2 - Utilidade da filosofia

June 14, 2017 | Autor: Léo Amorin | Categoria: Public Opinion, Filosofia da Educação, Educação, Ensino de Filosofia, Utilidade Social
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2ª Proposta. Concepção Teórica-Pedagógica do Ensino da Filosofia como Filosofia
Qual a importância da Filosofia na educação? Qual a sua utilidade?

Para que será que serve a Filosofia? Talvez a última pergunta seja mais importante que a primeira, pois se a Filosofia por si não tem utilidade alguma, por que raios ela seria importante na educação? Inversamente, mostrar a importância da Filosofia na educação pressupõe-se uma sua utilidade... E qual é? E como não é comum tratar como importante algo que não serve para nada, tratemos então desta questão primeiramente.
Uma questão desse tipo assemelha-se bastante à lógica social atual: aquilo que temos, usamos, fazemos tem que ser útil, tem que ter finalidade, tem que dar um resultado, ser produtivo. Nesse sentido, a reflexão exigida pela pergunta é se a Filosofia pode contribuir com algo para essa sociedade, algo além de simples bolsistas correndo atrás de livros e intercâmbios e docentes universitários que continuem transmitindo, ou tentando, aquilo que pertence à história, aos métodos e às atividades típicas da Filosofia, a fim de justificar o seu sustento mensal.
Reproduzo, em primeira pessoa mesmo, a resposta de alguns alunos do Ensino Médio de certa escola técnica, pois que, uma vez que a Filosofia corre o risco de não servir para nada, mas atualmente se inserindo para todos, pouco importa quem dá uma resposta. Esses alunos me disseram que a Filosofia é importante para a vida deles, não no sentido financeiro, mas como seres humanos. É um modo de entender melhor o mundo, a realidade que os cerca e é tão complicada, por vezes incompreensível, e, por fim, de ajudá-los na formação de seu caráter. Parece bastante banal e falaciosa tal resposta, e de certa forma, pois a opinião de têm sobre si e o mundo é do âmbito comum, e não acadêmico-filosófico. No entanto, um olhar humilde e caridoso não deixa de ver certa semelhança com o pensamento de clássicos filósofos.
Aristóteles mesmo, em sua Metafísica, livro A 982, discorre sobre o assunto, e responde que a Filosofia é a busca do saber pelo saber, nascido da admiração, da perplexidade com o todo no qual estamos de algum modo imersos. Tornar-se mais sábio, escapar da ignorância diz o filosofo antigo. Sua Filosofia também discorre sobre uma ética, sobre o qual a melhor forma do homem agir e viver na sociedade, nesse sentido, não deixa de pensar sobre o caráter dos homens que viviam numa sociedade e que, para dar proporcionar uma vida de paz e justiça, deveria dar conta de garantir a boa convivência entre as pessoas. É algo que vai além do caráter dos homens, de fato, que vai até o limite das relações entre os humanos e entre esses e o mundo.
Isso acontece em Spinoza também. Principalmente em sua Ética, parte da explicação sobre Deus/Natureza até o homem, em todo seu agir e crer, e a melhor forma deste viver e se organizar, sempre numa sociedade que lhe garanta a paz e a proteção, e claro, principalmente em Spinoza, uma vida feliz.
Russell, de uma forma bastante próxima a certo aspecto do senso comum, mostra que é possível pensar a realidade ou tal como Descartes ou tal como Berkeley, por exemplo, mas sempre conscientes da fragilidade de cada pensamento, o que dá margem para que outros pensem a realidade de outra forma. E em todo caso, ao abordarmos a forma de viver a moral ou a ética sempre terá o mesmo princípio: viver numa sociedade que nos garanta a paz e a segurança.
Em suma temos então duas utilidades da Filosofia: ajudar-nos a saciar nossa curiosidade sobre o mundo, e ajudar-nos a pensar na melhor forma de viver nele e com os demais seres humanos. Se o que vamos descobrir e tudo isso é verdade – A Verdade – é outra história; de certa forma, crê-se que todos os filósofos clássicos crêem que seus sistemas mostram a verdade – nem que ela seja a impossibilidade de conhecer as coisas em si mesmas, se é que elas existem. Ao estudarmos esses clássicos, é interessante o quanto nos parece ser verdadeiro um e outro sistema, por mais contrários que sejam, e nos faz pensar tanto que a verdade não existe – o que é uma falácia de ordem lógica, psicológica e epistemológica – quanto pensar que aquilo em que pessoalmente cremos não deixa de ser uma possibilidade. Na busca pela verdade, então, não é que devemos abandonar nossas crenças, mas estarmos preparados para a chance dela não ser verdade.
Nesse sentido, ser útil, no sentido mercadológico atual, não é o caso da Filosofia:
""Filosofia" tem, mesmo no seu sentido lato, uma ligação com um saber que se percebe como sendo mais relevante, relativo a coisas mais fundamentais, embora menos diretamente úteis, que um simples saber empírico, ou que um saber ligado a produções de coisas indispensáveis para a sobrevivência." (IGLÉSIAS, Maura. 1986)
FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO
Uma vez que temos essa dupla utilidade da Filosofia, na educação do ser humano, não tem outra função senão essa mesma. É da natureza do homem questionar a si e ao que lhe é externo, todos nos perguntamos, por vezes olhando para o céu, qual o limite de tudo isso, o que a no fim do universo, se a nossa morte é nosso fim, como e por que tudo começou... É da natureza do homem desenvolver essas questões e buscar respostas, não que as vá encontrar, mas nem por isso deixa de buscar. A Filosofia na educação teria como principal tarefa ajudar seus alunos a desenvolverem o raciocínio crítico sobre a realidade que os cerca, a maneira mais adequada de perguntar sobre a origem e finalidade das coisas; apresentar um filósofo clássico ajuda-nos a ver não só uma solução possível, mas outras "ferramentas" que podemos utilizar para essa incessante pesquisa sobre a verdade. E faz parte dessas "ferramentas" a habilidade de desconstruir, derrubar mesmo, qualquer sistema filosófico.
Se a ciência também busca verdades, o faz com um aparato bem mais restrito que a Filosofia, chegando a resultados estritos, por vezes a convenções e teorias, o que é diferente de mostrar a verdade em sua totalidade. As ciências são como gavetas de arquivos, tudo organizado por assuntos e em métodos diferentes, cada ferramenta de pesquisa separada em sua área. A Filosofia, a princípio, seria ausência da gaveta e da organização, com tudo simultaneamente espalhado, tal como é a realidade, cabe então ao que faz Filosofia tentar ordenar tudo isso a fim de chegar a respostas que estão além da possibilidade da ciência, como é o caso da metafísica. Ensinar Filosofia é fazer isso. Ensinar história da Filosofia, ao contrário, seria dar foco aos sistemas filosóficos em cada contexto histórico, descompromissado com a verdade, comprometido mais com a recuperação das hipóteses e argumentos dos filósofos.
No segundo ponto temos a questão da ética e da moral. É da natureza do ser humano procurar um jeito de viver bem, isso é apresentado não apenas nos sistemas filosóficos, mas em nossas ações cotidianas; quando um indivíduo se sente impossibilitado de alcançar tal fim, com frequência cai num mar de depressão e risco de suicídio. "O que sou e para que sirvo nesse mundo?" É algo que sempre ouvimos, e a cada vez que visitamos um velório voltamos a pensar, aderindo ao senso comum de que temos uma missão, que vamos para um lugar melhor. Tentamos dar sentido à vida e o que fazemos dela, e isso é tão pertinente à Filosofia quanto questionar a realidade externa a nós; está tudo intimamente ligado, não havendo nada 100% externo nem nada 100% interno, como diria a professora Simone Weil. E isso é perfeitamente sensato, principalmente ao nos depararmos com os sistemas filosóficos clássicos, cuja resposta referente à ontologia e a epistemologia dá diferentes justificativas para vários tipos diferentes de Moral, Ética e Política. É também o papel que o ensino da Filosofia mesma desempenha na educação: a reflexão sobre o que somos, o que temos e não capacidade de fazer, como devemos agir e nos organizar em sociedade.
É diferente das aulas de Ética e Cidadania, de Moral e Cívica, e até de Sociologia que partem de pressupostos, que mal se importam em justificar ou explicar, e poucas vezes vêm a questionar; além disso, essas disciplinas estão muito mais ligadas ao interesse político da sociedade, ou de algum partido, de alguma ideologia específica, o que não pode ser o norte, o senhor, da Filosofia. Nesse sentido, longe de querer destruir a ordem vigente, mas querendo antes entender para depois dar algum parecer, o ensinar filosofia ajuda a termos em nós aquele espírito socrático de questionar esses pressupostos e ideologias, as certezas do senso comum, procurando o que pode haver de verdade no fundo de tudo isso, e o que é convenção, superstição, imposição e, claro, o que é próprio da natureza humana.
Eis a utilidade da Filosofia na educação. Poderia acabar meu texto aqui. Estaria tudo muito bonito, muito interessante, despertaria já muitas discussões. Mas não seria sincero comigo mesmo. Não vejo a Filosofia assim tão livre em lugar algum. Em mim, por exemplo, e agora assumo de vez a primeira pessoa do discurso, respondo que a filosofia tem utilidade porque é o que a intenção que a questão inicial pressupõe – já que a pergunta foi "Qual é a utilidade da Filosofia?" e não "A Filosofia tem utilidade?". É provável que se a pergunta fosse a segunda, muitos, e até eu mesmo responderia negativamente, com argumentos tão bons ou melhores que os utilizados para responder a questão proposta. A Filosofia é tão crítica com tudo e consigo mesma, que é possível utilizá-la para justificar, senão qualquer, muita coisa em que cremos e fazemos. Há quem utilize da Filosofia para justificar a escravidão, a monarquia, a democracia, a anarquia, a teologia, o poder papal, o Estado laico; há adeptos ao nazismo (filósofos!) que utilizaram a Filosofia para fundamentar os interesses de seu partido; há democratas que encontram em Maquiavel um grande adepto da soberania popular; na escola pública brasileira, o Estado tenta passar para o aluno, todos os valores que defende, como a democracia, igualdade de classes econômicas, de gênero etc. através da Filosofia – e da Sociologia. Não quero dizer que sou contra tudo ou favorável a uma ou outra idéia, mas que para todas essas intenções visivelmente díspares a Filosofia possibilita desenvolver um fundamento. E nesse sentido tendo a concordar com a opinião inserida no "The Problems of Philosophy" do Russell, como citei anteriormente. O problema é que essa diferença impossibilita um acordo enquanto todas são possíveis; seria necessário suprimir boa parte delas a fim de estabelecer uma, e aí perdemos a Filosofia, e ficamos com a velha Moral e Cívica, com Ética e Cidadania, etc.
Enfim, pessoalmente, vejo a Filosofia como uma legítima prostituta, ou melhor, uma gueixa (isso!), que vive para servir, satisfazer a vontade daqueles que a procuram, de construir para cada um, uma "verdade" que lhe convenha, que explique sua situação de vida e lhe justifique suas ações. Tal como uma gueixa, a Filosofia mesma, em toda sua riqueza de sabedoria e erudição, só tem uma utilidade enquanto tem quem a utilize, quem a ela recorra quem a ela dê sentido. De fato, enquanto faz parte de nossa natureza querer entender a natureza de tudo, sempre haverá uma casa de chá para filosofar a seu bel prazer.

Referências:
CERLETTI, Alejandro A; KOHAN, Walter Omar. A filosofia no ensino médio: caminhos para pensar seu sentido. Brasília, DF: Editora da UnB, 1999.
IGLÉSIAS, Maura. O QUE É FILOSOFIA E PARA QUE SERVE. In REZENDE, Antonio Org. Curso de Filosofia. Jorge Zahar Editor/SEAF, Rio de Janeiro, 1986.
WEIL, Simone. Aulas de filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1991.
RUSSELL, B. The Problems of Philosophy. Oxford, Oxford University Press, 1983.

Filme:
MARSHALL, Rob; WICK, Douglas; FISHER, Lucy; SPIELBERG, Steven. Memórias de uma Gueixa (Mermoirs of a Geisha). [Filme-Vídeo]. Produção de Douglas Wick, Lucy Fisher, Steven Spielberg, direção de Rob Marshall. Estados Unidos, 2005. DVD/NTSC, 145 min. color. son.

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