,33

P09 2,80 2,45 18,80 0 0,05 0 11,50 17,10 47,30

Figura 5. Revestimento do solo das amostras experimentais, inseridas no Campus I da UFPB. Ponto P01 - Mata do DSE (A). Ponto P02 - CCS Microbiologia (B). Ponto P03 Educação Física (C). Ponto P04 - Centro de Convenções (D). Ponto P05 – Caixa (E). Ponto P06 – CCHLA- Estacionamento (F). Ponto P07 - Próximo ao LTF (G). Ponto P08 – LES (H). Ponto P09 – CT (I). A diferença na média da temperatura do espaço intra-urbano do Campus I da UFPB oscilou em torno de 3,2 oC entre os pontos monitorados e a variação média da umidade relativa do ar foi de 13%. Os pontos com as maiores médias de temperatura e as menores taxas médias de umidade relativa do ar (Pontos P02, P03, P04, P05,

84

P06, P07, P08 e P09) estão localizados em áreas que se caracterizam pela impermeabilização do solo e pouca vegetação. Ainda, a concentração e as disposições das edificações atuam como bloqueadoras do fluxo da ventilação, não dissipando o calor advindo da radiação solar, que é absorvida e mantida no ambiente pelos materiais de construção civil, os quais apresentam alta condutividade térmica e capacidade calorífica. Assim como constatado no trabalho de Dimoudi et al. (2013). Entretanto, o ponto P01 apresentou os maiores índices de umidade relativa do ar e menores média de temperatura do ar, atribuída à vegetação (Tabela 4). A cobertura vegetal desempenha essa função biológico-climática, a partir do processo de evapotranspiração e pelo sombreamento. Shashua-Bar et al. (2011) e Minella et al. (2012), por reduzir a temperatura relativa do ar, aumentar a umidade e os níveis de conforto térmico da população, em alguns pontos inseridos na malha intra-urbana do Campus I. Quanto às condições de conforto térmico pode-se verificar que o ponto P01 apresentou baixo valore do índice de Thom, devido à maior presença de vegetação. Diferentemente dos pontos P02, P03, P05, P06, P07, P08 e P09, os quais apresentaram os maiores valores, em decorrência do revestimento impermeável do solo, pouca presença de massa vegetal e grande concentração de edifícios que bloqueiam o ar proveniente da direção predominante do vento local, impedindo a dissipação do calor. A média do índice de Thom na área de estudo foi de 25,1 oC, segundo a classificação de Santos (2011) o índice se enquadra dentro da faixa 2, indicando que as pessoas estão parcialmente confortáveis nesses pontos (Tabela 4). Mahmound (2011) investigando condições térmicas no Cairo, Egito, também constataram diferenças nas condições de conforto em áreas com diferentes tipos de revestimentos, sendo o local constituído por vegetação o mais confortável. Tabela 4.Temperatura/umidade relativa e Índice de Thom dos pontos de coleta. Pontos P01 P02 P03 P04 P05 P06 P07 P08 P09 Média

Temperatura (ºC) 26,7 27,5 29,9 27,3 27,4 27,4 27,2 27,5 27,5 27,6

Umidade Relativa (%) 84,3 78,9 71,2 79 78,9 77,5 86,2 78,7 77,3 79,1

85

Índice de Thom (ºC) 25,6 25,9 26,9 25,7 25,8 25,7 26,3 25,9 25,8 26

Quanto ao comportamento horário das variáveis, as médias da temperatura do ar são mais baixas entre os horários que correspondem às 18h00min (noite) e 06h00min (manhã) em face da ausência de incidência de radiação solar e redução da emissão de calor sensível emitido pela superfície. Em seguida, a temperatura do ar começa a aumentar até atingir o máximo entre às 10h00min e 14h00min, justamente quando ocorre a maior incidência de radiação solar e emissão de calor sensível. O aumento e redução da temperatura do ar são acompanhados respectivamente pela redução/aumento da umidade relativa. Em estudo similar, Freitas et al. (2013) avaliando os dados da umidade e temperatura do ar no Campus IV da UFPB, encontrou oscilações dessas taxas em horários semelhantes ao nosso estudo. Tal comportamento dessas variáveis é observado na Figura 6. 45,0

Temperatura (ºC)

40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0

A

0,0

Umidade (%)

0

0 :

0

B

IDT (ºC)

3

C Horas P01

P02

P03

P04

P05

P06

P07

P08

P09

Figura 6. Médias diárias das temperaturas (A), umidade relativa do ar (B) e Índice de Conforto Térmico – IDT (C) dos pontos de coleta, no Campus I da UFPB.

86

A formação do fenômeno ilha de calor urbano - ICU ocorreu principalmente no ponto P03, o qual apresentou intensidade de 3,2 ºC, pela presença de materiais impermeáveis, principalmente da cobertura metálica do estádio. Imhoff et al. (2010) também observaram que a intensidade da ilha de calor está relacionada positivamente com a crescente impermeabilização do solo. Tabela 5. Intensidade da Ilha de Calor Urbana dos pontos de coleta. Pontos P02 P03 P04 P05 P06 P07 P08 P09

Intensidade da Ilha de Calor (ºC) 0,8 3,2 0,6 0,7 0,7 0,6 0,8 0,8

CONCLUSÕES Os resultados da pesquisa sobre a análise do campo térmico urbano no período de estiagem e a sua relação com o revestimento do solo no Campus I da UFPB permitem concluir que: A composição dos materiais de revestimento do espaço intra-urbano do Campus IV exerce influência sobre as trocas de energia e calor, alterando diretamente os valores das variáveis atmosféricas que controlam o nível de estresse térmico ambiental. A diferença na média da temperatura dentro do espaço intra-urbano do Campus I da UFPB oscila em torno de 3,2 oC entre os pontos monitorados e as temperaturas mais elevadas ocorreram sempre entre às 10h00min e 14h00min horas e as mínimas nas primeiras horas do período diurno. A variação média da umidade relativa do ar foi de 13% no período de monitoramento estando diretamente relacionada ao percentual de cobertura vegetal, assim a cobertura vegetal exerce papel preponderante para a manutenção das baixas temperaturas e as condições de conforto térmico. O nível de conforto térmico é influenciado pelas condições microclimáticas que estão diretamente relacionadas com as características físicas das amostras experimentais; os resultados apresentados indicam que as temperaturas do ar do ponto de referência, no geral, são relativamente menores que as temperaturas médias dos outros pontos monitorados durante período de estudo. Dessa forma, pode-se inferir sobre a formação da ilha de calor urbana na área de estudo. Entretanto, a análise de ilha de calor urbano com base em dados mensais demonstrou uma sutil formação desse fenômeno, principalmente no ponto P03. O levantamento realizado é relevante por permitir a identificação de microclimas, fornecendo dados de extremo valor para o planejamento territorial e a gestão ambiental do Campus I da UFPB, contribuindo assim, para elevar as condições ideais de conforto térmico e qualidade ambiental.

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GT 2: TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS

Desenvolvimento (Humano) Sustentável: Trilhando caminhos para a construção do Desenvolvimento Sustentável1 Maria Laís dos Santos LEITE2 Universidade Federal do Cariri – UFCA.

Resumo Este trabalho tem como objetivo explorar o significado do conceito de desenvolvimento humano enquanto elemento fundamental com vistas à construção do desenvolvimento sustentável. Utiliza-se como metodologia a pesquisa bibliográfica partindo de uma análise do conceito e dos pilares do desenvolvimento sustentável e de sua proposta interdisciplinar para propor uma valorização do desenvolvimento humano para efetivação do desenvolvimento sustentável. A partir da discussão dos conceitos trabalhados foi possível perceber a necessidade de ressaltar que o desenvolvimento sustentável, precisa também está integrado com o desenvolvimento das pessoas, “verdadeiras riquezas das nações”, para que possam desenvolver o seu pleno potencial e levar vidas produtivas e criativas, de acordo com as suas necessidades e interesses. Palavras-Chave:

Desenvolvimento

Sustentável;

Desenvolvimento

Humano,

Interdisciplinaridade.

1 Introdução Este artigo parte de uma análise do conceito e dos pilares do desenvolvimento sustentável e de sua proposta interdisciplinar para propor uma valorização do desenvolvimento humano para efetivação do desenvolvimento sustentável. O objetivo deste trabalho é explorar o significado do conceito de desenvolvimento humano enquanto elemento fundamental com vistas à construção do desenvolvimento sustentável. 1

Trabalho apresentado no GT 2 – Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. 2

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável PRODER da Universidade Federal do Cariri – UFCA. E-mail: [email protected].

2

A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica acerca do desenvolvimento sustentável por

meio dos autores Bursztyn (1993), Bartholo Jr. e Bursztyn (2001) e

Barbosa (2008), Sachs (2004) e UNESCO (2005), Morin e Kern (2000), PNUD (2001), Grangeiro (2013) e Sen (2010). 2 Desenvolvimento Sustentável Compreender o conceito de Desenvolvimento Sustentável implica em apreender não só os vocábulos “desenvolvimento” e “sustentabilidade” e a mudança de sentido que o segundo provocaria no primeiro, por adjetivá-lo, mas conhecer, pelo menos superficialmente, a significação histórica que este conceito carrega e de sua relevância social e acadêmica. Para fazer um recorte histórico sobre o conceito de Desenvolvimento Sustentável, tem-se a partir de Barbosa (2008) que o termo “desenvolvimento sustentável” surgiu a partir de estudos da Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, como uma resposta para a humanidade diante da crise social e ambiental pela qual o mundo passava a partir da segunda metade do século XX. Ou ainda para Hart e Milstein (2004), de acordo com a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a sustentabilidade global tem sido definida como a habilidade para satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das

futuras

gerações

para

satisfazerem

suas

necessidades.

Similarmente,

o

desenvolvimento sustentável é um processo para se alcançar o desenvolvimento humano de uma maneira inclusiva, interligada, igualitária, prudente e segura. Para Sachs (2004) o conceito de desenvolvimento sustentável é baseado no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras que nos compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço. Na Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), também conhecida como Comissão de Brundtland, no processo preparatório a Conferência das Nações Unidas – também chamada de “Rio 92” foi elaborado

um

relatório intitulado “Nosso Futuro Comum”, que contém informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e análise, destacando-se as questões sociais, principalmente no que se refere ao uso da terra, sua ocupação, suprimento de água, abrigo e serviços sociais, educativos e sanitários, além de administração do crescimento urbano. (BARBOSA, 2008).

Neste relatório está exposta uma das definições mais difundidas do conceito: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. (BARBOSA, 2008). Um caminho para uma compreensão ampla do Desenvolvimento Sustentável, pode estar na diferenciação do entendimento de crescimento e desenvolvimento, trazido à América Latina pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina)

da

Organização das Nações Unidas que: (...) produz interpretações e análises a partir de critérios e enfoques autóctones, diferenciando conceitualmente crescimento, como expansão quantitativa da economia, e desenvolvimento, como mudança qualitativa positiva, envolvendo distribuição de renda e avanços sociais. Para transformar o crescimento em desenvolvimento, seria preciso planejar, ou seja, intervir no sistema econômico, promovendo atividades estrategicamente identificadas como motrizes e, eventualmente, condicionando ou inibindo outras, tidas como provocadoras de vulnerabilidades. (BARTHOLO JR.; BURSZTYN, 2001, p. 163, grifo dos autores).

Como explicam Bartholo Jr. e Bursztyn (2001) esta diferenciação mostra-se como um importante passo, primeiro pela identificação do Estado como elemento de coordenação e promoção, e ainda pela introdução do fator qualitativo de natureza social na análise econômica. Houve assim nos anos 1960 e 1970 uma patente adoção do planejamento em

todo o mundo,

contando inclusive com

apoio de organismos

internacionais, com um aumento do número de agências e programas governamentais voltadas à promoção do desenvolvimento econômico, em escala nacional e regional. Entretanto, dois tipos de problemas ocorreram: uma excessiva valorização da razão econômica, com preocupação imediatista e uma negligência da dimensão sociocultural institucional.

O

planejamento,

em

países

com fragilidade

político-

institucional, falhou em vários aspectos fundamentais, perdendo legitimidade social, credibilidade e, finalmente, saiu do eixo das decisões econômicas para se tornar essencialmente objeto de estratégias políticas. (BARTHOLO JR.; BURSZTYN, 2001). O conceito de “Desenvolvimento Sustentável” encontra no século XXI sua legitimidade, “diante de um quadro de marcantes desafios a serem enfrentados, de problemas não resolvidos, de obstáculos criados pela própria ação do homem, o papel da ciência é posto em evidência em todos os balanços e análises prospectivas.” (BURSZTYN, 2001, p. 9). Momento marcante, pela percepção da possibilidade de finitude humana e dos recursos necessários a sua sobrevivência que para terem continuidade necessitarão de 91

9 2

uma “tomada de consciência”, da responsabilidade necessária para com o outro e a “Terra”, que podem ser resumidas no brilhante trecho extraído da Carta da Terra: Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações (A CARTA DA TERRA, 2002, p.1).

Para Chacon (2007) a gestão ambiental, a conscientização da sociedade para o seu papel como agente de transformação da realidade, bem como o fortalecimento da participação de cada um na tomada de decisão são os pontos que constituem a proposta de mudança inerente ao conceito, que teria como consequência, caso posto em prática, a busca de um crescimento econômico eficiente e racional, por meio de ações que supririam as necessidades da humanidade no presente, sem tirar das gerações futuras o direito de também terem as suas necessidades supridas. A autora também destaca que quando se pretende alcançar um processo de desenvolvimento que seja considerado sustentável, pressupõem-se ações conjuntas que visem não apenas o aspecto econômico, mas também uma distribuição socialmente justa dos resultados do progresso científico e tecnológico, bem como um processo produtivo que respeite o meio ambiente. É ainda fundamental o respeito à diversidade cultural das sociedades-alvo do processo. (CHACON, 2007). Porém, é possível perceber uma “ingenuidade” ao querer transformar o Desenvolvimento Sustentável numa “palavra mágica” capaz de salvar todos os erros do passado, ignorando a necessidade de uma profunda reflexão sobre os hábitos diários, na nossa relação com a natureza, com os outros seres humanos, com o trabalho, com a política. Assim podemos buscar atitudes mais acertadas na busca pelo desenvolvimento sustentável. Neste sentido Bursztyn (1999) esclarece que: A produção do conceito de desenvolvimento sustentável representa, por um lado, uma alienadora tentativa de reconciliar a busca do bem-estar presente com a segurança de condições de vida satisfatórias no futuro. Por outro lado, há uma preocupante tendência a que se torne mais uma panaceia salvacionista, que ilude os alarmados e inibe os alarmistas, sem necessariamente resolver os problemas que geraram o alarme. (BURSZTYN, 1999, p.7).

92

9 3

Muitos discursos, campanhas políticas e políticas públicas tem se sustentado no conceito de desenvolvimento sustentável, um conceito que foi apropriado pelo discurso político como uma “fórmula mágica” que abre portas, consegue recursos e tudo justifica, legitimando e revestindo de modernidade o antigo jogo do poder que define as políticas, seja ao nível do “governo mundial” ou nacional, ou ao nível local. (CHACON, 2007).

3. Interdisciplinaridade e Pilares do Desenvolvimento Sustentável Antes de falar das particularidades da interdisciplinaridade no Desenvolvimento Sustentável, se faz necessário resgatar o termo interdisciplinaridade e discuti-lo, pois de tão usado atualmente, muitas vezes acaba sendo banalizado. A interdisciplinaridade pode ser entendida como um processo de inter-relação de processos, conhecimentos e práticas que transborda e transcende o campo da pesquisa e do ensino no que se refere estritamente às disciplinas científicas e suas possíveis articulações. (LEFF, 2000). Em muitas

publicações e discussões, o termo interdisciplinaridade vem sendo

usado como sinônimo e metáfora de toda interconexão e “colaboração” entre diversos campos do conhecimento e do saber dentro de projetos que envolvem tanto as diferentes disciplinas acadêmicas, como as práticas não-científicas que incluem as instituições e atores sociais diversos. É comum que diversos centros e organizações não-governamentais, dedicados não só à educação e à formação ambiental como também à assessoria e promoção de projetos de desenvolvimento (regional, social, comunitário), se autodenominem e se assumam como centros de estudos interdisciplinares. (LEFF, 2000). Neste sentido o autor nos esclarece que: (...) a noção de interdisciplinaridade se aplica tanto a uma prática multidisciplinar (colaboração de profissionais com diferentes formações disciplinares), assim como ao diálogo de saberes que funciona em suas práticas, e que não conduz diretamente à articulação de conhecimentos disciplinares, onde o disciplinar pode referir-se à conjugação de diversas visões, habilidades, conhecimentos e saberes dentro de práticas. (LEFF, 2000, p.22).

Para Japiassu (1976) a interdisciplinaridade se apresenta como um protesto “contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado numa multiplicidade crescente de especialidades em que cada uma se fecha para fugir do verdadeiro conhecimento”. (JAPIASSU, 1976, p. 43).

93

9 4

E há interdisciplinaridade no campo do Desenvolvimento Sustentável? Pode-se dizer que o Desenvolvimento Sustentável em si é uma produção interdisciplinar entre economia e ecologia, ciências que se colocam “tão próximas em seus objetivos, mas que se distanciaram notavelmente: economia e ecologia”. (BURSZTYN, 2001). Bursztyn (1999) em seu texto “Interdisciplinaridade: é hora de institucionalizar!”, afirma que: “a abertura de espaços institucionalizados para a prática acadêmica interdisciplinar implica resgatar a herança recente de experiências relevantes”. (BURSZTYN, 1999, p. 229). Um dos lócus da construção do campo do Desenvolvimento Sustentável, o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília - CDS/UnB, descreve que as linhas de pesquisa praticadas pelo CDS expressam as afinidades e competências dos corpos docente e discente e dos pesquisadores associados, sobre o princípio da busca de processos interativos de conhecimentos produzidos por diferentes campos do saber científico. Explanando sobre a visão da organização sobre o trabalho interdisciplinar neste campo: Não sendo a interdisciplinaridade uma mera soma de saberes unidisciplinares fechados entre si, o desafio acadêmico do CDS consiste, exatamente, na contínua e sempre inacabada construção de um espaço universitário de convivência interativa de saberes especializados, confinados pela tradição acadêmica e científica, em favor da construção do saber transdisciplinar, requerido para o enfrentamento dos grandes desafios contemporâneos da humanidade. (SACHS, 2008, p. 6).

Porém, Bursztyn (2001) nos alerta que por um lado a sintonia da Universidade com temas associados ao meio ambiente e à qualidade de vida das futuras gerações tem crescido. Entretanto, a relação do meio acadêmico institucionalizado com esse tipo de tema é muito difícil, já que a “organização departamentalizada valoriza as especialidades e é avessa a visões interdisciplinares.” (BURSZTYN, 2001, p. 13). Desde as discussões e conceituação do desenvolvimento sustentável, percebeu-se a necessidade da complexidade de variáveis envolvidas na busca de sua efetivação, para tanto foram identificados “Pilares do Desenvolvimento Sustentável”. Há uma divergência sobre quais e quantos pilares sustentam o Desenvolvimento Sustentável, tornando necessária uma exposição de alguns pontos de vistas, elencandose aqui dois desses para embasar nossa discussão. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO (2005) as áreas que são mais comumente identificadas no conceito de desenvolvimento sustentável são sociedade, meio ambiente e economia. Estes três 94

9 5

elementos,

ratificados

na

Cúpula

de

Joanesburgo

como

os

três

pilares

do

desenvolvimento sustentável. O pilar da Sociedade engloba a compreensão das instituições sociais e do papel que desempenham na mudança e no desenvolvimento, o pilar relacionado ao Meio Ambiente, alerta para importância da consciência dos recursos e da fragilidade do meio ambiente físico e dos efeitos das atividades e decisões humanas sobre o meio ambiente e o pilar da Economia que valoriza a consciência em relação aos limites e ao potencial do crescimento econômico e seus impactos na sociedade e no meio ambiente, com o compromisso reduzir os níveis de consumo individual e coletivo, em relação à preocupação com o meio ambiente e a justiça social. Outro referencial escolhido é do economista Ignacy Sachs que há mais de trinta está entre os autores que fundamentam o debate contemporâneo sobre a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento. Assim, para Sachs (2004), o “conceito” de desenvolvimento sustentável é regido por cinco fatores principais, que ele também intitula “pilares do desenvolvimento sustentável”: social, ambiental, territorial, econômico e político. De acordo com o autor, o pilar social abrange a visão de que as más situações sociais em muitos lugares do mundo estão relacionadas ao descaso das autoridades, frente à desigualdade social acumulada ao longo dos anos. A questão ambiental tem dupla importância, fornece os recursos para a sustentação da vida e é o agente recebedor dos resíduos que voltam para a natureza. (SACHS, 2004). O pilar territorial está ligado à distribuição espacial de recursos naturais, da população e das atividades desenvolvidas. A questão econômica que viabiliza o acontecimento dos fatos, alertando-se a dar ênfase em critérios macrossociais, avaliandose a amplitude social dos benefícios. E por fim, o político, um governo democrático é de extrema importância para viabilizar os acontecimentos. (SACHS, 2004). Para o autor, esses cinco pilares formam um conjunto de ações que, progredindo simultaneamente são capazes de conduzir a evolução do desenvolvimento sustentável, trazendo benefícios para a população e também para a natureza. Porém, pode-se pensar que mesmo diante desses pilares para o desenvolvimento sustentável, torna-se necessário trazer ao foco de análise a dimensão humana, pode-se dizer que o desenvolvimento social, econômico, ambiental, cultural e político, perpassam por um desenvolvimento do próprio ser humano, uma forma implicada e ética do desenvolvimento humano sustentável.

95

9 6

4 Desenvolvimento (Humano) Sustentável Bartholo Jr. e Bursztyn (2001) em seu texto: “Prudência e Utopismo: ciência e educação para a sustentabilidade” citando Hans Jonas (1979) fazem um chamamento ético em torno do desenvolvimento sustentável e do papel da ciência ao afirmar que: Se a ética destina-se à ordenação e regulação do poder de agir, as ameaças engendradas pelo poder científico tecnológico crescem num “vácuo ético”, diante do qual Hans Jonas (1979) propõe o reconhecimento da vigência de um novo “princípio responsabilidade” que tenha no mandamento “que exista uma humanidade!” seu imperativo categórico. (BARTHOLO JR.; BURSZTYN, 2001, p. 166-167).

Ainda segundo os autores a proposta de Hans Jonas é fundamentar uma modernidade ética apta a restringir a capacidade humana de agir como um destruidor da auto-afirmação do ser, expressa na perenização da vida. Assim, podemos conceber o desenvolvimento sustentável como uma proposta que tem em seu horizonte uma modernidade ética, não apenas uma modernidade técnica (grifo nosso). Pois o princípio “sustentabilidade” implica incorporar ao horizonte da intervenção transformadora do “mundo da necessidade” o compromisso com a perenização da vida. É assim que a responsabilidade por outros e o interesse próprio podem entrelaçar-se na atividade econômica. (BARTHOLO JR.; BURSZTYN, 2001). Nas palavras do autor Edgar Morin (2000), um dos pensadores mais importantes da atualidade, em parceria com Anne Brigitte Kern: O desenvolvimento é a palavra chave, tornada onusiana, em torno da qual se debateram todas as vulgatas ideológicas da Segunda metade de nosso século. No fundamento da ideia dominante de desenvolvimento está o grande paradigma ocidental do progresso. O desenvolvimento deve assegurar o progresso, o qual deve assegurar o desenvolvimento. O desenvolvimento tem dois aspectos. De um lado, é um mito global no qual as sociedades industrializadas atingem o bem-estar, reduzem suas desigualdades extremas e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade que uma sociedade pode dispensar. De outro, é uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais. Essa concepção tecno-econômica ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento se apresenta gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto pobre e abstrato da noção pobre e abstrata de desenvolvimento. (MORIN, KERN, 2000, p. 69).

Assim, seria um equívoco da reconstrução do desenvolvimento a partir do desenvolvimento sustentável negligenciar a importância da dimensão humana como caminho e objetivo deste modelo de desenvolvimento, esta posição é apontada também pelo Relatório de Desenvolvimento Humano (2001) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: 96

9 7

O desenvolvimento humano é muito mais do que o aumento ou quebra dos rendimentos nacionais. Tem a ver com a criação de um ambiente no qual as pessoas possam desenvolver o seu pleno potencial e levar vidas produtivas e criativas, de acordo com as suas necessidades e interesses. As pessoas são a verdadeira riqueza das nações. O desenvolvimento tem a ver, portanto, com o alargamento das escolhas que as pessoas têm para levar uma vida a que deem valor. E tem a ver com muito mais do que o crescimento econômico, que é apenas um meio – ainda que muito importante – de alargar as escolhas das pessoas. (PNUD, 2001, p. 09).

Em sua dissertação de mestrado Grangeiro (2013) declara que sua abordagem (a importância da cultura para o desenvolvimento sustentável) se fundamenta na hipótese de existência de fortes correlações entre a realização do desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento humano, o qual, de sua vez, depende da cultura como elemento que tem um papel-chave, especialmente na acepção da “ação cultural”, entre os muitos significados que este conceito pode assumir. Ou ainda, Para alcançar modelos de desenvolvimento que se pretendam sustentáveis é necessário lutar pela construção de uma sociedade igualmente sustentável, constituída por seres humanos capazes de pensar e agir de maneira sustentável. Neste sentido, mais do que nunca precisamos rever esse conceito de sustentabilidade. (GRANGEIRO, 2013, p. 36).

O autor descreve ainda que o ser humano precisa estar no centro do futuro, e se a sustentabilidade é condição para este futuro, ele deve assumir papel central nesse paradigma. Para tanto declara que é preciso empoderar as pessoas de forma a que elas venham a atuar enquanto sujeitos do desenvolvimento, outrossim, elas devem estar fortalecidas, no que diz respeito à afirmação das suas identidades culturais. (GRANGEIRO, 2013) O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirma que: a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades. A renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano. (PNUD, 2013). O desenvolvimento humano é assim entendido como um processo de constituição, ou resgate, da autoestima, das capacidades e inteligências múltiplas dos sujeitos, de forma

a

empoderá-los

para

assumir

responsabilidades

(GRANGEIRO, 2013).

97

individuais

e

coletivas.

98

Pode-se ainda sustentar essa reflexão através do Índice de Desenvolvimento Humano, tem-se segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano intitulado “A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano”: A partir de 1990, o entendimento público do desenvolvimento foi reformulado pelo aparecimento do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano. Conduzido pelo visionário Mahbubul Haq, o documento teve um profundo impacto sobre a forma como os formuladores de políticas, os funcionários públicos e os meios de comunicação, bem como os economistas e outros cientistas sociais, vêm o progresso social. Em vez de se concentrar somente nuns poucos indicadores de progresso econômico tradicionais (...), o registo do “desenvolvimento humano” propõe uma análise sistemática de um manancial de informação acerca do modo como vivem os seres humanos em cada sociedade e de quais as liberdades substantivas de que desfrutam. (...) Os Relatórios de Desenvolvimento Humano abriram espaço para uma grande variedade de informação e análises relacionadas com diversos aspectos da vida humana. (SEN, 2010, p. VI).

A busca de uma nova “medida” que caracterizasse o desenvolvimento foi visto inicialmente como um problema, pela dificuldade de substituir um número simples como o PIB por uma avalanche de tabelas e suas análises. Assim, para rivalizar com o PIB, foi concebido explicitamente um índice simples, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), concentrado apenas na longevidade, no ensino básico e no rendimento mínimo. Sem surpresas, o IDH, que se revelou muito popular na discussão pública, sofre de uma “rusticidade” que é algo semelhante à do PIB. (SEN, 2010). Se por um lado o IDH como conhecemos hoje merece admiração por ter ampliado a visão de desenvolvimento, por outro podemos dizer que este ainda se torna insuficiente para pensar toda a complexidade de uma visão atual do desenvolvimento. Ou como diria Sen (2010): Como alguém que privilegiou o trabalho com Mahbub na concepção do IDH, afirmaria que, não obstante a sua simplicidade, o IDH fez o que se esperava dele: funcionar como uma medida simples semelhante ao PIB, mas, ao contrário deste, sem deixar de fora tudo o que não sejam rendimentos e bens. Contudo, a enorme amplitude da abordagem do desenvolvimento humano não deve ser confundida, como por vezes acontece, com os limites estreitos do IDH. (SEN, 2010, p. VI).

Assim, pode-se perceber ainda um distanciamento entre “amplitude da abordagem do desenvolvimento humano” e o desenvolvimento sustentável, porém isso não se restringe só as medidas, mas ainda à prática, por exemplo, em intervenções em Projetos Sociais ou na Educação. Chacon (2007) ressalta que muitas vezes os objetivos de políticas que visam promover o desenvolvimento para uma região ainda não incorporam devidamente todos esses aspectos, e menos ainda no que se refere ao respeito às pessoas, à sua cultura e à sua história. (CHACON, 2007). 98

Um dos motivos de nosso distanciamento do “humano” pode ser o modelo de desenvolvimento globalizado que não entende o homem como “apenas mais um elemento”, assim como também é a natureza, que deve ser preservado, úteis que são para a definição e reprodução de um modelo de exploração que se sustenta há séculos, desde que o homem passou a se julgar acima da natureza, desde que achou que a dominava e ela estava a seu dispor. Nessa lógica, ele incluiu também a dominância de seus semelhantes, achando-se também acima deles e, assim, perdendo aos poucos a noção do que é ser humano. (CHACON, 2007).

5 Considerações Finais A partir

da discussão dos conceitos trabalhados

foi possível perceber a

necessidade de ressaltar a importância da dimensão humana como meio e objetivo no contexto do desenvolvimento sustentável. Retomamos aqui a ideia de que o desenvolvimento sustentável, precisa também está integrado com o desenvolvimento das pessoas, “verdadeiras riquezas das nações”, para que possam desenvolver o seu pleno potencial e levar vidas produtivas e criativas, de acordo com as suas necessidades e interesses. “O desenvolvimento tem a ver, portanto, com o alargamento das escolhas que as pessoas têm para levar uma vida a que deem valor“. (PNUD, 2001). O ser humano precisa estar no centro do futuro, e se a sustentabilidade é condição para este futuro, ele deve assumir papel central nesse paradigma, para tanto é preciso empoderar as pessoas para que elas venham a atuar enquanto sujeitos do desenvolvimento. (GRANGEIRO, 2013).

Referências A Carta da Terra. Organização das Nações Unidas, 2002. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.pdf. Acesso em 23 Acesso em 30 de setembro de 2013. BARBOSA, Gisele Silva. O desafio do desenvolvimento sustentável. Revista Visões. 4ª Edição, Nº 4, Volume 1 Jan/Jun 2008. Disponível em: http://www.controversia.com.br/uploaded/pdf/12883_o-desafio-do-desenvolvimento-sustentavelgisele.pdf. Acesso em 23 de setembro de 2013. BARTHOLO Jr, Roberto S.; BURSZTYN, Marcel. Prudência e Utopismo: Ciência e educação para a sustentabilidade. In: BURSZTYN, Marcel. (Org.). Ciência, ética e sustentabilidade: desafios ao novo século. São Paulo: Cortez, 2001. BURSZTYN, Marcel. Apresentação. In: BURSZTYN, Marcel desenvolvimento sustentável. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

99

(Org.).

Para

pensar

o

10 0

BURSZTYN, Marcel. Interdisciplinaridade: é hora de institucionalizar! Campinas: Revista Ambiente e Sociedade, 2000. v. II, n. 5, p. 229-232. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/asoc/n5/n5a19.pdf. Acesso em 05 de outubro de 2013. CHACON, Suely Salgueiro. O Sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza: BNB, 2007. Série Teses e Dissertações. Vol. 8. Disponível em: http://www.bnb.gov.br/projwebren/exec/livroPDF.aspx?cd_livro=20 GRANGEIRO, Mano. (Francisco Grangeiro Tavares Neves). Ação cultural para o desenvolvimento sustentável: trajetórias e percursos na região do Cariri. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER), da Universidade Federal do Ceará, Campus do Cariri. HART, S. L.; MILSTEIN, M. B. Criando Valor Sustentável. RAE Executivo. São Paulo, v. 3, n. 2, p. 65-79, mai/jul. 2004. INSTITUTO ETHOS. Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial 2007. São Paulo: Instituto Ethos, 2007. 40 p. http://www.is.cnpm.embrapa.br/bibliografia/2004_Criando_valor_sustentavel.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2013. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. LEFF, Enrique. Complexidade, Interdisciplinaridade e Saber Ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo (org.). Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000. MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2000. PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do Desenvolvimento Humano (2001): Fazendo as novas tecnologias trabalhar para o desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDH2001/HDR_Global_2001.zip. Acesso em 14 de outubro de 2013. . Relatório do Desenvolvimento Humano (2010): A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDH2001/HDR_Global_2001.zip. Acesso em 14 de outubro de 2013. . Desenvolvimento Humano e IDH. Disponível em: http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx. Acesso em 10 de outubro de 2013. SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. . Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. 3ª edição. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. SEN, Amartya. In: PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do Desenvolvimento Humano (2010). A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano. Disponível em: http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/RDH2001/HDR_Global_2001.zip. Acesso em 14 de outubro de 2013. UNESCO. Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (20052014). Brasília: UNESCO, 2005. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001399/139937por.pdf. Acesso em 10 de outubro de 2013.

100

GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Desenvolvimento Local Sustentável e o Novo Papel do Estado1 Ana Keli de QUEIROZ2 Ângela Maria Cavalcanti RAMALHO3 Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB Resumo O presente artigo pretende analisar a sustentabilidade como meio de desenvolvimento local e destacar o novo papel do Estado na definição de políticas que promovam o desenvolvimento sustentável em meio a uma sociedade centrada no consumo em massa a partir das transformações ambientais e sociais que estão modificando os espaços geográficos e vêm despertando a atenção de vários setores da sociedade. O debate sobre sustentabilidade emergiu na década de 1970 na tentativa de encontrar soluções para frear os impactos nocivos ao meio ambiente. O presente trabalho será um ensaio teórico que busca demonstrar a necessidade da ação coletiva dos atores sociais para promover o desenvolvimento local sustentável.

Palavras-chave: Desenvolvimento local; Sustentabilidade; Estado; Políticas Públicas.

1. Introdução O desenvolvimento é um processo complexo que apresenta inúmeras definições, no entanto, algo comum a todas elas é que para uma determinada região ser desenvolvida os atores internos e externos devem participar deste

1

Trabalho apresentado no GT2 – Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. 2

Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB (e-mail: [email protected]). 3

Professora do Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB (e-mail: [email protected]).

101

processo. Entender o processo de desenvolvimento de um País, Estado ou região é uma tarefa difícil já que envolve a análise de diversos fatores como a produção de bens e serviços, o nível de acesso da população a tudo o que é produzido, as ações do governo para a promoção do desenvolvimento local, a preservação dos recursos naturais, entre outros. Outro fator que merece destaque é a qualidade ambiental da região. Hoje é comum usarmos o termo sustentabilidade para promover ações que visam à preservação dos recursos naturais que são esgotáveis e não renováveis. Assim, se faz necessário criar mecanismos e ações que auxiliem na conscientização da sociedade sobre a preservação destes recursos. O Estado desempenha um papel de extrema relevância para a promoção do desenvolvimento, sobretudo o desenvolvimento local sustentável. É através do Estado que os demais segmentos que formam a sociedade interagem movimentando a economia e a sociedade. O Estado é responsável também por formular políticas públicas de valorização do meio ambiente que buscam conscientizar a população da importância do mesmo. Este artigo tem como objetivo geral analisar o processo de desenvolvimento local sustentável a partir da visão de alguns autores que retratam a importância do desenvolvimento e da valorização dos recursos naturais. E por objetivos específicos analisar a atuação do Estado neste processo e destacar a importância da interação entre os atores sociais envolvidos. Trataremos primeiramente sobre o conceito de desenvolvimento, em seguida iremos traçar um paralelo entre o desenvolvimento local e o desenvolvimento sustentável e por fim analisaremos as ações do Estado sobre esse processo. 2. O que se entende por desenvolvimento? O

processo

de

desenvolvimento

apresenta

um

conceito

multidimensional e seus objetivos são sempre sociais e éticos. Sua definição

102

vai além da ideia de crescimento, pois, apresenta uma condição explicita que se refere à preocupação com as gerações futuras enquanto que o crescimento está ligado à quantidade de bens e serviços produzidos em determinado local. Contudo, o desenvolvimento não existe sem o crescimento como também o crescimento não gera por si só o desenvolvimento. Ao contrário pode estimular o mau desenvolvimento. Assim, a ideia de desenvolvimento pode ser redefinida em termos universais que se tornaria complexa devido à adição de sucessivos adjetivos econômico, social, político, cultural, sustentável etc. (SACHS, 2008). Por ser um processo complexo se entende que há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento auxiliam na ampliação das capacidades humanas, tais capacidades podem ser definidas como o conjunto de elementos que o ser humano pode fazer ou ter durante a vida. Dentre eles: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos essenciais para uma vida diga e ser capaz de viver em comunidade (VEIGA, 2006). 3. Desenvolvimento local e desenvolvimento sustentável no mundo contemporâneo O desenvolvimento local é resultado de inúmeras ações que são convergentes e complementares capazes de romper com a dependência gerada pelo subdesenvolvimento que ocasiona o atraso de regiões impedindo uma mudança radical no território. Para se alcançar o desenvolvimento local é necessária

uma

mudança

nos

padrões

econômicos,

socioculturais,

tecnológicos e políticos (BUARQUE, 2008). A partir da revolução tecnológica e organizacional ocorreram várias mudanças nos padrões de competitividade entre as nações e regiões e nas relações entre a economia e a natureza. Surgiram novas relações de trabalho através da flexibilização e da terceirização com o trabalho autônomo e em tempo parcial, houve também a valorização da qualificação e a criação de

103

instituições que ocupam o espaço aberto pelo Estado em crise o que acaba por limitar sua capacidade de investimento (BUARQUE, 2008). Diante da globalização as economias locais estão mais expostas do que no passado, assim essas economias necessitam tomar iniciativas e criar políticas de desenvolvimento considerando as diferenças territoriais ou locais. A valorização do patrimônio cultural permite incorporar elementos que promovam a diferenciação dos processos produtivos e dos produtos locais aumentando a produção de produtos ecológicos o que favorece uma aposta territorial de qualidade (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008). O conceito de desenvolvimento sustentável surge em meio às criticas ao desenvolvimento sendo chamado de ecodesenvolvimento, porém para ser eficaz necessitaria de uma mudança de paradigma econômico e tecnológico. Tal conceito ganhou força no final dos anos 70 e representou uma evolução dos conceitos anteriormente elaborados (SACHS 2008; VEIGA, 2006). De acordo com Veiga (2006) existe uma diferença entre os dois termos ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável que enquanto o primeiro afirmava não ser possível a compatibilidade entre o crescimento econômico e a proteção ambiental o segundo prezava por essa compatibilidade, defendendo ser possível associar o crescimento econômico com a preservação ambiental. No entanto, após o conceito de desenvolvimento sustentável ter entrado em moda, a sustentabilidade passou a ser entendida como algo firme e durável que em muitos casos serviria para caracterizar um crescimento econômico duradouro, configurando-se em uma completa desvirtuação do seu real significado (VEIGA, 2008). Buarque (2008) argumenta que O conceito de desenvolvimento sustentável resulta do amadurecimento das consciências e do conhecimento dos problemas sociais e ambientais e das disputas diplomáticas,

104

mas também de várias formulações acadêmicas e técnicas que surgiram durante as três ultimas décadas com criticas ao economicismo e defesa do respeito ao meio ambiente e às culturas (p. 58).

Buarque ainda diz que “a equidade social é um objetivo central do desenvolvimento, mas, nos novos padrões de concorrência mundial, está se transformando também em uma condição fundamental para a competitividade das nações”. O desenvolvimento local sustentável é o processo de mudança social que resulta da interação entre a qualidade de vida da população local, a eficiência econômica e de uma gestão pública eficiente que transmitam a sociedade benefícios como: a redução da pobreza, a geração de riqueza e a distribuição de ativos (BUARQUE, 2008). É, portanto, um processo e uma meta a ser alcançada a médio e longo prazo que reorienta o processo de desenvolvimento redefinindo a base organizacional da economia, da sociedade e da relação destes com o meio ambiente. Para tanto será necessário uma mudança nos padrões de consumo da sociedade, na base industrial e tecnológica dominante e na distribuição de renda (BUARQUE, 2008). Compatibilizar os objetivos sociais, econômicos e ambientais são objetivos viáveis devido aos avanços científicos e tecnológicos juntamente com o crescimento da consciência ambiental da sociedade permitindo uma redefinição das interações entre a dinâmica econômica, a estrutura social e os recursos naturais. E assim, reestruturar o próprio modelo de desenvolvimento (BUARQUE, 2008). O modelo de crescimento que ameaça a preservação do meio ambiente apresenta insustentabilidade política e social ocasionada pela profunda desigualdade da distribuição de renda e na qualidade de vida da população. A aceleração e a amplitude dos impactos ambientais e dos

105

problemas sociais fazem com que o meio ambiente e a pobreza sejam problemas mundiais (BUARQUE, 2008). Segundo Buarque (2008): O desenvolvimento sustentável consiste, assim, numa transição para um novo estilo de organização da economia e da sociedade e de suas relações com a natureza, pronunciando uma sociedade com equidade social e conservação ambiental. Essa transição de um estilo insustentável para um sustentável deve, contudo, enfrentar e redesenhar a rigidez e as restrições estruturais, que demandam tempo e iniciativas transformadoras da base da organização da sociedade e da economia (p. 70).

O desenvolvimento local abrange muito mais que o desenvolvimento econômico,

mas

também

o

desenvolvimento

social

e

sustentável

ambientalmente. Assim, é necessário realizar investimentos em

capital

humano, social e natural e não apenas em capital econômico e financeiro. A proposta de desenvolvimento local possui uma visão integrada desses valores a partir de um desenho que é desenvolvido no próprio território com efetiva participação dos atores locais (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008). De acordo com Albuquerque e Zapata (2008, p. 18) “A política de desenvolvimento local é uma resposta dos diferentes territórios, cidades e regiões frente às exigências da mudança estrutural na atual fase de transição tecnológica”. Diante disso a proposta de desenvolvimento sustentável se apresenta generosa, porém, difícil e complexa por envolver inúmeras mudanças nas estruturas tradicionais e por contar com resistências sociais e políticas fortes, principalmente nos países onde os privilégios e as bases tradicionais são mais fortes. No entanto, mesmo diante de alguns empecilhos o desenvolvimento encontra condições favoráveis que o permitem ser considerado como uma estratégia de desenvolvimento (BUARQUE, 2008). 4. Ações do Estado sobre o desenvolvimento local 106

O mundo contemporâneo está em constante transformação através do avanço da tecnologia e da velocidade das informações. Com o advento da globalização surgem novas formas de controle sobre os bens e serviços produzidos a partir da privatização, terceirização e introdução da administração gerencial. O Estado entra em intensa reformulação e redefine seu papel frente à necessidade de adaptação as novas estruturas econômicas da sociedade (BUARQUE, 2008). Castells & Borja (1996 apud Buarque, 2008) destaca que As experiências bem sucedidas de desenvolvimento local (endógeno) decorrem, quase sempre, de um ambiente político e social favorável expresso por uma mobilização e, principalmente, convergência importante dos atores sociais do município ou comunidade em torno de determinadas prioridades e orientações básicas de desenvolvimento. Representa, assim, o resultado de uma vontade conjunta e dominante da sociedade que dá sustentação e viabilidade política a iniciativas e ações capazes de promover a dinamização e transformação da realidade (p.30).

Segundo Buarque (2008): [...] o município com grande empreendimento produtivo sem raízes (enclaves econômicos) ou cuja economia se alimenta, na sua maior parte, de transferências externas de rendas compensatórias e que têm a base da arrecadação municipal formada pelos fundos de participação está longe de um desenvolvimento local (p. 27).

A presença do Estado nas alianças traçadas em beneficio do desenvolvimento local é de extrema relevância para assegurar uma perspectiva de futuro mais segura que a apresentada pelos setores empresariais privados que buscam apenas o lucro imediato. Para isto o Estado deve incorporar alguns temas essenciais a sua administração como: o ordenamento territorial e o planejamento urbano, a valorização e a defesa do patrimônio histórico e cultural, além da valorização do meio ambiente como um ativo de desenvolvimento e da promoção de uma visão comum de desenvolvimento entre os atores sociais (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008).

107

As propostas contemporâneas de desenvolvimento necessitam de um planejamento que serve de instrumento de orientação sobre o futuro. O Estado passa a agir como um agente regulador sobre o planejamento atuando como orientador da sociedade diante da necessidade vital da valorização e conservação ambiental, do crescimento econômico e da equidade social (BUARQUE, 2008). O Estado e o planejamento apresentam grande relevância

na

condução da economia e da sociedade diante do peso da dimensão ambiental e

da

importância

das

externalidades

positivas

para

promover

o

desenvolvimento. Cabe a ele reforçar sua atuação principalmente nas áreas em que o mercado não se apresenta tão eficaz como regulador da economia especialmente no que diz respeito à sociedade e o meio ambiente e em alguns segmentos estratégicos que apresentam rentabilidade lenta ou limitada (BUARQUE, 2008). É muito importante a existência de políticas de desenvolvimento local, pois diante de um mundo altamente globalizado e flexível a incorporação de inovações tecnológicas, a formação dos recursos humanos e a valorização dos recursos naturais serão eficazes se feita a partir do próprio território (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008). Kronemberger (2011) destaca que Ao Estado cabe o papel de regulador tanto das relações dos grupos sociais entre si como da relação da sociedade com a natureza. Entre as atividades de regulação, está incluída a elaboração de leis. Do ponto de vista ambiental, o Estado deve controlar o uso dos recursos naturais de acordo com a capacidade que apresenta de supri-los e regenerá-los e de absorver os resíduos, ou seja, de acordo com os limites biofísicos do meio ambiente (p. 63).

O desenvolvimento local econômico necessita de um planejamento integral e menos simplificador sobre o funcionamento das economias. O território é fundamental para dar impulso à competitividade através da criação 108

de “entornos inovadores” e da melhoria da capacidade de gestão empresarial. A promoção do desenvolvimento econômico local deve buscar diversificar o sistema produtivo estimulando a criação de novas empresas e empregos através da valorização dos recursos internos e de um maior aproveitamento do dinamismo externo (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008). 5. Considerações finais O processo de planejamento para o desenvolvimento local deve ocorrer de maneira participativa, ou seja, envolvendo todos os atores locais. Para tanto é necessário estimular a participação destes atores através de alianças, parceiras, acordos e redes de cooperação. Os objetivos específicos da estratégia de desenvolvimento local consistem em aumentar a eficiência produtiva e a competitividade local ressaltando a qualificação dos recursos humanos, a introdução de inovações tecnológicas e a melhoria da infraestrutura básica. Tal estratégia de desenvolvimento apresenta objetivos econômicos e sociais com prioridade para o desenvolvimento econômico buscando estimular a criação de novas empresas e aumentar a geração de empregos (ALBUQUERQUE E ZAPATA, 2008). No entanto, o processo de desenvolvimento não deve estar focado apenas na parte econômica e social, mas, também deve incorporar a questão ambiental no seu projeto. Pois, sem a conscientização sobre a importância e a preservação do meio ambiente os demais segmentos econômicos e sociais teriam seu processo de desenvolvimento comprometido. O desenvolvimento local deve combinar elementos que permitam investir em uma boa infraestrutura, na promoção de uma boa educação, além de outras políticas coerentes que produzam resultados positivos. No entanto, essa combinação dificilmente ocorre de forma articulada, assim, a principal questão passa a ser como maximizar os recursos investidos sejam eles públicos ou privados? A possível solução está na criação de políticas de

109

valorização e mobilização dos recursos humanos com ações voltadas para o desenvolvimento local (CORRAL, 2008). Para consolidar o processo de desenvolvimento será necessário que tanto o Estado quanto a sociedade partilhem suas responsabilidades em busca de superar as dificuldades econômicas e investir mais em políticas socioambientais. Assim, cabe ao governo: valorizar tanto os atores quanto os segmentos da população que possam multiplicar os benefícios das políticas, incentivar o uso de meios que auxiliem na solução de problemas e na formulação de novas alternativas de desenvolvimento, colaborar no uso das “tecnologias sociais” para aumentar sua capacidade de obter resultados de curto e longo prazo, além de fortalecer a participação e o controle social que possibilitem um maior controle sobre a eficácia das políticas públicas principalmente locais (CORRAL, 2008). A

descentralização

viabiliza

a

democratização

dos

processos

decisórios fortalecendo o poder local que amplia as oportunidades de escolha do cidadão e amplia as alternativas para que ele possa escolher seu futuro diante das formulações imediatas e diretas do desenvolvimento local. Porém, se deve ter cuidado com essa descentralização que também representa a transferência de poder para forças políticas presentes nas microrregiões representando o fortalecimento do poder local e das estruturas quase sempre conservadoras que são o oposto da democracia (BUARQUE, 2008). Tal descentralização pode ocasionar um efeito contraditório sobre a democracia e a participação dos cidadãos no processo de desenvolvimento já que se de um lado transfere autoridade e responsabilidade decisória para as forças políticas dominantes nas microrregiões também estimula o envolvimento e o interesse dos atores sociais na conscientização e reeducação política da localidade. Com isso o poder local se coverte na dupla essência da democracia e da participação (BUARQUE, 2008).

110

Ao analisar a situação local os atores sociais devem também considerar o realidade nas áreas circunvizinhas a localidade evitando tomar decisões excessivamente localizadas e isoladas que geram tensões e a troca de externalidades negativas entre as regiões. Com isso surge a necessidade de situar a região em um contexto mais amplo e estabelecer mecanismos de negociação com as regiões vizinhas (BUARQUE, 2008). Portanto, o desenvolvimento local demanda mudanças estruturais que devem ser impulsionadas pelo Estado a partir de ações que envolvam os demais atores e segmentos da sociedade. E que promovam a conscientização da população sobre a valorização e preservação do meio ambiente. 6. Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, Francisco; ZAPATA, Tania. A importância da estratégica de desenvolvimento local/territorial. In: DOWBOR, Ladislau; POCHMAN, Márcio (Orgs.). Políticas para o desenvolvimento local. São Paulo: Fundação Perseu Abrano, 2008. (p.215-219).

BUARQUE, Sergio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

CORRAL, Thais. Estratégias para mobilização dos recursos humanos. In: DOWBOR, Ladislau; POCHMAN, Márcio (Orgs.). Políticas para o desenvolvimento local. São Paulo: Fundação Perseu Abrano, 2008. (p.201-214).

KRONEMBERGER, Denise. Desenvolvimento local: uma abordagem prática. São Paulo: Editora SENAC, 2011.

111

SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Gramond, 2008. 153p.

VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. 220 p.

112

GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Economia Criativa como Alternativa para o Desenvolvimento no Município de São José do Barreiro – SP1 Edson Trajano VIEIRA2 Ademir Pereira dos SANTOS3 Felipe Rezende SANTOS4 George Rembrandt GUTLICH5 Universidade de Taubaté, Taubaté, SP6 Resumo A economia criativa nasce como proposta de atividade rentável através da inovação e das ideias criativas. O presente artigo tem como objetivo principal apontar a contribuição da Economia Criativa para o desenvolvimento no município de São José do Barreiro estado de São Paulo. A pesquisa caracteriza-se como exploratória, de abordagem qualitativa, com delineamento bibliográfico e documental. As conclusões permitem afirmar que essa ausência de informações dificulta identificar as oportunidades de desenvolvimento dos empreendimentos criativos. Destaca-se ainda, a necessidade de articulação e estímulo a esses empreendimentos que são de baixo custo e capaz de contribuir para processo de desenvolvimento em município com o de São José do Barreiro. Palavras-chave: Economia criativa; Desenvolvimento local; São José dos Barreiro.

1

Trabalho apresentado ao GT2 - Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos. 2

Economista, Doutor em História Econômica e professor do programa de Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: [email protected] 3

Arquitetura e Urbanismo com doutorado na mesma área e professor do programa de Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: [email protected] 4

Arquitetura e Urbanismo e Pós em Linguagens Artísticas e mestrando Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: [email protected] 5

Bacharelado em Pintura e doutor em Artes e professor do programa de Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: [email protected] 6

Agradecimento ao CNPq, por ter possibilitado e financiado esta pesquisa.

113

Introdução O desenvolvimento econômico vem sendo cada vez mais discutido no sentido de solidificar sua diferença com o conceito de crescimento econômico. A diferença básica estaria no produto social atingido, ou seja, a relação de distribuição das riquezas geradas. Nas últimas décadas, a historiografia assistiu a um claro crescimento da rejeição à idéia de que a vida social e cultural seja direta e linearmente determinada pelas dimensões da economia e da vida material. A escolha do município de São José do Barreiro por ser este o que apresenta pior indicador de desenvolvimento do estado de São Paulo, de acordo com o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, mesmo estando localizado em uma das regiões mais ricas do Brasil, o Vale Paraíba paulista. O presente artigo tem como objetivo principal apontar a contribuição da Economia Criativa para o desenvolvimento no município de São José do Barreiro estado de São Paulo. A economia criativa nasce como proposta de atividade rentável através da inovação e das ideias criativas, em um mundo de acesso virtual a informação, e formas de produção de uma comunidade dedicada na criação de produtos e serviços personalizados impactando diversas cadeias produtivas. A metodologia utilizada foi uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, com delineamento bibliográfico e documental. A criatividade pode ter sido o primeiro indutor de desenvolvimento, seja ele humano ou local uma vez que o homem estabelece uma relação espacial imediata a sua existência, geradora de hábitos e costumes ao que podemos chamar

de

cultura.

O

município

apresenta

grande

potencial

de

desenvolvimento nas áreas de turismo histórico e cultural e na produção de artesanato e trabalhado manuais, já ofertados na região de forma ainda embrionária. A busca por alternativas com ações de economia criativa podem dinamizar essas atividades econômicas e contribuir para o desenvolvimento local?

114

Economia Criativa Entende-se como economia criativa, o cenário contemporâneo derivado da convergência entre as áreas da cultura da tecnologia e da economia, em diversos segmentos onde a criatividade funciona como matéria prima na criação de produtos e serviços de alto valor agregado, relacionados com aspectos simbólicos, atuando na geração de emprego e renda. O conceito tem origem no fim dos anos 90 com uma política de planejamento lançada pelo governo da Austrália onde a preocupação era potencializar as economias sustentáveis no país com base em sua cultura e seu meio ambiente. O programa intitulado Nação Criativa visava principalmente movimentar o segmento do turismo. (BENDASSOLI, 2009). Em seguida o governo britânico toma a iniciativa de encomendar um estudo dessas economias disposto a estimular vantagens competitivas no campo econômico em âmbito regional e internacional. O estudo classifica os seguintes campos como setores criativos: publicidade, arquitetura, mercado de artes e antiguidades, artesanato, design, design de moda, cinema, software, softwares interativos para lazer música, artes performáticas, indústria editorial, rádio, TV, museus, galerias e as atividades relacionadas às tradições culturais (DCMS, 2005). Howkins (2001) inclui ao método britânico uma visão empresarial baseada nos conceitos de propriedade intelectual, na qual marcas, patentes e direitos autorais forneciam os princípios para transformação da criatividade em produto. É importante observar a preocupação do estudo com uma visão sobre toda a cadeia produtiva da indústria criativa. A UNCTAD considera que: “a cadeia produtiva é composta pelos ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários” (UNESCO, 2007). Nesse sentido, a cadeia da indústria criativa é formada por três grandes áreas. Núcleo Criativo: centro de toda a Cadeia Produtiva da Indústria Criativa, é formado por atividades econômicas que têm ideias, como insumo principal

115

para geração de valor. Atividades Relacionadas: provêm diretamente bens e serviços ao núcleo, são representadas em grande parte por indústrias e empresas de serviços fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo. Apoio: ofertantes de bens e serviços de forma indireta ao núcleo. Pode-se ter a dimensão econômica dessas atividades representando XX% no PIB Nacional. Florida (2011) nos EUA adiciona a ideia de classe criativa, trabalhadores com características sociais especificas segundo ele e que em grande parte contribuem com suas atividades para o desenvolvimento econômico além dos alcances mercadológicos. As concepções estéticas e artísticas têm forte influência sobre as escolhas e o direcionamento de recursos. Tal passagem se dá pela mudança de uma economia fundamentada no uso intensivo de capital e trabalho, e orientada para a produção em massa, para uma economia na qual o capital tem base intelectual, fundamentando-se no indivíduo, em seus recursos intelectuais, na capacidade de formação de redes sociais e na troca de conhecimentos O uso intensivo de novas tecnologias é a terceira característica da forma de produção das indústrias criativas. Tal condição permite a descentralização das atividades. (BENDASSOLI, 2009). A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2008) publicou o primeiro estudo de abrangência

internacional

sobre o tema. Com enfoque nas trocas comerciais, o trabalho mostrou que as exportações das indústrias criativas no mundo superavam U$ 500 bilhões. (FIRJAN, 2012). No Brasil, visando o potencial de desenvolvimento dessas industrias o Sistema FIRJAN lançou, em 2008, um estudo intitulado: “A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil”, que utilizou o mesmo conceito e atividades do DCMS como base no entanto o Creative Economy Report adiantado pela UNCTAD de 2008 sugeriu uma definição mais inclusiva. Na revisão do estudo foram incorporados mais 2 segmentos aos 12 iniciais, Pesquisa & Desenvolvimento e Biotecnologia. A inserção desses dois 116

novos segmentos está alinhada aos estudos internacionais sobre o tema. A inclusão do segmento de Pesquisa & Desenvolvimento é uma proposta de Howkins, enquanto a do segmento de Biotecnologia está alinhada com

a

ênfase da UNCTAD sobre o papel da economia criativa no desenvolvimento socioeconômico sustentável. A pesquisa da Firjan (2012) dividiu em 14 segmentos as atividades criativas: arquitetura e engenharia; artes em geral; artes cênicas; biotecnologia; design; expressões culturais; filme e vídeo; mercado editorial; moda; música; pesquisa e desenvolvimento; publicidade; software, computação e Telecom; e, televisão e rádio. usando como base de dados 2012, esses segmentos os que mais empregam, de forma direta, nas cadeias produtivas de economia criativa são: arquitetura e engenharia (230 mil), publicidade (116 mil); design (103 mil), Software, Computação & Telecom (97 mil), mercado editorial (49 mil) e moda (44 mil). A remuneração dos profissionais da Economia Criativa no Brasil, em 2011, foi de R$4.693,00, quase três vezes superior ao salário médio nacional das demais atividades

econômicas, que é de R$ 1733,00. Entre os

profissionais com maior remuneração destacam-se os da área de pesquisa e desenvolvimento, com remuneração média mensal de R$ 8.884,56, seguida pelo segmento de arquitetura e engenharia, com média salarial de R$ 7.523,00. Nas áreas mais ligadas às atividades culturais, como artes e músicas, a pesquisa da Firjan aponta dados mais modestos em relação àqueles das áreas de produção ligados às engenharias, arquitetura. A ineficiência das políticas culturais no país pode ser uma das razões desse fato. Observe-se que a pesquisa foi feita a partir dos dados de emprego formal, e não foram contabilizadas as pequenas empresas em que os donos são os prestadores de serviços e as atividades informais, assim as atividades culturais podem ter sido subdimensionadas, pois tem menor formalidade. Diante da redução do emprego industrial tradicional, que atinge mais diretamente as cidades valeparaibanas, o incentivo às cadeias produtivas criativas é uma alternativa econômica principalmente porque poderá reduzir a dependência da região em relação à indústria automobilística. São novas 117

possibilidades de geração de empregos e renda, e também de inclusão social e valorização da cultura local.

Resultados e discussões

O Vale do Paraíba Paulista destaca-se pela existência de empresas que agregam tecnologia. Mas, desde a época de Monteiro Lobato (final do século 19 a meados do século 20), os municípios do Vale Histórico, entre eles São José do Barreiro apresentam grandes dificuldades econômicas. São aqueles que o escritor denominou 'cidades mortas'. A denominação desta microrregião como “Vale Histórico”, como um excerto do Vale do Paraíba paulista, à despeito da imprecisão desta nomenclatura, se deve às características peculiares despertadas enquanto mantenedor de tradições e testemunhos de paisagem urbana e rural advindas do século XIX, buscou contemplar certos aspectos ligados à esta herança cultural. Esta herança cultural e os caminhos do desenvolvimento econômico na região definiram este aspecto de “história congelada”, Se por um aspecto esta microrregião foi alijada das alterações

nos

meios deslocamentos, e de produção pelo remanejamento das vias e benesses que privilegiaram grande parte do Vale do Paraíba e acabaram por isolar a região, com a construção da Rodovia Presidente Dutra na década de 1950, este mesmo mecanismo de estagnação propiciou a sobrevivência de um numero significativo de testemunhos do gosto do “século de ouro” da cultura cafeeira valeparaibana. As

estratégias

de

aproximação

e

produção

de

conhecimento

intermediado pelo patrimônio deve se dar inicialmente pelo levantamento sistemático do potencial econômico (para a Indústria e Cidade Criativa) representado pelo patrimônio cultural, envolvendo o patrimônio natural, material e imaterial. Este levantamento deverá considerar inclusive os principais atrativos localizados nas cidades vizinhas, pois, devido à proximidade e a interdependência histórica na sua própria constituição, a possível integração 118

microrregional, torna-se um aspecto positivo e deve ser explorado. Os produtos deste levantamento sistemático proporcionarão a concepção de iniciativas que vinculem a Economia Criativa ao Patrimônio Cultural da cidade, como cursos profissionalizantes, produção e publicação de instrumentos institucionais denominados ”Cartilhas Patrimoniais”, que é uma estratégia estimulada pelo IPHAN para elucidar e sensibilizar em relação o patrimônio, tanto material quanto imaterial de uma população específica. Tais cartilhas seriam instrumentos de fomentação do interesse pelo patrimônio, tanto material quanto imaterial. Oficialmente, os bens tombados pelo IPHAN na cidade de São José do Barreiro se resumem a apenas dois: o cemitério dos escravos, uma demarcação da identidade negra na região e a sede da fazenda Pau D’Alho, exemplar portentoso da arquitetura cafeeira. De modo singular os patrimônios se situam distantes tanto fisicamente quanto do imaginário urbano da cidade, fato este que inviabilizou o vínculo de identidade imediato no local. Quando das justificativas do exemplar trabalho de restauro e reabilitação do mais importante bem oficialmente tombado na cidade, o arquiteto Luis Saia, autor do projeto de restauro afirma: “(...) de fato, é possível e até conveniente repovoar os espaços restaurados com peças que rememorem a sua função primitiva — caso da casa de morada — ou aproveitá-los para apresentar uma amostragem condigna de equipamento de trabalho — como da casa de tropa— ou ainda ocupá-los com objetos que dizem respeito às antigas fazendas de café — caso de outras partes do conjunto edificado — como a Casa dos Carros, por exemplo, ou da Tenda de Ferreiro. Paralelamente a esta intenção, que é legítima, mas não exaure a idéia do Museu, casa das Musas, lugar de estudo, será necessário prover lugar e meios de conhecimento. (...)” (SAIA, 1975, p 627).

A proposta de Saia (1975) apresenta-se pertinente e generosa quanto a ideia de uso posterior do edifício, porem um condicionante importante para a ineficiência de projeto de revitalização do espaço se evidenciara ao longo do tempo, a própria distancia física do cotidiano urbano e a ausência de uma 119

política pública específica para o assunto impôs ao monumento uma vida independente da comunidade, o que faz raras as oportunidades de visitação à fazenda. Comum é a prática de viajantes interessados em patrimônio histórico de desconectar a Fazenda Pau D’alho da imagem do município de São José do Barreiro. Neste contexto de valoração dos aspectos afetivos das cidades vale enfatizar a distinção estabelecida pelo geógrafo Milton Santos acerca das diferenças de acepção entre local e localidade, onde o “(...). O lugar pode ser o mesmo, as localizações mudam. E lugar é o conjunto de objetos. A localização é um feixe de forças sociais se exercendo num lugar” (SANTOS, 1988, p.2). Exatamente sobre este “feixe de forças sociais” é que se pauta a produção destas cartilhas, sobre a relação entre o home, os acontecimentos e o espaço que testemunha sua existência. Boa parte do território do município de São José do barreiro é Área de Preservação Ambiental, na serra da Bocaina. Da preservação da serra depende o reservatório de água que alimenta parte do Vale do Paraíba e da região fluminense. Por outro lado, o município tem um grande potencial turístico por ter preservado parte da história do Brasil em suas fazendas e prédios públicos. Há iniciativas locais apoiadas pela prefeitura local para a atração de um turismo histórico, de um turismo ecológico e da agregação de valor a essas iniciativas com a venda do artesanato local. No

entanto,

apesar

de

suas

potencialidades,

o

índice

de

desenvolvimento de São José do Barreiro é o mais baixo da microrregião de Bananal, A face de estagnação econômica dos pequenos municípios do Vale Histórico e evidenciada pela dificuldade de inserção dos jovens no mercado de trabalho. Enquanto nos municípios de São José dos Campos e Taubaté cerca de 40% dos trabalhadores formais tem menos de 30 anos, no município de São Jose do Barreiro esse percentual não chega a 20%. Ou seja, a falta de emprego para os jovens nessas localidades tende a levá-los para os grandes municípios à procura de trabalho. Com isso, aumenta proporcionalmente o número de idosos e crianças, o que em termos de custos municipais, crescem 120

os gastos com saúde e educação enquanto se reduzem a renda do trabalho e os recursos oriundos dos empreendimentos econômicos (SEADE, 2014). A Tabela 1 aponta São Jose do Barreiro com o pior indicador de desenvolvimento do estado de São Paulo, de acordo com o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, em 2010. O destaque negativo é a falta de emprego e renda, pior indicar da composição do índice. Tabela 1 – Ranking estadual* Firjan de desenvolvimento nos municípios da Microrregião de Bananal, em 2010 Municípios

Saúde

Educação

Trabalho

Geral

Arapeí

207º

586º

604º

632º

Areias

620º

622º

487º

625º

Bananal

376º

638º

355º

545º

São Jose do Barreiro

580º

609º

643º

644º

Silveiras

641º

409º

540º

624º

Fonte: Firjan, 2014. *Total de 644 municípios.

O município de São José do Barreiro tem uma renda per capita mensal baixa (R$ 680,32) de acordo com os dados do SEADE (2013). Em termos de miséria absoluta, 22,07% tem uma renda média domiciliar mensal de até 1/4 de salário mínimo (R$ 217,00 em 2010) e 45,01% de até 1/2 salário mínimo (DATASUS, 2013). Tal situação atinge as crianças: 68,20% da população com menos de 15 anos vive em domicílios de baixa renda (até 1/2 salário mínimo) e a taxa de trabalho infantil de 10,23% (DATASUS, 2013). O problema da falta de renda e a saída dos jovens afeta as famílias, e repõe junto às crianças um futuro de baixa qualificação, falta de oportunidade no mercado de trabalho e, consequentemente, a saída do município, quando se tornam jovens, refazendo o círculo vicioso da estagnação econômica das 'cidades mortas'. Há pouco interesse em investimento de capital dado o baixo retorno dos recursos aplicados. Cabe então buscar soluções locais ou regionais para resolver o problema da estagnação econômica (VIEIRA, 2009). Por outro lado a atualidade nos traz conceitos como economia da cultura, economia criativa que dizem respeito a alternativas quando o assunto é geração de renda e 121

emprego sem pensar na opção da indústria tradicional, que por sua vez apresenta alto impacto sobre os meios explorados. Sãos as indústrias criativas. Trabalhando

com

aspectos

simbólicos,

endógenos

de

cada

localidade, culturas, folclore, ou especifico de cada agente criativo, criações musicais, artes visuais entre outras formas de expressão podendo envolver uma ligação com a criatividade, cultura e tecnologias de informação. Na área de artesanato e trabalhos manuais a criatividade consiste na geração de ideias, as quais em determinadas situações colaboram para o enfrentamento de problemas para a inserção de produtos e serviços no mercado, por meio da inovação, que é processo pelo qual as idéias são transformadas em bens e serviços. A associação de que a inovação demanda altos investimentos pode ser suplantada pela criatividade para galgar o mercado

de

trabalho,

desvinculando-se

da

competição

predatória

e,

associando à esta a qualidade. A Economia criativa amplia seu espaço como forma de geração de trabalho e renda, com apoio e fomento aos profissionais liberais e aos empreendimentos de micro e pequeno porte de cunho criativo, com o intuito de tornar um eixo estratégico para as políticas públicas de desenvolvimento. Tal política se tornara importante, que em 1º de junho de 2012, fora criada pelo Decreto 7743, a Secretaria da Economia Criativa (SEC), com o objetivo de conduzir a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas para o desenvolvimento local e regional. Considerações Finais Se

não



interesse

do

capital

externo,

a

solução

para

o

desenvolvimento econômico nesses municípios passa por outros caminhos, como os empreendimentos que valorizem o potencial local na articulação de forças, aproveitando programas de políticas públicas nacionais e estaduais. Há necessidade de unir esforços para a realização de parcerias entre entidades públicas e privadas, para as ações em prol do desenvolvimento com

122

empreendimentos que contribuam a geração de emprego e renda associada à valorização da cultura local (VIEIRA, 2009). A principal fonte de recursos para os pequenos municípios são as transferências feitas pelo governo federal. Se os municípios oferecerem bons projetos, poderão receber recursos extras, além dos garantidos pela Constituição, com outras possibilidades de aporte de recursos para outros segmentos que tem potencial econômico nos municípios do Vale Histórico: o turismo e a produção de artesanato. Este trabalhão teve como objetivo, portanto, contribuir para a busca alternativa para o desenvolvimento de São José do Barreiro, onde há pouco interesse de investimento por parte das grandes empresas. Considera-se importante a união de esforços para a realização de parcerias com entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais para ações em prol do desenvolvimento em um cenário de potencialidade: na preservação do patrimônio histórico e cultural a partir de ações de economia criativa. O foco do projeto será a busca do desenvolvimento local, considerando a necessidade de fortalecimento da identidade local frente à globalização econômica e política. Para tanto, utilizar-se-á do aporte de várias abordagens teóricas sobre o tema do desenvolvimento de modo transversal a partir da analise filosóficas, econômicas, históricas, sociológicas e políticas. A

partir

delas possibilitará a implantação de ações de economia criativas que contribuam para o desenvolvimento na busca do bem-estar social, econômico e de forma socialmente sustentável. Portanto, promover a valorização, bem como a qualificação

do

artesanato no município de São José do Barreiro, a qual se destaca pela produção do pássaro de madeira, difunde um referencial para a economia criativa regional às Casas do Artesão nos municípios integrantes da referida região. Aprimorar a qualificação dos produtos difundirá a promoção e a comercialização do artesanato regional, e também da cultura típica com a realização das festas regionais e de sua comida típica com a realização de feiras regionais a de arte e cultura. Destarte, desenvolver tecnologias sociais 123

para a produção impactará positivamente na constituição de uma rede de fornecedores de matérias primas utilizadas no artesanato, promovendo a sustentabilidade social, ambiental e econômica, com a manutenção à fidelidade das técnicas típicas adotadas nos produtos artesanais. Referencias Bibliográficas BENDASSOLI, Pedro F., Indústrias criativas: definição, limites e possibilidades. ERA, v.49, n.1, São Paulo, 2009. DATASUS. Informações Demográficas e acessado em dezembro de 2013.

Econômicas.

DCMS - DEPARTMENT FOR CULTURE, MEDIA AND SPORT – DCMS. Creative Industries Division (United Kingdom). Developing entrepreneurship for the creative industries. London, 2005. FIRJAN. Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal. Disponível em: http://www.firjan.org.br/IFDM/ Acesso em: 06 mar. 2014. FIRJAN. Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil em http://www.firjan.org.br/economiacriativa/download/Analise_completa.pdf.

2012.

FLORIDA, Richard. A Ascensão da Classe Criativa. São Paulo, Ed. L&PM, 2011 HOWKINS, John. The Creative Economy. How people make money from ideas London. Penguin Press, 2001. SAIA, Luis. Notas preliminares sobre a fazenda Pau D'Alho (história, restauração e projeto de aproveitamento). Revista de História da USP, No 102, p. 581-630. 2º trimestre de 1975. SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1988. SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Informações dos Municípios Paulistas acessado em janeiro de 2014. UNCTAD; Creative Economy Report – Creative Economy: A Feasible Development Option. UN, 2008. UNESCO. World Cultural Report - culture, creativity and markets. Paris, 2007. VIEIRA, Edson Trajano. Industrialização e Políticas de Desenvolvimento Regional: o Vale do Paraíba paulista na segunda metade do século XX. Tese de Doutorado em Historia Econômica. USP, 2009.

124

GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Juventude e Criminalidade: Uma Análise Sob o Viés da Desorganização Social1 Mariana Cavalcanti Pereira2 Marconi do Ó Catão3

RESUMO A partir das crescentes referências relacionadas com a juventude e a criminalidade, este trabalho objetiva realizar uma análise desta relação, utilizando-se, para tanto, das contribuições advindas da Escola de Chicago, onde vários estudos estabeleceram a cidade como seu principal laboratório, mais especificamente, nas comunidades localizadas em áreas urbanas socialmente desorganizadas, verificando os fatores potencializadores de diversos problemas sociais, sobretudo, da criminalidade e da violência. Nesse contexto, deu-se uma especial atenção aos fenômenos sociais envolvendo os jovens, buscando-se compreender alguns elementos que envolvem essa faixa etária e concorrem para seu ingresso no crime, observando a pertinência da teoria da Desorganização Social com suas devidas variáveis à temática em análise. PALAVRAS-CHAVE: Escola de Chicago; Desorganização Social; Juventude; Crime.

INTRODUÇÃO A partir do século XVIII, com o crescente industrialismo, surgem inúmeros problemas sociais, frutos do desenvolvimento econômico desigual. Assim, a segregação acompanha o alastramento das cidades, sobretudo das metrópoles; sendo que a divisão social do trabalho exerce papel crucial na construção da

1

Trabalho apresentado no GT 2 – Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014 2

Mestranda do PPGCS/UFCG. Graduada em Direito pela UEPB. Membro dos Grupos de Pesquisa Sociabilidades e Conflitos Contemporâneos (CNPq/UFCG) e Direito, Tecnologia e Realidade Social: paradoxos, desafios e alternativas (CNPq/UEPB). E-mail: [email protected] 3

Doutor em Sociologia, pela Universidade Federal da Paraíba; Doutorando em Direito pela UERJ/UEPBDINTER; Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela UFC; Especialista em Medicina Legal pela Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Medicina Legal; Graduado em Medicina pela UFPB; Graduado em Direito pela UEPB; Coordenador Adjunto do Comitê de Ética em Pesquisa Científica em Seres Humanos da UEPB; Coordenador Setorial de Pesquisa do CCJ-UEPB; Membro da Associação Brasileira de Medicina Legal; Professor pesquisador da UEPB; Integrante da Sociedade Brasileira de Bioética. E-mail: [email protected]

conjuntura urbana, intensificando, então, as questões localizadas. Logo, a pobreza passa a ser uma iniquidade frequentemente verificada nos grandes centros, não mais estando relacionada apenas à vida rural. Desse modo, foi sendo gradativamente estabelecido um viés entre as ideias de desigualdade social, pobreza e exclusão - sendo esta última referente ao contrário de coesão social, semelhante ao conceito de estigma ou desvio – que muito auxilia no desenvolvimento das teorias do crime defendidas pela Escola de Chicago (NASCIMENTO, 2003, p.57). Portanto, foi na busca de identificar o desdobramento do processo responsável pelos problemas sociais que se deu uma atenção especial ao tema da violência urbana, principalmente no que concerne à esfera da criminalidade juvenil, área onde a instituição norteamericana em análise dedicou grande parte dos seus esforços. Então, aos poucos, a justificativa para as raízes da criminalidade pautadas em elementos puramente psicogenéticos foi sendo deixada de lado, posto que desconsiderava outros aspectos como a cultura, por exemplo. Dessa maneira, os estudos começaram a se voltar para as explicações de cunho mais dinâmico, isto é, onde se levavam em conta tanto fatores psicológicos e biológicos, quanto os sociais objetivos. Mas, foi notadamente a partir do século XX que tal Escola investiu suas pesquisas nas questões da violência e criminalização, buscandose uma compreensão dos fenômenos juvenis das gangues, do desvio social e de suas relações com os processos de adaptação à vida metropolitana. De forma que foi nessa conjuntura social que surgiu a teoria da Ecologia Humana, fundada na perspectiva de analisar como a cidade – ou habitat social – pode influenciar no comportamento dos indivíduos nela inseridos. Com efeito, as teorias sociológicas propostas pela Escola de Chicago são atualmente compreendidas como referenciais de considerável relevância para nortear os estudos na área da Criminologia, no sentido de traçar parâmetros mais dinâmicos no entendimento da relação entre o crime e os indivíduos, em seus diferentes espaços e conjunturas sociais, visto que se trata de uma área de conhecimento que, segundo Abramovay (2002, p. 15) alerta para a crise e,

eventualmente, a falência de marcos institucionais e normativos das sociedades modernas.

Desorganização Social: Breve Contextualização

Para a Sociologia Urbana, as diferentes áreas urbanas encontram-se em relação de simbiose, isto é, necessitam uma da outra para existir, e são provenientes de processos que não dependem somente da vontade humana, participando de uma relação de invasão e dominação, em diferentes aspectos e por diversos motivos. Em resumo, são esses que vão atuar como as molas propulsoras das dúvidas suscitadas para os estudos da Escola de Chicago, sendo, para tanto, dedicadas várias pesquisas enfocando questões como exclusão, pobreza, crise de valores, propriedade e delinquência. Para os estudiosos de Chicago, a cidade é um super-organismo, onde a perspectiva de vida coletiva é assumida como um processo concreto de relação entre meio-ambiente, população e organização, logo, o comportamento humano é fruto de vetores sócio-ambientes, e as ditas mazelas sociais advêm da desorganização social, não de um determinismo biológico. Então, é a partir desse pensamento que Burgess (1967) desenvolve uma teoria sobre a cidade que se expande em padrões de círculos concêntricos, denominada de Teoria das Zonas Concêntricas, tendo como objetivo a comprovação da influência da estruturação urbana e social na vida dos indivíduos. Ademais, esse sociólogo constatou na cidade de Chicago uma expansão radial, dividindo-a em cinco zonas, atribuindo, ao longo dos seus estudos, particulares aspectos a cada uma delas; bem como verificando a atuação dos fatores de invasão, dominação e sucessão. Por fim, este autor conclui que muitos dos problemas sociais eram consequência de uma desorganização social, não sendo, portanto, a desorganização individual o padrão. Na ótica da Escola de Chicago, a desorganização social é entendida como um dos fatores oriundos da rápida urbanização e do aumento da visibilidade das

desigualdades sociais, ocasionando o enfraquecimento dos valores coletivos. De forma que, mudanças dos mais diversos aspectos podem gerar tal fenômeno, incluindo transformações de caráter tecnológico, natural, econômico, político, etc. Em suma, todas as áreas da cidade são afetadas, de alguma maneira, pela desorganização social, só que em diferentes escalas os impactos serão sofridos, uma vez que a desigualdade no acesso aos bens materiais e simbólicos é justamente quem vai definir os excluídos, os marginalizados, os estigmatizados, entre outros grupos sociais igualmente presentes em nossa sociedade. Nessa construção teórica, surge a ideia da desorganização social, onde nota-se que as sujeições do indivíduo ao crime, na verdade, trata-se de uma questão de crise nos controles sociais, principalmente do controle informal, isto é, os laços sociais comunitários. Nessa ótica, é a força da comunidade de se auto-organizar e prevenir seus problemas sociais de modo endógeno. Portanto, um ambiente escasso de recursos, agravado pela grande mobilidade de pessoas, ocasiona o enfraquecimento das instituições básicas da sociedade – como a família, a escola, dentre outras. Uma vez fragilizados, esses indivíduos tornam-se potencialmente suscetíveis à perda de objetivação social. Saliente-se que não estamos afirmando que as diversas comunidades não possuem uma estrutura, pelo contrário. Elas estão empreendidas em relações de hierarquia, dominação, resistência e práticas de solidariedade interna. Apesar de estamos aqui buscando compreender a relação entre juventude e criminalidade sob a ótica defendida pela Escola de Chicago, sabemos que sua aplicabilidade varia de acordo com o lugar que se pretende estudar, posto as diferenças inerentes a cada um. Na realidade latino-americana, notamos que a rápida urbanização tem o poder de substituir as relações sociais primárias pelas secundárias, de menor controle social; sendo que essa situação se agrava pelo fato de vivermos em uma sociedade onde o apelo ao consumo é veemente, de modo que essa dinâmica concorre para o crescimento da violência urbana e das novas representações sociais sobre as classes pobres, onde,

muitas vezes, é por meio da violação da transgressão da lei que irá se buscar resolver tais tensões. (NASCIMENTO, 2003, p.70). Destacamos, ainda, (porém não como foco do nosso trabalho e sim como mais um ponto a ser refletido e posteriormente discutido) a questão do planejamento urbano como importante elemento a ser levado em conta no tema em análise. Muito se prega a respeito de reestruturar as cidades importando modelos de urbanização tendo em vista o aumento da segurança pública e bem estar dos moradores. No entanto, Jacobs (2009), em intensa pesquisa realizada em Nova Iorque em 1960 já criticava tais modelos e alertava para a importância desses laços sociais desenvolvidos nos bairros como fator primordial de uma boa articulação de vigilância interna e comunicação com as esferas públicas em prol de melhorias para a comunidade. Realmente, essas áreas deterioradas são constatadas, sobretudo, nas camadas pobres da sociedade, surgindo, então, um dos maiores problemas que enfrentamos hoje: o da estigmatização. A exclusão, segundo Nascimento (2003, p. 60) tem várias dimensões, sendo um processo de caráter múltiplo, ou seja: cultural, econômico e social. Contudo, pobreza e exclusão, entretanto, diferenciam-se do termo desigualdade social; até porque, a existência de um, não necessariamente implica na do outro. Como já foi dito, por muito tempo, houve uma certa tendência em atribuir as raízes da conduta criminosa a fatores biológicos e psicológicos. Em conformidade com Miskolci (2005, p.12), os cientistas viam no lugar do desempregado o “vagabundo”, sendo o criminoso compreendido como um anormal nato. O desvio, pois, era tido como doença, logo, o desviante, um degenerado. Mas, desde o final do século XIX, com a teoria da Ecologia Humana apoiando-se em uma analogia entre a acepção biológica de organizamos à estrutura da sociedade, de um modo geral, as pesquisas passaram a tomar outro rumo, com base na ideia da desorganização social, respaldando seus estudos no conceito de ambiente degradado, levando em conta fatores culturais, econômicos, entre outros.

No âmbito deste trabalho, consideramos os jovens envolvidos com o crime como personagens desviantes; tomando a concepção de desvio sua versão

mais

aproximada

da

acepção

de

exclusão,

como

um

dos

desdobramentos desta - por um ordenamento socialmente instituído, procurando observar o impacto que a pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais relacionadas a ambientes degradados ocasionam nessa faixa etária de pessoas jovens. A respeito dessa realidade, Becker (2008, p. 25), baseado nos ensinamentos mertonianos, esclarece-nos: O grau em que um ato será tratado como desviante depende também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele. Regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas que a outras. Estudos da delinquência juvenil deixam isso muito claro. Meninos de áreas de classe média, quanto detidos, não chegam tão longe no processo legal como os meninos de bairros miseráveis. O menino de classe média tem menos probabilidade, quando apanhado pela polícia, de ser levado à delegacia, de ser autuado; é extremamente improvável que seja sentenciado. Essa variação ocorre ainda que a infração original da norma seja a mesma nos dois casos.

Isto posto, verificamos o desvio esteriotipado em uma situação de conflito, onde os desviantes não compõem a integralidade de um grupo social formado pelos jovens, sendo eles indivíduos que, influenciados pelos fatores que já mencionamos, dão sua resposta à desorganização social – naturalmente proveniente do processo urbano – a qual se encontram inseridos e submetidos as suas consequências mais graves. Portanto, são indivíduos considerados pela parcela “normal” da sociedade, como incômodos ou mesmo “não-pessoas”, já excluídos naturalmente pelas circunstâncias sociais que vivenciam.

CRIME E JUVENTUDE

No tópico anterior, salientamos que em um ambiente degradado, devido à escassez de recursos e fragilidade do controle social, a parcela mais atingida, sobretudo pela violência urbana, é a da população jovem – compreendida a faixa

etária entre 15 e 29 anos.4 Realmente, haja vista que a própria comunidade onde estes jovens estão inseridos encontra-se com suas instituições fragilizadas, em virtude de fatores sociais, culturais, econômicos, dentre outros, levam essas pessoas a buscarem a sensação de pertencimento em outro loco. Assim, o futuro que terão, muitas vezes, está ligado a uma realidade de violência, criminalidade e exploração. A vulnerabilidade desses jovens,pois, para além dos seus reclames intrínsecos, relaciona-se com a fraqueza dos vínculos sociais e pessoais desenvolvidos e com a desestruturação quanto à intervenção estatal Na formação dos novos grupos sociais, observamos o conceito de gangues como sendo grupos de jovens, residentes na mesma vizinhança, os quais, regularmente, praticam diversas atividades, que vão desde pequenas contravenções chegando até mesmo a crimes de maior potencial ofensivo (FREITAS, 2002, p.79). Tal fenômeno está associado à procura de uma identidade em função da configuração que a cidade tem, representando, assim, uma alternativa ao que a sociedade lhes rejeita; de maneira que, trata-se de um grupo onde esses jovens se sentem pertencidos, componentes de algo. Na concepção de Einstadter & Henry apud Freitas (2002, p.70), a prática de infrações penais pelos membros da gangue é consequência da busca pela sobrevivência em ambientes socialmente desorganizados. De forma que a associação é um fenômeno comum, principalmente na fase da juventude, onde se busca identidade, assimilação, entre outras particularidades; de igual modo, isso também acontece nos ambientes degradados, porém, são as condutas desses grupos que refletem os problemas que atingem a comunidade onde vivem. De fato, o anseio por espaços públicos é verificado, sendo estes espaços necessários. Nesse contexto, várias pesquisas e trabalhos realizados em municípios brasileiros revelaram o desejo das pessoas de terem locais abertos, no intuito de possibilitar a interação na comunidade, tais como praças, parques, 4

Segundo definição incluída no marco legal da Secretaria Nacional de Juventude (Ar. 1º, § 1º do Estatuto da Juventude (disponível em http://www.secretariageral.gov.br/Juventude - acesso em 10 de janeiro de 2014)

etc. Em pesquisa realizada no Distrito Federal, Abramovay et al (2002, p.49-50) afirma: A vida na periferia impõe uma existência marcada pela rotina, com graves limitações às atividades de lazer, seja precárias condições de infra-estrutura das cidades, seja em virtude da falta de dinheiro. De fato, esses jovens contam com poucas possibilidades de diversão, de praticar esportes e de utilizar, de maneira geral, a sua criatividade. Frequentemente restam poucas alternativas além da prática de atos ilícitos e do consumo de drogas e bebidas alcoólicas que, ao mesmo tempo, representam uma forma de diversão e, por outro lado, são constitutivos de um ambiente de violência que coloca novas restrições ao exercício do lazer.

Assim, vemos que a expressão violência urbana é bastante abrangente, pois envolve inúmeras formas de condutas praticadas no âmbito das cidades, podendo ser por meio do exercício do constrangimento, físico ou moral, sobre alguém, no sentido de obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem, ou, ainda, também podem, igualmente, ser utilizadas contra a liberdade de um bem material. Por conseguinte, de imediato, lembramos do furto, roubo, sequestro, homícidio, entre tantas outras situaçõe; mas, sem dúvida, um dos crimes que mais abalam o imaginário coletivo é o assassinato, sendo exatamente para este que voltaremos nossa atenção, principalmente devido aos fatos dos alarmantes indíces envolvendo jovens brasileiros. O cenário da violência no Brasil revela que tal fenômeno não é consequência pura da diversidade do nosso povo, tendo em vista que o principal fator que contribui para o agravamento da situação é o da exclusão social, onde muitas pessoas já não são mais vistos como tais por seus semelhantes (NASCIMENTO, 2003, p.56). Por conseguinte, a transgressão por meio da violência surge como uma resposta à dura realidade vivida, como bem elucida Cara e Gauto (2007, p.180):

O problema fundamental não está na existência e convívio de diferentes grupos, mas na maneira como a dinâmica social vivida no Brasil gerou, e permanentemente reproduz, um ciclo perverso de exclusão social que, se consideramos a questão da violência, gera

preconceito e tem como conseqüência perigosa a negação de direitos para a população excluída – em relação à juventude, resulta no nãoreconhecimento da condição de sujeito de direitos. A violência aparece aí não só como um sintoma da convulsão social, mas também como uma eficaz, embora triste, maneira de comunicar à sociedade essa degradação social e comunitária. Contudo, as vítimas da violência urbana têm o mesmo perfil de seus agressores [...].

Em pesquisa realizada por Tangerino (2007, p.127-130) sobre a criminalidade na cidade de São Paulo, utilizando-se dos conceitos ecológicos aqui mencionados, foi observado uma relação de proporção direta, em diversos bairros, entre o número de chefes de domicílios pobres e mortes violentas, sendo que o inverso também é verificado: quando a pobreza diminui, também diminuem os homicídios. Além do fator econômico, elementos como mortalidade infantil, acesso aos meios de locomoção, desemprego, entre outros também estão relacionados a tal fato. Nesse contexto, registre-se que, não apenas na pesquisa supracitada, mas no quadro geral de homicídios do nosso país, verifica-se que a maior parcela atingida é composta pela faixa etária jovem. Por fim, Tangerino (2007, p. 146) conclui que “os jovens são a um só tempo as maiores vítimas e os maiores algozes”. Mas, diante de tais evidências, surge o questionamento: por quê os jovens e não os mais velhos? Sem dúvida, o momento vivenciado pela juventude se diferencia das demais na medida em que ocorre uma verdadeira busca por personalidade e auto-afirmação; de maneira que a grande maioria dos jovens é assim, não importando a classe social. Porém, essa fase, nas camadas mais degradadas da sociedade, se distingue na exteriorização dessa busca, refletindo-se, muitas vezes, por intermédio da violência. Nessa linha de raciocínio, Cara e Gauto (2007, p.180-181) afirmam que:

A violência aparece também como um recurso à preservação da autoimagem: ser violento e/ou envolvido com a criminalidade confere status social. A vida social compartilhada em grupos é fundamental para o jovem, pois oferece apoio e proteção(...) Fatores como machismo, a expressão de poder dentro de um grupo e a honra têm a função de tencionar os conflitos a soluções violentas.

Em uma outra pesquisa realizada por Carla Coelho de Andrade (2007, p.133-136) nas periferias de Brasília, afirma-se que a proximidade com a violência nesses ambientes banaliza o comportamento violento, tornando-o, com frequência, trivial; de maneira geral, os jovens acreditam que há sempre uma justificativa para que a pessoa exerça a violência, sendo esta considerada por eles como legítima nos seguintes casos: extrema pobreza; necessidade e desemprego; sentimento de vingança; uso de drogas; entre outros que também fazem parte dessa percepção. Cara e Gauto (2007, p.175) observam uma certa correlação entre o protagonismo juvenil nos indíces de criminalidade e os fatores como a baixa do crescimento econômico, desde 1980; além disso, esses autores igualmente destacam a queda dos investimento em infra-estrutura, como também das políticas sociais, tudo isso em prol da valorização do mercado produtivo no lugar do financeiro. Realmente, reiteramos que essa vulnerabilidade decorre da ambientação degradada que a juventude, principalmente a das classes menos favorecidas, vivencia, relacionada à precariedade dos instrumentos de controle social informal (apoio e supervisão familiar, convivência comunitária, educação escolar de qualidade, etc) bem como aos vazios deixados pelo Estado. Salientese, assim, que esse fenômeno parece poder ser amenizado com o fortalecimento do capital social, sendo este entendido, segundo Putnam (2000, p. 177) como as redes e os laços existentes entre os habitantes de uma determinada sociedadade, no sentido de coordenar as suas ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho trabalho, foi possível concluir que os estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago são de grande importância na compreensão dos fenômenos que surgiram ao longo da estruturação das cidades, sobretudo das metrópoles. Neste contexto, destacamos a teoria da

desorganização social a fim de sugerir um entendimento da relação entre juventude e criminalidade nos espaços urbanos atentando para a ideia da fragilidade na articulação da sociedade como um dos seus principais fatores. Outrossim, compreendemos que a dificuldade do acesso aos direitos constitucionalmente assegurados, apesar de todos nós sermos considerados como sujeitos de direitos, é uma situação recorrentemente vivenciada entre as pessoas que habitam os ambientes considerados degradados, haja vista não possuírem infra-estrutura adequada; serviços públicos, como atendimento médico; transporte público; segurança, entre outros – de boa qualidade, o que levam as pessoas a buscarem ansiosamente uma mudança do seu status social. De maneira que, na precariedade dos laços sociais ali estabelecidos – considerados

instrumentos

importantes

do

controle

social

informal,

principalmente pelos nossos jovens que são atingidos, pois ficam alheios às referências de sociabilidades primárias, sujeitando-se, então, à busca de sentido para a vida em outros focos: crime, drogas e exploração dos mais diversos tipos. No decorrer deste estudo, percebemos que as causas isoladas não são suficientes para elucidar as problemáticas que foram suscitadas. De modo que a pobreza, a desigualdade social, a exclusão e a degradação urbana são resultados de processos econômico, cultural e político que predominam nas sociedades capitalistas. Ainda nesse contexto, outro ponto, dentre tantos, a ser refletido, a partir destas breves linhas, é o modelo de repressão - sobretudo voltado aos mais jovens - utilizado como instrumento da manutenção do sistema vigente, onde se procura perdurar a ordem de dominantes e dominados.

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GT2 - TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS1 Desenvolvimento Local no Município de Imperatriz - MA Larlô Antonio Macêdo Andrade NASCIMENTO2 Quésia Postigo KAMIMURA3 Mônica Franchi CARNIELLO4 Universidade de Taubaté (UNITAU) Resumo O artigo aborda o planejamento e desenvolvimento local do município de Imperatriz-MA, partindo da premissa de que os conceitos de crescimento econômico e desenvolvimento econômico são distintos. Delimitou-se como objetivo identificar se houve crescimento e desenvolvimento econômico no município no período de 2001 a 2011, período no qual os municípios são instrumentalizados para o planejamento local a partir da promulgação do Estatuto da cidade. A pesquisa caracteriza-se como exploratória, de abordagem qualitativa, com delineamento documental. Foi identificado, a partir da análise documental, que houve um acréscimo no desenvolvimento do município, apesar de queda no crescimento em relação à década de 1990. Ainda que ações de planejamento supostamente devam ser aprimoradas, a partir de 2001, ano no qual entra em vigência do Estatuto da Cidade, a relação crescimento e desenvolvimento é otimizada no município.

Palavras-chave Planejamento; desenvolvimento local; Imperatriz

Introdução Os municípios brasileiros adquiriram maior autonomia de gestão a partir da Constituição de 1988, fato que desloca o olhar para possibilidades de 1

Trabalho apresentado no GT 2 – Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos 2 Mestrando em Desenvolvimento Regional – UNITAU. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Saúde Pública (USP) e professora do Programa de Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: - [email protected] 4 Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC) e professora do Programa de Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté – email: [email protected]

137

desenvolvimento local. Com a aprovação do Estatuto da cidade em 2001, a perspectiva de planejamento passa a ser uma obrigatoriedade legal, manifestada nos planos diretores urbanos. Segundo Duarte (2007, p.22) [...] podemos dizer que o planejamento reconhece, localiza as tendências ou as propensões naturais (locais e regionais) para o desenvolvimento, bem como estabelece as regras de ocupação do solo, define as principais estratégias e políticas do município e explicita as restrições, as proibições e as limitações que deverão ser observadas para manter e aumentar a qualidade de vida para seus munícipes.

O planejamento urbano permite coordenar ações de maneira a melhorar a vida das pessoas de um determinado local, premissa do desenvolvimento. Destaca-se

a

distinção

conceitual

adotada

nesse

artigo

entre

crescimento e desenvolvimento (PERROUX, 1981). Crescimento reflete o aumento do Produto Interno Bruto, ao passo que desenvolvimento implica a melhoria dos indicadores sociais e econômicos, que em conjunto refletem a qualidade de vida de uma população. O artigo tem por objetivo identificar se houve crescimento e desenvolvimento econômico no município no período de 2001 a 2011, período no qual os municípios são instrumentalizados para o planejamento local a partir da promulgação do Estatuto da cidade.

Referencial Teórico Faz-se

necessária

a

distinção

conceitual

entre

crescimento

e

desenvolvimento econômico. Perroux (1981) pontua que crescimento é o aumento ocorrido em uma unidade, expressa frequentemente pelo produto nacional bruto, em referência ao número de habitantes. Nota-se que o crescimento não leva em consideração aspectos como qualidade de vida e as necessidades dos cidadãos. Já desenvolvimento, para Perroux (1981). é distinto do crescimento por considerar as atividades humanas segundo parâmetros qualitativos. O ser humano torna-se personagem principal do desenvolvimento, ao almejar a melhoria da qualidade de vida de uma

138

população. “Tomar em consideração o desenvolvimento é fazer compreender o risco do crescimento sem desenvolvimento” (PERROUX, 1981, p. 61). Salienta-se a abordagem de desenvolvimento de Sen (2000) o qual afirma que os fins e os meios do desenvolvimento requerem uma análise e exame

minuciosos

para

compreensão

mais

plena

do

processo

de

desenvolvimento. O autor afirma ainda que o desenvolvimento, embora não passa estar dissociado do progresso econômico, deve estar relacionado de forma estreita com a melhoria de vida que as pessoas levam e com as liberdades de que desfrutam. Conjunturalmente a esta visão exprime-se que a liberdade por ser uns dos bens mais preciosos da sociedade ou do ser humano, devendo sim ser preservada e consequentemente expandida para um maior número de pessoas possível. Para o alcance do desenvolvimento, o planejamento é elemento fundamental para a coordenação de ações por parte dos municípios, em se tratando

de

desenvolvimento

local.

Salientam-se

os

elementos

do

planejamento, que segundo Steiner (1979, p. 12) são propósitos, objetivos, estratégias, políticas, programas, orçamentos, normas e procedimentos, entre outros. Para Buarque (1999) o planejamento é uma ferramenta de trabalho utilizada para tomar decisões e organizar as ações de forma lógica e racional em conjunto com as diversas classes sociais. Ingestam (1987) afirma que a sociedade, por meio do planejamento, exerce o seu poder e sua vontade sobre o seu futuro rejeitando a resignação e partindo para iniciativas que definam o seu futuro. Especificamente em relação ao planejamento governamental em ambiente democrático, os atores sociais podem se fazer presentes nas fases de planejamento, intervindo na realidade do seu município de forma direta e indireta. Exprime Pinto (2011, p. 44) que o planejamento urbano é frequentemente utilizado para designar a coordenação mais ampla de todas as políticas setoriais sediadas na cidade, seja no aspecto espacial, seja no financeiro.

139

Em um processo de análise do planejamento urbano na sua complexa extensão conceitual, visualizou-se como um processo ou uma ferramenta de planejar cidades, com extensão regional em todos seus fluxos financeiros, nas relações sociais, na dimensão política e econômica. O principal documento resultante do processo de planejamento é o plano diretor. A lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 da Constituição Federal no capitulo II artigo 182 e 183, estabelece os instrumentos para garantia, no âmbito de cada município, do direito á cidade, do cumprimento da função social da cidade e da propriedade. Os princípios que norteiam o Plano Diretor estão contidos no Estatuto da Cidade na qual estabelecem parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil, oferecendo instrumentos para que o município possa intervir nos processo de planejamento e gestão urbana e territorial, garantindo a realização do direito á cidade para os cidadãos. Neste sentido o plano diretor é definido como sendo o instrumento básico par orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana do município conforme capitulo III, Artigo 40 da Constituição Federal.

Método Quanto aos objetivos a pesquisa é exploratória, pois tem propósito considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou fenômeno , conforme Marconi

e

Lakatos

(2010,p162).

Caracteriza-se

como

uma

pesquisa

bibliográfica e documental. As bases de dados consideradas são de acesso público e são órgãos de oficiais do Estado, tais quais IBGE e IPEA, além do PNUD, no qual buscou-se o IDHM do município. O período considerado foi de 2001 a 2001, uma vez que em 2001 e um foi proclamado o Estatuto da Cidade, marco legal que instituiu e instrumentaliza os municípios para o planejamento.

Resultados e discussão Imperatriz, localizada as margens do rio Tocantins no oeste do estado Maranhão na microrregião nº 38 (PORTAL IMPERATRIZ, 2014), foi fundada em 16 de julho de 1852 por Frei Manoel Procópio do Coração de Maria, com a 140

denominação de Porto de Vila de Santa Tereza cita Barros (1996). Apresenta significativos dados nos setores extrativos minerais, indústria de transformação, serviços

industriais

de

utilidades,

construção

civil,

comércio,

serviços,

administração pública e agropecuária, no qual propicia e potencializa novos investimentos. Foram identificadas no site oficial do Município de Imperatriz Maranhão as seguintes leis: lei orgânica municipal, lei de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, código de obras, código de postura, área urbana, estatuto da cidade, lei complementar sistema tributário, lei de isenção IPTU, lei Profis (programa de recuperação fiscal) do município , lei da área urbana, tendo plano diretor em vista de revisão, um plano plurianual definido, lei da política nacional de resíduos sólidos, não possuindo a lei municipal dos resíduos sólidos, nesta mesma linha não possuindo a lei de saneamento básico municipal. A existência de tais documentos, alguns de obrigatoriedade legal, refletem iniciativas de planejamento. A mera existência de tais documentos é insuficiente para atestar a qualidade do planejamento do município, no entanto, é possível avaliar, em uma perspectiva abrangente, a relação entre o planejamento municipal e os reflexos nos indicadores socioeconômicos do

município, propósito desse trabalho,

pautado na premissa conceitual de desenvolvimento. Apresenta-se na Tabela 1 a região Tocantina, na qual o PIB a preço de mercado corrente, percentual de participação no PIB do MA, população, PIB percapita, valores agregados a preços correntes – 2011. Imperatriz apresenta- se em 2º lugar no ranking dos municípios no Estado do Maranhão, sendo o primeiro na região citada, tornando-se a segunda cidade ou Município mais importante no Estado do Maranhão, ficando atrás somente da capital São Luís. Tabela 1 – Indicadores econômicos da região Tocantina - Maranhão

141

Fonte: IMESC, IBGE

Dados da última década exprimem um cenário econômico com estabelecimentos formais em alta e expansão dos setores extrativo-mineral, indústria de transformação, serviços industrial, construção civil, comércio, administração pública, agropecuária, extração vegetal, caça e pesca conforme Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Catográficos-IMESC e o Anuário 2010. Observa-se na Tabela 2 a expansão produtiva por meio da arrecadação de ICMS, por regiões de planejamento segundo os municípios do Maranhão 2000-2008. Destaca-se o Município de Imperatriz. Tabela 2 – Arrecadação de ICMS da região Tocantina - Maranhão

Fonte: IMESC/ Secretaria da Fazenda do Estado do Maranhão - SEFAZ-MA.

Visualizou-se no Atlas do Desenvolvimento Humano 2013 o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o qual leva em consideração renda, longevidade e educação. A Figura 1 apresenta o comportamento do índice em Imperatriz. Figura 1 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Imperatriz (2010)

142

Fonte: Pnud, Ipea Fjp Ressalta-se na Tabela 3 que entre os anos 2000 a 2010 o aspecto que mais se desenvolveu foi a educação, seguido c por longevidade e pela renda. Tabela 3 – Índice de desenvolvimento municipal e seus componentes Imperatriz- MA.

Fonte: Pnud, Ipea e FJP

Observa-se nesta mesma linha no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal -Imperatriz (IDHM-Imp.) no Gráfico 1 que a distância entre IDHMImp. e o limite máximo do índice que é 1 foi reduzido em 34,23% entre 2000 e 2010, apresentando-se de 0,591 para 0,731 respectivamente. Gráfico 1 – Evolução do Índice de desenvolvimento municipal de Imperatriz- MA.

Fonte: Pnud, Ipea e FJP

143

Apresenta-se

na

Tabela

4

a

desenvolvimento do município de Imperatriz.

144

relação

entre

crescimento

e

Tabela

4



Crescimento

e

desenvolvimento

de

Imperatriz-

MA

(1991

a

2010)

Fonte: Adaptado de PNUD, Ipea e FJP

Ao se estabelecer a relação entre o crescimento e desenvolvimento no município, observa-se que na década de 1990 houve crescimento de 33,11% e desenvolvimento de 26,44%. Já na década de 2000, período delimitado para esse estudo, apesar de haver menor crescimento (23,69%), o desenvolvimento foi expressivamente maior do que na década anterior. Formula-se a possibilidade de as ferramentas de planejamento, implementadas a partir de 2001, conforme abordado anteriormente, possam ter contribuído para a otimização

de

recursos

e

consequente

melhoria

de

indicadores

socioeconômicos que compõem o IDHM.

Considerações Finais O

objetivo

do

artigo

foi

identificar

se

houve

crescimento

e

desenvolvimento econômico no município no período de 2001 a 2011, período no qual os municípios são instrumentalizados para o planejamento local a partir da promulgação do Estatuto da cidade. Foi identificado, a partir da análise documental, que houve um acréscimo no desenvolvimento do município, apesar de queda no crescimento em relação à década de 1990. Ainda que ações de planejamento supostamente devam ser aprimoradas, a partir de 2001, ano no qual entra em vigência do Estatuto da Cidade, a relação crescimento e desenvolvimento é otimizada no município. Identificou-se no site oficial da prefeitura de Imperatriz-MA, que a cidade apresenta quase todos os requisitos na obrigatoriedade da lei no que tange a ações de planejamento. Não há indícios, no entanto, de integração dos planos isolados para os diversos detores do município.

145

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147

GT2 -TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Desenvolvimento, Cidades e Violência no Trânsito: Breves Apontamentos1 Diuslene Rodrigues FABRIS2 3 Zelimar Soares BIDARRA Universidade Estadual do Oeste do Paraná, PR

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões acerca da violência urbana no setor de trânsito. Fundamenta a discussão a partir do viés do desenvolvimento endógeno e sustentável, os quais incluem em suas pautas a dimensão do desenvolvimento humano e do bem estar social. Parte do princípio que acidentes de trânsito podem ser evitados com estratégias adequadas de enfrentamento, uma vez que não se pode continuar impassível diante dos números que demonstram o “estado de guerra” no trânsito de algumas cidades que tem suprimido prematuramente vidas e gerado incapacitações ou sequelas sociais e familiares. As ideias contidas nesse trabalho advêm de uma pesquisa social, de tipo descritivo-exploratória, que compreende o uso da revisão de literatura e da análise documental. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento; Cidades; Violência no Trânsito INTRODUÇÃO Os anos que sucederam a Segunda Guerra se apresentaram como um momento desafiador, não só, para os diretamente envolvidos, como para a humanidade. Diante de um exército de pessoas mutiladas, de famílias 1

Trabalho apresentado no GT2 -Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos – II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014 2

Professora Assistente do Curso de Serviço Social da UNIOESTE/Campus de Toledo. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio – UNIOESTE/Campus de Toledo – Paraná. E-mail: [email protected]. Telefone: +55(45)9823-8844. 3

Professora Associada do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Unioeste/Brasil. Docente nos Programas de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio e no Mestrado em Serviço Social.

148

fragmentadas e de economias arruinadas exigiu-se do modo de produção capitalista respostas para o cenário constituído. A industrialização crescia a passos largos, novas tecnologias ampliavam a oferta de matérias-primas, processo em que o conceito de desenvolvimento estava diretamente focado numa dada ideia de progresso (Miotto, 1996), porém não foram necessárias muitas décadas para que este modelo sinalizasse seus desequilíbrios, em termos de desigualdades, e degradação (Mendes, 2005). Nos

primeiros

anos

da

década

de

1970,

se

observou

o

encaminhamento de profundas modificações dos processos produtivos e da organização das relações sociais e do trabalho. Tornou-se acentuada a polarização

entre

países

que

passaram

a

ser

qualificados

como

“desenvolvidos" e os em "desenvolvimento”. No contexto, as teorias e as políticas de desenvolvimento regional se viram diante da necessidade de se recriarem. Formularam-se as ideias do desenvolvimento endógeno e, posteriormente, do desenvolvimento sustentável, ambas voltadas para a conciliação do desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e a participação do capital social4. A teoria do desenvolvimento endógeno está centrada na compreensão e intervenção a partir de uma perspectiva que possibilite contemplar as diferenças das nações e regiões. Considera-se que mesmo em condições de semelhanças, o desenvolvimento não ocorre homogeneamente. Este corpo teórico considera a organização social, as redes de relações, as normas, os comportamentos, os valores e o capital social, como meios que possibilitam dar visibilidade, não só aos processos produtivos e ao crescimento econômico mas, também, ao capital humano. Barquero

(2002)

sinaliza

que

uma

das

características

do

desenvolvimento endógeno consiste na ativação de fatores referentes aos 4

O conceito de capital social foi popularizado por Robert Putman (2000) em um estudo que retrata distinções entre os governos do sul e do norte italiano. Contudo ainda não há um consenso sobre a categoria. Porém há consenso em afirmar que o estudo do capital social incorpora-se a um ampliado número de importantes variáveis, que até então não haviam sido consideradas nos estudos de abordagem que tratam da cooperação e da confiança das pessoas, nas comunidades e no conjunto da sociedade.

149

processos de acumulação de capital, organização flexível da produção, desenvolvimento dos territórios e dos espaços urbanos, bem como o fortalecimento das instituições. Hegel (1980), ao definir o conceito de desenvolvimento, vai além. Considera que só se pode conceber o desenvolvimento a partir da perspectiva endógena, a qual se concretiza mediante decisões dos agentes locais e cujos resultados são usufruídos pelos mesmos. Para ele há uma nítida dissociação5 entre o que se constitui como desenvolvimento puro do que compõe o desenvolvimento endógeno6. Em síntese, o desenvolvimento endógeno propõe a expansão do sistema produtivo e possibilita a utilização do potencial de desenvolvimento do território, com investimentos tanto dos agentes públicos quanto das empresas, sob o controle crescente da comunidade local. Trata-se de uma proposta de crescimento econômico que visa a mudança estrutural através da comunidade local, de forma a se obter a melhoria da qualidade de vida da população. Para Guimarães apud Amstalden (1996), o desenvolvimento sustentável é uma proposta de realocação e transformação das relações sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e de trabalho com vistas a promover uma transformação estrutural capaz de dar respostas aos grupos excluídos e marginalizados, tanto no âmbito social quanto econômico. A perspectiva do desenvolvimento sustentável não se consolida no curto prazo, visto que necessita de contínuas e permanentes interlocuções para que se torne objeto de compartilhamento entre os cidadãos, no âmbito dos valores sociais, culturais e humanos, sobretudo em um mundo globalizado. Contudo, o que se vê é um desenvolvimento capitalista pautado na expansão do consumo, cujo objeto veículo tornou-se símbolo de status desse 5

Dissolução que pode ser compreendida como o protecionismo estatal, fomento à produção de bens de consumo e intermediários, desenvolvimento de tecnologias adequadas, aumento da produtividade agropecuária e orientação ao mercado e às demandas sociais internas. 6 Principais objetivos do desenvolvimento endógeno: aumentar a produtividade e competitividade do sistema produtivo; melhorar a distribuição da renda local; conservação do patrimônio natural, histórico e cultural; possibilitar aos agentes do local o uso fruto do desenvolvimento no próprio território.

150

modelo social, como afirma GORZ (2005, p.73) "bens de luxo inventados para o prazer exclusivo de uma minoria [que na atualidade não precisa ser] ... rica". Neste contexto, a expansão produção e a acessibilidade ao veículo automotor, o carro, contou com a intervenção direta do Estado, através de políticas de facilitação do crédito e de barateamento crescente do produto. A massificação do automóvel, materializou um triunfo absoluto da ideologia burguesa no que tange à prática cotidiana: ela constrói e mantém em cada um a crença ilusória de que cada indivíduo pode prevalecer e tirar vantagem à custa de todos. O egoísmo cruel e agressivo do motorista que, a cada minuto, assassina simbolicamente "os outros", que aparecem para ele meramente como obstáculos materiais à sua própria velocidade - esse egoísmo marca a chegada, graças ao automobilismo cotidiano, de um comportamento universal burguês, e tem existido desde que dirigir um carro tornou-se lugar-comum (GORZ, 2005, p.74).

Viana (2013) lembra que na sociedade de consumo a propaganda relaciona o carro com aquilo que ele denomina de pseudoliberdade, a qual está vinculada à maioridade, a companhia de belas mulheres, as relações amorosas, a competição. Nesta direção, Barroco (2010, p.157 – grifos no original), em estudo que trata da dimensão da ética e de seus fundamentos sócio-históricos, afirma que:

O modo de ser capitalista é fundado em uma sociabilidade regida pela mercadoria, ou seja, em uma lógica mercantil, produtora de comportamentos coisificados, expressos na valorização da posse material e espiritual, na competitividade e no individualismo; um modo de ser dirigido a atender às necessidades desencadeadas pelo mercado. A coisificação das relações humanas transforma escolhas, capacidades, sentimentos, afetos e valores em objetos de desejo e de posse.

A possibilidade de consumir objetos materiais acaba por se constituir na forma de o indivíduo se integrar socialmente. Subverte-se a lógica das relações, dos valores e da ética. Pois, estas dimensões passam a ser vividas

151

numa perspectiva de total abstração das suas relações de classe, de trabalho e de poder. Tal lógica impacta diretamente no cotidiano das cidades e um de seus importantes

indicadores

encontra-se

nos

números

de

acidentes

automobilísticos. No Brasil, destaca-se que entre os anos de 2003 e 2005 morreram, em média, cerca de 60 mil jovens do sexo masculino e 15 mil do sexo feminino, por ano. Sendo que 51 mil mortes foram ocasionadas por aquilo que se intitula como “causas externas”, definida pelos homicídios e, majoritariamente, acidentes de transportes (Paiva et al, 2009). Fato que compromete sobremaneira a perspectiva do desenvolvimento social de uma dada cidade, região ou nação.

2.

A Cidade Enquanto Espaço de Produção A sociedade industrial, com o intuito de dinamizar e organizar sua

forma de produção, passou a valorizar e a concentrar seus esforços no espaço da cidade. Contudo, nem sempre a cidade é um espaço para o desenvolvimento das pessoas. Muitas vezes, suas precariedades e omissões são geradoras de violências e dilacerações sociais muito severas. Neste sentido, é importante concebê-la como algo mais do que um espaço físico, no qual demandas e questões em termos de indicadores7 de qualidade de vida possam ir além da questão ambiental. O tempo atual exige que se pense a cidade como um espaço ético. Cujo desenvolvimento, ou padrão social, contemple esta perspectiva. É frágil o vértice da educação para o agir ético, em que a virtude pública tenha significado e significância. O que se 7

Os indicadores de qualidade de vida (QV) são determinados por diferentes estudos e interpretações, contudo os mais usuais são: a) Indicadores de Qualidade de Vida OMS (1992): domínio físico, domínio psicológico; nível de independência; relações sociais, ambiente e aspectos espirituais/religião/crenças pessoais.b) Índice de Desenvolvimento Humano - IDH (1990): Renda, longevidade e educação. c) Indicadores de Qualidade de Vida Calvert – Henderson (2000): Educação, emprego, energia, meio-ambiente, saúde, direitos humanos, renda, infraestrutura, segurança nacional, segurança pública, lazer e habitação. d) Indicador de Felicidade Interna Bruta - FIB (1972): bom padrão de vida econômica; boa governança; educação de qualidade; saúde; vitalidade comunitária; proteção ambiental; acesso à cultura; gerenciamento equilibrado do tempo e bem-estar psicológico.

152

torna salutar na medida em que se observa o crescimento deste espaço e das suas contradições. Nas últimas

décadas,

as

cidades

(capitalistas)

passaram

por

verdadeiros processos de mercantilização do seu espaço, como produtos do modo de desenvolvimento subjacente ao mundo da mercadoria, o que denota uma forma predatória (e privatista) de produção global do espaço social. Todavia, acredita-se na importância de os espaços urbanos serem, por excelência, de domínio público. E aí repousa uma das maiores dificuldades no debate da questão e da gestão deste ambiente, no contexto da sociedade burguesa. A qual se apropriou daquilo que deveria ser de domínio público e como consequência vivemos a perda da dimensão pública de nossa existência. Pensar a cidade como coisa pública impõe constituir um espaço para além daquilo que se espera no âmbito particular. A realidade cotidiana tem sinalizado que a crise do ambiente que estamos vivendo não decorre exclusiva e imediatamente do planejamento ou das técnicas e tecnologias mas, especialmente, da falta de “habilidade” das populações para com a constituição de um mundo público.

Habitar um lugar é identificar-se com ele, promover a possibilidade de que ele nos conduza a uma vida feliz e confira sentido à nossa vida. O maior problema das cidades é que não mais a compreendemos como o lugar doador de sentido à nossa existência [...]. Em vez de lugar da liberdade, a cidade tem-se transformado em lugar do gozo e do consumo. (BRANDÃO, 2009, s/p)

A sociedade de consumo acaba estabelecendo o consumo como medida de todas as coisas e relações, inclusive dos valores construídos e constituídos. A forma atual do viver humano tem alterado significativamente a qualidade de vida das pessoas, tanto no sentido objetivo quanto subjetivo (individual) do ser. A crescente violência urbana tem sido uma das principais inquietações, justamente em função da sua inferência quanto à qualidade de vida nas

153

cidades. Visto que se constitui uma grave ameaça à estabilidade do uso dos espaços públicos. Neste sentido, Baumann (2009, p. 2) é categórico ao afirmar que " A insegurança moderna é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos ". Porém, a manutenção da condição humana com dignidade requer o desfrutar de um ambiente digno, capaz de assegurar o bem-estar social. Todavia, o mundo contemporâneo priva a maioria dos indivíduos dessa condição, porque nem os benefícios da globalização e nem suas sequelas são distribuídas de maneira equitativa (Pedrazzini, 2006).

3. A Violência Urbana Expressa nas "Vias" : Trânsito em Questão A violência é uma manifestação humana, ela faz parte da vida de homens, de mulheres, isto é, dos grupos sociais desde os primórdios da existência humana. Contudo, este tema assumiu maior relevância

na

atualidade em função da amplitude que seus reflexos no cotidiano das pessoas e das sociedades. [...] a violência representa um grande risco para a realização do processo vital humano, pois ela ameaça a vida, altera a saúde, produz doenças e provoca a morte, como realidade ou como possibilidade. (AGUDELO, 1990, p.3)

A violência, evoca a necessidade do reconhecimento de que se trata de fenômeno multideterminado, posto nos limites de um espaço social onde interagem questões estruturais, microssociais e macrossociais. Dela se ocupam diversos campos do saber, dos quais deriva a perceptível polissemia. Contudo, apesar das diversas teses para a definição do termo, a que mais agrega elementos à discussão, por nós, apresentada é a que define violência como um fenômeno de origem social que se constrói no âmbito das relações humanas, em diferentes momentos históricos. CORBISIER (1991, p.6) coloca que a violência tem sua origem na natureza e racionalidade humana. Mas, "[...] o homem não é apenas razão, porque, se fosse razão pura, comportar-se-ia sempre racionalmente".

154

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) a violência é definida como:

[...] o uso intencional da força física ou de poder, por ameaça ou real, contra a si próprio ou alguém, ou contra um grupo ou comunidade, que também resulte em/ou tenha uma alta probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, desenvolvimental ou privação (KRUG et al., 2002, p.5 apud ROMARO; CAPITÃO, 2007, p.24).

Minayo e Souza (1999), defendem que é difícil conceituar a violência, especialmente por ser ela uma forma própria de relação pessoal, política, social e cultural, até mesmo um componente cultural naturalizado. Cada forma de violência tem características próprias. Partindo-se de uma conceituação genérica, como a de Viana (1999), que a define como sendo uma relação social de imposição, na qual um agente individual ou grupal impõe algo, contra a vontade de outro; até definições mais especificas para cada tipo de violência, o termo “violência urbana” suscita uma compreensão distinta, da violência em geral, sendo costumeiramente associada à dinâmica dos centros urbanos, onde as contradições

e complexidades geram padrões

de

comportamento singulares. Mas, em função do mundo urbanizado o fato tem se generalizado, influenciando inclusive o espaço rural. Dentre as especificidades da violência urbana, o presente trabalho recorta uma das suas manifestações: a violência no trânsito.

A violência no trânsito é uma relação social de imposição, na qual os agentes (motoristas, principalmente) atingem fisicamente outro ser humano por intermédio de um meio de transporte (carro, bicicleta, ônibus, etc.). Logo, é uma relação social específica, cuja especificidade está na mediação da violência por um veículo[...]. (VIANA, 2013, p.25)

O que se quer destacar é que o tráfego de veículos motorizados constitui um importante fator de deterioração da qualidade de vida no meio urbano, (Duarte (2006). Isso em função da poluição do ambiente, dos 155

congestionamentos de trânsito, dos acidentes e pela violência do trânsito, a qual ocorre em decorrência de uma multiplicidade de determinações que vão desde a imperícia e a imprudência, até o fortalecimento da mentalidade competitiva (Viana, 2008).

A tendência individualista reproduz uma ética impessoal, fundada em relações superficiais e fragmentadas, que não exigem grandes compromissos, tornando possível a objetivação de relações coisificadas[...]. A mercantilização da moral é reproduzida pelo indivíduo singular, no âmbito da vida cotidiana [...]. (BARROCO, 2010, p.160)

Um aspecto relevante a ser considerado no estudo da violência no trânsito diz respeito à exacerbação do individualismo, como elemento cultural da sociedade capitalista. O aumento da renda e o crescimento econômico de muitos países têm contribuído diretamente para a instalação da crise de circulação nas cidades de médio e grande porte, especialmente em suas áreas centrais. Neles instalou-se a competição entre veículos e pedestres pela ocupação e utilização dos espaços. A tendência à ascensão do transporte individual nos países subdesenvolvidos é mais forte em certas aglomerações que em outras, mas sempre se dá acompanhada da degradação da qualidade do transporte público. (SANTOS,1990, p.8182)

O

aumento

do

tráfego

motorizado,

com

o

uso

particular

e

individualizado do automóvel produz um impacto negativo nas cidades e traduz sua crise.

Uma vez

que,

a supremacia do automóvel produz novas

necessidades, as quais forjam rearranjos do espaço urbano em benefício dos interesses do grande capital (Viana, 2002). Quanto maiores são as cidades, maiores são as distâncias a serem percorridas, fator que gera a necessidade de uso de algum tipo de transporte, seja ele coletivo ou individual. De igual forma o capital também se utiliza das vias para transportar suas mercadorias, de forma individual. Na medida em que

156

aumenta o número de veículos aumentam as pressões por infraestrutura e disponibilidade de combustíveis. É preciso pensar o espaço social, tanto como produto de relações sociais, como um condicionador dessas relações. As formas e organização espacial refletem o tipo de sociedade que as produziu. É preciso considerar que nos espaços e territórios se projetam e se processam relações de poder e valores culturais (Souza, 2013). Assim, na perspectiva do desenvolvimento social, é preciso considerar os acidentes de trânsito como um dos problemas de primeira ordem, em função das perdas que produz.

5. Considerações Finais Haddad (2009) é enfático ao afirmar que o capital humano e as habilidades de um país ou região determinam o seu crescimento econômico no longo prazo. Salienta, ainda, a possibilidade destes transformarem este crescimento em processo de desenvolvimento, o qual requer ações propositivas e de enfrentamento de suas limitações, de forma continua e permanente. O crescimento acelerado do uso particular e individual do automóvel em detrimento do transporte público e o crescimento continuo da violência no trânsito, é uma questão a ser enfrentada. Pensar o crescimento econômico e as ampliações de consumo que este propicia, bem como pensar o desenvolvimento social e sustentável das cidades exige também que se busque estratégias e mecanismos que possibilite nos sujeitos o despertar da consciência que o insira na coletividade, e não na individualidade tão característica deste tempo. Há que se conceber a constituição de espaço urbano que se preocupe, menos com a modelagem do espaço físico e mais, sobre como elevar o nível de justiça social e de qualidade de vida.

157

Acidentes de trânsito não devem e não podem ser encarados como mera fatalidade, perda de vidas significam a limitação de oportunidades e de desenvolvimento. REFERÊNCIAS AGUDELO, S.F. La violência: un problema de salud pública que se agrava en la región.Boletin Epidemiológico de la OPS, v.11, p.1-7, 1990. AMSTALDEN, Luis Fernando F. Desenvolvimento sustentável e pós modernidade.In: RODRIGUES, Arlete Moysés. (Org.). Desenvolvimento sustentável: teorias,debates, aplicabilidades. Campinas: IFCH/Unicamp, 1996. (Textos Didáticos). BARQUERO, A.V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Tradução de Ricardo Brinco – Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2002. BARROCO, Maria Lúcia S. Ética: fundamentos sócio-históricos. 3ed. São Paulo:Cortez,2010 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. A cidade em crise. In: Revista Diversa da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 8 - nº 17 - agosto de 2009. Disponível em: https://www.ufmg.br/diversa/17/index.php/aglomerados/acidade-em-crise. Acesso em 20.03.2014 BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009 CORBISIER, R. Raízes da violência. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1991. DUARTE, Cristóvão Fernandes. Forma e movimento. Rio de Janeiro: Viana & Mosley : Ed. PROURB, 2006. GORZ, André. A Ideologia Social do Automóvel. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse Motorizado. A Tirania do Automóvel em um Planeta Poluído. 2ª edição, Rio de Janeiro: Conrad, 2005. HADDAD, Paulo R. Capitais intangíveis e desenvolvimento Regional. Revista de Economia, v.35, n.3 (ano 33),p.119-146,set./dez.2009.Editora UFPR.

158

HEGEL, G. W. O conceito de desenvolvimento. In: Introdução à História da filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MENDES, Marina Ceccato. Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: Acesso em: 20 março 2005. MINAYO, M.C.S.; SOUZA, E.R. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, v.4, n.1,p.7-23, 1999. MIOTTO, Luciana Bernardo. A construção da nova realidade – do desenvolvimentoao desenvolvimento sustentável. In: RODRIGUES, Arlete Moysés. (Org.).Desenvolvimento sustentável: teorias, debates, aplicabilidades. Campinas:IFCH/Unicamp, 1996. (Textos Didáticos). PAIVA, Andrea Barreto et al. Jovens: morbimortalidade,fatores de risco e políticas de saúde.In: CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho de (orgs). Juventude e políticas sociais no Brasil.Brasília:Ipea,2009. PEDRAZZINI, Yves. A Violência das Cidades. Tradução de Giselle Unti.Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. ROMARO, Rita Aparecida; CAPITÃO, Cláudio Garcia (orgs.) As faces da Violência:Aproximações, Pesquisas e Reflexões .São Paulo: Editora Vetor ,2007. SANTOS, Milton. Metrópole corporativa fragmentada:o caso de São Paulo.São Paulo:Nobel:Secretaria de estado da Cultura,1990. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano.7ªed.Rio de Janeiro:Bertrand Brasil,2013. VASCONCELOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano nos países emdesenvolvimento: reflexões e propostas.São Paulo: Annablume, 2000. VIANA, Nildo. Violência, Conflito e Controle. In: Santos, Sales e outros (orgs.). 50 Anos Depois. Relações Raciais e Grupos Socialmente Segregados. Brasília: MNDH, 1999 . Universo Psíquico e Reprodução do Capital. São Paulo: Escuta, 2008. . Economia política da violência Élisee,Rev.Geo.UEG.Porangatu, v.2,n.1,p.24-43,jan./jul.2013. 159

no

trânsito.

GT2 -TENDÊNCIAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DOS ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS Territórios Luminosos e Territórios Opacos – uma análise à luz das contribuições de Milton Santos1 Virginia Elisabeta Etges Doutora em Geografia, Professora e Coordenadora do Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Regional – UNISC e Bolsista Senior do Programa Cátedras IPEA/CAPES 2010 [email protected]

Eduardo Carissimi Mestre em Desenvolvimento Regional, Pesquisador e Professor do Ensino Médio [email protected]

Resumo Esta pesquisa buscou, através da utilização das Geotecnologias, analisar a heterogênea distribuição de imagens de satélite de alta resolução espacial, disponibilizados pelo Software Google Earth, no território da região sul do Brasil. Embasados na metodologia proposta por Milton Santos, com ênfase nas categorias de territórios luminosos e territórios opacos, buscamos identificar os territórios luminosos e opacos na região sul do país.

Palavras-chave: Geotecnologias; Território Luminosos e Opacos; Desenvolvimento Sustentável

1. Introdução Parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento de um país soberano não pode prescindir de uma estrutura produtivo-tecnológica avançada. Quando se traz esta constatação para o campo do desenvolvimento regional, ela adquire significado particular, uma vez que evoca a compreensão

1

Esta pesquisa teve o apoio do Programa Cátedras – Cátedra Milton Santos - do Instituto de Pesquisa Econômica

160

Aplicada – IPEA. Trabalho apresentado no GT2 - Tendências e Desafios Contemporâneos dos Estudos Regionais e Urbanos - II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014.

161

e a análise do processo nas várias dimensões que lhe são inerentes, sendo uma delas a dimensão territorial. Vivencia-se na atualidade um período extremamente dinâmico quanto às transformações tecnológicas. A velocidade da circulação de informações, indivíduos, mercadorias e capitais é ímpar na história da civilização humana,

promovendo intensas e

incessantes inovações, tanto na forma de interpretar e analisar a realidade, quanto na maneira de se locomover, criar e agir no território. De acordo com Milton Santos (1996)

estamos

diante

de

algo

novo,

denominado meio técnico-científico-

informacional. O meio técnico-científico-informacional caracteriza-se pela união entre a ciência e a técnica (já presentes no meio técnico-científico precedente) com os significativos recursos da informação, constituindo a cara geográfica da globalização (SANTOS, 1996) Por meio do desenvolvimento tecnológico, a cartografia sofreu transformações significativas. Representações e referências geográficas são ferramentas fundamentais aos processos de planejamento, gestão e tomada de decisão estratégica. Em função do avanço tecnológico, possibilitado pelo meio técnico-científico-informacional, surgem novas técnicas e formas de apreender

o território. Entre elas as chamadas

geotecnologias, que consistem no “conjunto de tecnologias para coleta, processamento, análise e disponibilização de informação com referência geográfica” (FATORGIS, 2009a). Entende-se, portanto, que as geotecnologias estão voltadas a demanda

por

conhecimento mais preciso sobre as formas e os conteúdos que o território vai assumindo, auxiliando na identificação e na proposição de medidas e ações que venham ao encontro de necessidades e/ou interesses da sociedade. Milton Santos afirma que a densidade de informação e conhecimento do território acarreta em uma seletividade espacial por parte das empresas e do capital. As porções territoriais dotadas de informação “competem vantajosamente com as que dela não dispõe” (SANTOS, 1996, p. 194). E complementa afirmando que se estabelece uma categoria de análise pertinente: aqueles territórios que acumulam densidades técnicas e 162

informacionais e, portanto, se tornam mais aptos a atrair atividades econômicas, capitais, tecnologia e organização são denominados territórios luminosos. Os territórios em que estas características não estão presentes são chamados de territórios opacos. Assim, pode-se afirmar que para a obtenção de êxito em propostas de desenvolvimento regional, o conhecimento do território em questão torna-se indispensável, o que coloca o domínio e o manejo das geotecnologias em novo patamar, enquanto instrumentos essenciais à identificação das necessidades e potencialidades do território, voltados à eficácia na sua gestão, tanto pela esfera pública quanto pela esfera privada.

2. Os sistemas técnicos e a configuração do território As características da sociedade e do espaço geográfico, em um dado período histórico estão em relação com um determinado estado das técnicas. Desse modo, afirma Santos (1996, p.137), “o conhecimento dos sistemas técnicos que marcam cada período é essencial para o entendimento das diversas formas históricas de estruturação, funcionamento e articulação dos territórios, desde os albores da história até os dias atuais. Cada período é portador de um sentido, partilhado pelo espaço e pela sociedade, representativo da forma como a história realiza as promessas da técnica.” Partindo dessa constatação, Santos (1996) identifica três períodos marcantes, resumidos em três palavras: a ferramenta, a máquina e o autômato, os quais expressariam períodos decisivos na relação do homem com o mundo vivo, os materiais e as formas de energia. Citando Laloup & Nelis (1962), explica que “a ferramenta é movida pela força do homem, inteiramente sob o seu controle; a máquina, também controlada pelo homem, é um conjunto de ferramentas que exige uma energia não humana; o autômato, capaz de responder às informações recebidas, nessas circunstâncias foge ao controle humano” (SANTOS, 1996, p. 138).

163

O sistema técnico hegemônico na atualidade é, por sua natureza, um sistema invasor. Isso explica a maior rapidez e generalização de sua expansão, quando comparado aos anteriores. Ele acaba impondo-se, direta ou indiretamente, pelo seu papel unificador dos processos globais, complementa Santos (1996). A tendência universalizante dos primórdios da história humana permitia criar, em diversos lugares, soluções técnicas próprias, mas convergentes. Não havia, entretanto, simultaneidade em sua aparição, nem o seu surgimento em um dado ponto da superfície terrestre acarretava obrigatoriamente repercussões em outros lugares. Já o processo iniciado com o capitalismo e

hoje plenamente afirmado com a

globalização, permite falar em uma idade universal das técnicas (SANTOS, 1996). Para que se possa compreender o papel da técnica na configuração do território, fundamental se faz discutir a compreensão de território que Milton Santos apresentou em sua obra.

3. Territórios Luminosos e Territórios Opacos na Região Sul do Brasil A Região Sul do país corresponde aos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e situa-se entre os paralelos 22º 30′ e 51º 30′ sul e os meridianos 48º 00′ e 57º 30′ oeste, praticamente na Zona Subtropical, uma vez que o Trópico de Capricórnio corta a região ao norte do Paraná, na altura da cidade de Maringá. É a menor região do Brasil em extensão, com 576.409,6 km², (aproximadamente 7% do território do país), faz fronteira com a região sudeste e centro-oeste, além dos países Uruguai, Paraguai e Argentina. Com uma população de 27.384.815 (Censo IBGE 2010) apresenta densidade demográfica de 47,99 hab/km². O IDH médio na região é 0,831 (PNUD/2005) e o PIB da região é de R$ 535.662 bilhões (IBGE/2009), representando 16,5% do PIB do país.

164

Para analisar a distribuição e a densidade de imagens de satélite de alta resolução espacial, demandadas e produzidas no território da Região Sul do Brasil, utilizou-se o software livre Google Earth, no qual imagens de alta resolução espacial, produzidas e captadas pela empresa Digital Globe (por meio do satélite Quickbird) estão sistematizadas, desde o ano de 2002, quando iniciou o processo de publicação das imagens no software, até o ano de 2009. Todas as imagens de satélite foram identificadas com suas respectivas coordenadas geográficas, sendo que foram consideradas aptas as que apresentavam taxa de nebulosidade inferior a 50%. A obtenção das coordenadas geográficas das imagens de satélite foi realizada através do posicionamento do cursor sobre o símbolo de identificação da Digital Globe de cada imagem, e transposição desses dados para uma planilha do software Microsoft Excel. Em seguida, foi importada a base vetorial do mapa da região Sul, disponível na base digital do IBGE. Na etapa seguinte foram criados arquivos de pontos constituídos pelas coordenadas geográficas das imagens de satélite coletadas no Google Earth. Para espacializar os dados obtidos e efetuar os cruzamentos de informações utilizouse o software livre de geoprocessamento Terraview, disponibilizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Neste ambiente virtual, a primeira tarefa executada foi a de criar um banco de dados. De posse da tabela de pontos criada no software Microsoft Excel, com a localização territorial das imagens de satélite de alta resolução espacial na Região Sul, de 2002 a 2009, procedeu-se a sua transposição para o SIG. Estes arquivos foram importados para o software Terraview, de forma que os pontos que representam a localização das imagens se sobrepuseram ao mapa da Região Sul, indicando as áreas com maior densidade de imagens (territórios luminosos) e as com pouca cobertura ou sem cobertura de imagens de satélite (territórios opacos), como pode ser observado na figura 1, que apresenta-uma série anual, de 2002 a 2009, do imageamento por satélite de alta resolução espacial realizado na Região Sul do Brasil.

165

Figura 1 - Imageamento por satélite de alta resolução espacial – Região Sul do Brasil – 2006 – 2009

166

Observando a distribuição das imagens de satélite no território da Região Sul evidenciam-se as áreas com maior densidade de imagens – os territórios luminosos: no Estado Paraná destacam-se a região de Foz do Iguaçu, no extremo oeste do Estado, na fronteira com Paraguai e Argentina, onde localiza-se a Hidrelétrica de Itaipu, estendendo-se no sentido norte, acompanhando a represa de Itaipu, no Rio Paraná; a região de Londrina e Maringá, ao norte do Estado; a região metropolitana de Curitiba, a leste; o centro sul, em que as primeiras imagens aparecem em 2003 e se destacam pela intensidade no ano de 2008, localizam-se 19 Unidades de Conservação, áreas indígenas, além de atividades de reflorestamento e de aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Iguaçu; a área litorânea, principalmente o litoral sul do Estado, com imageamento mais denso no ano de 2008, onde se localiza o Porto de Guarapuava, área em que também vem sendo realizados investimentos imobiliários. As áreas pouco ou sem imageamento no Paraná localizam-se principalmente nas porções centro nordeste e centro noroeste do Estado em que se encontram municípios que apresentam indicadores sociais aquém da média estadual (IPARDES, 2004). No Estado de Santa Catarina evidenciam-se com maior densidade de imagens a região litorânea, particularmente nos anos de 2003 e 2007, onde se localiza a capital Florianópolis, um dinâmico centro de lazer e turismo e, mais ao norte, a região de Blumenau e Joinvile, que se destaca pela atividade industrial; a região centro-oeste de Chapecó e de Concórdia, o que se explica pela dinâmica da atividade agroindustrial bem como pelos investimentos em Hidrelétricas no Rio Uruguai e, mais recentemente, o extremo oeste do Estado, na divisa com a Argentina. As áreas com baixa densidade ou nenhum imageamento em Santa Catarina localizam-se na porção norte do Planalto Catarinense e na área situada entre Chapecó e a fronteira oeste, áreas em que predominam pequenas propriedades agrícolas.

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No Estado do Rio Grande do Sul destacam-se pela maior densidade de imagemento a região metropolitana de Porto Alegre, abrangendo também a região de Caxias do Sul, a mais importante área industrial do Estado; a região sul do Estado, com destaque para Rio Grande, importante Polo Naval do país, estendendo-se até Pelotas e região da Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim até o Chuí ao sul, na fronteira com o Uruguai; a região litorânea, com destaque para o litoral norte, evidenciando os investimentos imobiliários e de infrestrutura de transportes que acontecem na região; ao norte e a noroeste, no Rio Uruguai, em decorrência dos investimentos em hidrelétricas; o centro do Estado, com destaque para Santa Maria, que sedia uma base da Força Aérea Brasileira, além de ser um importante centro Universitário e de abrigar o que resta do centro de logística do sucateado sistema ferroviário do Estado; destacam-se ainda a sudoeste a região de Alegrete, área de expansão da silvicultura (Stora Enso e Votorantim) e de Uruguaiana e Santana do Livramento, áreas de fronteira com a Argentina e o Uruguai. O Rio Grande do Sul é o Estado que aparesenta o maior índice de imageamento e a distribuição mais homogênea no território. Mas mesmo assim apresenta áreas de baixa densidade ou nenhum imageamento, com destaque para a porção central da metade sul do Estado, a área situada entre Santa Maria e a fronteira oeste e porções do território ao norte do Estado.

Considerações finais Estas constatações corroboram a afirmação de Milton Santos (1996), de que em sua versão contemporânea, a tecnologia se pôs a serviço de uma produção à escala planetária, onde nem os limites dos Estados, nem os recursos, nem os direitos humanos são levados em conta. Nada é levado em conta, exceto a busca desenfreada do lucro, onde quer que se encontrem os elementos capazes de permiti-lo. Assim, não resta dúvida de que há uma relação entre acesso à técnica, incremento da produção e maior luminosidade dos territórios. Entretanto, Milton Santos (1996, p. 191) é esclarecedor quando afirma que “quanto mais

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tecnicamente contemporâneos são os objetos, mais eles se subordinam às lógicas globais”. Ou seja, os territórios luminosos, prenhes de objetos tecnicamente contemporâneos, constituem-se nos vetores da racionalidade hegemônica, mas não forçosamente superior. “A questão, para nós, seria descobrir e pôr em prática novas racionalidades em outros níveis e regulações mais consentâneas com a ordem desejada, desejada pelos homens, lá onde eles vivem”. (SANTOS, 1994, p. 58). Os territórios opacos, por outro lado, poderiam ser entendidos como expressão do “atraso”, “excluídos” da racionalidade hegemônica. Santos (1994, p. 185), entretanto, afirma que a uma sociedade como a africana “escapa dessa racionalização, dessa globalização perversa, e por isso tem uma margem de liberdade maior”, na medida em que não há a presença de tantos objetos técnicos, permitindo aos locais o comando dos objetos. Com essa afirmação o autor tenta esclarecer que a “opacidade” de um território pode significar a possibilidade do surgimento do novo, do ainda não experimentado, como modos de vida mais sustentáveis, novas formas de produzir e consumir, ou da recuperação do que parecia perdido, como por

exemplo, práticas agrícolas

sustentáveis, recuperação de sementes crioulas, entre outras. Santos (1994, p. 90) propõe a compreensão do espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações. Os sistemas de objetos não funcionam e não têm realidade filosófica, isto é, não permitem conhecimentos, se forem vistos separados dos sistemas de ações. Da mesma forma os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos. Segundo o autor, os sistemas técnicos viabilizam a homogeneização, à medida em disponibilizam os meios através dos quais a ação se realiza no território. Estas colocações do autor remetem à necessidade de se buscar entender a realidade, ou seja, o papel dos objetos e das ações que na atualidade moldam, dão forma aos territórios, uma vez que, apesar de sua forma rígida, ao

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longo do tempo altera-se sua função, seu significado, sua obediência perante a ação. “A vida não é produto da técnica mas da política, a ação que dá sentido à materialidade. Basta não considerar o espaço como simples materialidade, isto, é o domínio da necessidade, mas como teatro obrigatório da ação, isto é, o domínio da liberdade”, afirma Santos (1994, p. 39). Assim, o conhecimento dos objetos e dos seus processos passa a ser fundamental para uma ação deliberada e renovadora, e o papel da geografia também se renova, na análise social e na construção do futuro.

REFERÊNCIAS CARISSIMI, Eduardo. Territórios luminosos e opacos: o imageamento de alta resolução espacial por satélite e a utilização das geotecncologias como ferramentas de análise territorial no Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) Universidade de Santa Cruz do Sul, 2011. FATORGIS. O que são geotecnologias. Disponível em: , acesso em: 14 mai. 2011a. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Produto Interno Bruto, Produto Interno Bruto per capita e população residente segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação - 2009. Disponível em: , acesso em 17 set. 2012. INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – IPARDES. Leituras Regionais: Mesorregiões Geográficas Paranaenses – Sumário Executivo. Curitiba: IPARDES, 2004. PNUD – Índice de Desenvolvimento Humano - IDH. Disponível em: , acesso em 16 out. 2012. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. RIO GRANDE DO SUL. Atlas Socioeconômico: Estado do Rio Grande do Sul. Secretaria da Coordenação e Planejamento. 2 ed. Porto Alegre: SCP, 2002. SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo:HUCITEC, 1994. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1996.

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