2002 - Da pré-história à história indígena: (re)pensando a arqueologia e os povos canoeiros do Pantanal (tese de doutorado)

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Descrição do Produto

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História Área de Concentração em Arqueologia

DA PRÉ-HISTÓRIA À HISTÓRIA INDÍGENA: (RE)PENSANDO A ARQUEOLOGIA E OS POVOS CANOEIROS DO PANTANAL

JORGE EREMITES DE OLIVEIRA

Orientador: Prof. Dr. Klaus Peter Kristian Hilbert.

Porto Alegre, julho de 2002.

2 JORGE EREMITES DE OLIVEIRA

DA PRÉ-HISTÓRIA À HISTÓRIA INDÍGENA: (RE)PENSANDO A ARQUEOLOGIA E OS POVOS CANOEIROS DO PANTANAL

Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em História – Área de Concentração em Arqueologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial e último para a obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Klaus Peter Kristian Hilbert.

Porto Alegre, julho de 2002.

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Aos meus filhos, Luiz Octavius e Victoria Georgia, pela continuidade da vida e de muitas histórias. Ao meu pai, Humberto Eremites de Oliveira (in memoriam), navegador ousado da Fernandes Vieira e de outras antigas naus pantaneiras, por tudo. Ao etnólogo Max Schmidt (in memoriam), à lingüista Adair Pimentel Palácio e ao cineasta Joel Pizzini Filho, pela contribuição dada à ciência e ao povo Guató. Ao povo Guató, especialmente para dona Negrinha, Josefina, Pedro (in memoriam), José (in memoriam), Veridiano, Júlia e Vicente, pelos valorosos ensinamentos e pela ressurreição das cinzas.

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Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas, Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos de um mar extinto. Caminha sobre as conchas dos caracoes da terra. Certa vez encontrou uma voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”, ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares conversamentos de gaivotas. E passam navios caranguejeiros por ele, carregados de lodo. Sombra-Boa tem hora que entra em pura decomposição lírica: “Aroma de tomilhos dementam cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em Pássaro. Me disse em língua-pássaro: “Anhumas premunem mulheres grávidas, três dias antes do inturgescer.” Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas: “Borboletas de franjas amarelas são fascinadas por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a garças. Nascera engrandecido de nadezas. Manoel de Barros (2000:81)

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AGRADECIMENTOS

Agradecer não é tarefa fácil, principalmente quando se precisa relacionar pessoas e instituições que contribuíram para a conclusão de uma monografia acadêmica do tipo tese de doutorado. No caso deste trabalho, são tantos os nomes que acabei optando por registrar a contribuição recebida de dezenas de colegas e amigos, além de algumas instituições, ainda que correndo o risco de cometer a gafe de omitir o nome de alguns. Se por acaso isso vier a acontecer, não terá sido a primeira vez, será reincidência; em minha dissertação de mestrado acabei cometendo a mesma indelicadeza. Contudo, também não será novidade desde antemão manifestar minha gratidão e pedir desculpas pela falha de memória. Quero então agradecer, por ordem alfabética, às seguintes pessoas e instituições, sem as quais teria sido muito mais difícil chegar até aqui: -

Adelina Pusineri, historiadora e diretora do Museu Etnográfico Andrés Barbero, pela amizade, bibliografia enviada, estímulo e apoio;

-

Adolfo, ex-comandante da Capitania dos Portos do Pantanal, pelo transporte e ajuda durante os trabalhos de campo de 1997;

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Beatriz dos S. Landa, arqueóloga e professora da UEMS, Unidade de Mundo Novo, Cláudio Carle, doutorando em Arqueologia pela PUCRS, André Luís R. Soares, arqueólogo e professor da UFSM, e Sílvia M. Copé, arqueóloga e professora da UFRGS, pelo material cedido sobre as pesquisas arqueológicas realizadas em Mato Grosso do Sul no início da década de 1990;

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Benjamim e Gaspar, funcionários do IBAMA no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, pela camaradagem pantaneira;

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Betty J. Meggers, arqueóloga da Smithsonian Institution, pela datação de C14, bibliografia enviada e informações indispensáveis;

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Carla e Rosana, da Secretaria do Pós, pelo sempre pronto e gentil atendimento;

6 -

CAPES, pela bolsa de estudos;

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Centro de Ação Ambiental do Pantanal, antiga base da ECOA em Corumbá, pelo apoio dado durante o trabalho de campo de 1997;

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Cláudio A. de Vasconcelos, historiador, professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em História da UFMS, Campus de Dourados, aqui representando todos os demais amigos do Departamento de Ciências Humanas, pela amizade, confiança, estímulo e apoio;

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Eudes Fernando Leite, historiador e professor da UFMS, Campus de Corumbá, pela amizade, ensinamentos sobre História Oral e críticas historiográficas à Primeira Parte;

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Francisco S. Noelli, arqueólogo e professor da UEM, pelas sugestões, bibliografia enviada e críticas à Segunda Parte;

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Geancarlo Kovacs, Marilene da S. Ribeiro e Ilene K. Viegas, ex-estagiários do Laboratório de Arqueologia, Etnoistória e Etnologia da UFMS, Campus de Dourados, pela ajuda em laboratório;

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Geraldo A. Damasceno Júnior, biólogo e pesquisador da UFMS, Campus de Corumbá (Campus do Pantanal), pela ajuda na identificação de algumas espécies florísticas;

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Henrique de Oliveira, agrônomo da EMBRAPA-CPAP, pela ajuda inicial no desenho dos croquis dos assentamentos Guató;

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Irmhild Wüst, arqueóloga vinculada ao Museu Antropológico da UFG, pelas criticas e bibliografia enviada nos primeiros momentos;

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Ivone Verardi, secretária do Instituto Anchietano de Pesquisas, pelo estímulo, amizade e ajuda desde há muito prestadas;

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Joaquim, piloteiro de barcos no Pantanal e amigo desde a infância na lendária Praia Vermelha, em Corumbá, pela calorosa recepção à bordo do Índia Porã, em 1997;

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José (in memoriam), Júlia, Veridiano e Vicente, quatro dos últimos argonautas do Caracará, pela paciência, ensinamentos e momentos de alegria;

-

Joel Pizzini Filho, cineasta douradense, pela parceria nas andanças pelo território Guató entre 1998 e 2000;

7 -

José Joaquim J. P. Brochado, arqueólogo, ex-orientador e professor da PUCRS, pela confiança e apoio durante os primeiros passos;

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José María López Mazz (Peppino), pela bibliografia enviada e pelas críticas apresentadas à Segunda Parte;

-

Klaus Peter K. Hilbert, arqueólogo, orientador e professor da PUCRS, pela amizade e pela confiança em mim depositada desde os primeiros momentos;

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Levi Marques Pereira, antropólogo e professor da UFMS, Campus de Três Lagoas, pelas discussões sobre parentesco e organização social, indispensáveis para a conclusão da Terceira Parte;

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Luiz Octavius R. de Oliveira e Victoria Georgia C. de Oliveira, meus filhos, por todos os momentos felizes e pela motivação necessária;

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Margareti N. Cheuiche, pelo apoio em muitos momentos;

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Maria Clara Migliacio, arqueóloga da 18ª Regional do IPHAN, em Cuiabá, pela amizade, discussões, troca de informações e bibliografia enviada;

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Maria Dulce Gaspar (Madu), pelas críticas apresentadas à Segunda Parte;

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Mário Geraldine, geógrafo e professor da UFMS, Campus de Dourados, pelas aulas de Cartografia;

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Monika Röper, geógrafa, pela bibliografia enviada;

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Museu Etnográfico Andrés Barbero, de Assunção, Paraguai, pelo apoio dado durante algumas etapas das pesquisas bibliográficas e pelo acesso concedido para estudar parte de sua coleção arqueológica e etnográfica, bem como às fotografias tiradas por Max Schmidt em 1901, 1910 e 1928;

-

Pedro Ignacio Schmitz, arqueólogo e diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas/UNSINOS, pelo acesso à biblioteca de sua instituição e pela iniciação em Arqueologia;

-

Pedro Paulo A. Funari, arqueólogo e professor da UNICAMP e do MAE-USP, pelas indispensáveis discussões, bibliografia enviada e críticas à Primeira Parte e à Segunda Parte;

8 -

Rafael Bartolomucci, ex-estagiário do Instituto de Estudos Evolutivos-USP, sob orientação de Walter A. Neves, pela valiosa ajuda durante as peripécias em Janeiro de 1998;

-

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, especialmente ao Departamento de Ciências Humanas (DCH) do Campus de Dourados e à Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPP), Coordenadoria de Pós-graduação, pelo apoio dado ao meu afastamento integral para fins de capacitação docente;

-

Tania A. Lima, arqueóloga e professora do Museu Nacional/UFRJ, pelas críticas, sugestões e bibliografia enviada durante a elaboração da Primeira Parte e da Segunda Parte. A todas essas pessoas e instituições, mais uma vez muito obrigado!

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RESUMO

Esta tese analisa criticamente a história e a historiografia da Arqueologia Pantaneira, desde a segunda metade do século XIX até fins do século XX, e aborda o processo de ocupação indígena das terras baixas do Pantanal, desde os primeiros pescadores-caçadores-coletores da pré-história até os atuais canoeiros Guató. O objetivo maior é contribuir para a composição de uma História Indígena total, em seus múltiplos aspectos e perspectivas espaço-temporais, a partir de uma abordagem interdisciplinar que emprega procedimentos teórico-metodológicos próprios da Arqueologia, Antropologia e História. Para tanto, foram utilizados dados contidos em fontes textuais diversas, informações recolhidas a partir da tradição oral dos Guató e os resultados de pesquisas arqueológicas, etnográficas e etnoarqueológicas. Foi possível demonstrar que a Arqueologia Pantaneira tem sido pautada pelo estudo de povos pescadores-caçadores-coletores, associados à macro-tecnologia ceramista conhecida no Brasil como tradição Pantanal e a estruturas monticulares do tipo aterro, os quais se estabeleceram na região muito antes do início da Era Cristã. Nos dias de hoje, a Arqueologia Pantaneira reflete as mesmas mudanças de nuance constatadas para a Arqueologia Brasileira desde a década de 1980. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, período de muitas disputas entre Espanha e Portugal pelo domínio do alto Paraguai, foram produzidos vários relatos que atestam a existência de um extraordinário mosaico sociocultural no centro da América do Sul, inclusive de um complexo de povos canoeiros formado por sociedades cultural e lingüisticamente distintas. De todas essas sociedades, a dos Guató é a mais conhecida do ponto de vista etnoistórico e etnológico, estando tradicionalmente organizada em grupos domésticos ligados por laços de consangüinidade, descendência e afinidade, relacionados a um particular sistema de patrilocalidade e patrilinearidade. Palavras-chave: Arqueologia, Etnoarqueologia, Guató, História Indígena, Historiografia, Pantanal.

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RESUMEN

Esta tesis analiza críticamente la historia y la historiografía de la Arqueología Pantanera, desde la segunda mitad del siglo XIX hasta finales del siglo XX, y aborda el proceso de ocupación indígena de las tierras bajas del Pantanal, desde los primeros pescadorescazadores-recolectores de la prehistoria hasta los actuales canoeros Guató. El objetivo principal es contribuir a la composición de una Historia Indígena total, en sus múltiples aspectos y perspectivas espacio-temporales, a partir de un abordaje interdisciplinario que emplea procedimientos teórico-metodológicos propios de la Arqueología, Antropología y la Historia. Para tanto, fueron utilizados datos contenidos en fuentes textuales diversas, informaciones recogidas a partir de la tradición oral de los Guató y los resultados de las investigaciones arqueológicas, etnográficas y etnoarqueológicas. Fue posible demostrar que la Arqueología Pantanera ha sido pautada por los estudios de los pueblos pescadorescazadores-recolectores, asociados a la macro-tecnología ceramista conocida en el Brasil como tradición Pantanal y a las estructuras monticulares del tipo aterrado, los cuales se establecieron en la región mucho antes del inicio de la Era Cristiana. En los días de hoy, la Arqueología Pantanera refleja los mismos cambios de matices constatados para la Arqueología Brasilera desde la década de 1980. En los siglos XVI, XVII y XVIII, período de muchas disputas entre España y Portugal por el dominio del Alto Paraguay, fueron producidos varios relatos que atestiguan la existencia de un extraordinario mosaico sociocultural en el centro de América del Sur, inclusive de un complejo de pueblos canoeros formado por sociedades cultural y lingüísticamente distintas. De todas esas sociedades, la de los Guató es la más conocida desde el punto de vista etnohistórico y etnológico, estando tradicionalmente organizada en grupos domésticos ligados por lazos de consanguinidad, descendencia y afinidad relacionados a un particular sistema de patrilocalidad y patrilinealidad. Palabras-clave: Arqueología, Etnoarqueología, Guató, Historia Indígena, Historiografía, Pantanal.

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ABSTRACT

This PhD dissertation analyzes critically the history and historiography of the Archaeology of the Pantanal area, from the second half of the 19th to end of the 20th, and it aims at studying the process of indigenous occupation of the low lands of the region, from the first fishers-hunters-gathers of the prehistory to the current canoeists Guató. The larger objective is to contribute to the composition of an Indigenous History, in its multiples aspects and perspectives, starting from an interdisciplinary approach using theoreticalmethodological procedures of common to Archeology, Anthropology and History. Data were drawn from several textual sources, information collected through the Guató oral tradition and the results of archeological, ethnographic and ethnoarchaeological research. It was possible to demonstrate that the Archaeology of the Pantanal area has been ruled by the study of fishers-hunters-gathers people, associated to the series of ceramic styles known in Brazil as Pantanal tradition and the mounds, which settled down in the area several centuries before the beginning of the Christian Era. Nowadays, the Archaeology of the Pantanal area reflects the same trends that are common to the Brazilian Archeology since 1980s. In the 16th, 17th, and 19th centuries, period of many disputes between Spain and Portugal for the control of Upper Paraguay river, several reports were produced that attest the existence of an extraordinary sociocultural mosaic in the center of South America, besides that of a complex of canoeists people formed by cultural and linguistically different societies. Of all those societies, the Guató are best known ethnohistorically and ethnologically, being traditionally organized in domestic groups linked by blood relationships, descent and likeness, related to patrilocality and patrilineal systems. Keywords: Archaeology, Ethnoarchaeology, Guató, Indigenous History, Historiography, Pantanal.

12

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

5

RESUMO

9

RESUMEN

10

ABSTRACT

11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

14

LISTA DE QUADROS E TABELAS

19

INTRODUÇÃO: O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A PESQUISA

20

PRIMEIRA PARTE. ARQUEOLOGIA PANTANEIRA: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA (1875-2000)

45

1. PRIMEIRO MOMENTO

46

1.1. Primeiras descobertas divulgadas

49

1.2. Max Schmidt

52

1.3. Branka Susnik

61

1.4. Outros aportes importantes

70

1.5. Caçadores de civilizações perdidas

76

2. SEGUNDO MOMENTO

81

2.1. A Arqueologia Brasileira hoje

83

2.2. O Projeto Corumbá

97

2.3. Outros projetos relevantes

134

2.4. Pesquisas no âmbito da Arqueologia por contrato

139

SEGUNDA PARTE. POVOS INDÍGENAS NAS TERRAS BAIXAS DO PANTANAL: IDÉIAS, PROBLEMAS E PERSPECTIVAS

156

3. O QUE É PANTANAL?

157

3.1. De Xarayes a Pantanal

157

13 3.2. Aspectos ambientais

161

4. O INÍCIO DO POVOAMENTO INDÍGENA

173

4.1. O Pantanal e o início do povoamento humano da América do Sul

175

4.2. O aterro MS-CP-22

180

5. A INTENSIFICAÇÃO DA OCUPAÇÃO INDÍGENA

187

5.1. O ótimo climático como marco temporal

188

5.2. A tradição Pantanal

190

5.3. Forrageadores ou pescadores-caçadores-coletores?

215

5.4. Processos de formação, usos e significados dos aterros

218

5.5. O estilo Alto Paraguai

236

5.6. Povos indígenas em tempos coloniais

246

TERCEIRA PARTE. SEGUINDO VIAGEM RIO ACIMA: ETNOISTÓRIA E ETNOARQUEOLOGIA GUATÓ

263

6. ESSES CANOEIROS QUASE DESCONHECIDOS

264

6.1. Língua

266

6.2. Organização social

271

7. OS ARGONAUTAS NO BAIXO SÃO LOURENÇO

348

7.1. Transcurso histórico e sociocultural

349

7.2. Os dois últimos assentamentos

361

CONCLUSÃO: UMA PEQUENA SÍNTESE DAS IDÉIAS

431

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

437

14

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Desenho do Letreiro da Gaíva

51

Figura 2: Mapa com a localização das áreas abrangidas pelo Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul

102

Figura 3: Mapa da área do Projeto Corumbá

112

Figura 4: Mapa da bacia platina e da via fluvial Paraguai-Paraná, com destaque para o Pantanal Matogrossense Figura 5: Mapa localizando o Pantanal Matogrossense e suas sub-regiões ou Pantanais

166

Figura 6: Desenho esquemático das províncias fitogeográficas da bacia do alto Paraguai e suas áreas de influência

167

Figura 7: Desenho esquemático dos elementos da paisagem no Pantanal

172

Figura 8: Localização e planta baixa da área aproximada do sítio MS-CP-22

183

Figura 9: Cerâmica da Tradição Pantanal

197

Figura 10: Cerâmica da Tradição Pantanal

198

Figura 11: Cerâmica da Tradição Pantanal

199

Figura 12: Cerâmica da Tradição Pantanal

200

Figura 13: Cerâmica da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

201

Figura 14: Cerâmica da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

202

Figura 15: Cerâmica da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

203

Figura 16: Cacos cerâmicos da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

204

Figura 17: Cacos cerâmicos da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

205

Figura 18: Artefatos líticos (Puerto 14 de Mayo)

206

Figura 19: Contas de colar e pingentes (Puerto 14 de Mayo)

207

Figura 20: Vasilha cerâmica da Tradição Pantanal (Puerto 14 de Mayo)

208

Figura 21: Artefato ósseo (Puerto 14 de Mayo)

209

Figura 22: Aterro MS-MA-18 visto da rodovia BR 262

221

Figura 23: Aterradinho do Bananal

221

Figura 24: Aterro MS-CP-16 em época de seca na lagoa do Jacadigo

222

165

15 Figura 25: Aterro existente no lago Ypoá, República do Paraguai

222

Figura 26: Aterro do Puerto 14 de Mayo, República do Paraguai

223

Figura 27: Perfil topográfico do aterro MS-MA-50, localizado no Pantanal do Abobral

226

Figura 28: Gravuras rupestres do sítio MS-CP-03

240

Figura 29: Letreiro da Gaíva

241

Figura 30: Diagrama de parentesco Guató elaborado por Kalervo Oberg

318

Figura 31: Índios Guató em suas canoas

319

Figura 32: Ancião e menina Guató

320

Figura 33: Guató na localidade de Passagem Velha

321

Figura 34: Mulheres Guató e filhos na confluência do rio São Lourenço com o Paraguai Figura 35: Família Guató morta por dois Guaná

322 323

Figura 36: Mulheres Guató

324

Figura 37: Família Guató em sua canoa

325

Figura 38: Homem e menino Guató em sua casa tradicional

325

Figura 39: Homens Guató do Caracará (pai e quatro filhos)

326

Figura 40: Panela e tigela Guató

327

Figura 41: Panela Guató

327

Figura 42: Panela e tigela Guató

328

Figura 43: Bilhas d’água Guató

329

Figura 44: Bilha d’água Guató

329

Figura 45: Xícaras Guató que lembram bilha d’água e panela

330

Figura 46: Bilha d’água Guató

331

Figura 47: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

332

Figura 48: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

332

Figura 49: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

333

Figura 50: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

333

Figura 51: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

334

Figura 52: Cacos de vasilhas Guató encontrados em um aterro da região do rio Caracará

334

Figura 53: Vista panorâmica de um aterro Guató existente na região do rio Caracará

335

16 Figura 54: Sepultamento Guató encontrado em um aterro da região do rio Caracará

335

Figura 55: Homens Guató da região do rio Caracará

336

Figura 56: Homens Guató da região do rio Caracará

336

Figura 57: Homens Guató da região do rio Caracará

337

Figura 58: Mulheres Guató da região do rio Caracará

338

Figura 59: Mulheres Guató da região do rio Caracará

338

Figura 60: Mulheres Guató da região do rio Caracará

339

Figura 61: Bilha d’água Guató que aparece na Figura 60

339

Figura 62: Casa Guató às margens do rio Caracará

340

Figura 63: Guató João Cotó e seu filho em sua casa tradicional

340

Figura 64: Homens Guató limpando dois bugios caçados

341

Figura 65: Família do Guató Luiz Velho

341

Figura 66: Parentes de Chico ou capitão Fernandes

343

Figura 67: Zaui’ta, filho do Guató Luiz Velho

344

Figura 68: Francolina Rondon em 1928

345

Figura 69: Francolina Rondon em 1998

346

Figura 70: Chico ou capitão Fernandez

347

Figura 71: Pedro, filho de Chico ou capitão Fernandez, primeiro marido de Francolina Rondon

348

Figura 72: Mapa de parte da área do Pantanal Matogrossense com destaque para os assentamentos Guató do baixo São Lourenço

391

Figura 73: Mapa da região do rio Caracará com a plotação de aterros e outros assentamentos Guató identificados por Max Schmidt em 1910

392

Figura 74: Fotografia aérea tirada em 25/6/1965, na qual aparecem os dois assentamentos Guató do baixo São Lourenço

393

Figura 75: Croqui de um assentamento Guató localizado à margem esquerda do rio São Lourenço, Pantanal Matogrossense (Jul./1997)

394

Figura 76: Croqui de um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense (Jan./1998)

395

Figura 77: Perfil topográfico da área central de um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense (SE-NO) (Jan./1998)

396

Figura 78: Perfil topográfico da área central de um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense (NE-SO) (Jan./1998)

397

Figura 79: Croqui da roça de mandioca de um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense (Jan./1998)

398

Figura 80: Croqui da roça em descanso de um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense (Jan./1998)

399

17 Figura 81: Planta baixa detalhada da casa existente em um assentamento Guató localizado no morro do Caracará, Pantanal Matogrossense

400

Figura 82: Vista panorâmica do rio São Lourenço, encosta do morro do Caracará, serra do Amolar e barco de mascate a partir do Assentamento 1

401

Figura 83: Vista aérea do morro do Caracará e seu entorno

402

Figura 84: Vista da baía do Caracará e do rio São Lourenço a partir do morro do Caracará

402

Figura 85: Vista panorâmica do assentamento 1 em tempo de seca

403

Figura 86: Estrutura de habitação do assentamento 1

403

Figura 87: Estrutura de habitação do assentamento 1

404

Figura 88: Estrutura de habitação do assentamento 1

404

Figura 89: Antiga estrutura de habitação e ponto de comércio do assentamento 1

405

Figura 90: Estrutura do antigo chiqueiro do assentamento 1

405

Figura 91: Júlia na parte central do assentamento 1 lavando um prato após a refeição

406

Figura 92: Vicente limpando peixes sobre a plataforma do assentamento 1

406

Figura 93: Fogão principal do assentamento 1 durante o preparo de arroz cozido e pacu assado

407

Figura 94: Jirau próximo ao fogão principal do assentamento 1

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Figura 95: Bodoque sobre mesa de madeira no assentamento 1

408

Figura 96: Mesas e objetos variados no assentamento 1

408

Figura 97: Extremidade de zinga

409

Figura 98: Gancho para derrubar frutas

409

Figura 99: Ponta de zagaia

409

Figura 100: Couraça ou barrigada de jacaré

410

Figura 101: Ralador de mandioca

410

Figura 102: Gamelas de madeira

411

Figura 103: Pedra para afiar lâminas

411

Figura 104: Porrete de matar peixes, chaira e facas

412

Figura 105: Estrutura de habitação do assentamento 2

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Figura 106: Estrutura de habitação do assentamento 2

413

Figura 107: Estrutura de habitação do assentamento 2

413

Figura 108: Estrutura de habitação do assentamento 2

414

Figura 109: Interior da casa

414

Figura 110: Altar no interior da casa

415

Figura 111: Veridiano e José na hora do mate

415

18 Figura 112: Veridiano, José e Jorge Eremites limpando peixes

416

Figura 113: Veridiano limpando um pacu em cima da plataforma

416

Figura 114: José preparando o almoço

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Figura 115: Fogão principal quando do preparo do almoço

417

Figura 116: Panela com ensopado de piranhas

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Figura 117: Fogão principal após o preparo do almoço

418

Figura 118: José confeccionando um cachimbo

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Figura 119: José confeccionando um cachimbo

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Figura 120: Cachimbos de barro e piteiras Guató

421

Figura 121: Pelotas de barro confeccionadas por Vicente

421

Figura 122: José em sua canoa de ximbuva

422

Figura 123: Jirau próximo ao fogão

422

Figura 124: Guampa e bomba para tomar mate

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Figura 125: Bodoque confeccionado por Veridiano

423

Figura 126: Viola de cocho confeccionada por Veridiano

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Figura 127: Quebra-coquinhos, marreta, facão, formão e pedra de afiar lâminas

424

Figura 128: Garrafas de vidro e vassoura

425

Figura 129: Ponta de arpão apoiado em árvore

425

Figura 130: Detalhe da estrutura de habitação do assentamento 2

426

Figura 131: Mandíbula de jacaré descartada em lixeira

426

Figura 132: Diversos objetos no assentamento 2

427

Figura 133: Machado, lenha, couraças de jacaré, crânio de capivara e remo em lixeira

427

Figura 134: Quebra-coquinho após ser usado para quebrar cocos de bocaiúva

428

Figura 135: Zagaia apoiada no revestimento parietal da estrutura de habitação do assentamento 2

428

Figura 136: Panela com tampa plástica, espátula e colheres

429

Figura 137: Canoa e plataforma

429

Figura 138: Panelas e pratos usados para preparar e servir comida aos animais domésticos

430

Figura 139: Pedras delimitadoras para o fogão usado no interior da casa

430

Figura 140: Fogão sendo usado sem as pedras delimitadoras, no interior da casa, para aquecer água para tomar mate

431

Figura 141: Colher e espátula de pau

431

19

LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1: Aterros ou yvychoví encontrados no Paraguai

73

Quadro 2: Sítios arqueológicos investigados no Projeto Tapajós

79

Quadro 3: Datações absolutas para sítios localizados na região do Pantanal e áreas adjacentes

241

Quadro 4: Projetos de pesquisa arqueológica no Pantanal Matogrossense e áreas adjacentes

245

Quadro 5: Alguns povos indígenas mais conhecidos e identificados no Pantanal a partir do século XVI

261

Quadro 6: Terminologias das relações de parentesco Guató

310

Quadro 7: Símbolos usados em diagramas de parentesco

316

Quadro 8: Assentamentos Guató no baixo São Lourenço e rio Caracará

359

Quadro 9: Algumas espécies florísticas utilizadas pelos Guató

378

Quadro 10: Algumas espécies faunísticas conhecidas pelos Guató

380

Quadro 11: Artefatos e estruturas observados no entorno das casas nos dois assentamentos Guató do baixo São Lourenço

383

Tabela 1: Fragmentos cerâmicos do aterro do Puerto 14 de Mayo

195

Tabela 2: Características ideais de forrageadores e coletores segundo Lewis R. Binford

217

Tabela 3: Alimentação de José e Veridiano de 10 a 20/01/1998

388

20

INTRODUÇÃO: O CAMINHO ESCOLHIDO PARA A PESQUISA

Portanto, a primeira coisa que considerei aqui é que a arqueologia do leste da América do Sul deve ser vista como a pré-história das populações indígenas históricas e atuais. Se não forem estabelecidas relações entre as manifestações arqueológicas e as populações que as produziram, o mais importante terá se perdido. Assim as conotações etnográficas das tradições e estilos cerâmicos não devem ser evitadas mas, pelo contrário, deliberadamente perseguidas (José Joaquim J. P. Brochado, 1984:565). A maior parte dos arqueólogos hoje em dia, no entanto, se sente obrigada a marchar sob alguma bandeira teórica: absorvemos a vantagem da arqueologia processual, especialmente no uso do desenho de pesquisa, métodos quantitativos, ecologia e outras investigações sociais. Nós somos também pósprocessualistas, no sentido de que não vemos a ideologia com um epifenômeno, nós examinamos os papéis importantes da mulher e do gênero no passado e estudamos preocupados com a representação do passado de outros povos de uma maneira cripto-colonialista, especialmente em museus e na indústria turística (Norman Yoffee, 1995:109-110).

No início de 1988, quando ingressei no curso de graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Corumbá, atualmente batizado de Campus do Pantanal, tomei conhecimento para minha surpresa na época da máxima de que a universidade não é apenas ensino, mas também pesquisa e extensão. Aquela foi uma descoberta bastante intrigante e desafiadora para um jovem calouro que tinha acabado de concluir o ensino médio em uma conhecida escola pública da região. Assim que tomei conhecimento desses três pilares indissociáveis da academia, suas verdadeiras atividades fins, procurei alguns professores em busca de uma oportunidade para aprender algo que praticamente desconhecia até então, a pesquisa científica. Na ocasião, quase todos os docentes de História não puderam atender ao meu pedido porque a maioria deles não estava desenvolvendo projetos de pesquisa ou, em estando, não tinha imediato interesse em orientar alunos em atividades de iniciação científica. Era um tempo

21 de pouca produção científica na instituição, diferentemente do que acontece nos dias de hoje. Felizmente, no segundo semestre daquele mesmo ano, a professora Vilma Teixeira Marques, quem na época era a responsável pela disciplina de História Antiga, convidou-me para fazer parte de um projeto de Arqueologia que estava sendo elaborado por biólogos, geógrafos e historiadores do campus da UFMS em Corumbá. Seria um projeto interinstitucional e multidisciplinar que também envolveria estudantes de graduação, algo que de imediato chamou a minha atenção, embora não soubesse muito bem o que fosse Arqueologia. Acontece que ainda não tinha tido contato com a disciplina, muito menos com a profissão de arqueólogo, exceto, é claro, através de algumas informações repassadas em reportagens jornalísticas, filmes, desenhos animados e livros didáticos. Além disso, das obras existentes na biblioteca do campus, a Pré-história, de André Leroi-Gourhan (1981), e A evolução cultural do homem, de Vere Gordon Childe (1986), dois clássicos da literatura arqueológica mundial bastante conhecidos no Brasil, eram das poucas referências disponíveis para tomar ciência do assunto. Apesar de essa situação ter sido um tanto quanto pitoresca, a Arqueologia acabou sendo a oportunidade que procurava para dar os primeiros passos e muitos tropeços na pesquisa e, por esse mesmo motivo, acabei aceitando o convite de pronto. Alguns meses depois, ainda em 1988, acompanhando outra professora da UFMS que em princípio participaria do projeto, a historiadora Maria do Carmo Brazil, juntamente com dois grandes amigos de graduação, Humberto de Mello Pereira e Vanir Maria de Oliveira Lousada, conheci um sítio arqueológico com inscrições rupestres localizado na fazenda Band’Alta, em Corumbá, posteriormente estudado por Maribel Girelli (1994). Foi ali o primeiro contato direto que tive com a pré-história pantaneira. Finalmente, vários professores do Campus de Corumbá encaminharam à Próreitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFMS o projeto Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul – Projeto Corumbá, praticamente uma réplica de outro projeto, o Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul – Projeto Alto Sucuriú, que em 1989 ainda estava em andamento sob a responsabilidade, no âmbito da instituição, do geólogo José Luiz Lorenz Silva, professor no Campus de Três Lagoas. Ambos os projetos fizeram parte do Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul, coordenado por Pedro Ignacio Schmitz, diretor do Instituto Anchietano de Pesquisa (IAP), estabelecimento jesuíta ligado à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sediada em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, com

22 grande tradição em pesquisas arqueológicas. Em meados de 1989, quando o projeto foi aprovado na UFMS, todos os professores de História acabaram desistindo da Arqueologia. Permaneceram, porém, dois pesquisadores do Departamento de Ciências do Ambiente (DAM), o geógrafo Sérgio Wilton Gomes Isquierdo, meu orientador de iniciação científica de 1989 a 1990, e a bióloga Maria Angélica de Oliveira Bezerra, minha orientadora de 1990 a 1991. Em 1989, a equipe da UFMS, apesar de pouco saber sobre Arqueologia, localizou e registrou alguns sítios pré-históricos nas redondezas das cidades de Corumbá e Ladário e recebeu informações sobre outros antigos assentamentos indígenas existentes no Pantanal. A partir de 1990, a equipe do IAP passou a realizar trabalhos de campo no Pantanal, sempre no mês de julho, em pleno inverno marcado pela estiagem. No mesmo ano, Pedro Ignacio Schmitz percebeu que o Pantanal era uma região mais interessante do ponto de vista da Arqueologia do que havia pensado inicialmente. Em julho de 1991, a equipe do IAP realizou o único trabalho de campo sem a presença de seu coordenador geral, quem na ocasião estava realizando estudos na Smithsonian Institution, em Washington D.C., Estados Unidos, com o apoio de Betty J. Meggers, uma das mais conhecidas arqueólogas especializadas em pré-história amazônica. Aquele trabalho de campo foi bastante produtivo, apesar de ter sido um pouco estressante. Em 22 de julho de 1991, quando a equipe regressou do campo, fizemos uma rápida pesquisa bibliográfica no Instituto Luiz de Albuquerque (ILA), prédio que ainda hoje abriga um museu local e uma das maiores bibliotecas da cidade. Naquela instituição, ao tomar conhecimento do livro Tipos de aspectos do Pantanal, escrito por J. Lucídio N. Rondon (1972), soube que os Guató foram responsáveis pela construção de muitos aterros que ocorrem no Pantanal. Até aquela data, nenhum membro da equipe havia aprofundado os estudos sobre a literatura arqueológica, etnoistórica e etnológica relevante ao conhecimento dos povos indígenas pantaneiros. A partir de então passei estudar o modus vivendi, por assim dizer, do povo Guató, não apenas através de fontes textuais primárias e secundárias, mas também por meio da tradição oral e da história de vida, quase sempre através de proveitosas e informais conversas com alguns índios residentes em bairros pobres de Corumbá. Posteriormente, passei a realizar pesquisas arqueológicas e etnoarqueológicas em parte de seu território tradicional, as quais continuam ainda em curso. Parte dos resultados dessas investigações consta nesta tese de doutorado.

23 Em setembro de 1991, participei como ouvinte da VI Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizada na Universidade Estácio de Sá (UNESA), no Rio de Janeiro, ocasião em que Pedro Ignacio Schmitz, meu primeiro mestre em Arqueologia, oficialmente convidou-me para estagiar no IAP a partir do mês de Janeiro de 1992. Em agosto de 1992, já estando em São Leopoldo, ingressei no Programa de Pósgraduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), na condição de aluno regular da primeira turma do mestrado em História, área de concentração em Arqueologia, sob a orientação de Klaus Peter Kristian Hilbert, na época um dos entusiastas da Arqueologia Processual no Sul do país. Em Janeiro de 1995, defendi minha dissertação de mestrado, monografia que um ano depois foi publicada, embora com alguns recortes necessários, sob o título Guató: argonautas do Pantanal (1996a). Escolhi este título porque na mitologia grega argonauta era o tripulante lendário, o navegador ousado da nau Argo, nome imortalizado no clássico Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia, com este título publicado no Brasil, de Bronislaw Malinowski (1984), um dos fundadores da Antropologia moderna. De lá para cá, continuei interessado em conhecer mais sobre a ocupação indígena das terras baixas pantaneiras, isto é, da planície de inundação, tema que não pretendo esgotar e abandonar com o presente estudo. Passados mais de dez anos desde que ingressei na academia, inicialmente como aluno (1988) e posteriormente como professor e pesquisador (1996), acredito que ter aceitado o convite feito por Vilma Teixeira Marques foi uma feliz decisão que tomei em minha vida profissional. Enfim, foi mais ou menos assim que me tornei arqueólogo. Feitas essas breves considerações iniciais, propositalmente escritas para quebrar o protocolo tradicional de uma monografia acadêmica, tenho a dizer, ainda, que muitas das interpretações teóricas que teço nesta tese são marcadas, também, pelas experiências de vida que tive no Pantanal, especialmente pelo fato de ter vivido mais de vinte anos em Corumbá e de ter passado parte de minha infância e adolescência residindo na parte baixa da cidade, no atual bairro Beira Rio. Ali pude conviver com várias famílias de pescadores e peões de fazenda, com as quais muito aprendi sobre o Pantanal. Isso não significa, contudo, que esteja aqui optando por uma interpretação meramente intuitiva, muito menos que esteja querendo fazer uma leitura fenomenológica sobre a ocupação indígena da

24 planície de inundação do Pantanal. Definitivamente não é isso. Ocorre que percebo uma tese como sendo, dentre outras coisas, o registro de parte da história de vida de quem a elaborou. Outrossim, ciente de que não existe neutralidade científica e que as pesquisas arqueológicas estão inseridas em determinados contextos históricos, tenho clareza de que este trabalho é fruto de seu tempo. Está inserido em uma situação espaço-temporal específica e também é um documento, no sentido utilizado por Marc Bloch (1987) e Jacques Le Goff (1993), sobre o atual estado da arte da Arqueologia Brasileira e acerca de minhas condições de trabalho, preocupações e aspirações enquanto cientista social e agente histórico. Além disso, tenho de admitir que possuía um tipo de “aversão pessoal por questões teóricas e por noções abstratas, agravadas por uma deficiente preparação filosófica”, da qual falou o historiador português José Mattoso (1988:15). Por certo, somou-se a esta situação a minha formação primeira, de historiador, através da qual adquiri certa habilidade na análise de fontes textuais e na leitura historiográfica, bem como em ter uma visão de processo histórico enquanto transcurso constituído por continuidades e descontinuidades, permanências e mudanças, ainda que tenha optado pela Arqueologia desde o início de minha graduação. Dessa maneira, as discussões teórico-metodológicas que aqui teço foram pensadas e escritas para serem mais operacionais e menos teoréticas. Cumpre registrar de momento que as traduções existentes ao longo deste trabalho são de minha inteira responsabilidade, à exceção dos textos em alemão e das obras já publicadas em português; foram feitas com o propósito de facilitar a leitura da monografia por parte do público em geral. Também alterei a grafia de muitas palavras em Guató, inclusive corrigindo alguns substantivos que havia registrado anteriormente; a regra definida foi a seguinte: ch = ch/x (de chapéu, xícara); d = d (de dia e não “djia”); h = “r” espirado (semelhante à pronúncia do h, de house, em inglês); j = dj (de “djiário”), k = c/q (de caixa, quantia); t = t (de tia e não “tchia”); tch = tch (de tchau); ‘ (apóstrofo) = pequena pausa; as acentuações das vogais seguiram mais ou menos as normas da língua portuguesa no Brasil. Esta proposta de grafia para a língua Guató merece ser relativizada, utilizada com certa precaução, haja vista que não tive acompanhamento de um especialista em Lingüística durante as pesquisas. Esclareço ainda que no decorrer da monografia faço uso amiúde dos termos terras baixas e terras altas do Pantanal para fazer referência, respectivamente, à planície de inundação e aos planaltos residuais de Urucum e Amolar e demais áreas não alagáveis.

25 Esta é uma divisão de caráter mais ilustrativo do que estritamente geomorfológico; não deve ser vista como algum tipo de determinismo ambiental ou rotulação de caráter evolucionista, muito menos confundida com a antiga distinção entre várzea e terra firme da Amazônia ou entre terras altas (região andina; altas culturas) e terras baixas (regiões não-andinas; baixas culturas ou povos marginais) da América do Sul. A divisão proposta está respaldada por pesquisas arqueológicas, etnológicas e etnoistóricas que comprovam terem sido as terras baixas marcadamente dominadas por povos pescadores-caçadorescoletores como os canoeiros Guató, Guaxarapo e Payaguá, ao passo que as terras altas foram majoritariamente ocupadas por povos agricultores como os Chané (Guaná), Guarani e Xaray, ou seja, por povos lingüisticamente Arawak e Guarani. Isto posto, penso que algumas palavras de Bruce G. Trigger são apropriadas para o momento: Este trabalho convenceu-me de que a reconstrução da pré-história é freqüentemente mais difícil do que podemos admitir e que os pré-historiadores raramente consideram a gama completa de explicações alternativas que podem ser aplicadas aos dados coletados. Numa disciplina, em que as interpretações estão carregadas de incerteza, é importante ser exigente quanto às alternativas possíveis (Trigger, 1973:xv).

Acredito que a afirmativa de Trigger ainda é bastante pertinente para o atual momento da Arqueologia Brasileira, sobretudo para aqueles arqueólogos que continuam ávidos por produzir novos conhecimentos e rever antigos paradigmas e modelos. Esses pesquisadores, em sua maioria pós-graduados a partir das décadas de 1980 e 1990, vêm recorrendo a novos e mais eficazes aparatos teórico-metodológicos e assumiram uma postura mais crítica frente aos resultados de suas pesquisas. Por isso, eles têm sido mais abertos às inovações registradas no âmbito da Arqueologia mundial. Nesta linha de raciocínio, não é demasiado redundante citar Carl-Axel Moberg (1986:21): “Devemos, de fato, ser severos e pessimistas na apreciação dos resultados obtidos por nós próprios (e otimistas quando se trata de enfrentar os projetos)”. Esse tipo de postura remete, inevitavelmente, à tese de que as interpretações teóricas em Arqueologia, assim como em todas as outras áreas do conhecimento, são momentâneas, jamais verdades absolutas ou conhecimentos estanques. Ainda que a priori esta idéia possa parecer óbvia, simples ou elementar do ponto de vista filosófico, na prática parece ser uma tendência aparentemente recente na Arqueologia Brasileira e que tem tomado força a partir da última década do século XX.

26 Assumir uma postura pessimista frente aos resultados das investigações arqueológicas não significa adotar um procedimento niilista em análises supostamente críticas, revisionistas ou historiográficas. É, antes de tudo, levar em conta um maior número possível de variáveis e possibilidades interpretativas durante a formulação e a revisão de hipóteses e teses sobre determinados assuntos. Isto também implica, portanto, em tratar de questões relacionadas à própria lógica da dinâmica da pesquisa científica, do processo de acumulação de conhecimentos abordado por Hill (1991), assuntos estes também situados no campo da Filosofia da Ciência. No caso específico da Arqueologia Brasileira, não são poucos os trabalhos que, além de apresentarem uma revisão crítica acerca de determinados temas, abordaram os contextos históricos em que as pesquisas foram desenvolvidas. Os diferentes aportes analíticos de Alfredo M. de Souza (1991), Pedro Paulo A. Funari (1992, 1993a, 1993b, 1994a, 1994b, 1998a, 1998b, 1999c, 1999/2000), André Prous (1992, 1994), Tania A. Lima (1993), Adriana S. Dias (1994), Gabriela Martin (1996), Johnni Langer (1997a, 1997b), Cristina Barreto (1998, 1999, 1999/2000), Francisco S. Noelli (1999/2000), Lúcio M. Ferreira (1999, 2001), Tania A. Lima & Regina C. P. da Silva (1999), Maria do Carmo M. M. dos Santos (2001) e Solange N. de Oliveira (2002), dentre outros autores, exemplificam a possibilidade de análise inicialmente defendida. Assim sendo, na Primeira Parte desta tese, intitulada Arqueologia Pantaneira: História e Historiografia (1875-2000), trato do que tenho chamado de Arqueologia Pantaneira, uma Arqueologia voltada para a resolução de questões específicas daquela que é a maior área inundável contínua do planeta, a região do Pantanal. Apresento, em um primeiro momento, um breve e crítico histórico sobre as pesquisas arqueológicas realizadas na região, tema de grande importância para a compreensão da pré-história das terras baixas pantaneiras. A proposta não se restringe unicamente a dizer quais foram ou são os pesquisadores que atuaram ou atuam no Pantanal, relacionar seus projetos e enumerar suas publicações, quer dizer, fazer uma História historicizante ou factual. Neste trabalho, aliás, o termo História, grafado com H maiúsculo, refere-se à disciplina e à História que fazem os historiadores (Cardoso & Brignoli, 1990; Cardoso, 1994), cujo conceito apresentado por Marc Bloch (1987:29) em muito se aproxima da compreensão que tenho da própria Arqueologia: “A História é a ciência dos homens no tempo”. Isto porque entendo que a Arqueologia é uma ciência social que também estuda as sociedades humanas no tempo, assim como fazem a Antropologia e a História, por exemplo, em seus múltiplos e

27 indissociáveis aspectos sociais, culturais, ecológicos, políticos e econômicos, a partir e sobretudo da cultura material por elas produzida. Conseqüentemente, a proposição aqui defendida prima por ter uma orientação diferente da de uma História historicizante ou factual; busca ser mais audaciosa, crítica e inicialmente vai ao encontro da seguinte proposta apresentada por Pedro Paulo A. Funari (1994:25): “O único caminho para entender o desenvolvimento da Arqueologia no Brasil é estudar as relações entre a sociedade e suas mudanças e a prática científica”. Todavia, faço minhas as ressalvas apresentadas por Bruce G. Trigger: Não pretendo que o estudo histórico apresentado aqui seja mais objetivo que as interpretações de dados arqueológicos ou etnológicos que examina. Creio, sem embargo, como muitos outros que estudam a história da Arqueologia, que o enfoque histórico oferece uma posição especialmente vantajosa, da qual se pode examinar as relações transformadoras entre a interpretação arqueológica e seu meio social e cultural (Trigger, 1992:15).

Dito isto e parafraseando R. G. Collingwood, entendo que a História da Arqueologia também serve para o autoconhecimento humano, quer dizer: Autoconhecimento, aqui, não significa da natureza corporal do homem, da sua anatomia e da sua fisiologia; nem mesmo um conhecimento da sua mente, na medida em que ela consiste em sensações e emoções; mas sim um conhecimento das suas faculdades de cognição, do seu pensamento ou do seu entendimento da razão (Collingwood, 1981:257).

Serve ainda para o conhecimento da própria Arqueologia: “Nada nega que a investigação arqueológica está influenciada por diferentes tipos de fatores. No presente, o mais controvertido é o contexto social em que os arqueólogos vivem e trabalham” (Trigger, 1992:23). Dito de outra forma e aproveitando as reflexões dos historiadores Arruda & Tengarrinha (1999:11), é certo que nenhuma análise reflexiva sobre a produção dos arqueólogos “pode descuidar-se dos circunstanciamentos mais gerais que são também históricos e que estabelecem a conexão entre autor-obra-meio, ou seja, a sociedade”. Logo, nada mais prudente do que situar as pesquisas arqueológicas no Pantanal dentro do momento histórico de sua época. Mas a análise ora explicada busca ir mais longe: entendo que uma História da Arqueologia também implica em proceder a uma leitura historiográfica dos estudos arqueológicos. É o que passo a chamar pelo neologismo científico de Arqueoistoriografia. Ciente de que conceituar é tarefa árdua, embora necessária no campo das ciências sociais, acredito que a Arqueoistoriografia ou Historiografia arqueológica é mais ou menos aquilo

28 que Trigger (1992) considerou como sendo a história do pensamento arqueológico. Nesta perspectiva, cumpre citar o conceito de Historiografia elaborado por Francisco Iglésias: No estudo fascinante da História da História, ou melhor, da História da Historiografia separa-se o processo de desenvolvimento dos povos do seu estudo, seja descrição ou reflexão: aquele é História, este é Historiografia, vêse que ela foi sempre objeto de cultivo, em todos os povos e épocas, como se poderia facilmente demonstrar (Iglésias, 1979:267).

Em outras palavras, a Historiografia é a História da História, ou seja, a História dos estudos históricos, a reflexão que se faz sobre a produção dos historiadores. Este conceito, que está consagrado no Brasil e compreende dois níveis, um epistemológico e outro da prática social (Lapa, 1981, 1985). Portanto, Arqueoistoriografia, tal como proposta aqui, nada mais é do que a História dos estudos arqueológicos. A idéia não é nenhuma grande novidade na Arqueologia Brasileira. A produção intelectual acerca de temas como préhistória amazônica, Arqueologia oitocentista, Arqueologia Guarani e origens do povoamento humano das Américas e do Brasil, vistos a partir de uma perspectiva histórica e historiográfica, respaldam a proposta aqui apresentada e discutida. Significa dizer que estou advogando a tese de que este é o ponto de partida para adentrar na temática da préhistória pantaneira e na presença do povo Guató na região, assuntos tratados na Segunda Parte e na Terceira Parte desta monografia. Mas nem tudo é tão simples assim. Para efetuar uma leitura historiográfica da Arqueologia Pantaneira, foi necessário arrolar vários tipos de fontes textuais sobre o assunto. Antes, porém, foi igualmente imprescindível saber quais escritos deveriam ser analisados, isto é, ter clareza sobre qual é o objeto de estudo da Arqueoistoriografia e adaptá-lo aos objetivos de minhas investigações. Diante desta situação, as reflexões teóricas da historiadora Maria de Lourdes M. Janotti foram de grande utilidade: Dessa maneira, não só obras originais, baseadas em pesquisa inédita e interpretações abrangentes do processo histórico nacional, mas também alguns textos de natureza jornalística, memorialística, biográfica e didática podem ser suscetíveis de uma análise historiográfica (Janotti, 1990:81).

Todo tipo de bibliografia levantada, desde que contendo algum registro e interpretação de evidências arqueológicas, independentemente do momento de sua produção, foi analisada do ponto de vista historiográfico. Para tanto, mais uma vez com base em Janotti (1990), assim como em Lapa (1985), adotei dois procedimentos básicos no estudo analítico da produção intelectual a respeito da Arqueologia Pantaneira: o primeiro trata de contextualizar a produção intelectual no âmbito da conjuntura político-econômica

29 e sociocultural da época, o que, aliás, já foi explicado anteriormente; e o segundo diz respeito à análise das pesquisas realizadas e do desenvolvimento do pensamento arqueológico em dado período, isto é, examinar técnicas e orientações teóricometodológicas, difusão de idéias e obras representativas, tendências, projeções, problemas e perspectivas acerca da produção arqueológica. Dois problemas tiveram de ser preliminarmente equacionados nesta tarefa. Em primeiro lugar, foi necessário periodizar os estudos arqueológicos no Pantanal em dois momentos, pois, como disse José Honório Rodrigues, pensar em história implica em dividi-la, periodizá-la, uma vez que o pensamento possui começo, meio e fim. Logo: A periodização tem como fim descobrir a estrutura de uma época histórica e como método a formação de conceitos que exprimem o ser próprio da época. Dentro de cada um desses conceitos deve ajustar-se à série de fatos, até mesmo os antagônicos, que são também característicos da fase conceituada. A totalidade da época compreendida é, então, definida como categoria histórica (Rodrigues, 1978:112).

Daí que grosso modo periodizei a história da Arqueologia Pantaneira em dois grandes momentos: o das primeiras investigações, que abrange pouco mais de um século, grosso modo da década de 1970 aos anos 1980, e o do momento atual, de fins da década de 1980 até os dias de hoje, início do século XXI. Em segundo lugar, tenho ciência de que examinar criticamente o momento mais recente das pesquisas arqueológicas no Pantanal é tarefa delicada, haja vista que nele também atuei e atuo como personagem, isto é, como agente social pleno. Mais: faço parte da geração de jovens arqueólogos brasileiros da última década do século XX, geração esta que vem assistindo e participando de significativos debates e importantes mudanças políticas e científicas na Arqueologia Brasileira. Por isto, mais uma vez creio ser necessário citar José Honório Rodrigues: Atribui-se um papel preponderante na marcha da história às gerações e procurase compreender como as vigências e as inovações substanciais coincidem com as sucessões cíclicas de gerações. Ora, as variações humanas, tema central da história, dependem das gerações, que são os fatores humanos destas transformações. A história move-se em função das gerações sucessivas. Cada geração representa uma certa atitude diante da vida, dos problemas e situações que esta apresenta. Mas a geração não coincide com a idade. Um velho pode pensar como um moço. Nem todos os contemporâneos são coetâneos, isto é, possuem a mesma idade histórica, possuem os mesmos ideais e se comportam igualmente diante do drama. Pois o conjunto dos que são coetâneos é que constitui uma geração (Rodrigues, 1978:122).

E concluiu o autor:

30 Nem sempre há crise, porque existem fases históricas cumulativas, em que a nova geração se sente solidária ou homogênea com a anterior, e também épocas eliminatórias ou polêmicas, em que se combatem e se iniciam as novas formas. Deste modo, uma geração é uma mudança de sentir e compreender a vida, oposta à maneira anterior, ou pelo menos, diferente dela. Nas gerações renovadoras aparecem sempre os mestres da transição, aqueles que, pela primeira vez, ensinam os novos caminhos. Sem eles a geração que representam e a história parariam, numa formação definitiva, sem possibilidade de renovação radical (Rodrigues, 1978:123).

Evidentemente que Rodrigues discutiu sobre a periodização na história da humanidade e não acerca da história e da Historiografia dos estudos arqueológicos. Entretanto, suas reflexões são oportunas para um repensar contínuo e permanente sobre o transcurso da Arqueologia no país, na tentativa de compreender o atual momento pelo qual ela e, por conseguinte, todos os arqueólogos brasileiros, estão passando. Desse modo, compreendo que tratar do período mais recente das pesquisas arqueológicas no Pantanal, sobretudo do Projeto Corumbá, é ter o presente como história, do qual tratou Eric Hobsbawm (1998). Evidentemente que gerações futuras terão de valer-se de um grande esforço de imaginação para compreender certos fatos que testemunhei. Ademais, ter o presente como história, no caso a Arqueologia Pantaneira de fins do século XX e limiar do XXI, implica em querer fazer algo como uma história imediata, isto é, uma operação histórica “produzida por um ator ou uma testemunha vizinha do acontecimento, da decisão analisada”, como disse Jean Lacouture (1993:216). Um estudo assim envolve ao menos três grandes problemas, a saber: [...] o da própria data de nascimento do historiador ou, em termos mais gerais, o das gerações; os problemas de como nossa própria perspectiva do passado pode mudar enquanto procedimento histórico; e o de como escapar às suposições da época partilhadas pela maioria de nós (Hobsbawm, 1998:243).

Associado a esses três problemas, há o fato de estar valendo-me de minha própria memória para tratar da história mais recente dos estudos arqueológicos no Pantanal. Sobre este assunto, assim disse Le Goff em outro ensaio de sua autoria: A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (Le Goff, 1992:423).

Valer-se da própria memória não necessariamente implica em fazer uma egohistória. É, isto sim, construir uma interpretação pessoal e menos causal sobre o momento contemporâneo da Arqueologia Pantaneira, o que não implica, sem embargo, ignorar

31 muitas das limitações e possibilidades que o calor da hora e a memória impõem a esse tipo de análise. Faço questão ainda de registrar que algumas das interpretações apresentadas talvez possam ser interpretadas como polêmicas, pois poderão gerar controvérsias e questões de litígio com alguns colegas não acostumados com o debate acadêmico aberto, franco e sincero, o qual permite o posicionamento contrário e contribui para o desenvolvimento da ciência. Neste sentido, tenho a dizer desde pronto que as análises apresentadas no decorrer da tese não foram elaboradas com o intuito de transformarem-se em um instrumento de difamação acadêmica, pelo contrário. Digo isto porque tratar da Arqueologia Pantaneira, sobretudo a da última década do século XX, também é um desafio de estar analisando meus próprios trabalhos e, o que é mais delicado, os de meus colegas. Ainda assim, decidi registrar minhas idéias sobre o assunto. Isto porque, como bem frisou Pierre Bourdieu: A história da literatura em sua forma tradicional continua presa ao estudo ideográfico de casos particulares capazes de resistir ao deciframento enquanto forem apreendidos como “pedem” para sê-lo, quer dizer, em si mesmos e por si mesmos, e ignora quase que completamente o esforço por reinserir a obra ou o autor singular que toma como objeto no sistema de relações constitutivo da classe dos fatos (reais ou possíveis) de que faz parte sócio-logicamente. Tal ocorre porque o obstáculo epistemológico com que se defronta qualquer apreensão estrutural, o indivíduo diretamente perceptível, ens realissimum pedindo insistentemente para ser pensado em sua existência separada e exigindo por isso uma apreensão substancialista, reveste-se aqui com a forma de uma individualidade “criadora” cuja originalidade deliberantemente cultivada parece propícia a suscitar o sentimento da irredutibilidade e a reverência (Bourdieu, 1992:183).

Além de tratar da história e da Historiografia da Arqueologia Pantaneira, na Segunda Parte da monografia, a qual denominei de Povos indígenas nas terras baixas do Pantanal: idéias, problemas e perspectivas, elaborei uma revisão crítica sobre a presença indígena na planície de inundação, desde a pré-história até o período colonial, assunto muitíssimo relevante para a compreensão da história e da cultura do povo Guató. A discussão a respeito da ocupação indígena pré-histórica da região pantaneira ainda não teve a mesma repercussão que os debates acerca da pré-história amazônica, dos pescadores-caçadores-coletores associados aos sambaquis que ocorrem no litoral brasileiro e das origens do povoamento humano da América do Sul, dentre outros assuntos há muito estudado por arqueólogos do Brasil e de outros países. Esta situação está diretamente associada ao atual estado da arte da Arqueologia Pantaneira, uma Arqueologia que embora iniciada após o término da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870),

32 contando com as contribuições de Max Schmidt (1905 [1942a], 1914, 1942b, 1940a, 1940b, 1951 [1974]) na primeira metade do século XX, somente passou a conquistar efetivo espaço na comunidade de arqueólogos a partir da década de 1990, com a execução do Projeto Corumbá. Isso não significa, todavia, que inexistam polêmicas ou idéias divergentes sobre muitos assuntos de interesse à Arqueologia regional, pelo contrário. Frente a essa realidade, entendo que uma das tarefas que pesam ao arqueólogo dedicado ao estudo da pré-história do Pantanal é a permanente revisão crítica sobre a presença indígena nas áreas inundáveis ou terras baixas da região, uma releitura contínua à luz de novos problemas, paradigmas, modelos e aportes que constantemente vêm inovando a Arqueologia Brasileira. Não se trata, vale a pena frisar desde o início, de meramente “reiterar fatos e conclusões que já foram repetidos em trabalhos anteriores”, como disse Francisco S. Noelli (1999/2000:221) ao tratar da pré-história da região Sul do país, mas sobretudo de exercitar a prática de estar permanentemente (re)pensando a Arqueologia Pantaneira. Este é um exercício que, malgrado as limitações empíricas, exige ainda uma postura de autocrítica frente às próprias idéias e concepções que outrora formulei sobre o assunto, ressaltando de pronto que o conhecimento é algo dinâmico e produto histórico de sua época, jamais um corpus estandardizado ad aeternum não passível a apreciações, pois como disse Bruce G. Trigger (1973:6): “Os pré-historiadores tendem a encarar qualquer interpretação como uma aproximação da realidade, sujeita a revisão ou mesmo a uma completa reinterpretação a qualquer tempo”. Faço questão de frisar este ponto de vista por entender que a “autoridade de declarações sobre o passado depende muito do uso cuidadoso, rigoroso e objetivo de dados”, ainda que até certo ponto a plausibilidade da análise possa depender de um discurso mais alto de poder, segundo analisou Ian Hodder (1991:37). Portanto: Argumento que a credibilidade da evidência não é uma função do status científico adquirido por afiliação, senão daquele obtido pelo intercâmbio substantivo de técnicas e ferramentas, descobrimentos empíricos, modelos e teorias, o qual é possível devido a existência de interações locais entre a Arqueologia e várias outras disciplinas. Muito mais se podia ganhar se, em lugar de apelar para ideais genéricos da ciência, se desenvolvera um entendimento crítico das relações entre campos científicos que fazem possível este intercâmbio (Wylie, 2000:227).

Uma tarefa desse nível também é motivada pela produção e acúmulo de novos trabalhos e dados empíricos divulgados sobre a pré-história e a História Indígena regionais, inclusive pelas contribuições de projetos realizados no âmbito da Arqueologia por contrato. Tais aportes vêm lançando novas luzes sobre áreas até então pouco conhecidas do ponto de

33 vista da Arqueologia e da Etnoistória. Este é o caso, apenas para exemplificar, das pesquisas concluídas e em andamento no pantanal de Cáceres, em Mato Grosso, uma grande área em que recursos arqueológicos vêm sendo seguidamente destruídos pelos impactos negativos causados por grandes barcaças que navegam pela hidrovia ParaguaiParaná (vide N. Oliveira & Funari, 1998 [2001]; Martins & Kashimoto, 2000a; Migliacio et al., 1999/2000; Migliacio, 2000; Funari & N. Oliveira, 2000). Além disso, o levantamento bibliográfico e a análise crítica de obras produzidas sobre a Arqueologia, Etnologia e Etnoistória de áreas adjacentes, grande parte elaborada sob influência de idéias difusionistas e evolucionistas, servem para melhor contextualizar a ocupação indígena das terras baixas pantaneiras em um contexto sul-americano maior, isto é, para além-fronteiras político-territoriais do país. Um esclarecimento necessário é preciso ser feito neste momento: a palavra Etnoistória é um neologismo científico e um substantivo feminino [de etn(o)- + história], na qual o vocábulo etno, radical grego (éthnos) que significa “raça”, “nação” ou “povo”, funciona como o primeiro elemento de composição da palavra. Por isso tenho optado por grafá-la sem o uso de hífen (Etnoistória), tal qual foi proposto no Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa (A. Ferreira 1999:849), ou seja, eliminar o h quando se trata de elementos de composição e manter o hífen quando se trata de prefixos. Há, contudo, a possibilidade de grafá-la com hífen (Etno-história) desde que mantendo a letra h. As duas formas de grafia são possíveis e corretas. O errado, porém, é grafá-la como Etnohistória (com h e sem hífen), igual como é feito em castelhano. Seu conceito foi assim proposto em um dos mais conhecidos dicionários da língua portuguesa, o Aurélio: 1. Disciplina que se dedica à reconstituição da história dos povos não-letrados, recorrendo, para isto, a tradições orais, evidências arqueológicas e dados lingüísticos, além de documentação histórica. 2. O conjunto das narrativas, representações, etc. que um grupo mantém a respeito de seu passado (A. Ferreira, 1999:849).

A palavra Etnoistória em muito se confunde com o temo História Indígena, embora em muitos países americanos seja mais comum referir-se a Etnoistória para tratar especialmente da história de povos nativos durante os primeiros contatos com os europeus, analisando dados contidos em fontes textuais e informações arqueológicas diversas. Talvez a maior diferença esteja no fato de, aparentemente, a Etnoistória ser mais antropológica e a História Indígena mais histórica (J. Oliveira, 2001c), muito embora desconheça algum antropólogo ou historiador brasileiro que tenha feito uma discussão epistemológica mais

34 apurada sobre o assunto. Em muitos trabalhos realizados por antropólogos que atuam no país, especialmente em alguns mais recentes, a História Indígena tem sido utilizada quase que como um sinônimo de Antropologia Histórica, a exemplo do que pode ser observado nas obras de Oliveira Filho (1999), Schwarcz & Gomes (2000) e Franchetto & Heckenberger (2001). No entanto, na maioria das vezes a dimensão histórica propriamente dita, a diacrônica, aparece em segundo plano diante da análise sincrônica que os cientistas sociais normalmente fazem dos fenômenos culturais, incluindo aqui os eventos. O trabalho de Oliveira Filho (1999) é uma exceção a isso, pois a crítica aqui apresentada refere-se, principalmente, a estudos de orientação estruturalista e culturalista. Por outro lado, historiadores não raramente têm tido dificuldades em perceber a dimensão sincrônica dos mesmos fenômenos, haja vista que em suas análises históricas priorizam mais os aspectos diacrônicos. De todo modo, considerando os trabalhos citados, bem como as obras de Baerreis (1961), Valcarcel (1967), Sahlins (1974, 1979, 1990, 2001), Núñez (1975), Moniot (1976), Carmack (1979), Trigger (1982a 1982b, 1986), Lorandi & Molas (1984), Galdames (1988), J. Souza (1991), M. Cunha (1992b), Lévi-Strauss (1993), Rogers & Wilson (1993), Hemming (1995), Bernardi (1988), Maldi (1993), Monteiro (1995a, 1995b) e outros, entendo a Etnoistória como uma perspectiva metodológica interdisciplinar, dinâmica e em permanente construção, voltada ao estudo da história e da cultura de povos nativos não-europeus, a partir da análise de todo tipo de fontes primárias e secundárias disponíveis (arqueológicas, ecológicas, etnográficas, genéticas, geográficas, lingüísticas, orais, textuais e outras), porém dentro de uma dimensão espaço-temporal que recua ao período pré-histórico e pode chegar aos dias de hoje, especialmente nos casos de povos indígenas que conseguiram sobreviver ao processo de conquista e colonização. Sua preocupação mais conhecida está em torno das mudanças causadas a partir dos contatos entre indígenas e europeus no período colonial. Significa dizer, portanto, que em última instância a Etnoistória pode ser uma desafiadora proposta metodológica para o conhecimento da História Indígena, ou seja, da história de um ou vários povos ameríndios em determinada região, seja o alto Xingu ou o Pantanal, por exemplo. Com efeito, a proposta aqui defendida é a de perceber e analisar a pré-história das terras baixas do Pantanal do ponto de vista de “uma regionalização de facto”, nas palavras de José Luiz de Morais (1999/2000:195), quer dizer, de pensá-la e compreendê-la dentro de um espaço geográfico platino que apresenta muitas características ambientais e socioculturais em comum, as quais o identificam e o distinguem, por contraste com outras

35 regiões, no âmbito sul-americano. Analisar a pré-história regional não significa, pois, percebê-la como isolada, mas sim como parte de um espaço maior, o do subcontinente. Apesar de recentemente ter vindo a público uma monografia (Schmitz et al., 1998), uma síntese (J. Oliveira & Viana, 1999/2000), um relatório de pesquisa (Funari & N. Oliveira, 2000) e uma dissertação de mestrado (Migliacio, 2000) de grande interesse à Arqueologia Pantaneira, dentre outros trabalhos relevantes, acredito que muitas questões estão longe de serem esgotadas, pois ainda não foram suficientemente analisadas com vistas à formulação de modelos explanatórios representações do mundo real mais seguros. Sobre os modelos, aliás, Emilio F. Morán assim pontuou: Os modelos são criados para simplificar a realidade a partir de especulações sobre quais processos que podem estar envolvidos na origem dos fatos observados. O modelo pode ser observado de acordo com nossas observações. Ele é avaliado pela capacidade de predizer corretamente novos fatos sobre o sistema (Morán, 1994:29).

Uma dessas questões, a que mais tem chamado a atenção dos arqueólogos que pesquisam a região, diz respeito à adaptação cultural dos pescadores-caçadores-coletores frente aos ecossistemas e à realidade sociocultural do Pantanal, sem se esquecer da dimensão espaço-temporal e significativa que o assunto abarca. Dentre os diversos problemas que o tema pode suscitar, o processo de formação, o uso e o significado de estruturas monticulares do tipo aterro (mound) continuam sendo alguns dos mais relevantes assuntos colocados na pauta do dia. Outras questões, por certo não menos importantes e ainda pouco analisadas, dizem respeito a aspectos mais sociais do que propriamente ecológicos (adaptativos), relacionados a temáticas como territorialidade, complexidade emergente e diversidade sociocultural, dentre outros assuntos cada vez mais presentes em eventos científicos que têm contado com a participação de representantes da nova geração de arqueólogos brasileiros. Não pretendo abordar cada um desses temas em específico, mas apresentar um texto geral em que questões dessa natureza possam ser tratadas de acordo com os fundamentos ontológicos e epistemológicos que marcam minha prática arqueológica. Sem embargo aos desafios existentes, reconheço que as discussões sobre as questões apresentadas ainda ficarão mais no campo das possibilidades e da erudição teórica do que propriamente no terreno da comprovação empírica. Esta situação não invalida uma reflexão que possa levantar novos problemas, rever antigas explicações, apontar outros caminhos a futuras pesquisas de resolução de problemas e apresentar novas idéias sobre a

36 pré-história pantaneira, bem com acerca da história dos povos indígenas que ali estavam em tempos coloniais. Para tanto, além de contar com um corpus de informações arqueológicas, analisei dados ambientais, paleoambientais, etnográficos, etnoistóricos, etnológicos e lingüísticos, primários e secundários, mas sem ainda poder contar com informações genéticas, em busca da construção de uma nova interpretação da pré-história regional. O objetivo é melhor compreender a presença indígena nas áreas inundáveis do Pantanal, desde os primórdios até o período nacional, na perspectiva de convergência de estudos e potencialidades de sínteses emergentes (Renfrew, 1992), rumo à construção de uma História Indígena menos incompleta e fragmentada. Neste sentido e parafraseando Trigger (1986), em um de seus ensaios sobre Etnoistória, acredito ser prudente salientar que esta é a instigante tarefa de contribuir para a construção de um edifício que provavelmente nunca estará acabado em definitivo. Perspectivas desse nível há algum tempo vêm sendo criteriosamente adotadas por vários arqueólogos que atuam no Brasil, cabendo certo pioneirismo à tese de doutorado de José Joaquim. J. Proenza Brochado (1984), denominada An ecological model of the spread of pottery and agriculture into Eastern South America, considerada por Pedro Paulo A. Funari et al. (1999:1) como a “síntese mais genial” já feita por um arqueólogo brasileiro. Infelizmente a tese de Brochado ainda não foi traduzida e publicada em língua portuguesa. A obra Os povos do Alto Xingu: história e cultura, organizada por Bruna Franchetto & Michael Heckenberger (2001), talvez seja o mais recente exemplo de uma publicação que fortalece essa tendência na Arqueologia Brasileira, uma empreitada que “depende em larga medida do desenvolvimento de um diálogo construtivo entre conjuntos de dados distintos, mas complementares, de evidências do passado compatíveis em virtude de sua associação com contextos sócio-históricos específicos” (Heckenberger & Franchetto, 2001:9). Mas ao contrário do alto Xingu, cuja produção de fontes textuais é tida como recente (século XIX), para o Pantanal os primeiros registros europeus foram escritos na primeira metade do século XVI. De lá para cá, uma imensa gama de dados etnográficos e etnoistóricos foi publicada em vários países americanos e europeus (vide Susnik, 1992), estando à disposição dos arqueólogos interessados em investigá-la. De um ponto de vista mais epistemológico, a situação da História Indígena no Pantanal não é diferente do alto Xingu, muito menos de outras regiões da América do Sul, haja vista o seguinte:

37 “Fazer” história requer, portanto, a articulação de entre uma história objetiva a história dos objetos (artefatos e textos) e uma história subjetiva representada nos corpos, nas ações, na memória e nos saberes dos próprios xinguanos. Esse “fazer” conjuga, nós diríamos, a arqueologia stricto sensu (tomando como ponto de partida a cultura material) com a arqueologia do texto, a arqueologia do corpo, das práticas sociais e da linguagem, e a arqueologia do saber histórico indígena. Porém, construir pontes entre diferentes abordagens analíticas e entre diversas escalas espaciais e temporais é algo mais difícil de fazer do que de dizer. A tarefa é ainda mais árdua, uma vez que ao mudar escala e perspectiva mudam também as fronteiras e as questões com as quais podemos nos haver, para não falar dos problemas, tantas vezes desalentadores, de compatibilidade e visibilidade entre diferentes níveis de análise (Heckenberger & Franchetto, 2001:9).

Dito isso, tenho plena convicção de que ceifar em várias searas disciplinares, perseguir deliberadamente a prática de fronteiras e almejar o diálogo construtivo nas interfaces existentes entre vários campos do saber, a partir de certos paralelismos metodológicos, pode gerar relações de boa vizinhança ou criar uma grande questão de litígio, conforme pontuou James Clifford (1998) ao tratar da autoridade etnográfica. Um dos maiores problemas está em perceber a dimensão diacrônica e sincrônica dos fenômenos culturais registrados em contextos ambientais e sociais específicos, conforme apontado anteriormente. Contudo, entendo que não há mais como cientistas sociais pensarem a pré-história pantaneira desconsiderando a história e a cultura dos povos indígenas conhecidos etnograficamente, ainda que para as terras baixas da região muito pouco se saiba sobre eventuais continuidades em termos de cultura material, língua e organização sócio-espacial. Por outro lado, também não há mais como alguns estudiosos interpretarem certas paisagens regionais sem levar em conta as modificações que elas sofreram por parte de populações indígenas, pretéritas e contemporâneas, conforme têm sido apontado em pesquisas arqueológicas, etnológicas e etnoistóricas realizadas desde meados do século XX. Significa dizer, então, que entendo a pré-história pantaneira como parte integrante de uma História Indígena total em seus múltiplos aspectos e perspectivas espaçotemporais. Por isso mesmo, a história, grafada com h minúsculo, é aqui “entendida como a crônica completa da humanidade desde seus começos há uns três milhões de anos” (Renfrew & Bahn, 1998:10), na qual a pré-história do Novo Mundo pode ser compreendida como a Arqueologia do índio americano, perspectiva contida nos trabalhos de Sanders & Marino (1971), Meggers (1979), Brochado (1984), Fiedel (1996), E. Neves (1998, 1999b) e Funari & Noelli (2002), dentre outros autores. Dito de outra forma:

38 percebo a pré-história americana como o período anterior aos primeiros contatos diretos e indiretos entre povos indígenas e conquistadores europeus, em muitas regiões oficialmente iniciados entre fins do século XV e início do XVI. Uma perspectiva espaço-temporal desse tipo vai além da concepção de pré-história enquanto terminologia convencional, mormente usada para designar o período ágrafo que compreende a maior parte da história da humanidade, idéia mundialmente difundida em livros didáticos de História, além de trabalhos acadêmicos traduzidos em várias línguas, a exemplo das obras de Childe (1961, 1981, 1988, 1989) e Leroi-Gourhan (1981, 1983, 1984a, 1984b, 1985, 1995), dois dos mais renomados e conhecidos pré-historiadores europeus do século XX. Ocorre que o conceito de escrita ainda está muito impregnado de uma concepção evolucionista e europocêntrica de grafia, geralmente restrita à representação de palavras ou idéias por meio de caracteres alfabéticos. Mais que apenas isso, entendo que formas de decoração da cerâmica indígena, arte rupestre e pintura corporal podem ser consideradas como tipos particulares de registro e escrita; sua decodificação pode fugir ao conhecimento dos arqueólogos de hoje, mas não aos indivíduos que as produziram e às sociedades em que estavam/estão inseridos, sejam elas do passado arqueológico, sejam do presente etnográfico ou histórico. Daí, portanto, a idéia de longa ou longuíssima duração em termos de tempo arqueológico, a qual pode ser compreendida através das idéias apresentadas por Braudel (1978, 1989) e Vovelle (1993) e, mais precisamente, a partir da seguinte definição: A duração do tempo arqueológico em seu sentido mais amplo pode ser definida como uma longuíssima duração, repleta de multiplicidades que nunca se isolam, mas que são reconhecidas apenas quando vistas separadamente. As multiplicidades possuem finitudes definidas que, em conjunto, tornam-se irreconhecíveis. Uma longuíssima duração se assemelha a um todo e é uma duração composta de várias outras durações mais curtas. A fruição dos acontecimentos da intensidade de duração mais longa pulsa como sensações sob suas partes, conforme estas recebem as potências intensivas. Cada parte como ser próprio individual, segundo as relações específicas mantidas como o fluxo espaço-temporal, terá um sentido e uma duração característica (M. P. Magalhães, 1993:67).

Pensar em longa ou longuíssima duração, como André Luis R. Soares (1997) propôs para o estudo dos povos Guarani, implica, dentre outras coisas, em buscar compreender aspectos relacionados às continuidades e às mudanças em termos de organização social, adaptação cultural e cultura material dos povos indígenas no âmbito da regionalização do espaço geográfico abrangido pelas terras baixas do Pantanal. Uma

39 análise desse nível parte de determinadas concepções sobre o assunto e exige a conclusão de algumas tarefas. Em primeiro lugar, não se pode pensar em Pantanal unicamente a partir de um recorte político-territorial recente, como se desde sempre a região estivesse compreendida por um único estado brasileiro ou limitada ao território nacional. Faz-se mister, com efeito, que o Pantanal seja percebido em sua totalidade ambiental e sociocultural, com vistas a ser decodificado a partir de uma verdadeira regionalização, pressuposto crucial para a compreensão do povoamento indígena pré-histórico e colonial daquela porção central da América do Sul. Em segundo lugar, elaborar uma revisão desse nível pressupõe um levantamento exaustivo da literatura disponível sobre o assunto, contextualizando a pré-história pantaneira no universo platino e sul-americano. Esta possibilidade de análise é de fundamental importância diante dos dados publicados sobre o povoamento indígena do Pantanal, ainda que sejam poucos se comparados com os disponíveis para regiões como o litoral brasileiro e a Amazônia. Por isso, tive a precaução de estar apresentando alguns dados inéditos sobre a pré-história pantaneira. Em terceiro lugar, é preciso ter clareza que revisão alguma pode ter a pretensão de ser completa e apresentar respostas cabais a todos os questionamentos possíveis e imagináveis sobre diversos aspectos da pré-história e da História Indígena da região. Pelo contrário, toda revisão será sempre uma análise incompleta acerca de determinada temática, um estudo marcado pelo seu tempo e pelas preocupações inerentes ao pensamento de seu autor. Por outro lado, revisar também significa apontar novos problemas e outros caminhos a seguir em termos de estudos regionalizados, o que exige certa capacidade de imaginação e erudição teórico-metodológica. Em quarto e último lugar, entendo que uma tarefa assim esbarra em muitas dificuldades, principalmente no que se refere às pesquisas arqueológicas realizadas no Pantanal e em áreas adjacentes. Digo isso porque há pouco mais de uma década que a préhistória pantaneira passou a ser alvo de projetos de pesquisa contínuos, tanto de caráter exploratório quanto de resolução de problemas. Por outro lado, dados obtidos em investigações ambientais, paleoambientais, lingüísticas, etnográficas e etnoistóricas, concatenados à luz da Arqueologia e interpretados com a devida cautela em termos espaçotemporais (diacronia e sincronia), são de grande utilidade ao pesquisador que se propõe a (re)pensar o povoamento indígena da região.

40 Cumpre registrar ainda que várias sínteses já foram elaboradas sobre a pré-história pantaneira, a maioria publicada a partir da década de 1990: J. Oliveira (1992, 1996b, 1997c [1997d, 2000e], 1997e [1999]), Schmitz (1997, 1998, 1999, 2000), Rogge & Schmitz (1992, 1994), Schmitz et al. (1998, 2000), Peixoto et al. (1999) e Rogge (2000). De todas elas, a de Pedro Ignacio Schmitz (1997), intitulada Pantanal: os primeiros passos da préhistória, publicada na revista Ciência Hoje, é a mais didática, ao passo que a de Jorge Eremites de Oliveira & Sibeli Aparecida Viana (1999/2000), parte integrante do artigo O Centro-Oeste antes de Cabral, publicado na Revista USP, é a menos incompleta. Em sua quase totalidade são sínteses marcadas por uma leitura empiricista e histórico-culturalista, às vezes sob o prisma do determinismo técnico-ambiental, sobre o povoamento indígena pré-histórico do Pantanal. Isto porque “construir sínteses regionais será, sempre, postura eivada de conotações particulares, muito presas à visão do autor que ouse empreender tal tarefa”, segundo disse José Luiz de Morais (1999/2000:195). No entanto, cada uma delas reflete não somente o atual estado da arte da Arqueologia Pantaneira, mas também algumas mudanças na maneira de certos autores compreenderem a pré-história regional. Isto posto, ainda que minha proposta possa parecer estranha aos olhos de alguns arqueólogos e um tanto ambiciosa aos de outros, é importante registrar que ela não se apresenta com uma possibilidade de compreensão total, estanque ou absoluta da Arqueologia Pantaneira e da pré-história e História Indígena das terras baixas Pantanal. É, antes de tudo, uma análise pessoal e temporal que teço sobre o assunto, vale a pena registrar amiúde. Finalmente, na Terceira Parte da tese, a última, batizada com o título Seguindo viagem rio acima: Etnoistória e Etnoarqueologia Guató, apresento uma análise a respeito da língua e da organização social e um estudo sobre dois assentamentos Guató existentes no baixo São Lourenço, extremo sul do que grosso modo pode ser considerada a região que compreende o pantanal de Poconé, em Mato Grosso, na divisa com Mato Grosso do Sul. Em linhas gerais, optei por trabalhar com uma abordagem interdisciplinar que busca empregar, de maneira concatenada, procedimentos teórico-metodológicos próprios da Arqueologia, Etnoistória e Etnologia, como, aliás, tem sido comum a partir da década de 1990 em monografias acadêmicas produzidas por jovens arqueólogos no Sul do país. O marco das pesquisas etnoarqueológicas no Brasil é o trabalho de Irmhild Wüst (1990), pesquisadora que trouxe a publico a tese de doutorado Continuidade e mudança –

41 para uma interpretação dos grupos ceramistas pré-coloniais da bacia do rio Vermelho, Mato Grosso, considerada por Funari et al. (1999:1) como “nossa síntese mais sistemática”. De lá para cá, por conta das mudanças de nuance registradas na Arqueologia Brasileira e também pelo crescimento e fortalecimento de uma nova geração de arqueólogos, vários estudos atraídos pelo princípio da analogia histórica foram desenvolvidos no país, alguns deles também controlados por dados obtidos em fontes textuais diversas, às vezes acrescidos de informações recolhidas da tradição oral (vide Noelli, 1992). Exemplo disso são as dissertações de mestrado defendidas por Francisco S. Noelli (1993), Beatriz dos S. Landa (1995), Gisleine Monticelli (1995), João Felipe G. da Costa (1997) e André Luis R. Soares (1997), dentre outros jovens arqueólogos. Para o estudo da organização social dos Guató, em específico, praticamente ignorei velhos jargões como bandos, tribos e chefias, assim o fazendo para evitar simplificar ainda mais algo que considero bastante complexo para ser enquadrado em certos modelos neoevolucionistas marcados mais pela análise econômica e menos pelo estudo das relações sociais. Decidi fazer uma leitura mais antropológica de um assunto muitíssimo relevante à Arqueologia Pantaneira, até agora praticamente em descoberto. A análise concluída foi inspirada em uma interpretação estruturalista do parentesco e da organização social de sociedades

indígenas,

fundamentada em

três

pilares

básicos:

consangüinidade,

descendência e afinidade, não facilmente perceptíveis através da observação direta do registro arqueológico. Para tanto, trabalhei com fontes textuais diversas, a maioria produzida nos séculos XIX e XX, incluindo relatos de viajantes e cronistas, além de informações registradas a partir da tradição oral. Ao longo das discussões também procurei tomar a precaução de tratar do assunto dentro de uma perspectiva etnoistórica, sempre atento ao processo histórico e sociocultural dos Guató. Além disso, elaborei várias considerações acerca da relação entre a organização sócio-espacial desses argonautas e a pré-história pantaneira, levantando problemas e possibilidades, inclusive no âmbito da interpretação de estruturas monticulares do tipo aterro. No caso da pesquisa etnoarqueológica de dois assentamentos Guató, um localizado no morro do Caracará e outro à margem esquerda do baixo São Lourenço, próximos à divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foram observados aspectos relacionados a temas como subsistência, captação de matérias-primas, economia, consumo de alimentos, mobilidade espacial, produção e uso de artefatos diversos, estruturas de habitação, estruturas de combustão, distribuição espacial de vestígios materiais, áreas de atividade,

42 processo de formação de sítios arqueológicos e vida cotidiana. Os trabalhos de campo, realizados entre fins de julho e início de agosto de 1997 e Janeiro e julho de 1998, foram feitos através de observação direta, entrevistas, apontamentos em campo, documentação fotográfica e elaboração de croquis detalhados dos estabelecimentos. Embora esses assuntos denotem certo privilégio pela abordagem materialista, também procurei observar aspectos significativos da realidade etnográfica, inclusive do ponto de vista êmico. Ao que tudo indica, entre os arqueólogos há certo consenso em torno do conceito mais amplo de Etnoarqueologia, subárea difundida mundialmente nas décadas de 1960, 1970 e 1980, com o advento da Nova Arqueologia ou Arqueologia Processual, e hoje em dia em franca expansão no Brasil. Neste trabalho, para ser mais preciso, a Etnoarqueologia é entendida uma especialidade da atual ciência arqueológica que estuda povos conhecidos etnograficamente a partir de uma perspectiva arqueológica, conforme pode ser deduzido dos diversos ensaios escritos por Lewis R. Binford, considerado por P. Sabloff (1998) como o pai da Nova Arqueologia (vide Binford, 1965, 1967, 1973, 1975a, 1975b, 1975c, 1975d, 1977, 1978a, 1978b, 1980, 1983, 1987, 1988, 1989, 1990; Binford & Binford, 1968; dentre outros). Com efeito, o maior sentido da pesquisa etnoarqueológica está na investigação da relação entre sociedades vivas e sua cultura material, empreendida com o objetivo de aumentar nossa compreensão acerca do registro arqueológico (Renfrew & Bahn, 1998). Dito de outra forma, a Etnoarqueologia estuda “aspectos do comportamento sociocultural contemporâneo de uma perspectiva arqueológica”, pois os antropólogos nem sempre estão dispostos a realizarem pesquisas para a resolução de problemas arqueológicos, e vice-versa (Kramer, 1979:1; Borrero & Yacobaccio, 1989). Seu princípio maior está na possibilidade da realização de analogias históricas ou etnográficas, implementadas principalmente por meio de uma inter-relação entre Arqueologia e Etnologia, além de outras áreas que desenvolveram técnicas, métodos e teorias próprias para a compreensão das sociedades humanas no tempo e no espaço (Ecologia Humana, Geografia, História, Lingüística etc.). Daí compreender a afinidade inseparável entre a interpretação arqueológica e o conhecimento acumulado por meio de observações etnográficas (Binford, 1967, 1973). Tais analogias, por sua vez, muitas vezes remetem à teoria de médio alcance, associada aos processos de formação de sítios arqueológicos (Hodder, 1988); podem ser diretas, isto é, comparações específicas em áreas onde há uma comprovada continuidade cultural, ou indiretas, quer dizer, comparações gerais em regiões onde este tipo de situação

43 nem sempre está muito evidente na interpretação do registro arqueológico. Mais que isso, a analogia é o principal aparato teórico pelo qual os arqueólogos se beneficiam do conhecimento etnológico para interpretar as evidências materiais da pré-história. Por isso é vista como a base para suposições, comparações, refinamento de ensaios e elaboração de modelos dinâmicos sobre o comportamento passado (Chang, 1967; Kramer, 1979; Borrero & Yacobaccio, 1989; Gamble, 2001). Para jovens brasileiros mestres em Arqueologia, os quais ainda não conquistaram espaço cativo nas agências de fomento à pesquisa no país, uma das vantagens da investigação etnoarqueológica está na possibilidade deles poderem executá-la, produzindo novos e relevantes conhecimentos, sem a necessidade de uma grande equipe multidisciplinar e volumosos recursos financeiros para as atividades de campo e laboratório. No entanto, este tipo de investigação não é um passatempo para quem quer evitar feriados sem graça, tal qual simplificou Philip Rahtz (1989:95) ao tratar das pesquisas etnoarqueológicas no Mediterrâneo: “Pode-se transformar um feriado numa experiência estimulante e educativa, em vez de ficar apenas deitado ao sol, bebendo ou procurando a discoteca mais próxima (as três principais atrações que aparecem nos guias de diversões)”. A Etnoarqueologia é muito mais que isso; é uma especialidade que requer habilidade na observação e registro da realidade etnográfica, tempo de convivência com o grupo analisado, conhecimento sobre a investigação de fontes textuais diversas e capacidade de erudição teórico-metodológica. Do contrário, qualquer indivíduo que queira fugir do estresse da cidade e passar um final de semana em uma reserva indígena, por exemplo, sairá de lá experto em Etnoarqueologia e completamente seduzido pelas armadilhas que envolvem o uso de analogias históricas, especialmente as generalizações materialistas entre o presente etnográfico e o passado arqueológico, muitas vezes formuladas em desconsideração à própria dinâmica da cultura e à diversidade sociocultural. Isto posto, quero dizer que aqui não estou fazendo nenhuma argüição no sentido de sugerir que os atuais Guató são exemplo de um povo indígena fossilizado no tempo e no espaço, pelo contrário. Meu interesse tem sido em compreender essa sociedade para melhor perceber, via analogias e sem reducionismos, a dinâmica sociocultural inerente ao processo de ocupação indígena das áreas inundáveis do Pantanal. Entendo que naquela região do alto Paraguai a analogia é a mais poderosa ferramenta para se conhecer as

44 diferenças e as similitudes socioculturais ao longo dos tempos. Neste sentido, incorporei uma perspectiva etnoistórica que em muito caracteriza as pesquisas de campo, além de minhas próprias explanações e explicações. Ocorre que a pesquisa etnoarqueológica também envolve explicitamente a integração entre Etnografia e Etnoistória, pois uma investigação desse nível vai além do simples registro e da mera coleção de materiais culturais (Kramer, 1979). Todavia, essa integração não necessariamente deve ser vista como uma ameaça à suposta independência da Etnoarqueologia, tal qual advertiu Hodder (1988:143). Acredito que ela é estabelecida a partir de uma relação de mútuas influências, em uma via de mão dupla, que pode resultar em uma Arqueologia mais dedicada a populações indígenas vivas e talvez a uma leitura arqueológica da própria Etnoistória, assim como propôs o referido arqueólogo. Finalmente, quero registrar que esta tese não será o fim, mas o começo de outra etapa de minha carreira profissional, na qual aspiro seguir realizando pesquisas arqueológicas, etnoarqueológicas e etnoistóricas relevantes à compreensão da pré-história pantaneira e de outras áreas da região platina. Por isso mesmo, as três partes da monografia podem ser interpretadas como três objetos interdependentes e complementares que nortearam os estudos ora apresentados.

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PRIMEIRA PARTE

ARQUEOLOGIA PANTANEIRA: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA (1875-2000)

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1 PRIMEIRO MOMENTO

Iniciava-se o século em que o Brasil, ao lado do México, seria um dos países latinoamericanos mais visitados por estrangeiros. A imensidão geográfica, as riquezas naturais e a diversidade étnica atraíram um grande número de estudiosos, profissionais e diletantes, ou simplesmente interessados em fazer suas descobertas, cujos objetivos tinham lá seus compromissos. Razões econômicas, científicas e políticas justificaram a maioria de ousadas viagens de exploração [...]. (Karen Lisboa, 1999:4).

Desde o século XIX, sobretudo após o final da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), até as primeiras décadas do XX, alguns registros e interpretações sobre sítios arqueológicos no Pantanal foram realizados, em sua maioria ao longo de expedições científicas estrangeiras. Alguns estudos, todavia, não aconteceram no pósguerra por mera coincidência. Ao terminar aquele que foi um dos maiores conflitos bélicos da história das Américas, a livre navegação pelo rio Paraguai foi bastante intensificada. Este fato facilitou ainda mais, sob o ponto de vista diplomático, a realização de expedições estrangeiras de caráter científico e exploratório pelo interior do Brasil. Por outro lado, também favoreceu a organização de expedições brasileiras para fins de defesa e delimitação das fronteiras do país com a Bolívia e o Paraguai; este é o caso de algumas viagens feitas por militares do Exército Brasileiro. A livre navegação pelo rio Paraguai favoreceu, ainda, o desenvolvimento do comércio fluvial entre o antigo Mato Grosso e outras importantes regiões platinas, algumas das quais com acesso direto ao Atlântico1. Segundo Corrêa Filho (1969), o rio Paraguai tornou-se freqüentado por navios que importavam tecidos, ferragens, sal e outros artigos 1

O antigo Estado de Mato Grosso foi dividido em 1977, época do regime militar implantado com o golpe de 1964. Da parte meridional foi criado Mato Grosso do Sul, permanecendo a setentrional como Mato Grosso. Assim, quando utilizo a expressão antigo Mato Grosso, estou referindo-me ao período anterior à criação de Mato Grosso do Sul, ao Mato Grosso uno.

47 para serem comercializados por couros, solas, carne-seca, ipecacuanha e outros produtos regionais de exportação. Foi nesse contexto que algumas expedições científicas estrangeiras, ao viajarem pelo Brasil do século XIX, percorreram parte do Pantanal. Essas missões tiveram grande ímpeto com a abertura dos portos brasileiros, em 1808, conseqüência do advento da vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, episódio que pôs fim ao exclusivismo lusitano sobre o Brasil (Lisboa, 1999). Dos grupos de exploradores que por ali passaram, poucos realizaram estudos arqueológicos e etnográficos. As expedições fizeram parte de um movimento maior: a expansão das ciências naturais por meio do método da observação. A natureza e o homem dos trópicos, o outro, além de serem vistos como exóticos, constituíram o objeto de estudo para muitos cientistas influenciados por idéias evolucionistas da época, conforme esclareceu Maria Sylvia Porto Alegre: As expedições eram conduzidas por naturalistas, médicos, botânicos e zoólogos, que se faziam acompanhar por pintores e desenhistas, encarregados de registrar a natureza e os tipos humanos da forma mais fidedigna e minuciosa possível, numa antecipação da fotografia (Porto Alegre, 1994: 59).

Prossegue mais adiante: Durante todo o século XIX, grande número de viajantes estrangeiros percorreu o Brasil, produzindo uma variedade de relatos, que vão de diários impressionistas de viagem a relatórios comerciais e estudos científicos, passando por memórias descritivas, tratados filosóficos, informes econômicos, etc. É uma produção bastante heterogênea, onde predominam os viajantes ingleses, franceses, americanos e alemães, entre os quais, além de curiosos diletantes, incluem-se representantes diplomáticos, comerciantes, religiosos, artistas e cientistas (Porto Alegre, 1994:62-63).

No que diz respeito à história mais recente do Pantanal, muitos historiadores são uníssonos na defesa da tese de que a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança constituiu-se em uma espécie de divisor de águas na história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Valmir Batista Corrêa e Lúcia S. Corrêa são dois deles: A invasão paraguaia em território sul-mato-grossense foi um divisor de águas no processo de ocupação da fronteira oeste e imprimiu profundas marcas no desenvolvimento da região. Assim, provocando a ruptura do processo de ocupação colonial de Mato Grosso e transformações significativas no setor econômico, a região passou a partir de então a receber influência direta e decisiva do comércio importador-exportador platino (V. Corrêa & L. Corrêa, 1985:45).

48 Essa situação, por conseguinte, também propiciou uma série de transformações políticas e sócio-econômicas em algumas cidades pantaneiras. Em Corumbá, por exemplo, surgiu uma burguesia ligada à importação e à exportação de diversos tipos de mercadorias. Corumbá, aliás, após ter sido arrasada durante a guerra, transformou-se em um dos mais importantes pólos comerciais do interior do país. A expansão do comércio portuário local, interligando comercialmente o Prata com outras cidades de Mato Grosso e a ação do mascate fluvial na zona pantaneira permitiram uma acumulação de capital exteriorizada na imponência de suas casas comerciais, seus prédios urbanos e no crescente prestígio político do comerciante. Tornou-se comum, e cada vez mais freqüente, a presença de comerciantes de Corumbá nas listas da Guarda Nacional com patentes tradicionalmente adquiridas pelos grandes proprietários, ou ainda, comerciantes eleitos para a Câmara Municipal e/ou Juízes de Paz (V. Corrêa, 1985:12-13).

Em fins do Império e início da República, Mato Grosso já estava economicamente recuperado dos prejuízos causados durante o conflito com o Paraguai e devidamente inserido no cenário econômico e geopolítico platino. Também era visto como uma espécie de paraíso ou laboratório natural para cientistas estrangeiros deslumbrados com sua diversidade paisagística e sociocultural. O fascínio maior foi pela região do alto Xingu, ainda hoje a menina dos olhos de muitos antropólogos brasileiros e brasilianistas. Mas nem toda a história do antigo Mato Grosso é caracterizada, no caso desse período, pelo crescimento econômico registrado no pós-guerra. A violência era freqüente e marcada por conflitos armados que, não raramente, envolviam os coronéis e os bandidos da região durante disputas pelo poder político local, conforme explicação dada por Valmir Batista Corrêa: A história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, nas primeiras décadas do período republicano (1889-1943), foi na realidade a história de um povo armado. Sua principal característica constituiu-se no uso extremo da violência que acabou por confundir com o próprio modo de vida do mato-grossense. Essa violência, que atingiu profundas dimensões na política regional após a queda do regime monárquico, não significou o surgimento de uma situação historicamente inédita, mas seguramente resultou do próprio processo de ocupação e desenvolvimento da região desde o período colonial (V. Corrêa, 1995:25).

Faço aqui um adendo: a prática da extrema violência também foi estendida, por parte do Estado e da sociedade nacional, em diferentes graus e variadas estratégias, aos povos indígenas que viviam em Mato Grosso (Vasconcelos, 1999). Posteriormente, além da ligação feita através do rio Paraguai, a região do Pantanal passou a ser ligada a outras áreas do continente pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

49 (NOB). Essa ferrovia, que tem início em Bauru, São Paulo, foi concluída até Porto Esperança, povoado situado à margem esquerda do rio Paraguai e abaixo de Corumbá, em 1914 (Queiroz, 1997). Na década de 1930, o então jovem e pouco conhecido etnógrafo francês Claude Lévi-Strauss (1988), fundador e maior expoente do estruturalismo, viajou por essa ferrovia em direção à região ocupada pelos índios Kadiwéu, a serra de Bodoquena. Décadas depois, em 1952, a ferrovia finalmente foi concluída até a cidade de Corumbá, também viabilizada pela construção de uma ponte sobre o rio Paraguai. Com a construção da ferrovia e, anos mais tarde, de rodovias ligando o antigo Mato Grosso a outras regiões do Brasil, gradativamente e em função de múltiplos fatores políticos e econômicos, o comércio fluvial de Corumbá e de outras cidades pantaneiras perdeu muito de sua importância, embora jamais tenha deixado de existir.

1.1. PRIMEIRAS DESCOBERTAS DIVULGADAS Ao que pude saber, o general João Severiano da Fonseca (1836-1897), cientista e médico, patrono do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro, foi o primeiro a registrar, analisar e publicar informações sobre um sítio arqueológico existente na região. Trata-se de um sítio com inscrições rupestres existente na lagoa Gaíva (ou Gaíba), conhecido regionalmente como letreiro da Gaíva. No dia 27 de julho de 1875, ao subir o rio Paraguai no barco Taquary, o autor fez o seguinte apontamento que consta no livro Viagem ao redor do Brasil (1875-1878), publicado pela primeira vez em 1880 e republicado em 1986: Aí no começo do canal, a uns quinhentos metros do rio, há outro maciço de gnaisse em direção SE-NO, conhecido como Morro do Letreiro; numa face cortada a pique, e como se fora adrede preparada, estão gravados por mão de homem, selvagem sem dúvida, os seguinte sinais conhecidos pelo título de Letreiro da Gaíba: Alguns deles estão feitos abaixo do limite das águas naturais e só em tempo de baixa do rio podem ser vistos. Parecem ser a representação do sol, lua, estrelas, serpentes, mão e pé de homem, pata de onças e folhas de palmeiras, no mesmo gênero das de quase todas as encontradas nos itacoatiaras do Brasil, entre as quais se apresentam, como melhores, a de Curumatá, no Piauí, atribuída aos gregueses, e a do Morro do Cantagalo, na margem esquerda do Alto Tapajós, onde, num paredão também a prumo, o artista selvagem, mas curioso e observador da natureza, gravou umas quinze figuras, das quais o homem, os pássaros, os répteis guardam uma certa naturalidade, parecendo que para tipo daquele foi escolhido o missionário, o

50 que, entretanto, sem desmerecer o artefato, tira-lhe o cunho da veneração que sempre acompanha a antigüidade desconhecida. Lacerda demarcou o letreiro aos 17º42’48” (Ricardo Franco difere apenas em 12” mais ao sul) e o Sr. barão de Melgaço em 17º43’36” de lat. (Fonseca, 1880, v.1:326-327).

FIGURA 1: DEZENHO DO LETREIRO DA GAÍVA (Fonseca, 1880, v.1:327). O registro apresentado por Fonseca é, sem dúvida, bastante detalhado para a época, sendo inclusive mencionado por Alfredo M. de Souza (1991) em seu livro História da Arqueologia Brasileira. Suas interpretações sobre os signos rupestres também apresentam uma lógica dedutiva na medida em que o autor os associa a antigas populações indígenas, decodificando-os como sendo elementos da natureza presentes no cotidiano indígena: sol, lua, estrelas, mão e pé de homem, pata de onças e folhas de palmeira2. Seu desenho, porém, não são tão fidedigno quanto o feito por Max Schmidt (1942a:120 [1905]) em 1901. Nesse caso em específico, a interpretação de Fonseca destoa da de muitos de seus contemporâneos do Nordeste e de outras regiões do Brasil (vide G. Martin, 1996), haja vista que nela não há uma leitura fantasiosa sobre as gravuras encontradas no Pantanal. Schmidt (1942a:119), no entanto, não deu crédito algum a essa leitura afirmando que 2

José Augusto F. de Lima, gerente do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, unidade de conservação sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), informou-me em maio de 2001 que o letreiro da Gaíva havia sido depredado por pessoas ainda não identificadas, causando um enorme prejuízo ao patrimônio arqueológico pantaneiro.

51 “aquelas figuras nada apresentam que possa relacionar-se com semelhante interpretação”, pois podem “representar imagens de qualquer idéia”. Anteriormente a eles, entre as décadas de 1710 e 1720, Antônio Pires de Campos (1862:442) havia mencionado a existência do letreiro da Gaíva, interpretando-o como sendo uma cruz de pedra feita pelo apóstolo São Tomé, segundo a ideologia cristã comum para época. No século XIX, vele a pena saber, muitos intelectuais associavam sítios arqueológicos a povos de além-mar (fenícios, gregos, vikings etc.). Era preciso encobrir a ancestralidade indígena do povo brasileiro e engendrar uma trama mais complexa, a construção de uma identidade nacional vinculada a povos e culturas nobres ou civilizadas do Velho Mundo, sobretudo da Europa e do Oriente Próximo. Essa tarefa foi abraçada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), instituição ligada à Monarquia e encarregada do projeto de construção da identidade nacional após a independência política do Brasil, ocorrida em 1822 (Martius, 1991; P. Campos, 1977; Langer, 1997a, 1997b; Guimarães, 1988). O IHGB, por seu turno, lançou mão do que L. Ferreira (1999) chamou de Arqueologia Nobiliárquica, ou seja, de uma Arqueologia que pudesse elevar o Brasil à categoria de nação civilizada. Isso poderia ser feito através da descoberta de um passado nobre, ainda que situado em um longínquo passado arqueológico, para o Império do Brasil. João Severiano da Fonseca dedicou seu livro ao Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas, do qual era membro. Também pertenceu ao próprio IHGB, embora não tenha sido um de seus membros mais notáveis na área da Arqueologia Nobiliárquica. Também era irmão de Deodoro da Fonseca, militar que participou da trama da Proclamação da República no Brasil, em 1889, vindo a ser o primeiro presidente do país. No governo de Deodoro, João Severiano foi senador da Assembléia Constituinte (L. Souza, 1978). Evidentemente que ele não foi um leigo no registro de sítios arqueológicos. Além disso, o militar esteve em Mato Grosso para participar de uma comissão que tinha por finalidade demarcar as fronteiras do Brasil com a Bolívia, comissão que foi presidida pelo então coronel de engenheiros Rufino Enéas Gustavo Galvão, o barão de Maracaju, que havia atuado na demarcação dos limites do Brasil com o Paraguai após a guerra. Os etnógrafos Richard Rohde (1885 [1883] apud Baldus, 1954), Julio Koslowsky (1895 [1894]) e Herrmann Meyer quem acompanhou a expedição de Karl von den Steinen ao Xingu (Rego, 1899), por seu turno, visitaram alguns sítios pertencentes a antigos povos agricultores e ceramistas, portadores da tradição Descalvado, assim batizada por Wüst & Migliacio (1994), existentes na porção setentrional do alto curso do rio

52 Paraguai, atual Mato Grosso. Chegaram mesmo a recolher algum material arqueológico, geralmente urnas funerárias, para aumentar o acervo ergológico dos museus em que trabalhavam (J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a). Outras pessoas, etnógrafos de formação ou com habilidade no registro de dados culturais, como Hercules Florence (1875, 1948, 1977a, 1977b [1827]), Guido Boggiani (1898 [1897]), Cândido Mariano da S. Rondon (1949 [1900-1906]), Theodoro Roosevelt (1944 [1913]), Claude Lévi-Strauss (1998 [1935-1936]) e Frederico Rondon (1938 [1937]), chegaram mesmo a registrar a existência de aterros indígenas na planície de inundação do Pantanal, inclusive tecendo algumas interpretações sobre eles. As avaliações feitas geralmente associam as estruturas monticulares a povos indígenas da região, como o Guató, ou, o que é menos freqüente, descartam a possibilidade de sua origem estar ligada à intervenção humana nas paisagens regionais. Até aqui tratei de pessoas que não foram ao Pantanal para, dentre outras coisas, realizarem pesquisas arqueológicas visando conhecer o passado de populações indígenas. Muitas delas, a exemplo de Rohde (1885) e Koslowsky (1895), estavam mais interessadas em recolher peças arqueológicas para museus do que buscar respostas para problemas referentes à compreensão da pré-história regional. Na época, observar “e colecionar era mais que um objetivo científico. Era quase uma missão, especialmente para a etnografia” (Porto Alegre, 1994:63). Outras, como é o caso de Rondon (1949), Roosevelt (1944) e Lévi-Strauss (1998), ao longo de suas viagens também produziram registros etnográficos e paisagísticos de relevância à Arqueologia Pantaneira.

1.2. MAX SCHMIDT Max Schmidt (1874-1950) em muito contribuiu para o conhecimento dos povos indígenas pré-históricos que ocuparam as terras baixas do Pantanal. Ele nasceu em 16 de dezembro de 1874, filho de uma tradicional família de Altona (Elbe), na Alemanha (Susnik, 1991), embora Baldus (1951:253) tenha afirmado que ele nasceu no dia 15 daquele mês e ano. Poderia ter seguido a carreira de seu pai, que era jurisconsulto, mas em 1899 abandonou o Direito e voltou-se para os estudos etnológicos, desde já na qualidade de assistente voluntário do Museu de Etnologia em Berlim (Museum für Völkerkunde zum Berlin), instituição em que chegou a dirigir a seção da América do Sul. Sua formação

53 inicial em Direito, todavia, marcou todos os seus trabalhos etnográficos e muitas de suas análises etnológicas. No Museu de Etnologia em Berlim, Schmidt teve como mestre o grande antropólogo Karl von den Steinen e, por conta das influências que dele recebeu, elegeu o antigo Mato Grosso como a principal área para a realização de suas investigações científicas, concluindo três expedições etnológicas durante as três primeiras décadas do século XX. Herbert Baldus avaliou essa parte da sua história de vida com muita propriedade: Dirigindo-se ao laboratório predileto dos americanistas alemães da época, isto é, à região dos formadores do Xingu, queria seguir o exemplo dado pelo seu grande mestre Karl von den Steinen, por Ehrenreich, Herrmann Meyer e outros, indo acompanhado, porém, de dois camaradas apenas e não, como aqueles exploradores, de uma numerosa e bem equipada comitiva (Baldus, 1951:253).

Karl von den Steinen esteve no alto Xingu, atual Mato Grosso, em duas expedições: a primeira em 1884 e a segunda em 1887 (vide Steinen, 1897, 1940;V. Coelho, 1993). Na literatura especializada, Karl von den Steinen vem sendo referido ora como iniciador da investigação científica dos povos “primitivos” na América do Sul e reformador dos métodos de investigação, ora como “decano dos exploradores etnográficos sul-americanos” e pesquisador de determinante influência sobre a investigação científica imediatamente posterior. Na realidade, era pioneiro e propulsionador da etnologia brasileira, tudo em uma pessoa e mais (Thieme, 1993:37).

Max Schmidt, por seu turno, deve ser considerado o pioneiro, o iniciador das pesquisas arqueológicas no Pantanal, região onde esteve em 1901, 1910 e 1928. Seus trabalhos mais importantes para a Arqueologia Pantaneira foram publicados em 1902, 1905, 1912, 1914, 1928, 1940 (1940a, 1940b), 1942 (1942a, 1942b), 1951 e 1974. Naquela grande planície de inundação, seu objetivo maior foi estudar os índios Guató (Economia, Etnografia, Etnoistória, Direito e Lingüística, dentre outros assuntos.), bem como recolher material etnográfico e arqueológico para o Museu de Etnologia em Berlim. Sua primeira passagem pelo Pantanal ocorreu devido à orientação dada pelo próprio von den Steinen. Em 1931, três anos após sua última expedição a Mato Grosso, a vida de Max Schmidt tomou outro rumo, conforme explicou Branka Susnik:

54 Em 1931, Max Schmidt renuncia a seus cargos no Museu e na Universidade de Berlim, à idade de 57 anos; abandonou para sempre a Alemanha, estabelecendose em Mato Grosso Ilha de Boa Esperança, próximo a Cuiabá, de onde pretendia animosamente prosseguir suas investigações etnográficas e, por sua vez, concretizar seu desejo pessoal: viver na simples natureza e com a máxima modéstia pessoal. As inquietudes regionais em Mato Grosso o obrigaram a abandonar seu refúgio (Susnik, 1951:9).

Tais inquietudes parecem ter sido referentes à compra de um imóvel, na qual Schmidt acabou sendo trapaceado durante a transação (comunicação pessoal de Adelina Pusineri em setembro de 1998). Como o negócio havia sido feito com um coronel local, o melhor que ele fez foi deixar a região e partir para um porto mais seguro, o Paraguai. O antigo Mato Grosso não foi apenas sua área de pesquisa predileta. Foi a região que primeiramente escolheu para viver após deixar a Europa. No entanto, ao ter de deixá-la em 1931, Schmidt viajou para Assunção, onde conhecia Andrés Barbero (1877-1951), filantropo e estudioso paraguaio, na época presidente da Sociedade Científica do Paraguai. Foi Barbero quem encarregou Schmidt da sistematização de uma coleção etnográfica e arqueológica existente nos museus etnográfico, histórico e de ciências naturais daquela capital (Susnik, 1991; Pusineri, 1993). Após a morte do estudioso paraguaio, o museu passou a ser chamado Museu Etnográfico Andrés Barbero. Nas décadas de 1930 e 1940, Schmidt realizou várias pesquisas etnográficas e arqueológicas no Paraguai. Em 1941, foi nomeado presidente honorário da Sociedade Científica do Paraguai e, em 1948, inaugurou, pela primeira vez naquele país mesopotâmico, a cátedra de Etnologia junto à Faculdade de Filosofia da Universidade Nacional de Assunção (UNA). Faleceu na capital do Paraguai aos 26 de outubro de 1950 (Susnik, 1991). Em seu túmulo, o qual tive a oportunidade de conhecer em julho de 2000, há uma lápide com inscrições rupestres idênticas às por ele registradas em Mato Grosso, ali colocada pelos seus alunos como forma de homenagem póstuma. De fato, Schmidt foi um etnógrafo ímpar: realizar pesquisas em Mato Grosso no início do século XX e nas condições infra-estruturais de que dispunha, era, sem dúvida alguma, uma verdadeira missão, um feito de grande idealismo. Sua dedicação parece ter sido compartilhada por outros etnógrafos de seu tempo. O próprio Lévi-Strauss, por exemplo, assim escreveu no célebre Tristes Trópicos:

55 Não há lugar para a aventura no trabalho na profissão de etnógrafo; ela é somente a sua servidão, peso sobre o trabalho eficaz com o peso das semanas ou dos meses perdidos no caminho; das horas improdutivas enquanto o informante se esquiva; da fome, do cansaço, às vezes da doença; e, sempre, dessas mil tarefas penosas que corroem os dias em vão e reduzem a vida perigosa no coração da floresta virgem a uma imitação do serviço militar [...]. Que sejam necessários tantos esforços e desgastes inúteis para alcançar o objeto de nossos estudos não confere nenhum valor ao que se deveria mais considerar como o aspecto negativo do nosso ofício. As verdades que vamos procurar tão longe só têm valor se desvencilhadas dessa ganga (Lévi-Strauss, 1998:15).

De todos os americanistas alemães de seu tempo que percorreram a América do Sul, Max Schmidt foi o único a se interessar pela região pantaneira e pelos índios Guató. Sem seus estudos, por certo quase nada se saberia sobre esse povo canoeiro e, por conseguinte, as interpretações teóricas sobre o passado arqueológico do Pantanal teriam sido mais limitadas pela ausência de modelos etnográficos. Da primeira expedição em que passou pelo Pantanal, em 1901, cujos resultados foram publicados no Brasil em 1942, sob o título Estudos de Etnologia Brasileira: peripécias de uma viagem entre 1900 e 1901. Seus resultados etnológicos, Schmidt (1942a) apresentou importantes contribuições para o conhecimento do sistema sociocultural desenvolvido pelos Guató: artefatos de uso doméstico e de trabalho, comportamento, estruturas de habitação e outros tipos, língua, mobilidade espacial, organização social, território, territorialidade, subsistência e outros. Essa obra, inclusive, foi citada por Nelson W. Sodré (1976:265) em seu conhecido livro O que se deve ler para conhecer o Brasil; ela é uma versão ampliada do artigo Die Guató (Schmidt, 1902) e a tradução do livro Indianerstudien in Zentralbrasilien. Erlebnisse und ethnologische Ergebnisse einer Reise in den Jahren 1900 bis 1901 (Schmidt, 1905). Da segunda missão, realizada em 1910, Schmidt apresenta-se como um dos precursores do que atualmente se conhece por Etnoarqueologia (J. Oliveira, 1996a); investigou etnográfica e arqueologicamente alguns aterros e outros tipos de assentamentos Guató existentes na região do rio Caracará, atual Mato Grosso, publicando seus estudos em Die Guato und ihr Gebiet. Ethnologische und archäologische Ergebnisse der Expedition zum Caracara-fluss in Matto-Grosso (Schmidt, 1914). Da terceira e última expedição, realizada em 1928, ele retomou alguns assuntos investigados em 1901 e 1910, também analisando as transformações socioculturais ocorridas entre os Guató face aos contatos com as sociedades não-indígenas; os resultados

56 foram publicados no artigo Resultados de mi tercera expedición a los Guatos efectuada en el año de 1928 (Schmidt, 1942b). Em todas as três expedições que fez ao antigo Mato Grosso, Schmidt sempre estudou vários sítios arqueológicos. Em Hallazgos prehistóricos en Matto-Grosso e Nuevos hallazgos de grabados rupestres en Matto Grosso, Schmidt (1940a, 1940b) tratou de sítios com inscrições rupestres que encontrou no Estado. Isso comprova sua preocupação em conhecer a pré-história da região, algo que não era de se estranhar para um especialista em cultura material. Há ainda que tratar de alguns outros trabalhos científicos que Max Schmidt concluiu, particularmente os sobre técnicas de trançado entre os Guató e outros povos do alto Xingu. Acerca dessa questão, assim registrou Egon Schaden: O próprio Schmidt levou a cabo, por exemplo, uma cuidadosa investigação sobre a técnica do trançado e a origem da arte ornamental. No trabalho, que logo se tornou célebre e deu margem a muita discussão, defendeu a tese, em desacordo com a explicação de von den Steinen, de que os padrões ornamentais característicos da arte xinguana derivam da técnica do trançado, por sua vez determinada pela forma das folhas de palmeiras usadas na confecção de artefatos (Schaden, 1993:125).

Berta G. Ribeiro (1987:284), por sua vez, fez a seguinte avaliação: “Deve-se a Max Schmidt (1942) [Estudos de Etnologia Brasileira] um dos primeiros e mais exaustivos estudos sobre os trançados dos índios brasileiros e sul-americanos, baseado na cestaria dos índios Guató e alto-xinguanos” (vide também B. Ribeiro, 1988). Também são dignos de registro os aportes lingüísticos do etnólogo alemão. Alguns foram de grande relevância aos estudos de Adair P. Palácio (1984), autora da tese de doutorado denominada Guató – a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai. Para a elaboração de minha dissertação de mestrado, adaptada e publicada sob o título de Guató: argonautas do Pantanal (J. Oliveira, 1995a, 1996a), os dados etnográficos que o etnólogo alemão publicou sobre os Guató foram igualmente de grande valia. Muitos deles foram copilados, sistematicamente organizados e interpretados à luz de problemas de natureza arqueológica. Ao analisar os relevantes trabalhos que Max Schmidt deixou à Arqueologia Pantaneira, nota-se que eles são mais marcados por uma abordagem materialista do que por uma simbolista, o que parece destoar da práxis da maioria dos etnólogos no Brasil de fins

57 do século XIX até a primeira metade do século XX, incluindo aqui seu próprio mestre e incentivador. Tomando por base os conceitos de pensamento materialista e pensamento simbolista apresentados por W. Neves (1996:13), é possível afirmar que Max Schmidt estava mais interessado em estudar as “bases materiais de sustentação das sociedades humanas e o reflexo dessas em outras dimensões socioculturais”, do que dedicar-se “ao estudo da mente humana, de sua capacidade simbólica e de suas formas de representação”. Daí, talvez, uma das explicações para o fato de ele ainda ser pouco conhecido e às vezes até desprezado por antropólogos e arqueólogos brasileiros. Sobre o pensamento científico desse grande etnólogo alemão, como conhecido discípulo de Karl von den Steinen que foi, está claro que ele sofreu influências do evolucionismo social que marcou as ciências a partir da segunda metade do século XIX. Porém, sempre fez “questão de acentuar sua orientação pelas ciências naturais” (Baldus, 1951:254), isto é, pelo interesse maior que tinha em compreender as relações existentes entre sociedades humanas e meio ambiente. Logo, o enfoque ecológico é o que mais predomina em seus estudos. Sua opção pelo enfoque ecológico, que não deve ser confundido com um determinismo ambiental à moda do evolucionismo linear do século XIX, está clara e teoricamente discutida em El Sistema de la Etnología (Schmidt, 1959), versão castelhana de Völkerkunde (1929) que foi publicada postumamente e com interessantes notas complementares de Branka Susnik (1959b). Max Schmidt entendia que as sociedades humanas dependem da natureza e que interagem com o meio ambiente. Portanto, suas manifestações socioculturais também representam formas de adaptação ecológica, influenciadas por diversos fatores bióticos e abióticos: clima, hidrografia, pluviosidade, obtenção de matéria-prima para as indústrias lítica e metalúrgica, solos, fauna, flora etc. Por isso, seus estudos são marcados por uma ênfase dada à economia enquanto infra-estrutura, principalmente à economia material, assim compreendida:

58 [...] A economia material compreende, pois, a produção dos bens substanciais em seu sentido técnico [tecnológico]. Segundo suas distintas funções, podem-se distinguir quatro formas principais da produção de bens substanciais: a) a produção primária, que é a obtenção de matérias da natureza pela coleta, agricultura, pecuária, caça, pesca etc.; b) a produção secundária ou produção técnica [tecnológica], que consiste na transformação factícia das matérias primas ou de produtos já elaborados; c) o transporte de bens substanciais, quer dizer, a variação do lugar que eles ocupam; d) a conservação dos bens substanciais, quer dizer, a conservação deles em estado utilizável. O sujeito da economia material somente pode ser o homem. Em seu caráter de ser manual e mental, ele é o único ser vivente que cria bens substanciais pelo trabalho, quer dizer, que produz. Os animais domésticos nunca serão sujeitos da produção, pois sempre serão meios de produção já que sua atividade nunca tende conscientemente à satisfação indireta de suas necessidades (Schmidt, 1959:14-15).

Esse tipo de enfoque ecológico, baseado no estudo da economia material ou tecnoeconomia, teve forte inspiração nas idéias da Antropogeografia de língua alemã, fundada por Friedrich Ratzel (1844-1904), para quem as “relações que os homens tecem com seu ambiente e os problemas que nascem de sua mobilidade dependem das técnicas que dominam” (Claval, 1999:21). Na opinião de Laburthe-Tolra & Warnier (1999:63), Ratzel “adotou a noção de ‘espírito do povo’ [Volkgeist], mas fez dela o produto do entorno geográfico local, do relevo, do clima, dos recursos naturais, dito de outro modo, do que se chama determinismo geográfico”. Porém, segundo o próprio Schmidt (1959:5), Ratzel aperfeiçoou “o estudo da dependência do homem em relação à natureza para formar dentro da Geografia geral, uma disciplina particular, a chamada Antropogeografia”. Inspirado nessa disciplina surgiu o método histórico-cultural alemão (Harris, 1993) ou a Escola Difusionista Alemã, a Kulturkreislehre (Morán, 1990), do qual Max Schmidt foi um dos representantes no Museu de Etnologia em Berlim, embora não tenha sido citado em sínteses sobre a história da Antropologia e suas principais correntes teóricas, escritas por cientistas sociais de língua inglesa e portuguesa. Seu conterrâneo e colega de profissão, Ludwig Kersten (1968 [1905]), autor da obra Las tribos indígenas del Gran Chaco hasta fines del siglo XVIII. Una contribuición a la Etnografía Histórica de Sudamérica, também foi influenciado pelas idéias de Friedrich Ratzel, prova de que a escola por ele fundada marcou época na Alemanha e influenciou muitos etnólogos.

59 A Antropogeografia não é, pois, senão uma proposta que antecedeu ao surgimento do método da Ecologia Cultural, o qual tem por objetivo maior estudar as relações entre cultura e entorno, ou seja, a adaptação cultural frente ao meio ambiente (Hardesty, 1979; Kaplan & Manners, 1981; Netting, 1986; Viertler, 1988; Harris, 1993, 1995; Morán, 1994; W. Neves, 1996; e outros). O refinamento do método da Ecologia Cultural, por sua vez, culminou com a formação do que atualmente se conhece por Antropologia Ecológica: Uma abordagem mais biológica para a ecologia cultural surgiu na década de 1960. Esta abordagem, fortemente centrada na teoria evolutiva e ecológica, ficou conhecida como antropologia ecológica, assinalando a importância atribuída ao sistema ecológico. A abordagem multidisciplinar da antropologia ecológica enfatiza o estudo de populações humanas dentro dos ecossistemas. O foco de suas pesquisas está centrado em sociedades relativamente estáveis (Morán, 1994:67).

Além disso, na obra de Max Schmidt há outras questões que merecem destaque. Em seus primeiros trabalhos, a exemplo de Die Guató e Indianerstudien in Zentralbrasilien, respectivamente publicados em 1902 e 1905, resultados das pesquisas feitas no limiar do século XX, percebe-se claramente que o jovem Schmidt fazia questão de registrar seus pontos de vista a respeito das experiências que teve com vários povos indígenas sul-americanos. Esta característica marcante em seu estilo de escrever foi praticamente eliminada nos estudos publicados a partir do segundo decênio do século XX. Branka Susnik tratou dessa situação com bastante conhecimento: Em seu livro “Indianerstudien in Zentralbrasilien”, Schmidt descreve na primeira parte as experiências vividas nas aldeias de diferentes tribos, então quase independentes; traduz ademais alguns de seus pontos de vista de etnólogo e homem. Sentia uma necessidade individual de buscar fora da abrumadora sociedade européia daqueles tempos uma existência “natural” dos primitivos que não estavam em contato direto com a “refinada civilização”[...]. Era premissa própria da época ver que o índio é “um filho da natureza” (Susnik, 1991:6-7).

Mais adiante a autora fez a seguinte ponderação: Não obstante, Schmidt seguia buscando, com uma sinceridade quase apaixonante, sua própria busca intelectual e espiritual, muitas vezes colocando em perigo sua vida diante dos intermitentes ataques de malária nos lugares mais inóspitos, solitários, povoados por indígenas cujas reações ao “branco de passagem” ou visitante nunca eram previsíveis (Susnik, 1991:7).

Em seus últimos trabalhos, como o Anotaciones sobre las plantas de cultivo y los metodos de agricultura de los indígenas sudamericanos, publicado postumamente em 1951 e traduzido para o inglês em 1974 (Schmidt, 1951, 1974), nota-se que o velho

60 Schmidt estava interessado em produzir estudos de caráter mais teórico e menos descritivo. Nesse caso em especial, Schmidt apresentou um excelente ensaio de Etnobotânica que abrange a interpretação de dados sobre vários povos indígenas da América do Sul, incluindo alguns sobre o manejo de plantas entre os Guató, tema recentemente revitalizado por J. Oliveira (1996a, 2000f, 2001d). Penso que se von den Steinen é o “pioneiro e propulsionador da etnologia brasileira” e que, ainda hoje em dia, “continua importante e até está sendo redescoberto pela ciência atual” (Thieme, 1993:38), Schmidt igualmente é o pioneiro em Etnoistória, Etnologia e Etnoarqueologia Guató, bem como em pesquisas arqueológicas sobre a préhistória do Pantanal. Porém, ao contrário de seu mestre e conterrâneo, Max Schmidt ainda precisa ser redescoberto pela ciência atual, não apenas pelas suas investigações no Pantanal, mas pela grande contribuição, sobretudo etnológica, para o conhecimento de vários povos indígenas da América do Sul, incluindo aqui os alto-xinguanos e chaquenhos, dentre outros. Entre os arqueólogos brasileiros, para ser mais específico, há um grande desconhecimento de seus trabalhos, embora Kipnis et al. (1994/1995) tenham relacionado, em uma listagem bibliográfica, doze de suas importantes publicações. Max Schmidt sempre procurou estudar os povos indígenas a partir de fontes de natureza variada (ecológicas, etnográficas, lingüísticas, textuais etc.). Buscou amiúde compreender os sistemas socioculturais dentro daquilo que hoje em dia se conhece por uma perspectiva geográfica e temporal de longa e longuíssima duração, sem se esquecer, no entanto, de questões como continuidade, mudança, diacronia e sincronia. Acrescenta-se o fato de ele ter sido um grande especialista em cultura material, o que torna seus trabalhos de grande relevância para a Arqueologia. Em seu currículo ainda consta um considerável conhecimento sobre fotografia e Geografia, dentre outras áreas, além de uma singular capacidade de observação e registro etnográfico. Para finalizar esta parte, mais uma vez cito Herbert Baldus: A bibliografia de Max Schmidt testemunha rara multiplicidade de interesses. Outrossim, quando tinha determinado ponto de vista não se fechava para a observação de outros aspectos do mesmo assunto. Assim, por exemplo, como quase todos os etnólogos de sua geração e da anterior, Max Schmidt tinha seu trabalho orientado pela idéia de que se aproxima a última hora dos povos naturais, provindo disso a necessidade urgente de reunir tudo quanto poderia servir para documentar suas culturas perante a posteridade (Baldus, 1951:257).

Contemporâneo de Max Schmidt, o etnólogo estadunidense Vincent M. Petrullo (1932) também está entre os primeiros investigadores de sítios arqueológicos no Pantanal.

61 Em abril de 1931, realizou pesquisas arqueológicas e etnológicas no âmbito da Expedição Mato Grosso. Fez escavações em dois sítios existentes na localidade de Descalvado, porção setentrional do alto curso do rio Paraguai, município de Cáceres, Mato Grosso. São sítios de grandes extensões, associados a povos agricultores e ceramistas portadores da tradição Descalvado3. De um modo geral, as pesquisas de Petrullo tiveram a finalidade de concluir observações etnográficas e recolher material cultural, inclusive arqueológico, para o acervo do Museu Universitário da Filadélfia (The University Museum), Estados Unidos. Até pouco tempo, seus dados eram os mais importantes e conhecidos sobre os povos Arawak portadores da tradição Descalvado, tendo sido discutidos por Prous (1992) e Migliacio (2000a). Durante a expedição bianual a Mato Grosso, entre 1926 e 1928, Max Schmidt solicitou autorização para realizar pesquisas arqueológicas em Descalvado, mas não seu pedido foi negado pelos administradores da Brazil Land Cattle and Packing Company, a empresa estadunidense que era proprietária da localidade. Em suma, do ponto de vista histórico e historiográfico, Max Schmidt pode ser considerado o etnólogo que melhor representa o primeiro momento da Arqueologia Pantaneira, ao menos desde a segunda metade do século XIX até a primeira do século XX.

1.3. BRANKA SUSNIK Posteriormente a Max Schmidt, merece destaque a contribuição dada por Branka Susnik, nome que a antropóloga eslovena Branislava Jozefina Sušnik Prijatelj adotou quando se naturalizou paraguaia (o nome Branka deve ser o diminutivo de Branislava). Ela foi a pesquisadora que mais contribuiu para a compreensão dos povos indígenas no Paraguai. Suas investigações arqueológicas, etnoistóricas e etnológicas também são relevantes para um melhor entendimento da ocupação indígena da região do Pantanal e áreas adjacentes, sobretudo a chaquenha. Além disso, Susnik foi uma das pensadoras que mais analisaram a formação do povo paraguaio, em especial o período que vai do século XVI ao XIX. Nasceu na cidade de Medvode, Eslovênia, antiga Iugoslávia, no dia 28 de março de 1920, e faleceu na cidade de Assunção, Paraguai, na data de 28 de abril de 1996. 3

Simões & Araújo-Costa (1978) estabeleceram as siglas MT-PO-01 e MT-PO-02 para esses dois sítios.

62 Nascida em Medvode, Eslovênia, em 28 de março de 1920, cursou estudos superiores na Europa, obtendo o doutorado em Pré-história e História pela Faculdade de Filosofia de Liubliana [capital da Eslovênia], assim como o doutorado em Etnoistória e Lingüística Uralo-Altáica pela Universidade de Viena, Áustria. Emigrada para a América, em 1947 iniciou trabalhos de pesquisa na Missão Laishi, dos Toba, na província argentina de Formosa. Chegou ao Paraguai em fins de 1951, atendendo a um convite do doutor Andrés Barbero para continuar os trabalhos museológicos iniciados pelo etnólogo alemão Max Schmidt. Depois do falecimento do doutor Barbero, as irmãs deste lhe encomendaram a reorganização e a recuperação das coleções e da biblioteca do Museu Etnográfico [Museu Etnográfico Andrés Barbero], levando adiante, em 1954, trabalhos de campo com os Maká e depois entre os Chulupi (Academia Paraguaya de la Historia, 1996:13).

Segundo o historiador e jornalista paraguaio Julio Peña (1999), a vinda de Susnik para a América aconteceu devido à perseguição política que ela passou a sofrer a partir de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Isso teria acontecido com a implantação, via luta armada na antiga Iugoslávia, de um regime totalitário de esquerda comandado por Josip Broz Tito (1892-1980). Parte de sua família foi morta e ela feita prisioneira em um campo de concentração comunista localizado em Aivdoushina, de onde fugiu em 1945. Sua fuga primeiramente aconteceu pela Áustria e, posteriormente, pela Itália. Esta é a versão histórica oficial, a que tem sido divulgada nos círculos acadêmicos do Paraguai, sobre os motivos que levaram Branka Susnik a emigrar para a América. Não disponho, contudo, de maiores dados esclarecedores a respeito desse assunto. Cumpre aqui fazer uma breve digressão histórica. No ano de 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, o croata Josip Broz Tito liderou um grupo de guerrilheiros comunistas, os partisans, que combateu os invasores nazistas e seus apoiadores locais. Em 1945, com a derrota nazi-fascista, a Iugoslávia foi reorganizada como uma federação de seis repúblicas socialistas, dentre as quais a Eslovênia. Surgiu então a República Popular da Iugoslávia, país que esteve governado por Tito até sua morte, ocorrida em 1980. Com a queda dos regimes socialistas totalitários do leste europeu, a Iugoslávia foi desagregada e, em 1991, a Eslovênia, a mais próspera de suas repúblicas, tornou-se independente iniciando a transição para o capitalismo. No início de 1947, partindo de Gênova, Itália, Susnik emigrou para a Argentina. Fez parte do contingente da comunidade de Eslovenos Livres que deixou a Europa e em 27 de abril de 1947 desembarcou em Buenos Aires. Naquela época, a Argentina estava sendo governada pelo populista Juan Domingo Perón. Susnik permaneceu naquele país até 1951 (Pusineri, 1997).

63 Apesar de pouco saber sobre a história de Susnik na Europa, é verdade que sua vinda para a América aconteceu por conta da situação política que ela e sua família enfrentaram na antiga Iugoslávia. De todo modo, foi depois da morte de Max Schmidt, ocorrida em 1950, que Susnik deixou a Argentina e se estabeleceu no Paraguai. Adelina Pusineri (1999), historiadora que trabalhou com ela por muitos anos, explicou que Andrés Barbero tomou conhecimento de seus trabalhos através das irmãs religiosas que trabalhavam na Cruz Vermelha Paraguaia e tinham residência em Formosa, região onde a etnóloga estava realizando investigações sobre a língua dos índios Toba. Como o Museu Etnográfico, fundado por ele [Andrés Barbero] e ordenado pelo alemão Dr. Max Schmidt quem se achava enfermo estava abandonado, a fez chamar, mas ela somente chegou a Assunção, segundo seus documentos, no dia 1º de março de 1951. Dr. Schmidt e Barbero haviam falecido com poucos meses de diferença, deixando ainda mais abandonado o museu e a obra cultural. Mas as irmãs Josefa e María Barbero compreenderam que a obra do grande filantropo deveria seguir; assim construíram uma fundação chamada La Piedad e contrataram a Dra. Susnik para reordenar as coleções e os muitos papéis que deixaram, em especial o Dr. Schmidt. As irmãs religiosas a alojaram na Cruz Vermelha e ali começou sua grande obra que durou 45 anos de incansável trabalho e doação total ao Paraguai (Pusineri, 1997:4).

A partir de 1951, portanto, Branka Susnik iniciou sua carreira profissional no Paraguai, país em que permaneceu até seus últimos dias. Em entrevista publicada em um jornal de Assunção, ela assim teria dito sobre o assunto: Eu vim para o Paraguai ao terminar os horrores da Segunda Guerra Mundial e ao começar o domínio do comunismo nos países do Leste da Europa. No Paraguai encontrei a oportunidade de trabalhar cientificamente, o que para mim significava “reviver” intelectualmente (Peña, 1990 apud Pusineri, 1997:1)4.

Durante os 45 anos em que viveu no Paraguai, incluindo todo o período da ditadura de Alfredo Stroessner Matiauda (1954-1989), Susnik concluiu e publicou vários estudos, muitos sobre línguas indígenas, deixando um legado de 81 publicações entre livros e artigos publicados em castelhano, esloveno, francês e inglês; a maioria está em castelhano (Pusineri, 1998). Seus trabalhos inovaram os estudos etnológicos e etnoistóricos no Paraguai, haja vista as abordagens antropológicas e sociológicas que fez sobre temáticas indígenas. Ela ainda organizou e ministrou vários cursos, seminários e conferências, a maioria sobre Antropologia Paraguaia. Além disso, por mais de vinte anos foi titular da cátedra de Etnologia e Arqueologia Americana no Curso de História, Faculdade de

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PEÑA, J. 1990. Branka Susnik. Paraguayos honorarios. Revista El Diario Noticias, Asunción, 20 may., pp.4-5.

64 Filosofia, da Universidade Nacional de Assunção, da qual recebeu o título de Professora Honorária. Em 1992, já no período da redemocratização do Paraguai e de quase toda a América Latina, o governo nacional em reconhecimento ao seu trabalho silencioso, dedicado e solitário e a seus aportes à cultura paraguaia, homenageou-a com o primeiro Prêmio Nacional de Ciências, instituído pelo Congresso Nacional, e, no mês seguinte a sua morte, outorgou-lhe postumamente a condecoração da Ordem Nacional no Grau de Grão Oficial (Pusineri, 2000). Atualmente, o Centro de Estudos Antropológicos da Universidade Católica (CEADUC), o Museu Etnográfico Andrés Barbero e a Fundação La Piedad, todos de Assunção, oferecem anualmente o Prêmio Branislava Susnik, um concurso destinado a pesquisadores paraguaios e estrangeiros que, tendo concluído algum estudo sobre antropologia paraguaia, queiram inscrevê-lo e apresentá-lo sob forma de artigo, ensaio ou livro para a comissão examinadora. Os trabalhos escolhidos têm sido publicados na revista Suplemento Antropológico, da própria Universidade Católica. Tanto Branka Susnik quanto Max Schmidt, os dois antropólogos que trabalharam no que é hoje o Museu Etnográfico Andrés Barbero e lecionaram na Universidade Nacional de Assunção, possuem uma história muito semelhante: fizeram da ciência o maior propósito de suas vidas. Susnik ainda empreendeu algumas investigações arqueológicas no Paraguai, quase todas motivadas pela necessidade de resgatar material ergológico, salvaguardando-o no Museu Etnográfico Andrés Barbero, do qual foi diretora até o dia de sua morte. Merece destaque a expedição realizada em 1956 à porção paraguaia do alto Paraguai, desde a localidade de Puerto Guarani até a região da baía Negra, antigos portos de exportação de tanino e áreas de intenso contato entre índios e não-índios. Como bem avaliou Peña (1999), de todas as suas investigações arqueológicas, essa foi a única em que ela elaborou um informe analítico, o artigo intitulado Material Arqueológico del Área Alto-paraguayense (Susnik, 1959a); foi também seu primeiro trabalho de campo em território paraguaio. Trata-se de um estudo pouco conhecido fora do Paraguai, um texto reproduzido pela própria autora através de um mimeógrafo, prova de seu esforço pessoal em divulgar os trabalhos feitos à frente do Museu Etnográfico e superar as dificuldades infra-estruturais da própria instituição.

65 Essa expedição, que contou com apoio do governo paraguaio e da Fundação La Piedad, teve por objetivo concluir um reconhecimento preliminar da Arqueologia do Departamento de Alto Paraguai, visando o desenvolvimento de futuras investigações sistemáticas (Susnik, 1959a, 1984). Em temos ambientais, a região explorada é muito semelhante à porção brasileira do Pantanal. Fontes textuais dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, por sua vez, comprovam haver uma forte relação entre as populações indígenas que ocuparam as duas áreas, situação esta que historicamente pode ser explicada por múltiplos fatores, dentre os quais a pressão que a Conquista Ibérica impôs aos povos indígenas que viviam no Chaco e no Pantanal, causando-lhes deslocamentos territoriais, contatos extragrupais, cisões grupais, guerras e muitos outros impactos. Isto não significa, todavia, que antes do contato com os conquistadores europeus esses povos não mantiveram contatos entre si, pelo contrário. Um dado interessante da pesquisa é que durante os trabalhos de campo a autora esteve acompanhada de cinco xamãs Chamacoco, seus informantes e guias, os quais não somente a ajudaram na localização de alguns sítios, mas também lhe transmitiram sua interpretação êmica sobre determinados aspectos da Arqueologia daquela região. Durante a expedição foram encontrados, ao menos, cinco sítios arqueológicos, todos a céu aberto e ocupados por populações ceramistas, situados nas localidades de Punta Valinotti, Puerto 14 de Mayo, confluência dos rios Ypané e Paraguai, Puerto Guarani e Puerto Casado. É muito provável, ainda, que em 1956 Susnik tenha adentrado em território brasileiro, possivelmente na região do Nabileque, registrando algumas impressões sobre a área e visitando alguns sítios arqueológicos do tipo aterro (mound). Em Puerto 14 de Mayo foi encontrado um grande sítio arqueológico, um aterro ou conchal (concheiro) com mais de 10 m de altura em alguns pontos e milhares de metros quadrados de extensão. Esse sítio já havia sido mencionado pelo etnólogo italiano Guido Boggiani, quem lá esteve na segunda metade do século XIX (Susnik, 1959a). Puerto 14 de Mayo é uma localidade que em linha reta está situada há cerca de 155 km da cidade sul-matogrossense de Porto Murtinho (Brasil), à margem direita do rio Paraguai, aproximadamente entre 20º81’08”S e 58º06’47”W. O material cerâmico existente no local lembra o que ocorre nas proximidades de Corumbá, o qual foi batizado por Rogge & Schmitz (1992) de tradição Pantanal. Branka Susnik ainda regressou a Puerto 14 de Mayo em fevereiro de 1990, acompanhada de Adelina Pusineri, tendo recolhido outra quantidade de material

66 arqueológico do sítio, grande parte previamente selecionado in situ e proveniente da escavação de duas trincheiras, executadas sem controle da estratigrafia natural. Em que pese todas dificuldades encontradas ao analisar parte da obra de Susnik, avalio que é preciso registrar, desde antemão, que sua maior especialidade era a Antropologia (Etnoistória, Etnologia e Lingüística), embora tivesse estudado e lecionado Arqueologia. No que diz respeito à sua formação teórica, tendo em vista que ela aconteceu na Europa da primeira metade do século XX, incluindo a Áustria, penso que deve ter sido marcada pelo historicismo da Escola de Viena, também conhecido nas ciências sociais como difusionismo ou Escola Histórico-cultural (Poirier, 1981; Bernardi, 1988; Harris, 1993, 1995; dentre outros). Sobre o historicismo, José Alcina Franch fez o seguinte comentário: O historicismo que caracteriza a Escola de Viena e do qual participam em maior ou menor medida todos os pré-historiadores do Velho Mundo, até datas recentes, representa um esforço sério e profundamente científico por superar as numerosas deficiências oferecidas pela excessivamente simplista orientação evolucionista clássica: toma do próprio evolucionismo aquelas idéias que considera mais positivas e seguras, aprofunda e refina sua metodologia e chega a criar um dos quadros interpretativos mais universais, coerentes e compreensivos dos quantos se haviam elaborado até então, para explicar as grandes diferenças e profundas semelhanças entre as culturas do passado e do presente da Humanidade (Alcina Franch, 1989:28).

Maria Eunice J. Schuch, historiadora que participou do Projeto Corumbá e de quem fui parceiro em estudos etnoistóricos e etnológicos, inclusive analisando algumas obras de Branka Susnik, assim pontuou em sua dissertação de mestrado: Uma das maiores autoridades que trata das populações do Alto-Paraguay do ponto de vista etno-histórico é, sem dúvida, Branislava Susnik, que realiza suas pesquisas a partir do Museu Etnográfico “Andrés Barbero”, em Asunción. Sua obra é imensa e abrange praticamente todas as etnias do Paraguay, detendo-se especialmente nos Guarani, além de trabalhos que abordam etnias de outras regiões. Seu trabalho é marcadamente difusionista: ela procura analisar a expansão das etnias levando em conta traços culturais que são transmitidos de uma etnia para outra, trata as migrações e deslocamentos populacionais a partir da pressão exercida por alguns grupos sobre outros na disputa de territórios, por locais de caça e coleta, entre outros (Schuch, 1995a:13).

Continua: De certa forma, esta perspectiva está presente em toda a obra da autora, que trabalha fundamentalmente a partir da análise de fontes documentais e apresenta um esquema amplo sobre a dispersão de vários grupos do Chaco e regiões vizinhas. Pela carência de dados arqueológicos para a área, Susnik trabalha basicamente com fontes documentais o que, às vezes, faz com que se coloquem em dúvida algumas de suas afirmativas (Schuch, 1995a:14).

67 Na verdade, Susnik foi quem mais analisou, via método comparativo, as fontes textuais de valor etnoistórico e a literatura etnológica sobre os povos indígenas do Chaco e do Pantanal. Isso explica o interesse que ela tinha pela bacia do alto Paraguai, em tese uma das principais rotas fluviais para migrações indígenas (pré-históricas e históricas) no centro da América do Sul. Seu estilo de redação científica, no entanto, é conhecido por ser pouco ortodoxo do ponto de vista acadêmico, às vezes de difícil compreensão e marcado pela ausência de maiores discussões sobre as fontes utilizadas, o que em muito dificulta a compreensão de algumas de suas idéias. Não obstante, avalio que no geral seus estudos superaram praticamente todos os trabalhos anteriormente publicados, como é o caso dos de Ludwig Kersten (1968 [1905]) e Alfred Métraux (1942, 1944, 1963a). Os trabalhos de campo em Arqueologia realizados por Branka Susnik são metodologicamente semelhantes aos de Max Schmidt, embora os dele sejam mais detalhados, principalmente quanto a descrição e localização dos sítios. Ambos não chegaram a fazer modernas escavações arqueológicas, até porque suas explorações foram feitas em grandes áreas, com pouco tempo disponível, precárias condições infra-estruturais e paralelamente a pesquisas de cunho etnográfico. No que diz respeito às interpretações teóricas, as de Schmidt são marcadas por um enfoque ecológico, materialista, como explicado anteriormente, ao passo que as de Susnik são caracterizadas por uma leitura menos materialista e mais simbolista, cognitiva e geralmente mais elaborada, via de regra lançando mão de um enfoque etnográfico. Esse enfoque etnográfico, na maioria das vezes feito por meio de analogias etnográficas/históricas diretas (método comparativo), foi sistematicamente usado para compreender sistemas socioculturais do passado pré-histórico, podendo ser chamado de enfoque histórico direto (Willey & Sabloff, 1980; Trigger, 1992; Renfrew & Bahn, 1998; e outros). Um dos maiores problemas do enfoque histórico direto está na projeção histórica feita sobre o passado pré-histórico. Como os sistemas socioculturais são dinâmicos, em geral não há como precisar, a partir apenas do conhecimento do presente etnográfico, quais as continuidades e as descontinuidades ocorridas em uma região durante um período que pode compreender séculos ou milênios. Essa discussão, aliás, tem sido muitíssimo debatida na Arqueologia Estadunidense e tornou-se ainda mais intensa com o surgimento da Nova Arqueologia ou Arqueologia Processual, na década de 1960. Embora o conhecimento do passado pré-histórico pressuponha a realização de pesquisas arqueológicas, as

68 interpretações teóricas são, inevitavelmente, marcadas pelo conhecimento que se tem sobre a realidade etnográfica/histórica. Em muitas das publicações de Branka Susnik, a Arqueologia e a Etnologia aparecem conectadas, como sendo ramos da Antropologia, inclusive servindo para a construção de uma História Indígena mais ampla e contínua do ponto de vista espaçotemporal. Daí compreender muitos de seus modelos explicativos como teorias de médio alcance. No ensaio Dimensiones migratorias y pautas culturales de los pueblos del Gran Chaco y de su periferia (enfoque etnológico), publicado na Argentina e no Paraguai em 1972, Susnik (1972a, 1972b) apresentou, pela primeira vez, um texto com a concatenação de suas idéias sobre as migrações pré-históricas ocorridas na área chaquenha e em sua periferia, as quais amiúde abordou em estudos posteriores. Ela propôs modelos migratórios para povos chaquenhos lingüisticamente Guaycuru, Lengua/Enimagá-Cochaboth, Maskoy, Mataco e Zamuco, sugerindo ainda a existência de três núcleos culturais na periferia do Gran Chaco: a) Guapay-Bermejo; b) Guapay-alto Paraguai; e c) alto Paraguai-litoral fluvial do Paraná, por sua vez subdivido em zona alto-paraguaiense, zona rio Paraguai até o rio Paraná e núcleo cultural litorâneo5. A autora apontou as principais vias hidrográficas das regiões chaquenha e pantaneira como rotas de migrações pré-históricas, motivadas por pressões demográficas, para o centro do subcontinente sul-americano: Ao iniciar-se a Conquista hispânica, os povos do Gran Chaco manifestavam um estado de efervescência migratória e se achavam em plena belicosidade interétnica, lutando por lugares de caça e pesca substancialmente mais aptos. Tal situação se devia a várias ondas de deslocamentos pré-colombianos na mesma periferia do Gran Chaco, circunstanciando diversos contatos interétnicos e condicionando algumas variações culturais e caracteres etnopsicológicos distintos nas tribos chaquenhas (Susnik, 1972a:7).

É preciso reconhecer que as interpretações de Susnik demonstram uma extraordinária capacidade de erudição teórica, marcada por um raciocínio dedutivo e por um profundo conhecimento das fontes textuais. Entretanto, muitas de suas idéias difusionistas, inclusive as interpretações psicoculturais, carecem de dados arqueológicos; podem ser consideradas modelos hipotéticos que, na mais pessimista das avaliações, comprovam a existência de uma rica e complexa diversidade sociocultural no Chaco, no Pantanal e em áreas adjacentes, cujas origens recuam ao passado pré-histórico, quer dizer, 5

No castelhano usado na bacia platina, a palavra litoral também é usada para designar corpos fluviais que deságuam no oceano, como é o caso do rio Paraná.

69 que não se trata de mero saldo da Conquista Ibérica. Atestam ainda a ocorrência de contatos interétnicos entre povos indígenas das terras baixas platinas com povos das terras altas andinas. Mais: demonstram que alguns povos indígenas do Pantanal, a exemplo dos Xaray (Arawak), possuíam uma organização social e econômica marcada pela existência de hierarquias entre os indivíduos, ou seja, de uma complexidade sócio-política que emergiu em tempos pré-históricos e ficou mais conhecida pelos relatos produzidos por conquistadores dos séculos XVI, XVII e XVIII. Por outro lado, sua tese a respeito das migrações pré-históricas motivadas basicamente por pressões demográficas e associadas a conflitos por áreas com maior capacidade de suporte para atividades de caça e pesca, merecem ser relativizadas à luz de aportes como os clássicos Man the Hunter (Lee & De Vore, 1973) e Economia de la Edad de Piedra (Sahlins, 1977), obras que derrubaram antigos paradigmas evolucionistas sobre a subsistência de caçadores-coletores, além de estudos regionais como os de J. Oliveira & Viana (1999/2000) e Migliacio (2000a). Além disso, as classificações raciais que estão presentes nessa e em outras obras de sua autoria, baseadas unicamente em características fenótipas, não são mais aceitas diante das modernas contribuições da Genética. Essas observações são válidas para a maioria dos trabalhos científicos de Branka Susnik, em especial para aqueles de interesse ao estudo da pré-história pantaneira. Três anos depois, em 1975, a autora publicou o livro Dispersión Tupí-Guaraní Prehistórica: ensayo analítico (Susnik, 1975), provavelmente um de seus livros mais citados fora do Paraguai, especialmente entre os brasileiros especializados em Arqueologia Guarani como Brochado (1984), Noelli (1993), Noelli et al. (1996) e Soares (1997). Outra obra sua também tem sido freqüentemente recorrida em estudos sobre os povos Guarani dos primeiros contatos com os europeus: El índio colonial del Paraguay. El Guaraní colonial (Susnik, 1965). Mas com a série Los Aborígenes del Paraguay, ensaios importantes para a Arqueologia Pantaneira foram publicados, merecendo destaque os conhecidos Etnología del Chaco Boreal y su periferia (siglos XVI y XVIII) (Susnik, 1978) e Cultura Material (Guaraníes y Chaqueños) (Susnik, 1982). A primeira, que considero um clássico da autora, contém um capítulo inicial que trata exclusivamente dos povos indígenas do alto Paraguai. A segunda contém uma gama notável de dados etnográficos, sistematicamente coletados, organizados e analisados, de grande relevância para a caracterização dos sistemas socioculturais Guarani e chaquenhos dentro de uma perspectiva sincrônica e diacrônica. Nesses três trabalhos Branka Susnik prossegue com o

70 enfoque histórico direto que lhe é peculiar, tratando de questões como adaptação ecológica, contatos interétnicos, cultura material, difusão cultural, migrações pré-históricas, organização social, territorialidade e alguns outros. Dos últimos livros publicados pela antropóloga, dois são bastante interessantes: Interpretación etnocultural de la Complejidad Sudamericana Antigua – I: formación y dispersión étnica (Susnik, 1994) e Interpretación etnocultural de la Complejidad Sudamericana Antigua – II: el hombre, persona y agente ergológico (Susnik, 1995a). Os dois trabalhos contêm uma síntese de idéias que Susnik amadureceu ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, extrapoladas para uma área geográfica maior, o subcontinente sulamericano. Carecem, contudo, de uma exaustiva análise da literatura arqueológica mais recente sobre as temáticas investigadas. Afora os trabalhos citados, outros merecem destaque: Las características etnosocio-culturales de los aborígenes del Paraguay en el siglo XVI (Susnik, 1987), Introdución a las fuentes documentales referentes al índio colonial del Paraguay (Susnik, 1992), Poblados – Vivendas: manufactura utilitária (ámbito sudamericano) (Susnik, 1996) e Artesanía Indígena (Susnik, 1998a). Todos são importantes para estudos arqueológicos (especialmente os etnoarqueológicos), etnoistóricos e etnológicos sobre os povos indígenas da região pantaneira. Finalmente, quero dizer que uma análise exaustiva sobre a obra completa de Branka Susnik ainda está por ser feita. Para tanto, seria necessário tê-la como único objeto de estudo em uma tese de doutoramento, o que jamais foi meu propósito. De todo modo, suas idéias precisam ser avaliadas dentro de uma perspectiva histórica e historiográfica, sempre inserido-as no contexto de sua época e no âmbito do desenvolvimento das ciências sociais no Paraguai.

1.4. OUTROS APORTES IMPORTANTES Em 1965, Betty J. Meggers e Clifford Evans, coordenadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), desenvolvido entre 1965 e 1970, chamaram a atenção para a potencialidade arqueológica da bacia do alto Paraguai, conseqüentemente do Pantanal:

71 Qualquer pesquisa arqueológica obedecerá a um plano previamente preparado, após a consulta e o estudo do mapa do Estado, Município ou região que desejamos investigar. Tomemos, por exemplo, o Estado de Mato Grosso [...]. O Estado de Mato Grosso representa praticamente o papel de divisor de águas continentais. Os rios na parte norte se dirigem ao rio Amazonas, enquanto os do sul desembocam no oceano Atlântico. As cabeceiras desses rios são formadas por numerosos cursos d’água, alguns dos quais quase interligados. Apenas alguns quilômetros separam certos tributários dos rios Juruema e Paraguai. Considerando que os rios constituem uma das vias principais de deslocamento dos grupos de índios da Floresta Tropical, surge a hipótese de que tenham eles servido como vias de migração e difusão, tornando esta área um possível ponto de convergência de influências tanto do norte como do sul. Um plano de pesquisa arqueológica deveria considerar esta hipótese. Assim, em Mato Grosso, escolheríamos as áreas que se seguem para uma prospecção sistemática: 1) rios Juruema e São Manuel e seus tributários; 2) rio Xingu e seus tributários; 3) rio Araguaia e seus tributários; 4) rios Paraguai e Taquari e seus tributários; 5) rio Paraná e seus tributários; 6) rio Guaporé e seus tributários. Estas seis áreas comandam as principais rotas fluviais do norte, oeste e sul ao longo das quais poderiam ter sido canalizadas as influências para o Estado... (Meggers & Evans, 1965:29-30).

Infelizmente, o exemplo proposto por Meggers & Evans não despertou o imediato interesse de algum arqueólogo brasileiro. Outras áreas do país chamaram mais atenção, seja pelo fato de estarem inseridas nos círculos de debates acadêmicos, seja por possuírem instituições de pesquisa e profissionais que investiram no desenvolvimento de estudos sobre a pré-história do país, razões pelas quais a bacia do alto Paraguai não foi incluída no PRONAPA. No início dos anos 70 do século XX, J. Lucídio N. Rondon (1971, 1972) publicou os livros No Pantanal e na Amazônia em Mato Grosso e Tipos e aspectos do Pantanal, trazendo a público interessantes informações arqueológicas e etnográficas sobre aterros, possivelmente Guató, existentes no pantanal de Poconé, Mato Grosso. Na mesma época, o naturalista Lehel de Silimon (1972), na época funcionário da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso (CODEMAT), registrou junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) alguns sítios que localizou no município de Corumbá. Esse foi o primeiro registro oficial de sítios arqueológicos existentes na região do Pantanal Matogrossense. Logo depois, o também naturalista Fritz Vlastibor Bluma (1973) publicou um artigo mencionando a ocorrência de vários locais com inscrições rupestres e sítios com cerâmica indígena. Seus dados serviram de base para parte do trabalho do historiador Lécio G. de Souza (1973). Ambos os autores lecionaram no então Centro Pedagógico de Corumbá

72 (CPC), unidade da antiga Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), atualmente o Campus de Corumbá da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O livro de L. Souza (1973), intitulado História de uma região: Pantanal e Corumbá, merece maiores considerações6. Além de historiador e estudioso dos aspectos geográficos regionais (vide também L. Souza, 1978), o autor também foi médico e general do Exército Brasileiro, membro da Academia Matogrossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana, dentre outras instituições. Fez parte, portanto, da elite intelectualizada de Corumbá. Sua obra é uma síntese da história regional que seguiu a perspectiva de uma História tradicional, por assim dizer. Interessante é notar que L. Souza tratou da história pantaneira iniciando pela pré-história, isto é, pelo transcurso das populações ameríndias antes do contato direto ou indireto com os conquistadores europeus. Em suas palavras: É indiscutível que desde priscas eras povos pré-históricos vincularam-se à bacia do Paraguai, atraídos pelas condições mesológicas favoráveis, deixando a marca indelével de sua passagem em desenhos nas rochas e nos fósseis humanos que esporadicamente vêm sendo encontrados. Entretanto ainda não despertaram, uns e outros, a devida atenção dos estudiosos e continuam a desafiar a argúcia dos peritos na matéria (L. Souza, 1973:89).

Afora a linguagem rebuscada, o autor pontuou a antiguidade dos povos indígenas na região e chamou a atenção para o fato de elas lá terem chegado atraídas pelas condições ambientais favoráveis à subsistência. Ele também alertou, embora talvez sem conhecer a obra de Meggers & Evans (1965), para a necessidade da realização de pesquisas arqueológicas na região, questão avaliada pela falta de interesse por parte dos especialistas no assunto. Diferentemente do trabalho de Lécio G. de Souza, algumas sínteses publicadas posteriormente omitiram ou fizeram poucas menções ao transcurso dos índios na região. Para alguns historiadores locais, a história pantaneira, bem como a do antigo Mato Grosso, começou com os espanhóis e portugueses que ali chegaram na primeira metade do século XVI. Para outros, entretanto, ela teve início com os bandeirantes que no início do XVIII descobriram ouro na região dos rios Coxipó e Cuiabá, no atual Estado de Mato Grosso. Nada mais equivocado. No mesmo ano de 1973, o historiador paraguaio Carlos Alberto Pusineri Scala (1973), arqueólogo amador, colecionador de antiguidades e intelectual bastante respeitado

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Trata-se do volume I – Pré-história e tribos indígenas. O volume II foi publicado na década de 1980 sob o título História de Corumbá (L. Souza, s.d.).

73 em seu país (Cáceres, 2000), publicou o ensaio Los montículos yvychoví del Paraguay tratando de aterros existentes em áreas alagadiças como Yverá e Ypoá7. São sítios que ocorrem em zonas inundáveis, correspondente a estruturas monticulares formadas, também, por grande quantidade de sedimentos, ossos de peixes e conchas de moluscos aquáticos como bivalves e gastrópodes. Esse é o mais completo trabalho de sistematização e a melhor interpretação de informações sobre aterros no Paraguai. No artigo há, inclusive, dados obtidos em escavações que o próprio autor fez em Puerto Victoria, em 1957, e, em parceria com Leonardo Manríquez Castañeda, nos campos de Yvytimí, em 1962, de forma semelhante às escavações de Branka Susnik em Puerto 14 de Mayo (Quadro 1).

QUADRO 1: ATERROS OU YVYCHOVÍ ENCONTRADOS NO PARAGUAI. NOME DO SÍTIO Vários sítios Vários sítios Vários sítios Vários sítios Vários sitios Três sítios Isla Tacuara Cerrito Jara Isla Jhovy, Isla Naranja, Isla Juan Tomás e Isla Samu’ú Isla Jinete Isla Alta ou Yvaté Isla Carancho e Isla Mba’eysyvó Cerrito Curupica’y Isla Yu’á e Isla Cerrito Isla Negra, Isla Ita e Isla Yasay’y Ñurumi e Yuquerí

LOCALIZAÇÃO Lago Yverá Lago Ypoá Localidade de Estero Cambá, inclusive em San Juan Bautista del Ñeembucú Região do Alto Paraná Yvytimí Localidade de Guavirá, povoado de Caballero Localidade de Puesto Isla Tacuara, nas proximidades de General Artigas Bahía Negra Estabelecimento de Liebigs, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento Villasanti, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento Vargas, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento Bresanovich, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento Doldán, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento Rehnfeldt, Puerto Victoria, em Villa Oliva Campo Fiscal, Puerto Victoria, em Villa Oliva Estabelecimento de Luis M. Quevedo, Puerto Victoria, em Villa Oliva

FONTE: PUSINERI SCALA (1973).

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Na língua guarani, yvychoví significa, literalmente, terra cônica (yvy = terra; choví = cônica). Em julho de 2000, pude conhecer alguns aterros existentes no lago de Ypoá. No Paraguai aterros também são conhecidos

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Ainda na década de 1970, o arqueólogo José Afonso de M. B. Passos (1975), na época pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP), defendeu tese de livredocência em Pré-história versando sobre petroglifos existentes em Corumbá e em outros pontos do Brasil, Bolívia e Paraguai. Nas setenta e nove páginas de seu trabalho, Passos (1975) fez um registro de inscrições rupestres, sem apresentar dados quantitativos sobre os petroglifos. Suas interpretações são frágeis e às vezes um tanto quanto intuitivas. Sobre suas pesquisas, o próprio autor disse que: Desde 1959 vimos fazendo pesquisas sobre sinalações rupestres no Estado de Mato Grosso, em sucessivas expedições. Depois destes anos, parece-nos que o conjunto de sítios pré-históricos, nesse determinado setor, é de vulto, naquele grande Estado de nossa pátria. Igualmente, o acervo que fomos reunindo já é de relativa monta. São nossos estudos, fotos, moldagens, reproduções, ao menos quantitativamente representativos. Ainda recentemente, no anterior mês de Julho, refizemos alguns sítios, afim de precisarmos pormenores necessários para a ultimação da presente tese. Nossas pesquisas, por força das próprias investigações, estenderam-se também, por vezes, ao vizinho Paraguai e, apenas por duas ocasiões, à Bolívia, pois se referem a tempos onde ainda não existiam as atuais fronteiras políticas (Passos, 1976:1).

O autor visitou dois sítios arqueológicos em Corumbá, os quais posteriormente foram estudados por Girelli (1994), e outro na Bolívia. Na bibliografia de sua tese há referências ao trabalho de Bluma (1973), quem o ajudou em algumas de suas idas a campo, embora não haja citação aos de Schmidt (1940a, 1940b, 1942a) e L. Souza (1973). Na década de 1970, Passos foi diretor do antigo Instituto de Pré-história da USP e responsável pelo Pré-história – Informativo, publicação que em 1977 teve na capa a fotografia de uma inscrição rupestre de Corumbá. Também foi professor de jovens notáveis que, anos mais tarde, tornaram-se arqueólogos de grande respeito entre seus pares. Solange B. Caldarelli e Walter A. Neves são dois deles. Portanto, a despeito da simplicidade de sua tese de livre-docência, cumpre dizer que seus trabalhos como pesquisador e professor tiveram outros aspectos muitíssimos mais positivos, como a formação de novos profissionais, a divulgação de conhecimentos científicos e a defesa do patrimônio arqueológico nacional.

como islas, cerritos, lomas e montículos.

75 Em 1978, José Antonio Gómez Perasso, provavelmente o único arqueólogo profissional nascido no Paraguai, falecido precocemente na década de 1990, publicou uma síntese sobre a pré-história paraguaia, o artigo Estudios arqueológicos en el Paraguay: análisis interpretativo (Perasso, 1978), no qual faz uso de analogias históricas diretas para sistematizar vários dados arqueológicos. Trata-se de um trabalho muito pouco conhecido no Brasil e no próprio Paraguai. É interessante pontuar, contudo, que o autor chamou de complexo cultural Alto-paraguaiense a cerâmica então conhecida para aterros existentes na porção brasileira do Pantanal e em muitas áreas inundáveis do Paraguai. Até hoje em dia, esse dado tem sido praticamente desconhecido pela maioria dos especialistas em Arqueologia Pantaneira. Em julho de 1989, o autor e a arqueóloga brasileira Luciana Pallestrini, exprofessora da USP, instituição em que ele estudou, escavaram parte de um grande aterro existente à margem do lago Ypoá, no Paraguai, cujos resultados ainda não vieram a público; há apenas alguns dados divulgados em reportagens da época, publicadas no jornal El Diario Notícias. Provavelmente o material arqueológico proveniente das escavações esteja depositado no Museu Guido Boggiani, em Assunção, dirigido pelo arquiteto Jorge Vera, quem até o ano de 2000 não havia autorizado nenhum outro pesquisador paraguaio ou estrangeiro a ter acesso aos bens arqueológicos salvaguardados na instituição. Perasso ainda trabalhou em parceria com José Luiz de Morais, arqueólogo e docente da USP (vide Perasso, 1984; Morais & Perasso, 1984; Pallestrini & Perasso, 1984; Pallestrini et al., 1984; dentre outros trabalhos). Mas foi em 1988, há menos de duas décadas, que veio a público o artigo O Pantanal Mato-grossense e a teoria dos refúgios, de Aziz Nacib Ab’Saber, trabalho publicado sob forma de tomo especial da Revista Brasileira de Geografia. Sem dúvida, trata-se de um trabalho escrito por um dos maiores geógrafos brasileiros de todos dos tempos, reconhecido especialista em Geomorfologia e conhecedor da pré-história sulamericana. Seu estudo ainda hoje é a melhor e mais completa síntese sobre o história natural do Pantanal, principalmente em termos fisiográficos e ecológicos, na qual constam relevantes análises sobre “fatos de seus espaços naturais, suas ecozonas, dinâmica climático-hidrológica e fatores de perturbação de seus múltiplos ecossistemas” (Ab’Saber, 1988a:5). Além disso, em duas páginas Ab’Saber (1988a:45-46) teorizou, pela primeira vez até então, sobre o início do povoamento humano pré-histórico da região pantaneira e

76 adjacências, apresentando um modelo de ocupação indígena local. Suas idéias, embora carentes de dados arqueológicos, são pertinentes, relevantes e marcadas por interessantes hipóteses baseadas na relação entre sociedades humanas e ecossistemas regionais. Elas foram inicialmente discutidas por J. Oliveira (1996a, 1997e), quem teve algumas de suas idéias reproduzidas por outros autores, os quais não chegaram a fazer a devida menção aos créditos autorais.

1.5. CAÇADORES DE CIVILIZAÇÕES PERDIDAS Para não dizer que o Pantanal esteve fora das metas dos caçadores de civilizações perdidas, no dia 6 de agosto de 1986, o jornal corumbaense Diário da Manhã publicou a matéria intitulada Civilização da Antiga Atlântida: pesquisadores procuram ruínas na região de Corumbá, reproduzida a seguir: A história começa a partir de 1932, quando J. Carvalho em seu livro “Brasil – El Dorado”, lançado naquele ano em Londres, afirmando a existência de vestígios de uma civilização de origem atlântida, nas imediações da Lagoa Mandioré, localizada no trajeto de Corumbá a Cáceres. J. Carvalho era um grande conhecedor das terras do Mato Grosso e fez parte da uma expedição com um “coronel Fawcette”, que desapareceu nas matas. Este livro foi levado a sério pelo arqueólogo Roldão Pires Brandão, que desde 1958 trabalha na Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas Arqueológicas – ABEPA, com sede no Rio de Janeiro. Pires Brandão esteve duas vezes nas imediações da Lagoa, sendo que da primeira coletou vestígios de fósseis ainda não identificados a que idade pertence. “Deve ser de mais de 50 mil anos, pois, quando aplicamos o teste carbono 14 não conseguimos descobrir a origem dos fósseis” supôs o arqueólogo. Com o apoio da FAB de Campo Grande, Roldão Pires voltou a sobrevoar a área na última sexta-feira passada, agora pela terceira vez, juntamente com o prof. Wilson Rodrigues da ABEPA e mais três professores. Neste vôo, a equipe procurava um marco mencionado no livro, da existência de três montanhas em formas piramidais, perto das antigas ruínas. Embora não tenha tirado nenhuma conclusão, Sonia Regina de Brito, um dos membros da equipe, acredita que os vestígios procurados tomando como ponto de referência a Lagoa Mandioré e as três montanhas em formas piramidais, embora não afirme ser descritas no livro. “Agora voltamos ao Rio de Janeiro, vamos discutir, analisar e organizar. Para a volta vai depender das decisões do grupo e apoio para que possam ser feitas pesquisas em terra” disse Sônia. Segundo os pesquisadores, o livro “Brasil – El Dorado”, um único exemplar existe na Biblioteca do Rio de Janeiro, afirma também que é um dos canais que cerca a Lagoa foi construído pelo homem daquela época, facilitando a chegada de grandes embarcações que abasteciam de minérios e, a Lagoa de Mandioré, no tempo daquela civilização era mar. Assim caso tenha resultados positivos as pesquisas, a Atlântida não será mais um reino perdido” (Civilização da Antiga Atlântida... 1986).

77 Mais de dez anos depois, em 1999, uma equipe de caçadores de civilizações perdidas pertencente ao Projeto Tapajós: Brasil 5000 anos antes de Cabral, sob a liderança do teuto-brasileiro Heinz Budweg e patrocínio das multinacionais Bayer, Land Rover e Siemmens, esteve em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul realizando supostas pesquisas sobre sítios arqueológicos com arte rupestre8. Isso aconteceu durante a terceira expedição que a equipe realizou no país. Seu objetivo teria sido [...] encontrar mais subsídios que reforçassem a tese do Projeto de que teriam co-existido no Brasil, no período dos 5.000 anos que antecederam a vinda de Cabral, culturas não-indígenas. A expedição obteve pleno êxito, ultrapassando todas as expectativas e reforçando o material documentário já existente de forma decisiva e indiscutível (Budweg, 1999:7).

A expedição do Projeto Tapajós foi bastante divulgada pela imprensa brasileira. As matérias Expedição sai em busca da pré-história do Brasil (Gama, 1999) e Em busca da civilização perdida brasileira (Haag, 1999), publicadas no diário O Estado de S. Paulo em 6/7/1999 e 5/9/1999, respectivamente, exemplificam a cobertura dada por um grande jornal de circulação nacional. Outros periódicos, como OESP, Gazeta Mercantil, Diário Popular e Brasilpost, além da revista Galileu, também noticiaram a expedição do projeto (cf. Budweg, 1999:5). Na primeira matéria mencionada consta que a equipe teria passado pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Na segunda há a fotografia de um petroglifo que lembra os existentes em Corumbá, estudados por Passos (1975) e Girelli (1994). Essas e muitas outras informações estão mais detalhadas no relatório que Heinz Budweg elaborou em 1999 e encaminhou ao IPHAN no ano seguinte, em 2000, intitulado Projeto Tapajós: Brasil 5000 anos antes de Cabral. Relatório de viagem de prospecção arqueológica pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No mesmo ano de 1999, com base nas informações divulgadas pela imprensa nacional durante os trabalhos de campo da equipe do Projeto Tapajós, muitos arqueólogos brasileiros, a exemplo de Edithe Pereira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, denunciaram o caso ao IPHAN que, por seu turno, contatou a Polícia Federal para as devidas providências legais. Além disso, a própria Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), representada por Tania A. Lima, então presidente da entidade, formalizou uma denúncia ao IPHAN contra os membros do Projeto Tapajós e em defesa da preservação do patrimônio arqueológico nacional.

8

Em Mato Grosso do Sul, a equipe contou com a participação de Heinz Budweg, Luís Caldas Tibiriçá,

78 Os desdobramentos desse episódio não são de meu conhecimento, mas indubitavelmente constituíram em um ato de desrespeito à legislação brasileira de proteção ao patrimônio arqueológico, haja vista que foram feitas intervenções em muitos sítios, quiçá até escavações assistemáticas, sem a devida autorização do órgão licenciador da pesquisa arqueológica no país. No caso específico dos sítios com arte rupestre, a equipe usou giz e provavelmente cal para facilitar a documentação fotográfica e o desenho dos petroglifos. Na região pantaneira, os caçadores de civilizações perdidas realizaram supostas pesquisas em dois sítios com inscrições rupestres, um em Corumbá e outro em Ladário (Quadro 1). Eles teriam chegado à região em 9/8/1999 e regressado a São Paulo no dia 13 do mesmo mês, época em que o IPHAN já havia sido acionado sobre a ilegalidade da expedição. Em Corumbá, porém, mantiveram contato com um arqueólogo que, provavelmente de boa fé e sem saber das denúncias formalizadas contra a equipe do Projeto Tapajós, lhes deu uma palestra sobre a pré-história pantaneira, orientando-os sobre a localização de sítios arqueológicos existentes na região: “Saímos bem orientados da palestra de José Luís Peixoto, munidos de mapas e material de referência, que indicam os sítios dos petroglifos, já que este é o assunto que nos interessa” (Budweg, 1999:65). Esta informação remete a uma questão delicada: enquanto muitos arqueólogos estavam mobilizados contra a execução do Projeto Tapajós, um especialista em Arqueologia Pantaneira colocou à disposição da equipe de Budweg um rol de informações que a possibilitou intervir em dois sítios com arte rupestre.

Günther Hartmann, Nilo Peçanha Filho e Jefferson Ravedutti (Budweg, 1999).

79 QUADRO 2: SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS INVESTIGADOS NO PROJETO TAPAJÓS. NOME DO SÍTIO Santuário da Pedra Preta Pedra do Gato Pedra da Cruz Pedra do Mineiro Pedra do Galileu Serra do Cabelo Gruta do Pitoco Toca do Nilo Band’Alta Escola Farol do Norte

LOCALIZAÇÃO Paranaíta-MT (9º34’08”S e 56º37’56”W) Paranaíta-MT (9º29’45”S e 56º40’44”W) Paranaíta-MT (9º29’57”S e 56º40’30”W) Paranaíta-MT (9º53’55”S e 56º40’33”W) Paranaíta-MT (9º38’55”S e 56º38’39”W) Nova Monte Verde-MT Fazenda Beira Rio (margem direita do rio Apiacás) Alcinópolis-MS (Fazenda Mangabinha) Alcinópolis-MS (18º15’31”S e 53º37’25”W) Corumbá-MS (19º10’02”S e 57º33’20”W) Ladário-MS (19º08’48”S e 57º34’43”W) FONTE: BUDWEG (1999).

Além dos sítios mencionados no Quadro 2, cabe dizer que a equipe ainda esteve nos municípios de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, e Coxim, em Mato Grosso do Sul, regiões onde há muitos sítios arqueológicos, alguns inclusive registrados no cadastro do IPHAN. De todo modo, verdade seja dita, antes do início da Conquista Ibérica o Pantanal jamais foi ocupado por civilizações de além-mar, muito menos em datas superiores há 50.000 anos, período em que não havia sociedades urbanas em parte alguma do planeta. Idéias como as de Roldão Pires Brandão, Heinz Budweg e seus parceiros remetem, em certo sentido, a uma visão racista a respeito da história das Américas, segundo a qual os povos indígenas seriam incapazes de sozinhos criarem sociedades complexas, inclusive cidades com grandes monumentos arquitetônicos. A explicação desses leigos há muito tem sido a mesma: houve intervenções ou influências diretas de povos do Velho Mundo ou de seres extraterrestres nas culturas ameríndias, em especial nas sociedades andinas e mesoamericanas. Além disso, está demasiadamente comprovado que a ação de caçadores de civilizações perdidas e tesouros acabam por estimular e causar impactos negativos de grande magnitude sobre recursos arqueológicos. Talvez o mais grave das informações publicadas nos jornais, no entanto, é constatar que os episódios aconteceram nos anos de 1986 e 1999, momento em que já havia legislação de proteção ao patrimônio arqueológico brasileiro. Ainda por cima, tudo faz acreditar que pessoas envolvidas nesse tipo de atividade ilegal tiveram apoio da Força Aérea Brasileira (FAB) e de empresas

80 multinacionais, algo que não tem sido muito comum nos dias de hoje em se tratando de pesquisas verdadeiramente científicas, executadas por profissionais habilitados para o exercício da profissão de arqueólogo. Em suma, durante pouco mais de um século o Pantanal ficou sem ser alvo de grandes projetos de pesquisa arqueológica. Entrementes, não se pode negar que nesse período foram produzidos importantes estudos para a compreensão da pré-história regional, sobretudo de sítios do tipo aterro e de sítios com arte rupestre, predominantemente feitos por etnólogos.

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2 SEGUNDO MOMENTO

Assiste-se, nos últimos vinte anos, a uma profunda renovação do domínio científico. Não só a maioria das ciências manifesta aquela aceleração da história, que se tornou comum constatar, como também a divisão do saber evolui rapidamente. A reflexão epistemológica a própria moda do termo “epistemologia” é significativa desenvolve-se em extensão e profundidade. Essa comoção atinge, em particular, um conjunto de ciências cujo reconhecimento como entidade científica já é uma novidade considerável: as ciências humanas, como se costuma dizer na França, conforme terminologia universitária consagrada em 1957 (faculdades de letras e ciências humanas), ou as ciências sociais, segundo o uso anglo-saxão (Jacques Le Goff, 1993:25).

O Brasil das duas últimas décadas do século XX, decênios de crise em termos mundiais (Hobsbawm, 1998), foi marcado por importantes mudanças ocorridas na sociedade nacional como um todo. A mais importante transformação pode ser atribuída ao término do regime militar (1964-1985) e ao conseqüente efervescer do processo de redemocratização do país, oficialmente consagrado em 1985, ano em que o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para a Presidência da República. Infelizmente, Tancredo, que foi primeiro-ministro de João Goulart, morreu às vésperas de tomar posse e seu vice, José Sarney, antigo líder da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e ex-presidente do PDS (Partido Democrático Social), ambos de direta, assumiu o governo federal em substituição ao último general presidente, permanecendo no poder por cinco longos anos, de 1985 a 1989 (F. Silva, 1990). Muitos outros acontecimentos marcaram a vida de milhões de brasileiros entre 1985 e o início da década de 1990: descontrole da inflação e lançamento de planos econômicos para combatê-la; promulgação de uma nova e democrática Constituição Federal (1988); aumento da violência na cidade e no campo; crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outros partidos de esquerda; eleição de Fernando Collor de Mello (1989); maior fortalecimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais; lançamento do Plano Collor e com ele a apropriação

82 indevida do dinheiro de milhares de contribuintes (1990); ofensiva neoliberal; privatização de empresas estatais; etc. Collor de Mello, por sinal, apesar de ser o primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960, o mais votado no acirrado pleito de 1989, acabou sofrendo um processo de impeachment por corrupção e foi afastado do governo em 1992, ocasião em que Itamar Franco, seu vice, assumiu definitivamente a presidência do país até o final do mandato. Em 1985, com o fim do regime militar e o início do governo Sarney, eram grandes as expectativas de o país ter uma efetiva política de desenvolvimento econômico com inclusão social, condição fundamental para a consolidação de um regime democrático de fato. Evidentemente que para isso seria necessário, dentre outras ações de governo, uma audaciosa e realista política de investimentos em educação, ciência e tecnologia. Todavia, não foi bem isso o que aconteceu e muitas das expectativas de mudança acabaram frustradas. Esta situação, aliás, pode ser explicada por múltiplos fatores, inclusive pela própria maneira como o Brasil fez a transição do regime autoritário para a democracia, conforme analisou Boris Fausto: A transição brasileira teve como a espanhola a vantagem de não provocar grandes abalos sociais. Mas teve também a desvantagem de não colocar em questão problemas que iam além da garantia de direitos políticos à população. Seria inadequado dizer que esses problemas nasceram com o regime autoritário. A desigualdade de oportunidades, a ausência de instituições do Estado confiáveis e abertas aos cidadãos, a corrupção, o clientelismo são males arraigados no Brasil. Certamente, esses males não seriam curados da noite para o dia, mas poderiam começar a ser enfrentados no momento crucial da transição. O fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia por parte de quase todos os atores políticos facilitou a continuidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia. Desse modo, o fim do autoritarismo levou o país mais a uma “situação democrática” do que a um regime democrático consolidado (Fausto, 1999:527).

Diante do quadro apresentado, a pesquisa científica realizada no Brasil, principalmente a feita nas universidades públicas, continuou enfrentando sérios problemas, muitos deles decorrentes do pouco investimento feito em educação, ciência e tecnologia. Mas a partir de 1990, com o início do governo Collor, a situação ficou ainda mais complicada como bem denunciou Florestan Fernandes, um dos maiores pensadores brasileiros do século XX, em seu artigo Ciência e tecnologia, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 5/3/1990:

83 É terrível acompanhar os mendigos do saber, a peregrinação de cientistas, tecnologistas e professores com as sacolas nas mãos, pedindo verdadeiras esmolas, para que a ciência, a tecnologia e a universidade não sejam reduzidas à estagnação. O CNPq, a Capes e o Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) já não encontram um respiro para sobreviver. A Representação Nacional dos PróReitores de Pesquisa e Pós-Graduação das Universidades Brasileiras (em 1920/11/89) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (23/11/89) levaram aos parlamentares os últimos gemidos de um sistema da ciência que está sendo destruído deliberada e metodicamente. O dinheiro público flui em várias direções, da corrupção organizada à dissipada pela incompetência e à rotina burocrática imperturbável. Ninguém se comove! Até quando? Pode uma nação ser unificada, independente e próspera aniquilando o uso racional do talento? No instante, a palavra está com os eleitores. Adiante, as decisões terão de ser tomadas em nossas mãos. Se não fizermos isso, seremos cúmplices de um crime irreparável, pela omissão ou pela tolerância barata (Fernandes, 1990:207).

Um mês depois (9/4/1990), no artigo A pesquisa ameaçada, também publicado na Folha de S. Paulo, novamente Florestan Fernandes tratou do assunto: O governo incluiu a educação, a produção científica, a criação artística e a capacitação tecnológica no âmbito de medidas provisórias e de decretos-lei traumáticos. A promessa de “modernização” concretiza-se como um pesadelo, com afoiteza, desconhecimento do valor intrínseco de muitas entidades essenciais, que exigiam renovação, mas foram destruídas ou inviabilizadas, incompetência na avaliação de suas contribuições insubstituíveis e das funções do Estado (que não podem ser anuladas pela sucessão dos governos) no fenômeno da educação, da pesquisa científica, da cultura sob todas as suas formas e da inovação tecnológica. Além disso, medidas provisórias e decretos, que aparentam conformar-se à Constituição e às leis vigentes, transgridem-nas afrontosamente, convertendo-se em casuísmos chocantes. O governo coloca-se acima da lei e provoca o desbaratamento de uma herança histórica penosamente acumulada (Fernandes, 1990:204).

Em fins da década de 1980 e início da de 1990, portanto, a pesquisa no Brasil passou a enfrentar mais uma crise. As universidades públicas, por sua vez, embora há muito sendo as principais instituições de pesquisa e de ensino superior do país (Bosi, 2000), foram bastante prejudicadas em suas atividades fins, sobretudo durante o governo Collor. Mas o momento foi ainda mais árduo para os setores populares da sociedade, aqueles que historicamente vêm sendo os mais penalizados em épocas difíceis.

2.1. A ARQUEOLOGIA BRASILEIRA HOJE Feita a curtíssima introdução à história mais recente do país, passo a tecer algumas análises sobre a Arqueologia Brasileira da década de 1980 em diante. As considerações que seguem são importantes, haja vista que foi nesse contexto que teve início do segundo

84 momento da Arqueologia Pantaneira, aquele que vem até os dias de hoje, um período que surgiu no contexto político definido durante a redemocratização do país e início do governo Collor. Sua característica mais marcante é o desenvolvimento de modernos projetos de pesquisa arqueológica na região, também conseqüência do crescimento da Arqueologia acadêmica no Brasil. Mas não é só isso. A década de 1980 também marca o surgimento de uma jovem geração de arqueólogos brasileiros, uma força acadêmica que, apesar de não ser maioria no início, paulatina e progressivamente passou a renovar e influenciar as pesquisas arqueológicas no país. Para tanto, foi preciso estar aberta aos avanços mais recentes registrados na Arqueologia mundial e seguir novos caminhos: optar por outros aportes teóricometodológicos, estudar novos objetos, rever antigos problemas e apresentar outros novos, analisar velhos paradigmas e modelos, utilizar novas abordagens e assumir uma postura mais crítica frente aos resultados de suas investigações. Isso somente foi possível quando alguns arqueólogos passaram a ser mestres de si mesmos, isto é, quando efetivamente tiveram liberdade e autonomia para criar algo diferente do que então predominava dentro da academia e de outras instituições de pesquisa. Tamanha ousadia custou caro para alguns pioneiros dessa nova geração rebeldes de uma época, os quais tiveram de enfrentar certas intempéries políticas. A inauguração de cursos de pós-graduação stricto sensu, espaços reservados a mestrados e doutorados em Antropologia, Arqueologia, História e áreas afins, também foi de suma importância para o desenvolvimento dos estudos arqueológicos no Brasil. Esta necessidade já havia sido apontada nas Diretrizes para a Arqueologia Brasileira: Documento de Santa Cruz do Sul (Sociedade de Arqueologia Brasileira, 1989), manifesto aprovado em 1989, durante a V Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizada na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul. O documento também foi pensado a partir do célebre artigo Arqueologia Brasileira: algumas considerações, de Walter A. Neves (1988 [1989]). Via de regra, esses cursos passaram a contribuir substancialmente para a produção e a socialização de novos conhecimentos, criando uma atmosfera de profícuos debates e reflexões teórico-metodológicas. Gradualmente foram surgindo algumas condições necessárias para dar início a um processo de renovação da disciplina arqueológica no país, resultado de certo amadurecimento epistemológico gerador de mudanças de nuances, mais

85 ou menos de acordo com o que W. Neves (1984) havia pensado em fins da década de 1980. Exemplo disso foi a criação, em 1992, de uma área de concentração em Arqueologia no Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sediada em Porto Alegre, um marco na história da Arqueologia Brasileira, sobretudo para a região Sul do país (vide Kern, 1994, 2000). Antes disso, em 1990, teve início na Universidade de São Paulo (USP), mais precisamente no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), o primeiro curso de pós-graduação stricto sensu em Arqueologia inaugurado no país. Dissertações e teses ainda vêm sendo defendidas em outras universidades brasileiras, principalmente na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dentre outras, bem como no exterior, “ainda que muito ainda esteja inédito e que poucos trabalhos se aventurem a questionamentos teóricos mais amplos” (Funari, 1998b:22) (vide também Prous, 1994:13-15). Acrescenta-se

ainda

os

impactos

positivos

causados

pelo

acelerado

desenvolvimento da Informática e a revolução causada pela Internet, a rede mundial de computadores, a partir da década de 1990: acesso cada vez fácil e mais rápido às informações e intensificação da comunicação entre pesquisadores e instituições. Um bom exemplo disso é o sítio eletrônico da Equipe Naya (www.naya.org.ar), da Argentina, um espaço virtual destinado à Antropologia e à Arqueologia, inclusive para a realização de congressos virtuais contando com a participação de profissionais de vários países do mundo, a maioria da América Latina. Apesar disso tudo, é importante salientar que esse período mais recente ainda não foi alvo de pesquisas exaustivas no âmbito da História e da Arqueoistoriografia. Há, todavia, alguns trabalhos reflexivos que o analisam em alguns aspectos. Ainda na década de 1980, Betty J. Meggers, quem juntamente com Clifford Evans elaborou e coordenou o PRONAPA (1965-1970), percebeu o surgimento de um novo momento na Arqueologia Brasileira e assim o avaliou:

86 Em 1980, a Arqueologia Brasileira chegou à maturidade com a fundação da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). Em 1982, tinha mais de 100 membros representando mais de 20 instituições. As reuniões realizadas em 1981 no Rio de Janeiro e em 1983 em Belo Horizonte, tiveram a participação de profissionais e estudantes de todas as partes do país. [...] Ampliar oportunidades de treinamento acadêmico é um desafio que deve ser concretizado a fim de se formar pessoal necessário para conduzir os programas de salvamento, assim como realizar outras investigações para preencher as lacunas de nosso conhecimento sobre o desenvolvimento cultural durante os tempos préeuropeus. A dedicação e a perseverança que caracterizam os esforços durante os 50 anos passados, tornam possível predizer que os obstáculos serão superados e contribuições significativas ao método, à teoria e ao conhecimento arqueológico serão feitas por arqueólogos brasileiros nos anos que estão por vir (Meggers, 1987a:154)9.

Alguns anos depois, já na década de 1990, Pedro Paulo A. Funari (1989, 1994a, 1994b, 1998b, 1999c e outros), sob outro ponto de vista, publicou vários artigos analisando a trajetória e os rumos da Arqueologia no país. Segundo ele, durante o regime militar houve a conquista de um significativo espaço institucional para a Arqueologia Brasileira, fato este que também está associado à constituição de um establishment ou poder estabelecido arqueológico, quer dizer, à formação de um grupo de pessoas em posição de poder e autoridade que passou a controlar e influenciar a Arqueologia em várias regiões do país, mantendo-se pouco aberto à inovação ou renovação. Na opinião do autor, o marco histórico inicial teria sido o próprio desenvolvimento do PRONAPA (1965-1970) e a ação de muitos de seus seguidores, não raramente reconhecidos como pronapianos ou pronapistas, adjetivos às vezes usados em tom pejorativo, embora aqui não os esteja fazendo com essa conotação. Sendo um establishment arqueológico, obviamente que traz em seu bojo relações com o saber e o poder, incluindo o micropoder. Tais relações ocorrem em instituições universitárias, agências de fomento às atividades de pesquisa e editoras, dentre outros espaços institucionais e burocráticos, públicos ou privados, onde não raramente há conflitos de interesses, inclusive entre diferentes gerações de pesquisadores. A avaliação feita por Funari continua sendo bastante polêmica e tem sido formalmente contestada por um número expressivo de arqueólogos, principalmente pelos que adotaram a proposta histórico-culturalista do PRONAPA, paradigma pertinente para a época, haja vista que teve no clássico Method and theory in American Archaeology, de Gordon R. Willey & Philip Phillips (1958), uma importante referência teóricometodológica, uma obra que “deitou raízes profundas na arqueologia brasileira, dos anos 9

Artigo originalmente publicado na revista American Antiquity (vide Meggers, 1985).

87 60 em diante” (Lima, 2000a [1997]:1). Contudo, na década de 1970 começou a haver um distanciamento da Arqueologia Brasileira em relação aos “avanços que a disciplina vinha fazendo no exterior” (Lima, 2000a:2), sobretudo quanto as inovações apresentadas pela Nova Arqueologia ou Arqueologia Processual iniciada na década de 1960 (vide Binford & Binford, 1968; Schiffer, 1978; Binford, 1989; Alcina Franch, 1989; Lamberg-Karlovsky, 1989; Trigger, 1992 [1989]; Preucel, 1991; Renfrew & Bahn, 1998 [1991]; Yoffee & Sherratt, 1993; dentre muitos outros). Acredito que a polêmica maior está na associação do PRONAPA, sobretudo na de seus coordenadores (Betty J. Meggers e Clifford Evans), à origem do establishment arqueológico nacional. Neste sentido, parte do artigo A contribuição de Betty Meggers para a Arqueologia Pré-histórica da América do Sul, escrito por Ondemar Dias Júnior, arqueólogo que participou do PRONAPA, serve de contraponto a muitas críticas que os pronapianos têm recebido: Nem sempre, no entanto, as críticas se fizeram com a ética recomendada e dentro dos procedimentos normais da vida acadêmica. Mesmo no nosso país, algumas pessoas poucas, felizmente que desconhecem as mais elementares regras do respeito acadêmico, que muito pouco ou quase nada podem apresentar de produção que as credencie, plenas de uma autocapacitação no mínimo duvidosa, fugindo às perspectivas saudáveis do debate, especializaram-se em detratar seu trabalho [de Betty J. Meggers], divulgando fatos caluniosos, sem a menor pretensão de prová-los. São verdadeiros vampiros da excelência científica alheia, que por não a possuírem, aproveitam-se de quem as tem ao longo de uma vida de trabalho sério e respeitado, deleitando-se em publicar textos obscuros e de má leitura, para se tornarem, pelo menos, conhecidos. E conseguem. Não exatamente da forma que imaginam, mas conseguem... (Dias Júnior, 1997:8).

A dura crítica apresentada por Dias Júnior, ainda que feita sob forma de desabafo, não parece ter sido dirigida a Pedro Paulo A. Funari, haja vista a vasta produção que ele acumulou entre 1988 e o primeiro semestre de 2001, incluindo doze livros escritos ou organizados, três monografias, mais de uma centena de artigos e resenhas, além da tradução e revisão de vários trabalhos (vide Funari, 2001). Na opinião de muitos arqueólogos brasileiros e estrangeiros, como Johnni Langer (1997a:112), Pedro Paulo A. Funari é um dos grandes teóricos da atualidade na Arqueologia Brasileira, alguém que tem conquistado reconhecimento nacional e internacional através de muitos estudos publicados em vários países americanos e europeus. Betty J. Meggers e Clifford Evans, por sua vez, possuem uma longa folha de serviços prestados no Brasil e em países como Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador,

88 México, Peru, Venezuela e outros, de onde têm recebido várias homenagens e títulos honoríficos pela dedicação científica e pelo interesse em desenvolver a Arqueologia Latino-americana. Por isso creio ser relevante citar as palavras de Luis G. Lumbreras, arqueólogo peruano de orientação marxista que participou do Segundo Simpósio Comemorativo ao Quinto Centenário, realizado em Washington, na Smithsonian Institution, em outubro de 1998: Não posso deixar passar esta ocasião para assinalar nossa comum homenagem aos amigos e mestres [Clifford Evans e Betty J. Meggers], os quais foram solidários conosco à margem de ideologias ou tendências, sem reclamar conseqüência nem reciprocidade nenhuma. Aqui estamos reunidos por este vínculo comum; militamos em distintas posições teóricas, praticamos dissimiles formas de fazer Arqueologia e nossa única retribuição é e tem sido a de trabalhar pelo desenvolvimento de nossa disciplina, com independência de critério e ação (Lumbreras, 1992:30).

A origem de toda essa controvérsia parece ter forte associação com os debates travados entre Betty J. Meggers e Anna Curtenius Roosevelt, ambas arqueólogas estadunidenses especializadas em Arqueologia Amazônica. As discussões iniciaram em meados da década de 1980 e também estão relacionados à defesa de teses divergentes sobre a pré-história daquela região sul-americana. Grande parte dos debates e a bibliografia sobre o assunto foram publicados em português e castelhano, como se pode ser conferido nos trabalhos de Meggers (1987b, 1998a, 1998b, 1999) e Roosevelt (1991, 1992, 1999), e ainda em (Lathrap, 1975), W. Neves (1989, 1991) e E. Neves (1999a, 1999/2000). Segundo consta na História da Arqueologia Brasileira (A. Souza, 1991), o PRONAPA contou com a participação dos seguintes arqueólogos brasileiros: Eurico T. Miller, José Proenza Brochado, Walter F. Piazza, José Wilson Rauth, Igor Chmyz, Fernando Altenfelder Silva, Ondemar Ferreira Dias Jr., Valentim Calderón, Nássaro A. de Souza Nasser e Mário Ferreira Simões. Já no segundo ano, Altenfelder se afastaria, entrando Sílvia Maranca e Celso Perota (A. Souza, 1991:114-115).

Outros profissionais, todavia, adotaram a orientação histórico-culturalista do programa e seguiram trabalhando em várias regiões do país, a exemplo do arqueólogo jesuíta Pedro Ignacio Schmitz, diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas, sediado em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, uma das principais instituições brasileiras de pesquisa arqueológica. Somente na década de 1980, o enfoque processualista começou a ser usado no Brasil, principalmente em alguns estudos apresentados como dissertações e teses

89 acadêmicas, conforme consta na bibliografia arrolada por Kipnis et al. (1994/1995), mais uma prova da importância dos cursos de pós-graduação stricto sensu para renovação da Arqueologia no país. Embora não desconheça que um regime militar seja a “intervenção de uma força que age com determinada eficácia, sempre relativa na medida em que isto se dá em um campo de forças” (Velho, 1984:241), penso que a tese do establishment arqueológico merece, por si só, novas reinterpretações e estudos mais acurados. Uma investigação desse tipo, no campo da História e da Arqueoistoriografia, não pode ter como principal foco de análise o PRONAPA e seus seguidores, ainda que, como bem salientou A. Souza (1991:114), a implantação desse programa não tenha sido pacífica. Digo isto porque talvez existam outras forças políticas de maior peso que os pronapianos, as quais há muito continuam atuando quase que totalmente incólumes a qualquer tipo de crítica. Nesta linha de raciocínio, a avaliação feita pelo jornalista Marcelo Leite (2000:5), autor da matéria A falha arqueológica do Brasil, publicada na Folha de S. Paulo, em 19/2/2000, serve de adendo e não pode ser ignorada: “Autoritarismo é uma qualificação corriqueira, quando se trata de caracterizar esse campo acadêmico, que só vingou depois da Segunda Guerra”. Polêmicas à parte, uma constatação deve ser feita: o passado e o presente da Arqueologia Brasileira deve ser reinterpretado permanentemente, o que às vezes pode exigir o rompimento com determinados pactos consensuais, tipos variados de álibis ideológicos e propostas de triagem de assuntos. Acreditando na pertinência da tese do establishment arqueológico, ainda que com as ponderações apresentadas, suponho que ela tenha validade para o caso de profissionais que por décadas permaneceram fechados à pluralidade epistemológica e aos avanços científicos registrados na Arqueologia mundial, não raramente reagindo de forma concatenada como grupos sociais contra quem o fizesse. Isso denota, dentre outras coisas, uma explícita forma de dominação no campo da produção científica. Daí entender, por exemplo, o fato de W. Neves (1999/2000b:8) ter recentemente assinalado a “predominância de uma certa resistência no establishment da arqueologia brasileira ao pensamento crítico”. Sem embargo à sua postura, não disponho de dados para associar esta situação a um grupo específico de arqueológicos que vem atuando no país. Avalio, porém, que os pronapianos não devem ser o principal alvo de análises desta natureza, até porque não estiveram/estão presentes em todas as regiões e instituições de um país da dimensão que tem o Brasil.

90 Ainda sobre o debate em torno da tese do establishment arqueológico, apresento duas citações que explicam a leitura que Funari tem feito sobre o assunto. A primeira deixa claro que não existe neutralidade científica em Arqueologia e que ela, por sua vez, está inserida em contextos sociopolíticos que marcam a dinâmica da vida em sociedade: Na medida em que a Arqueologia é uma disciplina científica, possui lugares institucionais de pesquisa que controlam ao menos seis questões básicas: o que deve ou não ser pesquisado, o acesso aos sítios arqueológicos, ao material armazenado, às verbas de pesquisa, aos cargos acadêmicos e aos meios de informação científica encarregados de divulgar os resultados do estudo arqueológico (Funari, 1988:75).

Finaliza: Tudo isto se baseia numa rígida hierarquia, no interior das instituições acadêmicas, que estabelece a legitimidade científica dos projetos de pesquisa. Daí que os critérios político-ideológicos por detrás de cada pesquisa, de cada ascensão ou estagnação acadêmica, sejam sempre apresentados, pelos detentores do “poder arqueológico” como critérios de ordem epistemológica, portanto exteriores ao domínio do conflito social, incontestáveis. As discordâncias de fundo sociopolítico apresentam-se transformadas numa disputa entre a ciência, apanágio dos que detêm o poder institucional, e a suposta incompetência de quem defende certas posições práticas e metodológicas que lhes são contrárias. No entanto, em sociedades compostas por grupos em conflito, a hegemonia de uma legitimidade encontra-se sempre sujeita ao confronto com outras legitimidades, originárias de outros interesses sociopolíticos. Os embates epistemológicos e acadêmicos retirada a ilusória capa de “objetividade do arqueólogo” remetem ao inevitável posicionamento e comprometimento do arqueólogo perante a sociedade e à tomada de consciência da sua decorrente responsabilidade (Funari, 1988:76).

A segunda, por seu turno, contextualiza a trajetória da Arqueologia Brasileira pós1964, inserindo-a no contexto das transformações ocorridas na sociedade nacional como um todo: A Arqueologia vem se desenvolvendo no Brasil há muito tempo e sua história, aqui, dependeu muito das transformações da sociedade brasileira como um todo. O recente governo militar produziu um establishment arqueológico impermeável a mudanças e incapaz de se afirmar fora do país e face às outras Ciências Humanas no Brasil. Entretanto, recentes desenvolvimentos estão mudando este quadro e as enormes áreas abertas aos pesquisadores interessados numa redefinição da Arqueologia brasileira e dos estudos de cultura material oferecem oportunidades únicas para estudiosos ousados. Particularmente auspicioso é o fato de que uma nova geração de estudantes e especialistas está propensa a mudar: a leitura de trabalhos teóricos e interpretativos está forçando uma abordagem pluralista da Arqueologia. Felizmente, estes estudiosos não podem ser dispensados como grupos marginais uma vez que eles se constituem nos únicos arqueólogos habilitados a fazer face seja a seus colegas arqueólogos estrangeiros, seja a seus colegas das Ciências Humanas e Socais no Brasil. Além disso, a Arqueologia está sendo praticada de forma erudita em diferentes

91 instituições e há um crescente interesse numa abordagem crítica da cultura material (Funari, 1994a:37, 1999c:31-32).

Outros trabalhos há pouco publicados têm igualmente enfatizado o surgimento de uma jovem geração na Arqueologia Brasileira, embora a maioria não trate especificamente do mencionado establishment. Uma exceção parece ser o artigo de Cristina Barreto (1999), apresentado na I Reunião Internacional de Teoria Arqueológica na América do Sul, realizada na cidade de Vitória, Espírito Santo, em 1998, por ocasião da 21ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, no qual a autora teceu críticas ao trabalho analítico que Funari tem realizado sobre a Arqueologia Brasileira, afirmando que [...] apesar de reconhecer a importância da teoria na arqueologia, trabalhando contra a dificuldade que ele mesmo admite em mapear seus contornos em contexto brasileiro, é marcado por uma preocupação doutrinária em identificar agendas políticas e ideológicas no discurso de determinados grupos na história da arqueologia brasileira, sem no entanto explorar a fundo as teorias em torno das quais estes grupos organizaram sua produção científica, e tampouco analisa os efeitos desta produção para a construção de um passado arqueológico nacional (Barreto, 1999:203).

Em referência a outro trabalho de sua autoria (Barreto, 1998), a arqueóloga prosseguiu apresentando sua avaliação sobre o desenvolvimento da Arqueologia Brasileira nas décadas de 1960 e 1970: Enquanto nas ciências sociais grupos representativos da intelectualidade brasileira se posicionavam abertamente contra o regime militar, os arqueólogos, via de regra, parecem ter ficado à margem dos eventos tanto de engajamento político aberto, como da censura e repressão política que recaíram sobre as universidades brasileiras neste período. Neste sentido, é falsa qualquer tentativa de caracterizar uma politização da disciplina para este período como faz Funari (1992). Ao contrário, pode se dizer que a arqueologia foi até mesmo um pouco rejeitada pelas ciências sociais, justamente por não contar com um quadro teórico compatível com as teorias e ideologias de esquerda da época e por não participar no engajamento político tão típico dos intelectuais brasileiros de então (Barreto, 1999: 206).

Cristina Barreto rechaçou parte das idéias defendidas por Funari, também avaliando como falsa a tese da origem do establishment arqueológico diretamente associada ao PRONAPA (décadas de 1960 e 1970). Considerou ainda superficial a análise que o autor fez sobre o uso de teorias por parte de determinados grupos de arqueólogos brasileiros, embora ela mesma não tenha feito uma discussão mais detalhada sobre o assunto, ou seja, acerca da relação entre Arqueologia Brasileira e o contexto econômico, político e sociocultural do país. Para S. Oliveira (2002:55): “Barreto preocupa-se mais com questões metodológicas do que propriamente teóricas. Isto fica evidente em suas críticas à teoria arqueológica nascente no Brasil”.

92 Em outra publicação, Barreto falou do surgimento de uma nova geração de arqueólogos brasileiros: [...] a partir dos anos 1980, o aparecimento de uma segunda geração de arqueólogos brasileiros, agora não só com formação acadêmica especializada no Brasil e no exterior, mas também com projetos teóricos mais bem definidos, começou a mudar o tipo de arqueologia feita no país. Reflexos de uma arqueologia anglo-saxônica, mais dedutiva e orientada por problemas específicos em busca da formulação de modelos e tendências, chegaram ao país, não sem o atraso típico de países marginais e a resistência de gerações anteriores (Barreto, 1999/2000:46).

Pedro Ignacio Schmitz, por sua vez, alguns anos antes mesmo de Barreto, associou o surgimento dessa nova geração a influências da Nova Arqueologia: Influências americanas da era da Nova Arqueologia chegam cada vez mais fortes com os cursos de pós-graduação e são o equipamento dos novos doutores e bacharéis (licenciados) das universidades. Estes grupos são identificados como uma nova geração de arqueólogos (Schmitz, 1994:27).

Ainda que toda periodização seja arbitrária, é fato que esse novo momento da Arqueologia Brasileira não está descontextualizado de sua época, tampouco surgiu do nada. Teve início durante o processo de redemocratização do país, bem como da consolidação e crescimento da institucionalização da pesquisa arqueológica em muitos Estados da federação, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, maiores centros formadores de arqueólogos. Evidentemente que herdou as contribuições dadas pelas gerações anteriores, em especial aquela profissionalizada nas décadas de 1960 e 1970, das quais apenas uma parte foi influenciada pela proposta teórico-metodológica do PRONAPA. Mas isso não é tudo. Com o processo de redemocratização do país, jovens arqueólogos passaram a adotar uma postura de maior engajamento social, distanciando-se ainda mais da geração anterior. Para André Prous (1994:24), um exemplo desse engajamento está na aproximação da nova geração em relação à militância em defesa dos direitos dos povos indígenas, “dos quais sente cada vez mais próxima pela tendência da Etnoarqueologia”. Do ponto de vista epistemológico, essa situação talvez possa ser explicada por eventuais anomalias surgidas da acumulação de conhecimentos produzidos pelas gerações anteriores (Meltzer, 1979), em sua heterogeneidade, o que acabou gerando uma crise de paradigmas, condição favorável para o surgimento e a aceitação de novas referências teórico-metodológicas para a comunidade arqueológica do Brasil. Igualmente não há como

93 dissociar esse novo momento do processo de renovação das ciências sociais no país (Antropologia, Ciência Política, Geografia, História, Sociologia etc.), pois como disse Octávio Ianni (1992:34), “a marcha da sociedade continua a criar e recriar novas realidades”. Entretanto, de um modo geral a Arqueologia no Brasil parece não estar muito informada sobre o desenvolvimento das demais ciências sociais no país (vide Reis et al., 1997), embora o contrário e com mais intensidade também seja verdadeiro. A despeito do transcurso das teorias arqueológicas no país, não tenho dúvidas de que a partir da década de 1980 e, principalmente, da de 1990, a Arqueologia Brasileira gradativamente começou a mudar e essa mudança continua em curso. Em 1995, por exemplo, durante a VIII Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizada em Porto Alegre, Tania A. Lima fez a seguinte colocação: Neste conturbado fim de século, ou mais precisamente fim de milênio, em que nós estamos assistindo, perplexos, a mudanças que se processam em ritmos cada vez mais vertiginosos, cabe indagar, no antepenúltimo encontro da Sociedade de Arqueologia Brasileira antes da virada, como anda a arqueologia neste momento, no Brasil e no mundo, e que possíveis rumos ela deve tomar. Nós diríamos que ela está começando a emergir da efervescência dos debates dos anos 80, introduzidos pelo que se convencionou chamar de pósprocessualismo, movimento fortemente inspirado no clima intelectual pósmoderno que se instalou na década passada e que continua no centro das atenções até hoje (Lima, 1995/1996:227).

Na IX Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, ocorrida no Rio de Janeiro em 1997, a penúltima do século XX e uma das mais profícuas então realizadas, a arqueóloga novamente expôs um interessante panorama das teorias arqueológicas no Brasil, apresentando críticas pontuais: Vista em seu conjunto, a arqueologia brasileira permanece ainda hoje fortemente atada ao histórico-culturalismo e continua obstinadamente apegada a princípios e procedimentos que o mundo há muito sepultou. Isolada, é vista por outros países da América do Sul e também da América do Norte como fechada em si mesma, na medida em que nossa produção é pouco divulgada, sendo praticamente desconhecida no exterior (Lima, 2000a:3).

Conclui: Esta brevíssima e sumária exposição da trajetória da teoria na arqueologia brasileira permite constatar que fizemos um grande investimento em teorias de baixo nível, ou seja, em generalizações empíricas sobre o registro arqueológico, privilegiando a elaboração de tipologias, seriações e construções de quadros espaço-temporais. Não se desmerece aqui a validade desses procedimentos, justificáveis e necessários, mas sim a sua adoção como um fim em si, ignorando e recusando a incorporação de reflexões feitas ao longo de três décadas. Como conseqüência direta, o imprescindível movimento seqüencial em direção às

94 teorias de nível médio e alto foi por muito tempo abortado, empobrecendo extraordinariamente a disciplina em nosso país (Lima, 2000a:4).

Na mesma ocasião, Emílio Fogaça fez a seguinte leitura da trajetória das teorias arqueológicas no país: A arqueologia brasileira aquela que, graças ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, ocupou extensivamente espaço institucional nas três últimas caracteriza-se mais como um corpo pragmático baseado numa metodologia apriorística do que como resultado da participação influente nos debates da arqueologia internacional. Ainda que, na concepção do Programa, uma certa postura teórica norte-americana foi fundamental, todas as discussões aconteceram em torno da criação de tipologias espaço-temporais e, por conseguinte, esse período vem sendo estigmatizado como “descritivo”, “classificatório”, com um acento pejorativo raramente empregado pelas arqueologias ao norte do Equador em relação aos pioneiros (Fogaça, 2000:3-4).

A colocação feita por Fogaça é bastante ponderada, de certa maneira sensata do ponto de vista histórico e arqueoistoriográfico, mas apresenta uma situação de enclave diante de um quase inevitável conflito de gerações: de um lado, a mais jovem, em sua heterogeneidade; do outro, a mais antiga, igualmente heterogênea. Isto posto, a respeito da teoria arqueológica no cenário nacional, acredito que está cada vez mais difícil tentar inviabilizar a existência de múltiplas abordagens em Arqueologia, muito menos querer que prevaleça a idéia de ela ser uma ciência social que nada tem a ver com a atualidade, conforme assinalou S. Oliveira (2002:49-64). Após todas essas colocações, uma pergunta vem à tona: afinal, o que estava acontecendo com a Arqueologia Brasileira no final do século XX? As respostas são múltiplas e difíceis de serem teoricamente equacionadas no calor da hora, porém vale a pena arriscar uma aproximação: a partir do processo de redemocratização do país e em clima de pós-modernidade (Harvey, 1992), a Arqueologia no Brasil caminhou para um momento de crise e situação de redefinição de sua identidade. Essas transformações também estão historicamente relacionadas com “os desdobramentos da globalização”, conforme percebeu Gaspar (2000:25). Teve início, então, o processo da construção de outra realidade, da emergência paulatina de uma proposta de rompimento com todo tipo de isolamento acadêmico. Daí dizer que este é, com efeito, o atual momento da Arqueologia Brasileira, um tempo marcado por contrastes, tensões e conflitos de idéias, ideologias e forças políticas entre diferentes gerações, porém igualmente bastante fértil e plural em termos de produção científica.

95 Hoje em dia parece haver certo entendimento de a Arqueologia Brasileira vive “um momento rico e promissor da disciplina em nosso país”, conforme recentemente frisaram Wüst et al. (1997 [2001]:5). Esta avaliação, contudo, contraria duas frases infelizes que Irmhild Wüst e Walter A. Neves teriam dito durante o debate As perspectivas da Arqueologia Brasileira, ocorrido em São Paulo, no mês de abril de 2000, uma promoção do jornal Folha de S. Paulo (vide Nogueira, 2000). Primeira: “Do total produzido pela arqueologia brasileira, 99% podem ir para o lixo” (Irmhild Wüst). Segunda: “O melhor curso de pós-graduação no Brasil é o aeroporto de Cumbica” (Walter A. Neves). As duas falas foram duramente criticadas por vários arqueólogos brasileiros: mensagens eletrônicas foram encaminhadas ao referido jornal e a membros da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), a maioria protestando sobre o assunto e solicitando providências. Na ocasião do debate, Pedro Paulo A. Funari, por sua vez, teria ponderado dizendo o seguinte: “A arqueologia brasileira agora está produzindo livros e artigos no exterior, passando a ser uma referência internacional”. Esta última avaliação em tese foi a mais sensata, conseqüente e correta em relação às duas primeiras. Ocorre que atualmente alguns nomes da Arqueologia Brasileira têm conquistado reconhecimento nacional e internacional no estudo de certos objetos. Exemplo: origens do povoamento pré-histórico das Américas (Walter A. Neves e André Prous), pinturas rupestres (André Prous), Arqueologia Histórica e teorias arqueológicas (Pedro Paulo A. Funari), pré-história amazônica (Eduardo G. Neves), Arqueologia Guarani (Francisco S. Noelli), dentre muitos outros. Fica claro, portanto, que a ausência de um balanço mais refinado sobre a produção acadêmica e científica apresentada no âmbito da Arqueologia Brasileira, principalmente nos últimos quinze anos, tem levado alguns profissionais a pouco valorizarem o que vem sendo feito no país desde fins da década de 1980. Apesar disso tudo, a Folha de S. Paulo não deu espaço para réplicas. Neste caso em específico, o jornalista Salvador Nogueira (2000), autor da matéria Pesquisadores estão pessimistas com a arqueologia brasileira, publicou apenas alguns pequenos trechos do debate entre os arqueólogos, frases que devem ser avaliadas como pontuais e divergentes entre si, ao menos da maneira como vieram a público. Assim mesmo causaram revolta e indignação entre profissionais de todas gerações e regiões do país. Influenciada pelos debates mundiais sobre processualismo e pós-processualismo, a jovem geração vem se apresentando como a mais ousada e aquela que tem assumido uma postura de impulso vanguardista, a meu ver precursora de um importante movimento de

96 renovação dos estudos arqueológicos no país. Um exemplo disso é a divulgação do dossiê Antes de Cabral, organizado por Walter A. Neves (1999/2000a) e publicado na Revista USP, importante periódico científico do país, o qual contou com a colaboração de um grupo heterogêneo de jovens arqueólogos que elaborou uma das melhores, senão a melhor, síntese sobre Arqueologia e pré-história do Brasil até aquela data. Jovens arqueólogos, aliás, têm sido a identificação e a auto-identificação de muitos profissionais pós-graduados a partir da década de 1990. Há ainda outros espaços de divulgação da produção científica da jovem geração, como é o caso da Coleção Arqueologia, publicada pela Edipucrs (Editora da PUCRS), importante veículo para a circulação de dissertações, teses e outros estudos acadêmicos; os trabalhos de Kern (1998), Schaan (1997), Soares (1997) e Symanski (1998) fazem parte da coleção e atestam a boa qualidade dos trabalhos que vêm sendo feitos no Sul do Brasil. Outros espaços de divulgação das pesquisas, sobretudo novas revistas ou novas fases de antigos periódicos científicos, vêm sendo criados a partir da década de 1990. Um bom exemplo dessa situação é a nova fase da Revista do CEPA, publicada pela Edunisc (Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul), espaço que jovens arqueólogos sulistas passaram a ocupar com muita competência. Por outro lado, há ainda algumas revistas mais antigas que continuam fechadas, servindo basicamente à divulgação dos trabalhos de um único profissional ou de um grupo restrito de arqueólogos a ele ligado. Portanto, parafraseando Acuto & Zarankin (1999:13), avalio que é por tudo isso e por muito mais que jovens arqueólogos continuam seguindo sedentos, pois a sede faz parte da efetiva construção do saber científico e do comportamento de alguns cientistas, sem a qual não haveria mudanças de nuances ou transformações epistemológicas. Enquanto as décadas de 1960 e 1970 ficaram fortemente marcadas por uma dose talvez exagerada de autodidatismo, empirismo, indutivismo e uma conseqüente falta de interesse por novos aportes teóricos, o que não foi monopólio da Arqueologia no Brasil, as de 1980 e 1990 testemunharam o surgimento de uma gradativa e crescente transformação rumo a uma Arqueologia Brasileira mais dedutiva, erudita, heurística, holística, plural, social e teoricamente mais aberta, preparada e diversificada. Esta é uma das explicações para a postura que jovens arqueólogos têm assumido, característica dos que almejam uma Arqueologia Brasileira para além-fronteiras e de padrão internacional, condição elementar para novas possibilidades de produzir, analisar e interpretar as sociedades humanas no tempo. Em outras palavras: se as antigas gerações foram modernas, a jovem geração

97 possui uma condição pós-moderna e se afirma na crítica à modernidade, em que pese saber que “nem sempre moderno tem significado necessariamente de novo, e antigo nem sempre tem significado o velho, o tradicional” (Azevedo, 1994:17). Este é o vir-a-ser da Arqueologia Brasileira. Por tudo isso, e por muito mais, que continua sendo válida a seguinte leitura que Philip Rahtz fez sobre as qualidades que todo arqueólogo precisar ter: O que todo arqueólogo precisa é, não necessariamente nesta ordem, de um grande interesse pelo passado ou pela teoria da arqueologia, beirando as raias do fanatismo; uma capacidade de executar continuamente um trabalho difícil, em geral longe das condições ideais, seja no campo, na biblioteca ou no museu; uma alta margem de tolerância e aceitação para com os aborrecimentos; uma ativa, porém controlada, noção de ordem, padrão, processo e significados, uma imaginação visual e conceitual e uma ampla perspectiva cultural; e, de preferência, embora não obrigatoriamente, uma capacidade para se comunicar com outros seres humanos por escrito ou oralmente (Rahtz, 1989:58).

E eis que diante dessa situação teve início o segundo momento da Arqueologia Pantaneira, um momento particularmente rico em pesquisas científicas, tanto em quantidade como em qualidade, mas que também reflete o signo da crise e da mudança que marca a Arqueologia praticada no Brasil neste início de milênio.

2.2. O PROJETO CORUMBÁ No decorrer das duas últimas décadas, alguns projetos de pesquisa foram desenvolvidos no Pantanal, quase todos no Brasil. Indiscutivelmente, o mais importante deles é o Projeto Corumbá, sobre o qual apresento uma primeira análise crítica. A história do Projeto Corumbá está direta e intimamente associada ao desenvolvimento do Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul, doravante denominado pela sigla PAMS, do qual é parte integrante e sua maior realização. Por isso, não há como falar do primeiro sem inicialmente analisar o segundo. Avalio que José Luiz L. Silva, geólogo graduado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sediada em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Três Lagoas, foi importante personagem na articulação e viabilização do PAMS, do qual o Projeto Corumbá faz parte. Em recente publicação do resumo de uma palestra proferida durante o

98 V Encontro Regional de História, realizado no Campus de Três Lagoas e promovido pela Associação Nacional de História, Núcleo de Mato Grosso do Sul (ANPUH-MS), o geólogo fez a seguinte análise: Em 1984, o Centro Universitário Lagoense [Campus de Três Lagoas] foi procurado por munícipes, os quais traziam o informe de um achado, no mínimo, instigante. Haveria, na zona rural do Município de Paranaíba, um conjunto de rochas com estranhas pinturas. Um ano após, em julho de 1985, a grande mídia nacional divulgaria um dos maiores achados arqueológicos da década, os sítios do Alto Sucuriú. O fato, além de satisfazer os anseios da comunidade, propiciou inúmeras atividades de extensão, na forma de palestras em escolhas e universidades de vários municípios sul-matogrossenses. A partir de então, trabalhamos na estruturação e atividades do PAMS, Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul. Para tanto, a UFMS tomou a iniciativa de procurar a parceria do Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP). Ambos, com o apoio da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e do CNPq, estruturaram o programa de pesquisas que, ainda hoje, investiga o território sulmatogrossense (J. Silva, 2000:45).

Na verdade, José Luiz L. Silva, que havia tido algumas noções de Arqueologia durante o curso de graduação em Geologia da UNISINOS, ao ser informado da existência de sítios arqueológicos pré-históricos na região nordeste de Mato Grosso do Sul, entrou em contato com o IAP, informando aos arqueólogos Pedro Ignacio Schmitz e Sílvia M. Copé do ocorrido10. Coincidência ou não, Schmitz havia decidido encerrar os trabalhos de campo do Programa Arqueológico de Goiás (1972-1985), sob sua coordenação, e manifestou interesse em realizar pesquisas arqueológicas em Mato Grosso do Sul, inicialmente em uma área próxima a Goiás, o alto curso do rio Sucuriú. Os resultados dos primeiros trabalhos de campo, concluídos em 1985, foram considerados animadores: vários sítios foram encontrados e previamente estudados. Por conta disso, no ano seguinte, em 1986, foi firmado o Termo de Convênio de Mútua Cooperação que entre si celebram a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos e o Instituto Anchietano de Pesquisas. Em 1990, as instituições celebraram um Termo de Ajuste ao convênio, objetivando a execução conjunta do Projeto Corumbá. A concretização dessa parceria interinstitucional possibilitou a criação e o desenvolvimento do PAMS, um grande projeto de pesquisas exploratórias proposto para estudar quatro áreas em Mato Grosso do Sul, todas de dimensões consideráveis, cerca de 10

Atualmente Sílvia M. Copé não é mais pesquisadora do IAP/UNISINOS e está vinculada unicamente à Universidade Federal do Rio do Grande do Sul (UFRGS), instituição em que continua a desenvolver pesquisas no Núcleo de Pesquisa Arqueológica.

99 20.000 km2 cada: Área A (Projeto Alto Sucuriú), Área B (Projeto Campo GrandeDourados), Área C (Projeto Bela Vista) e Área D (Projeto Corumbá) (Figura 2). A delimitação das áreas foi feita com base em dois critérios principais: a localização dos campi da UFMS, pontos logisticamente estratégicos para os trabalhos de campo, e a rede hidrográfica do Estado. Apenas na área do Projeto Bela Vista, na fronteira do Brasil com o Paraguai, bacia do rio Apa, não havia e ainda não há campus da UFMS. O somatório de todas as áreas do PAMS compreendeu uma extensão superior a de países como Dinamarca, El Salvador, Serra Leoa e Sri Lanka. A justificativa para um programa desta natureza pode ser encontrada no artigo Política arqueológica brasileira, elaborado por Schmitz e publicado durante a execução do Projeto Alto Sucuriú: Se tomarmos apenas os profissionais com treinamento completo (doutores) temos entre 300.000 e 400.000 km2 do território nacional por cabeça. É verdade que não toda esta área está neste momento exigindo trabalhos, mas outras áreas estão, em compensação, pedindo extrema urgência (Schmitz, 1989:50).

A primeira autorização para a realização do PAMS foi dada por um prazo de dez anos, conforme Ofício número 154/86, de 24 de junho de 1986, assinado por Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, na época secretário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O financiamento do projeto ficou por conta das seguintes instituições: UFMS, UNISINOS, IAP, CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul), principalmente através da concessão de bolsas de estudo e/ou recursos financeiros para as atividades de pesquisa. Até o ano de 2000, a Smithsonian Institution, através do apoio recebido de Betty J. Meggers, havia financiado dezessete datações radiocarbônicas (C14) realizadas pelo laboratório Beta Analytic Inc., sediado em Miami (Flórida), Estados Unidos. Salvo engano, avalio que sem o empenho e a participação de José Luiz L. Silva, provavelmente não teria existido o PAMS. Ademais, cumpre dizer que em 1985 a produção científica dos docentes da UFMS era incipiente, exceto o caso de alguns pioneiros, haja vista que por motivos diversos somente um número reduzido de pessoas desenvolvia projetos de pesquisas e publicava os resultados de seus estudos. A publicação do Arrolamento da produção científica na área de História (1968-1993), organizado por V. Corrêa et al. (1994), serve para exemplificar a realidade pretérita da pesquisa nos cursos de História da UFMS, os quais não eram exceção à regra. Com efeito, isso torna ainda

100 mais meritoso o trabalho realizado pelo geólogo, acrescido ainda do fato de ele ter orientado estudantes de graduação e atuado em prol da preservação do patrimônio arqueológico brasileiro. Em suas próprias palavras: Atuando no âmbito da geologia, nosso interesse específico centrou-se nos aspectos estratigráfico e litológico, bem como nas gestões necessárias à realização dos trabalhos de campo. Assim atuamos desde 1984 até 1989, quando a equipe de pesquisadores do PAMS passou a investigar as ocorrências da região ocidental do Estado de Mato Grosso do Sul. Vários acadêmicos, tanto da UFMS quanto da UNISINOS, desenvolveram monografias, dissertações e teses, baseados na análise e compilação das informações geradas no âmbito do PAMS. Sabemos, no entanto, que os sítios do Alto Sucuriú ainda reservam aos pesquisadores muitos anos de trabalho, tendo em vista os necessários refinos da base de conhecimentos até hoje construída (J. Silva, 2000:45-46).

101

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PARANÁ

0

55

110

165

220 KM

ESCALA NUMÉRICA: 1 : 5.500.000 ESCALA GRÁFICA

FIGURA 2: MAPA COM A LOCALIZAÇÃO DAS ÁREAS ABRANGIDAS PELO PROGRAMA ARQUEOLÓGICO DO MATO GROSSO DO SUL.

102 Atualmente, é claro, a situação da pesquisa na UFMS é bem diferente daquela época, conforme é possível comprovar através de uma análise do III Catálogo da Produção Científica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – 1999 (2000), publicação que relaciona muitos trabalhos científicos divulgados por seus pesquisadores no ano de 1999. A mudança qualitativa e quantitativa também resultou de uma política de capacitação docente, criação de programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, publicação de livros e revistas científicas, maior estímulo ao desenvolvimento de projetos de pesquisa, estabelecimento de parcerias com várias universidades brasileiras e estrangeiras, dentre outras ações. A despeito de Pedro Ignacio Schmitz, arqueólogo gaúcho e sacerdote da Companhia de Jesus, convêm tecer algumas breves considerações. Na década de 1980, quando teve início o PAMS, Schmitz já era um pesquisador bastante conhecido no Brasil e em vários outros países, tendo conquistado posição de destaque entre arqueólogos de sua geração, principalmente em relação aos que adotaram o paradigma histórico-culturalista do PRONAPA. Segundo informação recebida de Betty J. Meggers, em fevereiro de 2001, na década de 1960 Schmitz chegou a ser convidado a participar do PRONAPA, mas não aceitou a oferta. Apesar disso, adotou a proposta teórico-metodológica do projeto e com ela seguiu desenvolvendo pesquisas arqueológicas em vários Estados brasileiros: Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins. Chegou ainda a desenvolver pesquisas arqueológicas no Uruguai. Sua produção científica é significativa, porém ainda não foi analisada em sua totalidade; teve início na década de 1950 e compreende centenas de trabalhos, a maioria publicada em português e pelo IAP/UNISINOS, do qual há muito é seu diretor e maior referência. Schmitz também foi um dos fundadores da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), entidade que chegou presidir; também conquistou importantes espaços em órgãos públicos de fomento, apoio e autorização da pesquisa arqueológica no Brasil. Sob sua influência direta trabalharam muitos colegas, quase todos arqueólogos da jovem geração: Adriana S. Dias, Altair S. Barbosa, André Luiz Jacobus, Arno A. Kern, Ellen Veroneze, Fabíola Andréia Silva, Irmhild Wüst, José Luis dos S. Peixoto, Marco Aurélio N. De Masi, Maribel Girelli, Pedro Augusto M. Ribeiro, Rodrigo Lavina, Sílvia M. Copé e outros que, como eu, passaram pelo IAP quando da fase inicial de suas carreiras. Evidentemente que todas essas pessoas sofreram influências do modelo epistemológico do PRONAPA, ainda

103 em voga no IAP, embora posteriormente, entretanto, a maioria acabou optando por outras orientações teórico-metodológicas. A título de esclarecimento, faço aqui um breve comentário: no número 1 da revista Pesquisas, periódico do IAP que começou a circular em 1957, ano em que a instituição estava provisoriamente vinculada ao Colégio Anchieta, de Porto Alegre, há um artigo sobre Arqueologia em que o jovem Schmitz (1957) na época realizando pesquisas paleoetnográficas tratou de um sítio Guarani do alto Uruguai. Nele o autor faz menção a trabalhos de Alfred Métraux, Antonio Serrano, Gordon R. Willey, Herbert Baldus, Max Schmidt e outros. No mesmo número estão o primeiro estatuto do IAP e uma apresentação escrita pelos membros do Conselho Deliberativo da entidade, na qual está claro que Uma das preocupações mais constantes e intensas da Companhia de Jesus, tem sido em todos os tempos não só a sólida formação científica dos seus filhos, como ainda transmissão do saber a seus numerosos alunos. Um dos meios mais eficazes é sem contestação o trabalho paciente de pesquisas e investigações nos diversos ramos da ciência. Realizando um velho sonho, desde anos acalentado por um grupo de Padres Jesuítas, fundamos em março de 1956 uma entidade científica, à qual demos o nome de INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS, localizado provisoriamente no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, Brasil (Jaeger et al., 1957:9).

Isto posto, tendo em vista que Schmitz (1985/1986) foi quem elaborou e coordenou o PAMS, julgo ser necessário ainda fazer algumas citações não muito curtas, porém necessárias para a compreensão da forma como o programa foi inicialmente pensado. Dos antecedentes e da justificativa: O Mato Grosso do Sul não tem, até agora, nenhum programa de pesquisa arqueológica, apesar de ser uma área potencialmente importante. As poucas pesquisas realizadas dizem pouquíssimo sobre o desenvolvimento da cultura no Estado; a fase Ivinhema (Chmyz, 1974)11, da tradição Tupiguarani, recente, ainda está no limite do Estado do Paraná; as incipientes pesquisas de Lehel de Silimon (com. Pes.), no Pantanal não chegaram a nenhum resultado e não foram publicadas. Num breve reconhecimento feito em 1985, no Nordeste, foram conhecidos sítios que parecem reduplicar a área de Serranópolis, GO, que dista apenas 100 km. Frente a esta realidade a Fundação Universidade do Mato Grosso do Sul e o Instituto Anchietano de Pesquisas, UNISINOS, se propõem a realizar um programa de pesquisas arqueológicas e a prover o seu desenvolvimento através do treinamento de pessoas de origem local (Schmitz, 1985/1986:1).

Dos objetivos:

104 - Localizar, identificar cultural e cronologicamente, e avaliar os sítios arqueológicos das áreas escolhidas para a amostragem; - Selecionar sítios para uma etapa de pesquisa mais intensa e profunda, tendente à solução de problemas científicos; - Fazer um primeiro estudo das culturas representadas em cada uma das áreas, do ponto de vista de padrão de assentamento e arte rupestre; - Sugerir medidas de preservação e, sempre que possível, executá-las, principalmente através da conscientização dos proprietários das terras nas quais os sítios estão localizados (Schmitz, 1985/1986:5).

Dos métodos e técnicas: Em gabinete: o estudo das áreas do ponto de vista geológico, geomorfológico, pedológico, florístico, faunístico etc., utilizando recursos como imagens de satélite Landsat, trabalhos do Radam [Radambrasil], fotos aéreas, mapas, cartas e outros estudos, com vistas a predizer os locais dos sítios e o tipo de sua implantação. Em campo: recorrimento das áreas onde se prevê a existência de sítios, buscando insistentemente sítios em ambientes diferentes, que dêem uma idéia da complexidade do povoamento e do processo de adaptação ambiental. Quarenta sítios por área parece um número razoável para compreender este processo. Estudo de superfície dos sítios e cortes estratigráficos, com coleta de informações e materiais. Documentação da arte rupestre. Em laboratório e gabinete: estudo e sistematização dos dados conseguidos em campo. Análise e descrição dos materiais recolhidos ou documentados. Estabelecimento de modelos para estudos da segunda etapa, destinada a resolver problemas já rigorosamente equacionados a partir desta sondagem inicial (Schmitz, 1985/1986:5-6).

As citações apresentadas não deixam dúvida: o PAMS foi concebido à maneira do PRONAPA e à do Programa Arqueológico de Goiás. Segundo interpretação que faço do artigo de Schmitz (1989:47), os três casos podem ser considerados como “ambiciosos programas exploratórios, acompanhados de um treinamento mais orgânico de pessoal”. Walter A. Neves (1988 [1989]) foi um dos primeiros arqueólogos brasileiros a avaliar criticamente esse tipo de pesquisa exploratória, sem, contudo, deixar de reconhecer sua contribuição e validade para um país com a extensão territorial como o Brasil: Em decorrência da própria dimensão da empreitada com a qual se deparou a primeira geração de arqueólogos profissionais do país, a quase totalidade da energia material e “espiritual” gasta, até o momento, na arqueologia nacional girou em torno de pesquisas exploratórias. O indutismo foi, historicamente, o primeiro estágio da ciência positivista e ressurge inexoravelmente no processo de desenvolvimento da maioria das áreas científicas nos países que ocupam uma posição periférica quanto ao desenvolvimento tecnológico. O amadurecimento epistemológico de um país, no que se refere à Ciência & Tecnologia, pode ser, 11

CHMYZ, I. 1974. Dados arqueológicos do baixo rio Paranapanema e do alto rio Paraná. PRONAPA 5. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, 26:67-90. Esta é única obra citada na bibliografia do PAMS.

105 no entanto, medido pela relação entre pesquisa exploratória e pesquisa de resolução de problemas. Quanto mais a última predomina sobre a primeira, mais exponencial se torna a geração de conhecimento científico, mais expressiva se torna a contribuição de uma nação para o estabelecimento de paradigmas teórico-metodológicos de alcance universal. A arqueologia brasileira precisa, portanto, conquistar a qualquer custo o dedutismo como ferramenta epistemológica, a exemplo do que ocorreu com a arqueologia praticada na esmagadora maioria dos países desenvolvidos, ainda no final da década de 60. A adoção de modelos dedutivos de pesquisa arqueológica, apoiados sobre testes de hipóteses competitivas bem formuladas, não deve eliminar, entretanto, a continuidade das investigações exploratórias. Num país com a extensão territorial da do Brasil, e com uma profundidade histórica de pelo menos 12 mil anos, a pesquisa exploratória, em arqueologia, far-se-á sempre necessária (W. Neves, 1984:201).

Diante das explicações apresentadas por Schmitz (1985/1986, 1989) e das propostas formuladas por W. Neves (1984), algumas observações necessitam ser feitas sobre o PAMS. Em primeiro lugar, a elaboração do programa não precedeu a conclusão de um exaustivo levantamento bibliográfico sobre as pesquisas arqueológicas realizadas em Mato Grosso do Sul e áreas adjacentes. Exemplo disso é a não discussão das obras de Branka Susnik, Max Schmidt e Vincent Petrullo, dentre outros autores apontados anteriormente. Isso levou o coordenador geral do projeto a fazer algumas avaliações apriorísticas sobre a realidade arqueológica do Estado. O levantamento de obras de interesse à Etnologia e à História, por exemplo, também teria sido relevante durante a elaboração do PAMS. Obras como História de Mato Grosso (Corrêa Filho, 1969) e Mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú (Nimuendajú, 1981), apenas para exemplificar, poderiam ter suscitado uma avaliação mais dedutiva acerca da potencialidade arqueológica de Mato Grosso do Sul, inclusive sobre possíveis sítios arqueológicos históricos. A própria bibliografia organizada em

publicações

como

Bibliografia

Mato-grossense (Mendonça,

1975),

Estudo

bibliográfico da História, Geografia e Etnologia de Mato Grosso (Costa e Silva, 1992) e Breve painel etno-histórico do Mato Grosso do Sul (Martins, 1992) comprova a existência de trabalhos que deveriam ter sido citados e discutidos quando o programa foi pensado. Ademais, diversos especialistas em metodologia científica, como M. C. Carvalho (1995) e Severino (1996), há muito são uníssonos ao afirmarem que a atividade da pesquisa bibliográfica é de grande importância na elaboração e execução de um projeto de investigação científica, pois através dela se fica conhecendo o que foi produzido sobre determinado tema. Sobre este assunto, Umberto Eco (1983:42) fez a seguinte explicação: “Organizar uma bibliografia significa buscar aquilo cuja existência ainda se ignora. O bom

106 pesquisador é aquele que é capaz de entrar numa biblioteca sem ter a mínima idéia sobre um tema e sair dali sabendo um pouco mais sobre ele”. Mas o que pode parecer uma mesquinha implicância do ponto de vista meramente formal, todavia vai mais longe: a não realização ou apresentação de uma pesquisa bibliográfica exaustiva tem sido um procedimento padrão em muitos estudos concluídos no âmbito do PAMS. Esta afirmação pode ser comprovada através de uma rápida análise da bibliografia de muitos artigos e algumas monografias produzidas no âmbito do programa, assunto este que será retomado no decorrer deste trabalho. De todo modo, merece reconhecimento o uso de informações orais obtidas de alguns colegas arqueólogos. Em segundo lugar, está explícito que os objetivos do PAMS seguem as premissas básicas do modelo histórico-culturalista utilizado pelo PRONAPA, quer dizer, grosso modo estabelecer cronologias e tratar da questão da adaptação cultural em relação ao meio ambiente, às vezes criticado por fazê-lo de maneira positivista, empirista, determinista e anti-histórica (Funari, 1999d:214-215), e/ou determinista tecnoambiental, de “orientação predominantemente historicista e difusionista européia, mas sem suas inspirações ideológicas e teóricas originais” (Barreto, 1999:205), ou ainda por meio de um determinismo ecológico simplista (Prous, 1994:38). Entretanto, de início houve uma grande coerência dos propósitos do programa em relação à posição teórico-metodológica que marca o pensamento de seu autor e coordenador geral. Há de ressaltar ainda a louvável preocupação em preservar o patrimônio arqueológico, ação ligada à Arqueologia Pública e indispensável em qualquer projeto de pesquisa nesta área do conhecimento. Sobre este último assunto, aliás, Pedro Ignacio Schmitz tem uma longa folha de serviços prestados ao país, inclusive no que diz respeito à formação de jovens pesquisadores junto ao IAP. Em terceiro e último lugar, a metodologia de levantamento de sítios arqueológicos, apesar de ser oportunística, já contava com uma novidade para o estudo de áreas, o uso de fotografias aéreas e imagens de satélite. Não foi feito, porém, qualquer discussão teóricometodológica ou referências a especialistas em temas como aerofotogrametria, fotointerpretação, sensoriamento remoto ou SIG (Sistema de Informação Geográfica). Trata-se de um esquema simples, empírico e direto de explicar as três etapas básicas da pesquisa em um projeto exploratório (gabinete, campo e laboratório/gabinete), conforme entendimento do próprio coordenador geral do PAMS:

107 Projetos exploratórios de espaços não estudados num território como o do Brasil não precisa de longa e sofisticada explicação; sua necessidade é evidente. Geralmente eles se encontram dentro de programas mais amplos que, além de um objetivo específico, com uma metodologia correspondente, fazem levantamento sistemático de sítios, avaliação de seu potencial arqueológico e estudo de sua preservação. Como qualquer pesquisa exploratória eles são considerados pelos executores como etapa inicial de trabalhos de aprofundamento, tomando como objetivo aqueles sítios ou fenômenos, que prometem melhores resultados. Projetos exploratórios podem ter objetivos predominantemente históricos como seriam a distribuição das culturas no tempo e no espaço, tomando este muitas vezes em sentido ecológico; ou podem ter, p. ex., uma orientação mais geográfica, usando uma análise locacional ou estratégias parecidas (Schmitz, 1989:48).

No âmbito da Arqueologia Brasileira, estudo de áreas tem sido quase que sinônimo de pesquisa exploratória, implementada para produzir uma primeira análise sobre os povos indígenas que ocuparam determinada região em tempos pré-históricos (vide Steward, 1955). Uma investigação assim inicialmente não é pesquisa de resolução de problemas sobre algum sistema sociocultural pretérito. Os estudos realizados por Schmitz et al. (1982, 1989, 1996), dentre outros, são exemplos bem sucedidos de pesquisa exploratória. Quando da elaboração do PAMS, W. Neves (1984) já havia aplicado, pela primeira vez no Brasil, o modelo dos multi-estágios que Redman (1973) propôs para o levantamento probabilístico de sítios arqueológicos. No entanto, desde o início do PRONAPA até a década de 1980, predominou em grande parte do país a proposta metodológica contida no Guia para prospecção arqueológica no Brasil (Meggers & Evans, 1965), cujos procedimentos básicos constam na primeira versão do projeto do PAMS. Embora essa proposta tenha sido bastante útil nas décadas de 1960 e 1970, a partir do decênio de 1980 se tornou obsoleta diante dos avanços da Arqueologia em todo o mundo. Esta é uma das constatações que pode ser feita através da análise da maioria dos artigos divulgados nas Atas do Simpósio sobre Política Nacional do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Caldarelli, 1997), publicação que trouxe a público várias experiências inovadoras até então empreendidas no âmbito da Arqueologia por contrato no Brasil, modalidade de pesquisa que será tratada em um tópico específico mais adiante. As críticas à metodologia de Meggers & Evans, em especial quando aplicada nos dias de hoje, são basicamente três: a) dependência da exposição do solo para a localização de evidências arqueológicas, o que às vezes restringe o levantamento a sítios de alta visibilidade como abrigos sob rocha e antigos assentamentos de povos indígenas portadores de tecnologia ceramista; b) uso assistemático de informações orais obtidas de

108 moradores locais, os quais apenas para exemplificar raramente sabem reconhecer sítios do tipo oficina lítica; c) prospecções tendenciosas e limitadas unicamente a áreas indicadoras de sítios (abrigos sob rochas, margens de rios, tipos específicos de vegetação etc.) (P. Mello, 1997; Noelli, 1999/2000; J. Oliveira & Viana, 1999/2000; dentre outros). De todo modo, a primeira etapa do PAMS, a que compreende o Projeto Alto Sucuriú (1985-1989), foi bastante frutífera dentro das metas estabelecidas por sua coordenação geral12. Duas dissertações de mestrado foram trazidas a público: A ocupação do planalto central brasileiro: o nordeste do Mato Grosso do Sul, defendida por Ellen Veroneze (1994), graduada em Biologia pela UFMS, Campus de Três Lagoas, orientada por Pedro Ignacio Schmitz durante o curso de mestrado em História da UNISINOS; e Arte rupestre do nordeste do Mato Grosso do Sul, de Marcus Vinícius Beber (1994), graduado em História pela UFRGS, que concluiu mestrado em História na PUCRS, sob orientação de Arno A. Kern e co-orientação de Schmitz. O trabalho de Veroneze (1994:1) possui um “caráter predominante exploratório e descritivo”, abordando, por meio de um enfoque ecológico, temas como padrão de assentamento e indústria lítica de povos indígenas pré-históricos, portadores da tradição Itaparica, que se estabeleceram no alto Sucuriú em fins do pleistoceno e início do holoceno, grosso modo entre 12.000 e 10.000 anos atrás. O estudo de Beber (1994:25-32), por sua vez, trata, a partir de uma “abordagem tipológico-estatística”, da arte rupestre encontrada em sítios da região, comparando-a com a existente em áreas próximas como Caiapônia e Serranópolis, em Goiás, estudadas por Schmitz et al. (1986, 1989, 1997) e F. A. Silva (1992). Ainda a partir de 1986, com a concretização da parceira entre UFMS, IAP e UNISINOS, Gilson Rodolfo Martins, na época trabalhando no Campus de Dourados da UFMS, oficialmente passou a fazer parte da equipe do PAMS e deu início a um levantamento oportunístico de sítios arqueológicos existentes nas áreas dos projetos Campo Grande-Dourados e Bela Vista. Os estudos fizeram parte do projeto Levantamento Arqueológico do MS, sob sua responsabilidade (Martins, 1997a, 1997b, 1988). Três anos depois, por razões que desconheço, o pesquisador deixou o PAMS, não abandonando, porém, as pesquisas anteriormente iniciadas, uma vez que grande parte delas consta em sua tese de doutorado Arqueologia do Planalto de Maracaju-Campo Grande: o estudo do 12

Sílvia M. Copé orientou os trabalhos de campo do PAMS entre 1985 a 1988; Pedro Ignacio Schmitz o fez a partir de 1989 (Veroneze, 1994:xiii).

109 sítio Maracaju-1 através da análise quantitativa de sua indústria lítica (Martins, 1996), defendida na Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação de José Luiz de Morais. Desde o início de 1990, Martins está lotado e trabalhando no Campus de Aquidauana da UFMS e é um dos principais nomes no Estado na modalidade de Arqueologia por contrato, conforme pode ser comprovado nos trabalhos de Martins & Kashimoto (1998, 1999a, 2000a e outros). Em 1988, após o término dos trabalhos de campo do Projeto Alto Sucuriú, José Luis dos S. Peixoto, então estudante do curso de História da UFRGS e bolsista de iniciação científica no IAP, na época orientando de Silva M. Copé, contatou professores do Campus de Corumbá da UFMS e deu início aos entendimentos para o desenvolvimento do Projeto Corumbá. De início, foram mantidos contatos com biólogos, geógrafos e historiadores, os quais formalizaram o projeto de pesquisa nos moldes do Projeto Alto Sucuriú. Por razões diversas, logo no início os historiadores envolvidos no Projeto Corumbá deixaram de participar das pesquisas. Já em 1989, por ocasião da V Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizada em Santa Cruz do Sul, Marco Aurélio N. De Masi (1990b) apresentou e publicou uma análise preliminar do material lítico recolhido durante as atividades do Projeto Alto Sucuriú. De acordo com informações recebidas do próprio De Masi, em agosto de 2000, o arqueólogo tinha planos de concluir dissertação de mestrado sobre a préhistória do alto Sucuriú, mas acabou tendo que mudar de tema, passando a trabalhar com sítios litorâneos. Sua dissertação de mestrado, intitulada Escavações arqueológicas do Pe. João Alfredo Rohr, S.J.: o assentamento de Armação do Sul, SC, Brasil (De Masi, 1990a), foi defendida no curso de História da UNISINOS, sob a orientação de Schmitz. Surpreendentemente, seu trabalho foi publicado quase que na íntegra em 1992, sob o título Escavações arqueológicas do Pe. João Alfredo Rohr, S.J.: o sítio arqueológico da Armação do Sul (Schmitz et al., 1992), na qual o nome do verdadeiro autor aparece em segundo lugar, como co-autor, em uma lista de cinco nomes. No mês de agosto do mesmo ano, 1989, Sílvia M. Copé oficialmente se desvinculou do PAMS, embora um pouco antes já o tenha feito do IAP. Cumpre dizer, todavia, que os primeiros resultados das pesquisas realizadas no âmbito do Projeto Alto Sucuriú foram apresentados por ela durante o I Simpósio de Arqueologia da Região Sudeste e Áreas Adjacentes, realizado no Rio de Janeiro, em outubro de 1986. Ainda em

110 1989, Copé (1989) elaborou o projeto Ocupação Pré-colonial no vale dos rios Taquari e Paraguai, MS, autorizado pelo IPHAN em julho daquele ano e vinculado à UFRGS.

10 km

FIGURA 3: MAPA DA ÁREA DO PROJETO CORUMBÁ (Schmitz et al., 1998:19).

113 Esse projeto, diferentemente do PAMS, foi pensado dentro de uma perspectiva de análise espacial em Arqueologia, privilegiando o estudo sobre padrões de assentamento de povos indígenas pré-históricos. Em julho de 1990, foi realizado um trabalho de campo em Mato Grosso do Sul, município de Coxim. Infelizmente, em 1991 o projeto foi paralisado, ano em que Copé (1991) apresentou publicamente o memorial Les peintures rupestres du haut fleuve Taquari, Mato Grosso do Sul, Brésil, defendido na Universidade de Paris I (Université de Paris I, Panthéon – Sorbonne), França. No entanto, a arqueóloga acabou tendo que mudar de temática e iniciar uma outra pesquisa, desta vez no Estado do Piauí, para fins de doutoramento. Três jovens arqueólogos gaúchos, na época bolsistas do CNPq junto ao Núcleo de Arqueologia da UFGRS, participaram do referido projeto sob orientação de Sílvia M. Copé, chegando a divulgar o resultado de suas pesquisas. São eles: André Luiz R. Soares (1993), Beatriz dos S. Landa (1993) e Cláudio Baptista Carle (1990, 1991). Anos depois, Glória Lúcia Berto (2000), sob orientação de Copé, elaborou a monografia Arqueologia da arte parietal do alto vale do Taquari, MS, apresentada para fins de conclusão do curso de graduação em História da UFRGS. Em 1989, ano em que a equipe do IAP terminou o último trabalho de campo do Projeto Alto Sucuriú, desta vez sem a participação de Copé, Maria Angélica de O. Bezerra, bióloga, e Sérgio Wilton G. Isquierdo, geógrafo, ambos docentes do Departamento de Ciências do Ambiente (DAM) do Campus de Corumbá, deram início a um levantamento oportunístico de sítios arqueológicos existentes no Pantanal. Naquela época, o DAM já era um departamento bastante ativo em termos de pesquisas multidisciplinares realizadas por profissionais vinculados àquela instituição. No mesmo ano, na condição de aluno do curso de História da UFMS, ingressei no PAMS. Contudo, foi somente em 1990 que a equipe do IAP se deslocou até a região pantaneira, realizando seu primeiro trabalho de campo. No ano seguinte, em 1991, o biólogo Geraldo A. Damasceno Júnior, também do DAM, passou a fazer parte da equipe (vide Damasceno Júnior et al., 1999 [1996]), e o historiador Paulo Marcos Esselin, do Departamento de História e Letras (DHL), que inicialmente não estava participando do projeto, deu início a pesquisas paralelas posteriormente apresentadas como dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em História da PUCRS. O título de seu trabalho, defendido em 1994, é A gênese de Corumbá: confluência das frentes espanhola e portuguesa em Mato Grosso (1536-1778), recentemente publicado (Esselin, 1994, 2000).

114 A maioria dos sítios considerados mais significativos no Projeto Corumbá foi levantada por pesquisadores do Campus de Corumbá. Este é o caso, vale a pena registrar, de sítios localizados na lagoa do Jacadigo, na região do Abobral e no perímetro urbano de Ladário, cidade vizinha a Corumbá, bem como de alguns lajedos (bancadas lateríticas) com inscrições rupestres existentes no planalto residual de Urucum. Os sítios foram levantados na literatura de interesse à Arqueologia e por meio de informações orais obtidas de pesquisadores e da comunidade local, posteriormente averiguadas em campo. Cursos de extensão e palestras, oferecidos à comunidade universitária e a professores de ensino fundamental e médio de Corumbá e Ladário, foram igualmente de grande relevância para esta finalidade e, mais ainda, para fins de preservação do patrimônio arqueológico nacional. Exemplo: no período de 10 a 15 de junho de 1991, Pedro Ignacio Schmitz ministrou o curso A Pré-história Brasileira, com 40 horas de carga horária, coordenado por Jorge Eremites de Oliveira e Paulo Marcos Esselin (J. Oliveira, 1991). Em outros anos, Schmitz e sua equipe sempre se colocaram à disposição da comunidade universitária para o oferecimento de cursos de extensão e palestras, sempre abertos à população local. Para muitas pessoas, tais eventos propiciaram um primeiro contato com a disciplina arqueológica, com a profissão de arqueólogo e com a temática da pré-história, tornando essas ações ainda mais relevantes sob o ponto de vista da Arqueologia Pública. Até 1997, ano em que o projeto foi interrompido, retornando em 2001, muitos pesquisadores haviam oficialmente participado do Projeto Corumbá: Ana Carolina Sbeghen (bióloga), Ana Luiza Bitencourt (arqueóloga e geóloga, 1991), Ana Lúcia Herberts (arqueóloga e historiadora), André Osório Rosa (arqueólogo e biólogo, 19941997), Clomar Júlio D. de Castro (historiador), Geraldo A. Damasceno Júnior (biólogo, 1992), Ellen Veroneze (arqueóloga e bióloga, 1990-1991), Inês Caroline Reichert (historiadora), Jairo Henrique Rogge (arqueólogo e geólogo, 1992-1997), Jorge Eremites de Oliveira (arqueólogo e historiador, 1989-1995), José Luis dos S. Peixoto (arqueólogo e historiador, 1990-1996), Julian Mauhs (biólogo, 1997), Magna L. Magalhães (historiadora), Marcelo Chaparro (biólogo, 1995), Marco Aurélio N. De Masi (arqueólogo e geólogo, 1990), Marcus Vinicius Beber (arqueólogo e historiador, 1992-1997), Maria Angélica de O. Bezerra (bióloga, 1989-1994), Maria Eunice J. Schuch (historiadora), Maria Helena da S. Andrade (bióloga, 1991), Maribel Girelli (arqueóloga e historiadora), Patrícia da S. Hackbart (historiadora), Paulo Marcos Esselin (historiador, 1991), Pedro Ignacio Schmitz (antropólogo e arqueólogo, 1990 e 1992-1997), Rodrigo Lavina

115 (arqueólogo e historiador, 1990-1994), Sérgio W. Gomes Isquierdo (geógrafo, 1989-1990 e 1994-1995) e alguns outros. Alguns profissionais tomaram parte dos trabalhos de campo; são aqueles cujas datas de participação estão indicadas entres parênteses (vide também Schmitz et al., 1998:14). Isto posto, um esclarecimento deve ser feito em tempo: o IAP “oferece também possibilidade de estágio de aperfeiçoamento, que prepara treinados do nível anterior e outros formados como um passo para o mestrado. Estes estagiários formam grande parte da mão-de-obra dos projetos” desenvolvidos na instituição (Schmitz, 1989:50). Esta é, com efeito, a principal explicação para o fato de um número significativo de pessoas ter atuado como estagiário no PAMS. Muitos desses pesquisadores, sobretudo os jovens arqueólogos, influenciaram positivamente as pesquisas do Projeto Corumbá, nele incorporando, ainda que de maneira limitada por estarem hierarquicamente abaixo de seu coordenador geral, outros aportes teórico-metodológicos mais atualizados em termos de Arqueologia mundial. Isso aconteceu devido, também, ao fato de jovens arqueólogos terem tido contato com literatura sobre Arqueologia Processual e Arqueologia Pós-processual no Programa de Pósgraduação em História, área de concentração em Arqueologia, da PUCRS. Exemplo disso pode ser constatado na ementa das disciplinas de Teorias da Arqueologia, ministrada por Arno A. Kern, Caçadores-coletores-pescadores e Metodologia da Pesquisa Arqueológica, respectivamente ministradas por Klaus Peter K. Hilbert, todas oferecidas entre 1992 e 1993. Acrescenta-se ainda a disciplina de Pré-história Americana e Brasileira, sob a responsabilidade de José Joaquim J. P. Brochado, dentre outras igualmente lecionadas no referido período. Em todas essas disciplinas, a técnica do seminário, dinâmica de grupo muitíssima utilizada nas universidades brasileiras, serviu para a troca de experiências, o debate profícuo sobre os projetos de pesquisa e a socialização de novos conhecimentos recorrentes na Arqueologia mundial. Soma-se ainda o fato de a biblioteca do IAP ser uma das maiores da região Sul do país em termos de literatura arqueológica. Em 1991, por ocasião do VI Simpósio Sul-riograndense de Arqueologia, realizado em Porto Alegre, Veroneze (1991a) apresentou, pela primeira vez, a versão mais elaborada do Projeto Corumbá. Seu trabalho é, em grande parte, a compilação de um texto que Schmitz (1993) veio a publicar posteriormente. Em 1992, uma notícia sobre o projeto foi

116 publicada em American Antiquity (Schmitz, 1992), um dos mais importantes periódicos internacionais na área de Arqueologia. Pedro Ignacio Schmitz assim explicou a relevância do Projeto Corumbá: O Projeto Corumbá enquadra-se no esforço da Comunidade Arqueológica brasileira de produzir amostras de culturas pré-históricas de todo o território nacional. O Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS desde duas décadas e meia investe neste objetivo. O local escolhido para esta amostra é uma área do Pantanal. E acontece num momento em que ele está no foco das atenções nacionais e internacionais por constituir um ambiente ainda pouco estudado, fortemente ameaçado de desfiguração e mesmo destruição por causado do recente avanço da mineração de ouro, de uma mineração já instalada de ferro e manganês, de novas frentes agropecuárias e da intensificação do turismo. [...] Respondendo a esta emergência as empresas nacionais de pesquisa e as universidades se uniram para o estudo, [...] De fato, nenhum estudo existe ainda, no Brasil, da participação do homem préhistórico neste ecossistema... (Schmitz, 1993:40).

Prossegue: Existem algumas informações dispersas sobre sítios arqueológicos no Pantanal: Eurico Th. Miller, em conferência proferida no ano de 1989, falou sobre prospecções em aterros no vale do rio Guaporé, MT, nas quais teria encontrado culturas pré-cerâmicas, datadas entre 4.000 e 1.500 A.P. (segundo carta de Betty J. Meggers a Schmitz em novembro de 1999); sobre as camadas pré-cerâmicas existiriam culturas ceramistas; Maria Lúcia Pardi, representante do IBPC em Cuiabá, em conversa com o autor, em junho de 1990, informou sobre um grande número de aterros no Pantanal de Mato Grosso, os quais seriam freqüentemente usados como base das instalações de fazendas atuais; na década de 1960, Lehel de Silimon, então da CODEMAT, em Cuiabá, fez levantamentos arqueológicos na SPHAN do Rio de Janeiro; José Afonso de Moraes Bueno Passos (1975) escreveu sua tese de livre-docência sobre petroglifos do Pantanal do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, do Paraguay e da Bolívia, mas a informação que se pode tirar do texto é mínima (Schmitz, 1993:40).

No início década de 1990, o Projeto Corumbá começou a ser divulgado à comunidade de arqueólogos, porém de maneira mais elaborada em relação à proposta do PAMS. Houve, por exemplo, o uso de uma linguagem marcada pela preocupação com a preservação ambiental, discurso também usado para justificar a realização do projeto. Sobre este último aspecto, é interessante constatar que o projeto foi apresentado como uma necessidade emergencial e institucionalizada de dar respostas a grandes problemas ambientais existentes no Pantanal. O momento histórico da época, também marcado pelo paradigma da globalização (Leonardi, 1995) e pela propagação da ideologia preservacionista baseada na visão do homem como agente destruidor da natureza (Diegues, 1996), mostrou-se oportuno para o

117 argumento recorrido, uma estratégia para demonstrar a relevância e a emergência da implementação de pesquisas arqueológicas na região. O maior problema do argumento utilizado está na inexistência de outras explicações sobre os procedimentos a serem adotados para conciliar pesquisa arqueológica e preservação ambiental. Contudo, não há dúvidas de que diversas atividades econômicas há muito vêm gerando impactos negativos de magnitudes variadas sobre o patrimônio arqueológico pantaneiro, assim como acontece em outras regiões do planeta. Esta questão, sim, pode ser vista como uma das principais justificativas para a execução do Projeto Corumbá, tarefa que foi cumprida com relativo sucesso. Por outro lado, a exemplo do que consta na proposta inicial do PAMS, percebe-se que na do Projeto Corumbá foi mantida a idéia de que anteriormente quase nada foi havia sido feito sobre a pré-história dos povos indígenas no Pantanal, avaliação também reproduzida por Schmitz et al. (1998), Peixoto (1998), Peixoto et al. (2000) e outros. No caso específico da pré-história pantaneira, o argumento não se sustenta diante de uma análise reflexiva sobre os aportes de Branka Susnik, Max Schmidt e Vincent Petrullo, dentre outros autores. A idéia de pioneirismo do PAMS, transposto para o âmbito do Projeto Corumbá, pode ser interpretada, pois, como um discurso usado para encobrir as principais contribuições dadas pelas gerações anteriores, ainda que marcadas por procedimentos técnicos e teórico-metodológicos menos refinados, por assim dizer a partir de uma leitura post factum, do que os propostos por Schmitz (1993). Sobre os objetivos gerais do projeto, Schmitz propôs o seguinte: Como objetivos gerais propomos estudar a instalação do Homem no Pantanal; conhecer a participação das variadas e sucessivas populações pré-históricas e indígenas coloniais nos seus ecossistemas. Juntando as informações recolhidas arqueologicamente e as conseguidas na documentação escrita, produzir uma história contínua das populações indígenas, destacando as diversas adaptações conseguidas e o processo histórico que levou não só à substituição de culturas e populações, mas também à dominação de umas sobre outras ou à colocação de umas com outras, buscando sobreviver numa região que oferece limitações muito sensíveis ao menos ao desenvolvimento das sociedades humanas recentes. Sendo uma área de difícil instalação até para o Homem de hoje, por causa de limitações muito específicas da natureza e difícil controle de suas variações anuais e periódicas, queremos refletir, também, sobre as estratégias criadas pelo Homem para enfrentar ambientes tão variados e cheios de surpresas (Schmitz, 1993:41).

De fato, o Projeto Corumbá tem dado uma contribuição substancial para o conhecimento dos povos indígenas na região pantaneira. Seis dissertações de mestrado

118 foram defendidas no âmbito do projeto, as quais somadas a outras pesquisas concluídas resultaram em dezenas de trabalhos publicados. Isso tudo fez com que o Pantanal passasse a ser assunto em vários eventos científicos, sobretudo na área de Arqueologia e História, realizados no Brasil e em outros países platinos. Além disso, pela primeira vez na história e na historiografia de Mato Grosso do Sul, um projeto de pesquisa foi tão importante para lançar novas luzes sobre um tema até então pouco explorado e conhecido: a presença dos povos indígenas no Pantanal, a partir da perspectiva de continuidade no tempo histórico que pode ser chamada de longa ou longuíssima duração (cf. Braudel, 1978; Kern, 1991). Essa perspectiva de continuidade já havia sido tratada, embora não para o caso do Pantanal, pelo próprio Schmitz (1986) em outro artigo de sua autoria: A História do Brasil: reflexões de um arqueólogo. A divulgação das pesquisas do Projeto Corumbá, somada à atuação profissional de alguns ex-integrantes do PAMS, geraram certo impacto positivo na historiografia sulmatogrossense à medida que influenciaram a entrada dos povos indígenas “no campo dos historiadores”, valendo-se aqui da expressão usada por Moniot (1979:99). Isso tem sido salutar diante da necessidade de uma reinterpretação permanente da História, em função “das necessidades variáveis do presente” e “dos acontecimentos do passado que emergiram no presente”, como argumentou Schnapp (1976:259). Com a explicação dada é possível compreender o porquê da História em Mato Grosso do Sul estar se servindo das contribuições da Arqueologia (e vice-versa), pois como frisou Braudel (1978:53), “a História é soma de todas as histórias possíveis uma coleção de misteres e de pontos de vista, de ontem, de hoje, de amanhã”. Atualmente, a maior expressão da inclusão dos povos indígenas na História que fazem os historiadores em Mato Grosso do Sul está na implantação, a partir de março de 1999, do Programa de Pós-graduação em História da UFMS, no Campus de Dourados, que tem como uma de suas linhas de pesquisa a História Indígena, uma proposta interdisciplinar baseada nas múltiplas interfaces

existentes entre Antropologia,

Arqueologia e História (J. Oliveira, 1998a, 2001c). Dito isso, concordo plenamente com a avaliação feita por Schmitz: Quem conta hoje a história de Mato Grosso do Sul não tem o direito de colocar o início da colonização na chegada do conquistador europeu, quer este seja de origem espanhola, quer portuguesa. Tanto o Planalto como o Pantanal estavam ocupados desde muitos milênios. Populações variadas tinham chegado a estes

119 espaços e desenvolvido técnicas, estruturas sociais e culturas adaptadas aos diversos ambientes (Schmitz, 1998:205).

Na conclusão de seu artigo, o autor fez ainda um balanço pontual sobre o Projeto Corumbá: Como se pode ver na apresentação dos dois projetos [Alto Sucuriú e Corumbá] executados pelo Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS e UFMS, alguns trabalhos podem produzir resultados altamente compensadores, ao passo que outros pagam mal os altos investimentos. Importante é que a soma de trabalhos de várias instituições já permite traçar um grande esboço do povoamento do Estado, colocando ao lado da história da colonização branca a história cada vez mais visível da população indígena originária (Schmitz, 1998:218).

Há, todavia, uma questão controversa nos objetivos gerais do Projeto Corumbá: a tese de que o Pantanal, em especial as terras baixas ou áreas inundáveis, é uma região difícil para a instalação de populações humanas. Esta afirmativa, ainda que apriorística e indutiva, é falsa e não condiz com as idéias defendidas por pesquisadores que publicaram estudos sobre comunidades tradicionais e povos indígenas da região: Schmidt (1942a), C. Silva & J. Silva (1995), J. Oliveira (1995a, 1996a), Banducci Júnior (1999), Moretti (1999), L. Souza & Guarim Neto (1999) e J. Oliveira & Viana (1999/2000), dentre muitos outros. Ocorre que a variabilidade climática interanual, caracterizada por estações de cheia e seca, marcou/marcam a adaptação de comunidades tradicionais e povos indígenas, os outros, nos ecossistemas pantaneiros, populações que viviam/vivem No ritmo das águas do Pantanal, expressão muitíssimo bem escolhida para o título do livro de C. Silva & J. Silva (1995), um estudo sobre a comunidade dos mimoseanos de Mato Grosso. Parece que Schmidt (1993:41) teve dificuldades em perceber que as nossas dificuldades nem sempre são as que os outros tiveram/têm ao se instalarem no Pantanal. Sobre essa questão, há de se fazer uma outra explicação necessária. Com base em Diegues (1996:87-91), entendo por comunidades tradicionais do Pantanal aquelas comunidades pantaneiras, assim caracterizadas: a) portadoras de sistemas socioculturais adaptados à região, desenvolvidos ao longo de várias gerações que se estabeleceram em determinados territórios, seus habitats; b) usuárias de tecnologias pouco impactantes do ponto de vista ambiental, também em vista de sua economia estar mais voltada à subsistência do que para a acumulação de capitais; c) possuidoras de modos de vida intimamente relacionados à natureza, sobre a qual têm apurado conhecimento; d) valorizadoras da unidade familiar e das relações de parentesco ou compadrio para o exercício de atividades econômicas e socioculturais, às vezes marcadas por simbologias,

120 mitos e rituais; f) auto-identificadas e/ou identificadas pelos outros como pertencentes a culturas específicas. Sobre o método proposto para o Projeto Corumbá, cito a seguinte explicação: A abordagem geral será de ecologia humana e se preocupará com problemas como capacidade de suporte, limitações ambientais, padrões de subsistência e de assentamento, estruturação dos espaços, relações entre populações, modificações temporais do ambiente e da cultura. [...] [...] No desenvolvimento do trabalho destacamos os seguintes passos: O estudo individualizado dos diversos ambientes escolhidos: a Região Pantaneira, a Região de Transição, a Região Chaquenha e de suas disponibilidades para a instalação de sociedades caçadoras-coletoras e para sociedades horticultoras. Disponibilidades estacionais para o conjunto da área. [...] Distribuição dos sítios arqueológicos por ambientes, estabelecendo sua presença e densidade. Para a Região Pantaneira e a Região Chaquenha, de cobertura vegetal pouco densa e de pequeno tamanho, a foto aérea, acompanhada de mapeamento de detalhe, é bastante útil para localizar a maior parte dos sítios. Para sítios rasos, de ocupação estacional, em áreas de enchente alta e duradoura, precisamos pensar uma outra técnica. Para a Região de Transição Chaquenha, de cobertura vegetal densa, o caminhamento da área, junto com informação dos sitiantes parece a estratégia mais adequada. Caracterização dos sítios por culturas arqueológicas, usando o conjunto de elementos e conhecimentos recuperados em escavações, em cortes estratigráficos, em coletas superficiais, em outras observações, caracterizandoas por sua tecnologia, cronologia, uso das disponibilidades ambientais, padrão de implantação e disposição no espaço; a localização dos sítios com relação ao ambiente circundante: recursos de água, de alimentos, de matérias primas, de solos aptos para o cultivo, de elevação adequada par enfrentar as enchentes. Avaliação desses resultados frente à capacidade de suporte e fatores limitantes do ambiente. Comparação dos resultados arqueológicos com os alcançados a partir do estudo documental dos indígenas dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, estendendo o estudo, através dessas informações, até um período recente” (Schmitz, 1993:42).

A explanação apresentada pode ser caracterizada como marcadamente descritiva e empírica, jamais ateórica, porém feita através de uma linguagem simplista, típica de projetos exploratórios como é o caso em questão. Muitos termos utilizados não foram conceituados (Ecologia Humana, capacidade de suporte, padrões de subsistência e assentamento etc.), tampouco foi feito referência a quaisquer autores, o que dá margens a interpretações diferentes sobre o que o coordenador geral havia inicialmente pensado sobre o assunto. Proceder assim, contudo, parece ter sido uma espécie de regra metodológica ou convenção (Popper, 1993:55) para muitos arqueólogos brasileiros, postura esta defendida pelo próprio Schmitz (1989). Este procedimento está presente, para mais ou para menos, em todos os trabalhos publicados no âmbito do Projeto Corumbá, os quais são marcados

121 pela ausência de maiores discussões teórico-metodológicas, o que em hipótese alguma os tornam irrelevantes para a Arqueologia Brasileira. Em linhas gerais, procedimentos desse tipo foram criticamente avaliados por Kern (1992:44) durante a VI Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizada em 1991, no Rio de Janeiro: “O papel quase exclusivo que o empirismo desempenha nos quadros da Arqueologia, tem levado a um desequilíbrio entre uma atitude descritiva e detalhista, por um lado, e uma insuficiência teórica importante, por outro”. Kern ainda apresentou a seguinte leitura sobre a produção intelectual dos arqueólogos brasileiros até início da década de 1990: A produção intelectual dos arqueólogos no Brasil tem sido muito influenciada pelas concepções positivistas, desde os inícios das primeiras intervenções arqueológicas, em meados deste século. Enquanto que outras ciências, tais como a História, a Antropologia e a Sociologia, renovaram seus paradigmas e suas explicações teóricas, os textos dos arqueólogos muitas vezes não têm ultrapassado o estágio de simples listagens de objetos encontrados, num esforço descritivo exaustivo, mas sem maiores perspectivas conceituais ou interpretativas (Kern, 1992:47).

A opção oficial pelo uso do termo Ecologia Humana, por exemplo, foi, no meu entendimento, influenciada pelo fato de haver uma ecóloga na equipe, a bióloga Maria Angélica de O. Bezerra, pesquisadora com larga experiência em estudos liminológicos e paleoecológicos (vide Bezerra, 1999, 2001), mas não sobre populações humanas (tradicionais ou indígenas). Apesar de Schmitz (1993) não ter feito qualquer discussão sobre sua compreensão por Ecologia Humana, avalio que alguns estudos concluídos no âmbito do Projeto Corumbá, a exemplo dos apresentados por Schmitz et al. (1998, 2000a, 2000b), comprovam o uso de um enfoque ecológico, marcadamente tecnoambiental e às vezes determinista, de orientação predominantemente histórico-culturalista, principalmente no que diz respeito às análises acerca da adaptação ecológica de populações humanas na pré-história pantaneira. Isso explica, também, a preocupação pelo estudo individualizado de determinados ambientes prospectados, geralmente feito a partir da descrição dos recursos bióticos e abióticos atuais, na tentativa de reconstruir os contextos ambientais dos espaços ocupados por povos indígenas pretéritos. De qualquer maneira, avalio que o termo ateórico é um adjetivo impertinente e inadequado para o Projeto Corumbá. A proposta de estudar povos indígenas conhecidos historicamente, sobretudo durante os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, foi extremamente relevante diante das fontes textuais disponível para investigações etnoistóricas e/ou etnoarqueológicas (J. Oliveira,

122 1995a; Schuch, 1995a, 1995b; Herberts, 1998a, 1998b; Magalhães, 1999, 2000), bem como face aos estudos até então existentes, geralmente realizados sob outros olhares que pouco privilegiaram temas de interesse à Arqueologia moderna. Quanto às técnicas previstas, o coordenador geral do projeto assim explicou: O geógrafo da equipe [Sérgio Wilton G. Isquierdo] está mapeando um dos espaços de nossa pesquisa. A ecóloga [Maria Angélica de O. Bezerra] coordena um subprojeto, onde por enquanto estão incluídos os moluscos de água doce. A reconstituição do páleo-ambiente, com a implantação dos aterros e a composição de seus sedimentos, é tarefa da geóloga do Quaternário [Ana Luiza Bitencourt]. É ela que recolhe as amostras para estudo dos sedimentos e pólen. Estes sedimentos serão submetidos a análise química e granulométrica para conhecer composição mineral, origem, transporte, acumulação, condições ambientais, transformações produzidas pela presença e dissolução das conchas etc. Os sedimentos dão respostas tanto para a formação quaternária das camadas subjacentes, quanto das camadas arqueológicas e do concrepccionamento [sic.] formado pela dissolução do calcário das conchas. As amostras de pólen são recolhidas usando as técnicas recomendadas, prevendo-se a sua análise por ou da UNB (Schmitz, 1993:42). Em minha avaliação, a explicação apresentada necessita de uma análise mais crítica, pois a divisão de tarefas proposta por Schmitz (1993) não foi bem sucedida. Neste sentido, avalio que desde o início do Projeto Corumbá, faltou, por parte de sua coordenação geral, uma melhor atuação no sentido de pontuar e acertar, a partir do interesse e das possibilidades de todos os membros da equipe, quais seriam os trabalhos mais específicos que biólogos, geógrafos e historiadores do Campus de Corumbá poderiam estar desenvolvendo em parceria com a equipe do IAP, apontando problemas e caminhos teórico-metodológicos. Alguns desencontros ocorreram por conta dessa situação, ocasionando um certo distanciamento científico entre a equipe da UFMS e a do IAP. Em 1990 e 1991, para ser mais preciso, a própria parceria interinstitucional ficou abalada por desentendimentos de ordem profissional, fato este que Schmitz (1990:1-2) e Veroneze (1991b:36) registraram de maneira pessoal em seus relatórios/diários de campo. Por outro lado, Sérgio Wilton G. Isquierdo e Maria Angélica de O. Bezerra, docentes do Campus de Corumbá, seguiram orientando alunos de iniciação científica e desenvolvendo pesquisas, as quais, graças ao papel desempenhado por alguns ex-estagiários do Projeto Corumbá, como José Luis dos S. Peixoto, puderam incorporar uma ou outra temática de interesse ao estudo sobre a pré-história pantaneira. Na verdade, os dois profissionais da UFMS sempre tiveram clareza da importância do projeto para a região pantaneira,

123 inclusive no que se refere à formação de jovens pesquisadores, prova de profissionalismo e compromisso com o fazer escola na academia. Somente a partir de 1996, quando José Luis dos S. Peixoto passou a trabalhar junto ao Campus de Corumbá, inicialmente na condição de bolsista do CNPq/DCR e atualmente como pesquisador-colaborador na UFMS, houve uma maior integração multidisciplinar entre profissionais de várias áreas do saber, em especial entre membros do DAM integrantes do Projeto Vitória Régia, conforme atestam os trabalhos publicados por Damasceno Júnior et al. (1999), Peixoto (1998), Peixoto & Isquierdo (2000) e Peixoto et al. (2000). Mas nesse caso, não obstante, as pesquisas pouco ou nada tiveram a ver diretamente com a coordenação geral do Projeto Corumbá31. Sobre os trabalhos de campo, cumpre esclarecer que o levantamento de sítios arqueológicos foi feito ora de maneira oportunística, ora de maneira probabilística, mas via de regra privilegiando sítios de alta visibilidade, aqueles cujos vestígios arqueológicos podem ser encontrados na superfície dos terrenos. Nas terras baixas (áreas inundáveis) foi feito o levantamento de sítios do tipo aterro, ao passo que nas terras altas (planaltos residuais) os trabalhos privilegiaram sítios Guarani, quase sempre em pontos perturbados por fatores antrópicos recentes (áreas de atividades agropecuárias). O uso de fotografias aéreas, por exemplo, foi de grande utilidade para essa finalidade (J. Oliveira, 1995a; Peixoto, 1995). Alguns ex-estagiários do projeto receberam treinamento sobre levantamento probabilístico no Programa de Pós-graduação em História da PUCRS, chegando inclusive a influenciar no aprimoramento da proposta inicial de levantamento de sítios arqueológicos do Projeto Corumbá (vide J. Oliveira, 1997a; J. Oliveira & Peixoto, 1993a, 1996; Peixoto, 1995; Beber & Peixoto, 2000; dentre outros). Autores como Redman (1973, 1979), Clarck (1977), Plog et al. (1978), W. Neves (1984) e outros foram analisados para fins de levantamento de sítios arqueológicos no litoral do Rio Grande do Sul, município de Imbé, em 1993, do qual participaram Jorge Eremites de Oliveira, José Luis dos S. Peixoto e Marcus Vinicius Beber (Hilbert et al., 1993). Portanto, acredito que neste aspecto o Projeto Corumbá foi, ao seu tempo, superior aos projetos desenvolvidos no Programa

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Hoje em dia, José Luis dos S. Peixoto está desenvolvendo o projeto A ocupação das populações indígenas pré-coloniais nos grandes lagos da borda oeste do Pantanal Sul-mato-grossense, um estudo destinado à obtenção do grau de doutor no Programa de Pós-graduação em História, área de concentração em Arqueologia, da PUCRS, sob orientação de Klaus Peter K. Hilbert.

124 Arqueológico de Goiás, igualmente coordenados por Pedro Ignacio Schmitz, o que explica a seguinte avaliação: Somente a partir de 1990, com o efetivo início do Projeto Corumbá, em Mato Grosso do Sul, o Pantanal foi definitivamente inserido nos círculos de debates sobre problemas referentes à arqueologia platina. Do ponto de vista teóricometodológico, esse projeto foi concebido de modo semelhante ao Projeto Paranaíba e ao Projeto Alto Araguaia [Programa Arqueológico de Goiás], embora, em alguns aspectos e ao seu tempo, tenha sido executado de maneira mais refinada (J. Oliveira & Viana, 1999/2000:144).

As escavações ficaram restritas a cortes estratigráficos do tipo poço-teste ou cabina telefônica, geralmente de 2 x 2 m e seguindo níveis arbitrários de 10 cm de espessura, também feitas através do uso de ferramentas como colher de pedreiro e enxada. Foram realizadas unicamente em sítios localizados nas terras baixas do Pantanal, principalmente em aterros, maior prioridade e espécie de fetiche do Projeto Corumbá (J. Oliveira, 1997c). Ocorreu que dos sítios levantados, os aterros foram os que apresentaram a estratigrafia melhor preservada em relação aos sítios Guarani e outros encontrados nas terras altas do planalto residual de Urucum. Diferentes técnicas de escavação, como a decapagem por meio de níveis naturais, não foram previstas e, portanto, não realizadas. Ademais, como é de amplo conhecimento, aterros também têm sido uma das especialidades de Pedro Ignacio Schmitz, tema de sua tese de livre-docência Sítios de pesca lacustre em Rio Grande, RS, Brasil, defendida em 1976 na UFRGS (Schmitz, 1976), provavelmente a mais importante monografia deste nível de pós-graduação tratando da pré-história no Brasil até aquela data. Sabe-se que a técnica de escavação feita exclusivamente por meio de níveis arbitrários, bastante encravada na tradição arqueológica estadunidense (Hester et al., 1988:99), apresenta riscos quanto a interpretação das camadas naturais, pois um “nível arbitrário pode tanto pode corresponder a alguns minutos como a vários milênios” (Prous, 1992:30). Contudo, quando aplicada com minucioso controle serve para se ter uma primeira aproximação da estratigrafia e do conteúdo dos sítios (material cultural, restos de alimentação etc.), sobretudo daqueles cujas camadas naturais podem totalizar alguns metros como é o caso de sambaquis e aterros. No caso brasileiro, sua popularização ocorreu durante o PRONAPA, haja vista que na época havia, também, o interesse de recolher material cerâmico para estabelecer cronologias culturais por meio da aplicação do método Ford (1962). Além disso, o material arqueológico de superfície foi coletado, sem embargo, de maneira assistemática, quer dizer, sem ter sido feita a devida localização do mesmo dentro

125 da área do sítio, geralmente realizada através do sistema de quadrícula. Esse tipo procedimento utilizado é pouco refinado e dificulta, por exemplo, a aplicação de alguns métodos de análise da distribuição de material cerâmico no interior de sítios arqueológicos. No que diz respeito às dissertações de mestrado e outras monografias acadêmicas elaboradas no âmbito do Projeto Corumbá, algumas considerações merecem ser feitas sobre elas. A primeira dissertação foi elaborada por Maribel Girelli (1994), graduada em História pela UNISINOS, intitulada Lajedos com gravuras na região de Corumbá, MS, defendida no Programa de Pós-graduação em História da mesma universidade, sob orientação de Pedro Ignacio Schmitz. Trata-se de um estudo sobre signos rupestres, também conhecidos como petroglifos, inscrições ou gravuras rupestres, existentes em quatro lajedos horizontais localizados nas terras altas do planalto residual de Urucum (MSCP-01, MS-CP-02, MS-CP-03 e MS-CP-04). O estudo é uma primeira aproximação feita através de abordagens simples, “o enfoque tipológico e o contextual simples” (Girelli, 1994:13), assim explicados: Pelas condições de pesquisa de gravuras no Brasil e pela forma como a documentação de campo foi realizada, dentro de um projeto exploratório, na presente dissertação usamos uma abordagem tipológica e contextual simples. O enfoque tipológico tem por objetivo caracterizar os petroglifos de Corumbá em termos de seus componentes mínimos, de sua combinação para constituir os painéis, os sítios e o conjunto dos sítios e estabelecer como esta formação se aproxima de outras áreas, onde se encontram componentes e estruturas semelhantes ou iguais. O enfoque contextual simples tem por objetivo repor estas gravuras no seu ambiente natural e cultural, buscando elementos para entender o local ocupado no espaço físico e sua relação, no tempo e espaço, com os sítios de habitação que as circundam. Com o estado de conhecimento que existe sobre a região do projeto e com a documentação disponível não há elementos para se realizar uma análise contextual, como a proposta por Hodder32 nas suas últimas publicações (Girelli, 1994:27).

A proposta apresentada demonstra a tentativa de aplicar uma abordagem mais atual para o estudo da arte rupestre, embora a autora não tenha tido a oportunidade de participar dos trabalhos de campo, o que de certa maneira dificultou suas interpretações, em especial a respeito da relação entre os sítios com signos rupestres e o entorno natural e sociocultural da região. Esta observação, todavia, não desmerece a monografia de Girelli, a qual está de

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HODDER, I. 1982. The present past. Cambridge, Cambridge University Press. HODDER, I. 1991. Reading the past. Cambridge, Cambridge University Press.

126 acordo com as exigências de uma dissertação de mestrado, sendo, a meu ver, o melhor estudo já elaborado sobre arte rupestre em Mato Grosso do Sul. A análise concluída indica que as inscrições estão ligadas a uma mesma cultura arqueológica, provavelmente a dos povos canoeiros que ocuparam as terras baixas e que também estão associados aos aterros que ali ocorrem, hipótese também apresentada na síntese escrita por J. Oliveira (1992). Os signos foram produzidos sobre um mesmo tipo de suporte rochoso, através de uma mesma técnica, simbologia e lógica na formação de painéis e sítios, conforme explicação da autora. Girelli ainda associou as inscrições rupestres ao chamado complexo estilístico Simbolista Geométrico Horizontal, assim definido na década de 1970 durante a execução do Programa Arqueológico de Goiás na região do alto Araguaia: Os quatro sítios de Corumbá partilham as características gerais do Complexo Estilístico Simbolista Geométrico Horizontal, como sejam o mesmo do tipo de rocha-suporte, a proximidade com a água, a técnica de confecção, a predominância dos tipos, além de outras características. Mas apresentam identidade própria, que se manifesta na marcada presença de longos sulcos sinuosos, na estruturação dos painéis, na distribuição de painéis de organização diferente nos sítios. Uma certa semelhança encontra-se com o sítio GO-JU-25. Deste jeito a afirmação Mendonça de Souza e outros (1979)33 de que as gravuras de Corumbá são parecidas às dos três estilos estabelecidos, é confirmada e as gravuras da região poderiam constituir um outro estilo do complexo por ele criado (o estilo IV) (Girelli, 1994:140).

Em seguida a autora fez a seguinte ponderação: Os lajedos com petroglifos da região de Corumbá podem, de fato, ser incorporados no Complexo Simbolista Geométrico Horizontal, como um estilo próprio, o quatro. Mas a cerâmica que cerca os sítios de Corumbá nada tem a ver com a das áreas goianas, onde o mesmo complexo está presente (Girelli, 1994:140).

A última citação parece estar em desacordo com o enfoque contextual simples, inicialmente proposto, prevalecendo apenas o enfoque tipológico, usado para dar um nome à arte rupestre do Pantanal, uma “simples etiqueta” nas palavras de Prous (1999a:258). Isto porque a semelhança entre alguns signos rupestres existentes no Pantanal e no alto Araguaia é unicamente tipológica, sendo distinta a pré-história de ambas as regiões. Ademais, em todo esse trabalho, e em dois outros (Girelli, 1996a, 1996b), não há quaisquer referências a outros sítios com arte rupestre (inscrições e pinturas), anteriormente

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SOUZA, A. M. de et al. 1979. Projeto Bacia do Paranã II. Petroglifos da Chapada dos Veadeiros – Goiás. Goiânia, Museu Antropológico/UFG.

127 registrados para a região pantaneira. Este é o caso dos trabalhos de Max Schmidt (1912, 1914, 1928, 1940a, 1940b, 1942a [1905], 1942b), Fritz V. Bluma (1973) e Lécio G. de Souza (1973). Alguns dos sítios mencionados nesses trabalhos também possuem pinturas rupestres, feitas sobre outro tipo de suporte rochoso, porém prevalecendo motivos semelhantes aos encontrados nas proximidades da cidade de Corumbá. Com base nesta constatação foi apresentada a seguinte avaliação: De um modo geral, tanto os petroglifos como as pinturas rupestres parecem estar fortemente associados a grupos canoeiros portadores da Tradição Pantanal; no morro do Caracará e na Lagoa Gaíva essa questão está mais clara. Quanto aos motivos dos signos gravados, predominam os geométricos seguidos por sulcos sinuosos; em menor quantidade ocorrem figuras que lembram pegadas humanas e de animais. Arte semelhante ocorre no alto Araguaia e lá faz parte do Complexo Estilístico Simbolista Geométrico Horizontal; embora para o Pantanal esta filiação seja impertinente se levado em conta o contexto arqueológico de ambas as regiões. Pensar em Estilo Alto Paraguai, também em reconhecimento e homenagem aos primeiros estudos realizados por Max Schmidt, é mais pertinente do ponto de vista científico (J. Oliveira & Viana, 1999/2000:178).

Os autores citados propuseram outra denominação à arte rupestre documentada para o Pantanal, em princípio desvinculando-a do complexo existente no alto Araguaia, hipótese também fundamentada nas diferenças dos contextos arqueológicos de ambas as regiões, embora tenham mantido a idéia de enquadrá-la em um novo estilo. Sendo assim, é provável que o estilo Alto Paraguai esteja de fato associado a povos indígenas ceramistas portadores da tradição Pantanal, de ampla distribuição nas regiões pantaneira e chaquenha. A associação de grafismos rupestres com sistemas socioculturais regionais tem sido a proposta feita por vários arqueólogos que atuam no Brasil, seguindo as discussões mais recentes existentes na Arqueologia. Em linhas gerais, o argumento tem sido quase que uníssono: “Os registros rupestres são vestígios arqueológicos como são os vestígios líticos, cerâmicos, sepultamentos, ornamentos e outras manifestações da cultura material” (Pessis, 1993:10). Ou como historiou Paulo Seda: Durante décadas observou-se uma dicotomia entre o estudo da arte rupestre e o restante do contexto arqueológico do Brasil. Os estudos mais modernos, contudo, não vêem a questão assim dissociada, pelo contrário: a arte rupestre passou a ser vista como mais um dos vestígios pré-históricos, muito embora seja um vestígio único, sui generis (Seda, 1997:139).

128 No atual momento da Arqueologia Brasileira se faz necessário, pois, rever o termo complexo estilístico por unidades descritivas menos ambíguas, a exemplo das unidades tradição e estilo, discutidas por G. Martin (1996). Mais recentemente, Patrícia da S. Hackbart (1997) redigiu a monografia Análise do petroglifo MS-CP-41 – Corumbá-MS, apresentada para fins de conclusão do curso de História da UNISINOS, sob orientação de Schmitz, na qual consta uma análise tipológica sobre outro sítio com petroglifos, posteriormente encontrado na região de Corumbá, o sítio MS-CP-41. A segunda dissertação, Os argonautas Guató: aportes para o conhecimento dos assentamentos e da subsistência dos grupos que se estabeleceram nas áreas inundáveis do Pantanal Matogrossense, de Jorge Eremites de Oliveira (1995a), ex-aluno do curso de História da UFMS, Campus de Corumbá, foi defendida na PUCRS sob orientação de Klaus Peter K. Hilbert e co-orientação de Pedro Ignacio Schmitz. As principais partes da monografia constam no livro Guató: argonautas do Pantanal (J. Oliveira, 1996a). Tratase de um estudo de inspiração e aspiração etnoarqueológica, concluído com base em dados etnográficos obtidos em fontes textuais, iconográficas e orais, sobre a adaptação dos Guató aos ecossistemas pantaneiros: habitat, assentamentos, subsistência e cultura material. As fontes orais resultaram de entrevistas que o autor realizou com três informantes Guató que na época residiam na cidade de Corumbá (um deles falecido alguns anos depois). O trabalho de J. Oliveira (1995a) faz parte uma tendência arqueoistoriográfica, de viés etnoarqueológico, existente no Programa de Pós-graduação em História da PUCRS, uma característica da produção científica de jovens arqueólogos no Sul do Brasil. A dissertação de mestrado que inaugurou esta tendência foi a de Francisco S. Noelli (1993), intitulada Sem tekohá não há tekó: em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência Guarani e sua aplicação a uma área de domínio no delta do rio JacuíRS, uma pesquisa de fôlego orientada por José Joaquim J. P. Brochado, uma dos maiores especialistas em Arqueologia Guarani. Outras interessantes dissertações versando sobre temas etnoarqueológicos foram defendidas na PUCRS, a exemplo das de Beatriz dos S. Landa (1995), Gislene Monticelli (1995), André Luís R. Soares (1997) e João Felipe G. da Costa (1997), as três primeiras sobre Arqueologia Guarani34.

34

Até março de 2001, 48 monografias sobre Arqueologia haviam sido defendidas no Programa de Pósgraduação em História da PUCRS: 24 (50%) em Arqueologia Pré-histórica, 16 (33,3%) em Arqueologia

129 Os estudos concluídos por J. Oliveira (1995a) estimularam a realização de pesquisas semelhantes, embora mais etnoistóricas e menos etnoarqueológicas, concluídas no âmbito do Projeto Corumbá por Ana Lúcia Herberts (1998a) e Magna L. Magalhães (1999), comentadas mais adiante. O fato de J. Oliveira (1995a) também ter copilado, sistematizado e analisado uma gama considerável de dados arqueológicos, etnoistóricos, lingüísticos e etnográficos, contidos principalmente em fontes textuais, talvez explique a postura que Laroque (1998, 1999) teve ao classificar sua dissertação como meramente etnoistórica, avaliação equivocada e fundamentada em literatura defasada em termos teórico-metodológicos, mas que passou a ser divulgada no sítio eletrônico da UNISINOS. O modelo etnoarqueológico proposto por J. Oliveira, de caráter mais ecológico que social e com alguma influência da Arqueologia Processual, tem sido utilizado por participantes do Projeto Corumbá para explicar a dinâmica de ocupação sazonal dos assentamentos de povos indígenas pré-históricos que se estabeleceram nas terras baixas do Pantanal. Na verdade, o Guató é um representante, mas não o único, dos povos indígenas portadores da tecnologia ceramista chamada no Brasil de tradição Pantanal; seu sistema sociocultural, resultado de um processo de longuíssima duração, tem servido a analogias gerais de caráter regional (vide Schmitz et al. 1998; Peixoto et al., 1999; Migliacio, 2000a). Diversas publicações de J. Oliveira (1996a, 1996b, 1996c, 1998b, 2000a, 2000b, 2000c, 2000d, 2001a, 2001b) e Palácio (1978, 1984, 1986, 1987, 1996), somadas a algumas matérias divulgadas em revistas e jornais de circulação regional e nacional, como Silveira (1999), C. Barros (1999) uma compilação não autorizada de um texto que J. Oliveira (2000b, 2000c, 2000d) publicou posteriormente, M. Oliveira (2000), Bini (2001) e outros, têm chamado a atenção de especialistas de áreas afins para a realização de outros estudos sobre o referido povo indígena, o mesmo que em 1957 foi dado como extinto pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1957), autor do artigo Culturas e línguas indígenas do Brasil, embora tudo indica que o autor tinha conhecimento de que a realidade era outra (vide D. Ribeiro, 1998). Tais publicações também têm contribuído para tornar público a atual realidade dos argonautas Guató. No caso brasileiro, deve-se registrar que mais ou menos a partir de fins da década de 1980, tem havido um significativo interesse,

Histórica e 8 (16,7%) em Etnoarqueologia. Das 24 monografias sobre Arqueologia Pré-histórica, 3 também analisaram aspectos relevantes à Arqueologia Pública no Brasil (Relação das teses e dissertações..., 2001).

130 por parte da imprensa escrita, por matérias e artigos versando sobre temas arqueológicos (vide Funari, 2000). A terceira dissertação, Xaray e Chané: índios frente à expansão espanhola e portuguesa no Alto-Paraguai, situada no campo da Etnoistória, foi elaborada por Maria Eunice J. Schuch, sob orientação de Pedro Ignacio Schmitz, e defendida em 1995 no Programa de Pós-graduação em História da UNISINOS, instituição na qual a autora concluiu curso de graduação em História. Seu objetivo foi “analisar as relações interétnicas que se deram entre as etnias Xaray e Chané e as sociedades coloniais hispânica e lusa no Alto-Paraguai, no período compreendido pelos séculos XVI ao XIX” (Schuch, 1995a:10). Dentre as muitas contribuições apresentadas pela autora, está sobretudo a análise do complexo processo de conquista e colonização ibérica na região pantaneira, episódio que intensificou uma série de relações intra e extragrupais, etnocídios, transculturações e deslocamentos territoriais, dentre outras conseqüências, em uma área que no passado foi um extraordinário mosaico sociocultural. Os antigos Chané e Xaray são exemplos de povos Arawak, de origem amazônica, que desenvolveram complexos sistemas socioculturais. No caso específico dos Xaray, historicamente conhecidos como Xarayes (plural de Xaray em castelhano), há fortíssimos indícios de complexidade sócio-política, algo parecido, para usar um jargão neoevolucionista, com chefatura (Schuch, 1995a, 1995b; J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a). Sobre este último assunto, entendo que o aprofundamento dos estudos etnoistóricos e arqueológicos sobre a presença de povos Arawak no Pantanal e no Chaco, comparando-os com o conhecimento produzido sobre os Chiquito e Mojo, poderão lançar novas luzes sobre um tema que há pouco foi inaugurado na Arqueologia Brasileira, a complexidade emergente, temática primeiramente abordada por Lima (2000b, 2000c), em 1997. A quarta dissertação, A ocupação Tupiguarani na borda oeste do Pantanal Sulmatogrossense: maciço de Urucum, foi elaborada por José Luis dos S. Peixoto, graduado em História pela UFRGS, e também defendida em 1995 no Programa de Pós-graduação em História da PUCRS, sob orientação de José Joaquim J. P. Brochado e co-orientação de Schmitz. Peixoto realizou estudos sobre a ocupação Guarani no maciço de Urucum, utilizando uma abordagem ecológica para tratar de três assuntos principais: implantação dos sítios na paisagem, áreas de domínio territorial e tempo de permanência na região. Sua dissertação, resumida em Peixoto (1996a), melhor escrita e atualizada em Peixoto (1998) e

131 Peixoto et al. (2000), foi a única monografia elaborada sobre a pré-história das terras altas do Pantanal, temática esta que acabou não sendo mais estudada dentro do Projeto Corumbá. Suas investigações tiveram por base 22 sítios Guarani (Peixoto, 1995:27), com depósitos arqueológicos pouco profundos e bastante perturbados, um dos motivos pelos quais nenhum deles foi alvo de escavações arqueológicas. A cerâmica Guarani encontrada no maciço de Urucum é bastante semelhante em relação à encontrada na região Sul do Brasil, inicialmente chamada de subtradição Corrugada. Esta terminologia, porém, vem sendo cada vez mais descartada na Arqueologia Brasileira, conforme demonstram as recentes análises de Noelli (1993, 1999/2000), Monticelli (1995), Landa (1995), Noelli et al. (1996), Soares (1997), Morais (1999/2000) e S. Oliveira (2002), embora Peixoto (1998:72) tenha preferido “não discutir a validade de tal conceito”. O estudo dos povos Guarani em toda bacia do rio Paraguai, onde o Pantanal está inserido, continua sendo de fundamental importância aos interessados em discutir temas como origens e rotas de expansão dos antigos Tupi, pauta do recente e profícuo debate feito por Noelli et al. (1996) e Heckenberger et al. (1998). As possibilidades de pesquisas arqueológicas nas terras altas são grandes e precisam ser retomadas para a resolução de problemas específicos, concatenando a análise de dados arqueológicos com o aprofundamento das pesquisas em fontes textuais do período colonial. Assim “será possível conhecer melhor a pré-história e a história indígena da região”, como afirmaram J. Oliveira & Viana (1999/2000:180). As cinco hipóteses formuladas por Peixoto servem para justificar, dentro de sua própria leitura sobre os Guarani pantaneiros, a retomada das pesquisas arqueológicas nas terras altas de Urucum e, com efeito, o início nas de Amolar: a) cada bacia de vertente suportaria uma aldeia com um sítio central, o que não significa que todas elas tenham sido ocupadas simultaneamente; b) poderiam coexistir com os sítios centrais, pequenas casas que se deslocariam periodicamente, por exemplo, à medida que a roça era transferida para outro local; c) a contemporaneidade entre os sítios centrais seria apenas entre as aldeias de cada bacia de vertente; d) tomando como base a área de coleta e quantidade de material arqueológico é possível supor que as aldeias eram de pequeno porte; e) embora os assentamentos estão restritos à região da morraria, há possibilidade de acesso aos recursos do Pantanal, pois o maciço do Urucum faz limite com as áreas de inundação do Pantanal (Peixoto, 1995:66).

Ana Lúcia Herberts (1998a), que concluiu o curso de História da UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul), onde recebeu treinamento em Arqueologia com

132 Pedro Augusto M. Ribeiro, apresentou a quinta dissertação de mestrado, Os MbayáGuaicurú: área, assentamento, subsistência e cultura material. Magna L. Magalhães (1999), formada em História pela UNISINOS, por sua vez, apresentou a sexta e mais recente dissertação, Payaguá: os senhores do rio Paraguai. Ambas as monografias foram defendidas no Programa de Pós-graduação em História da UNISINOS, sob orientação de Pedro Ignacio Schmitz. Nas duas dissertações, temas de interesse à Arqueologia Pantaneira foram exaustivamente investigados em fontes textuais primárias e secundárias. Ao tratarem de questões como território (aspectos ambientais e área de ocupação), assentamentos e suas estruturas (dinâmica de ocupação e tipos de assentamentos; estruturas de habitação, combustão, funerárias etc.), subsistência (estratégias de caça, pesca, coleta, cultivo e outras atividades) e cultura material (equipamentos diversos de subsistência, uso doméstico, trabalho etc.), Herberts e Magalhães conseguiram propor modelos de adaptação ecológica, via de regra com alguma inferência sobre a organização social, para os povos MbayáGuaikuru e Payaguá. As autoras também apresentaram diversas sugestões a futuros trabalhos arqueológicos, especialmente para pesquisas de resolução de problemas. As duas monografias seguem a tendência arqueoistoriográfica inaugurada no Programa de Pós-graduação em História da PUCRS, da qual faz parte a dissertação de J. Oliveira (1995a), trabalho que serviu de modelo durante todo o decorrer das duas pesquisas. Não se pode esquecer, porém, que o Instituto Anchietano de Pesquisa há algum tempo vem investindo em trabalhos semelhantes, iniciados pela arqueóloga e historiadora Ítala Irene B. Becker (1984), uma das pioneiras em Etnoistória no Brasil (A. Souza, 1991:135), autora da obra El Indio y la Colonización: Charrúas y Minuanes, dentre outros trabalhos. A técnica de compilação, organização e sistematização de dados culturais utilizada por Becker, com base na proposta de Murdock et al. (1969), foi aperfeiçoada e adaptada por J. Oliveira (1995), quem, por seu turno, sofreu influências do trabalho de Noelli (1993). As análises concluídas por Ana Lúcia Herberts e Magna L. Magalhães também levaram em conta aspectos espaço-temporais relativos às continuidades e mudanças historicamente registradas para os Mbayá-Guaikuru e Payaguá, inclusive fazendo referência às reflexões teórico-metodológicas de Binford (1967, 1980, 1988) e Trigger (1982a). Dito de outra maneira, as autoras não se limitaram a interpretar os sistemas

133 socioculturais estritamente do ponto de vista sincrônico, mas também levaram em contra aspectos diacrônicos. Essa última avaliação está clara em várias passagens da dissertação de Herberts, a exemplo da que segue: Entre os séculos XVI e XIX, a mudança do ambiente chaquenho para o Pantanal e áreas adjacentes, somada às transformações culturais, resultou em formas distintas de organização do espaço também refletidas no padrão de subsistência e na cultura material, com a presença cada vez maior de equipamentos modificados pelos contato com os colonizadores, substituindo os originalmente confeccionados e/ou artefatos confeccionados a partir de novas matérias-primas (Herberts, 1998a:241).

Também está evidente no trabalho de Magalhães: Neste trabalho, procuramos delimitar o espaço de ação do grupo, destacando as áreas selecionadas para locais de assentamento, relacionando-as à sazonalidade do ambiente, e elaborando um delineamento das manifestações culturais, as quais se alteraram principalmente após o início do processo colonizador. Para tanto, extraímos dados contidos na documentação histórica produzida por exploradores, cronistas, religiosos e autoridades administrativas. Foi reunida a maior quantidade de fontes escritas, excluindo apenas obras menos relevantes ou de difícil acesso (Magalhães, 1999:15).

Tanto Herberts quanto Magalhães realizaram pesquisas de caráter etnoarqueológico e etnoistórico em fontes textuais diversas, as quais podem ter continuidade. Pensando nessa possibilidade, há de se registrar a necessidade de analisar os materiais arqueológicos e etnográficos existentes em instituições como o Museu Etnográfico Andrés Barbero, em Assunção, Paraguai, seguindo exemplos como o de Hilbert (1991). No caso dos MbayáGuaikuru, existe a possibilidade de realizar investigações etnoarqueológicas junto aos atuais Kadiwéu que vivem em Mato Grosso do Sul, proposta esta que se aceita poderá trazer importantes contribuições à Arqueologia Pantaneira. Embora sejam relevantes os aportes de J. Oliveira (1995, 1996a), Herberts (1998a, 1998b) e Magalhães (1999, 2000), cumpre registrar que seus estudos não servem a analogias simplistas, realizadas através de um enfoque histórico direto e generalizante, para a elaboração de modelos ecológicos indutivos sobre a adaptação de povos indígenas pré-históricos em determinados ecossistemas pantaneiros e chaquenhos. Servem para analogias gerais de alcance regional e, de modo particular, para um (re)pensar contínuo e permanente sobre o transcurso dos povos indígenas no Pantanal, pois contêm uma gama de dados primários e uma série de variáveis socioculturais que devem ser levados em conta na interpretação da pré-história da região.

134 Todas as seis monografias comentadas são pesquisas de resolução de problemas, realizadas em momentos em que o Projeto Corumbá gradativamente começou a deixar de girar apenas em torno de pesquisas exploratórias. Ainda assim, trabalhos como os de Girelli (1994) e Peixoto (1995) apresentam algumas dificuldades no que diz respeito à interpretação dos dados arqueológicos analisados, pois os mesmos não foram coletados a partir das problemáticas definidas no trabalho dos dois autores. Situação semelhante aconteceu com Beber (1994) e F. A. Silva (1992). Explicação: não raramente a realização de uma pesquisa arqueológica está circunscrita pelo possível e pelo impossível, pelo que diz e pelo como funciona, assim como Certeau (1982) apontou para a História. Em verdade, o Projeto Corumbá foi uma verdadeira escola para muitos pesquisadores, também funcionando como espaço de treinamento para jovens arqueólogos e etnoistoriadores. Uma marca ficou em todas essas dissertações: o fato de elas terem sido produzidas por profissionais com formação na área de História, curso do qual saíram muitos dos atuais arqueólogos brasileiros. Esta marca está presente, em diferentes graus de influência, na análise de fontes textuais primárias e na perspectiva diacrônica da análise sobre sistemas socioculturais que outrora existiram no Pantanal. Isto porque, sem recorrer a um alhures filosófico, entendo que tratar do processo histórico é uma marca indelével dos historiadores. Há uma outra monografia, intitulada Aterros indígenas no Pantanal do Mato Grosso do Sul (Schmitz et al., 1998), não apresentada para fins de obtenção do grau de mestre ou doutor, mas publicada no âmbito do Projeto Corumbá para apresentar os resultados das pesquisas exploratórias sobre a pré-história das terras baixas pantaneiras. O trabalho foi quase que totalmente escrito por Pedro Ignacio Schmitz e contém a conclusão das análises feitas de materiais cerâmico, lítico, ósseo, conchífero e restos faunísticos recuperados através de escavações. Trata ainda do povoamento pré-histórico da região, em geral através de um enfoque ecológico, como apontado anteriormente. Ainda que em algumas passagens o autor principal tenha feito referências a arqueólogos processualistas e pós-processualistas, não necessariamente significa as propostas teórico-metodológicas deles tenham sido aplicadas durante os trabalhos de campo, pois o Projeto Corumbá foi concebido como um projeto exploratório à moda PRONAPA, de caráter marcadamente histórico-culturalista.

135 Existe ainda uma quantidade significativa de artigos publicados em anais de eventos e periódicos científicos como os de Bitencourt (1988), Rogge & Schmitz (1992, 1994), J. Oliveira (1994), Rosa (1997), Schmitz (1997, 1999), Peixoto & Schmitz (1998), Peixoto et al. (1999), Beber (2000), Beber & Peixoto (2000) e Schmitz et al. (2000a, 2000b), dentre outros. Além desses trabalhos, há relatórios como os de J. Oliveira (1995b) e Peixoto (1996b), resultado de pesquisas desenvolvidas com bolsa de recém-mestre da FAPERGS. Muitos resumos foram igualmente divulgados em eventos científicos nacionais. No caso do relatório de Peixoto (1996b), sua pesquisa está situada na área de Arqueologia Histórica e tem por objeto a Missão de Nossa Senhora do Bom Conselho, que existiu em Corumbá na segunda metade do século XIX, cujos resultados foram publicados em Peixoto & Schmitz (1988). O estudo de J. Oliveira (1995b), interrompido por conta do autor ter iniciado as pesquisas ora apresentas para obtenção do grau de doutor, contém uma pequena comparação entre os aterros do Pantanal e os existentes no Rio Grande do Sul. A relação dos trabalhos mencionados comprova o compromisso assumido em divulgar os resultados dos estudos realizados, não apenas para a comunidade científica, mas também para o público em geral. Este é, certamente, mais um dos saldos positivos do Projeto Corumbá, algo que também justifica os investimentos públicos feitos para a realização das pesquisas. No tocante a esse aspecto, a atuação do coordenador geral do PAMS foi de grande importância e é merecedora de elogios. A avaliação geral que faço é que o Projeto Corumbá foi e continua sendo bastante positivo, não somente do ponto de vista das pesquisas realizadas, ainda que sobre elas possam pesar muitas críticas teórico-metodológicas, mas sobretudo pelo apoio dado ao treinamento de jovens arqueólogos, o maior legado deixado à Arqueologia Brasileira. Sua execução é o maior marco na história da Arqueologia regional, desde fins do século XIX até o final do século XX, o ponto de partida para pesquisas de resolução de problemas.

2.3. OUTROS PROJETOS RELEVANTES Outro projeto importante foi o Programa para Preservação do Patrimônio Arqueológico Pantaneiro, doravante citado pela sigla PPPAP, desenvolvido em Mato Grosso, no pantanal de Cáceres, pela 18ª Coordenação Sub-regional do IPHAN, sediada em Cuiabá, no ano de 1994. O projeto contou com a participação das arqueólogas Irmhild

136 Wüst, docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), Maria Clara Migliacio, diretora da 18ª Coordenação Sub-regional do IPHAN, e Suzana S. Hirooka, então professora do campus de Cáceres da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Recebeu apoio financeiro e logístico da 14ª Coordenação Regional do IPHAN, com sede em Brasília, da Prefeitura Municipal de Cáceres e do IBAMA (Wüst & Migliacio, 1994). O PPPAP foi pensado a partir da necessidade urgente de adotar medidas de proteção e preservação ao patrimônio arqueológico existente na porção setentrional do alto Paraguai, do município de Cáceres até a Estação Ecológica Taiamã, em uma extensão de aproximadamente 160 km de via fluvial, grosso modo situada entre os paralelos de 16º00’ a 17º00’ de latitude Sul e os meridianos de 57º30’ a 58º00’ de longitude Oeste de Greenwich. Desde aquela época (década de 1990), a intensificação da navegação de grandes barcaças, usadas para o transporte de grãos e outros produtos da economia regional, vem causando erosão fluvial em muitos sítios localizados nas margens do rio Paraguai. Além disso, a possibilidade da instalação de indústrias na região agravou ainda mais a situação e motivou o IPHAN a propor ações de vistoria (avaliação), resgate, proteção e preservação de bens arqueológicos existentes na região. Grande parte dessa situação vem decorrendo da implantação gradual do projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná, assunto que será retomado no próximo item deste capítulo. No primeiro trabalho de campo, realizado entre fins de maio e início de junho de 1994, dezenove sítios foram registrados e dois tipos de ocupações pré-históricas inicialmente observadas: a dos sítios existentes nas margens do rio Paraguai e a dos aterros. A primeira está mais relacionada a povos indígenas ceramistas portadores da tradição Descalvado, ao passo que a segunda está predominantemente associada aos portadores da tradição Pantanal. Alguns dos sítios avaliados há muito são conhecidos na literatura arqueológica, a exemplo dos existentes nas localidades de Descalvado (MT-PO01) e Barranco Vermelho (MT-PO-14), estudados desde fins do século XIX até a primeira metade do XX. Finalmente, sete medidas de proteção e preservação foram propostas pelas coordenadoras do PPPAP:

137 1- Salvamento imediato daqueles sítios arqueológicos que sofrem uma destruição inevitável pela forte erosão fluvial (que acelerou nos últimos anos) e pela depredação por curiosos e turistas. Entre estes sítios figuram especialmente o sítio ÍNDIO GRANDE e DESCALVADO I. 2- Cumprimento da Legislação Federal no que se refere ao patrimônio arqueológico e cultural por parte dos empreendimentos envolvidos na instalação de obras de impacto ambiental. 3- Inclusão dos sítios arqueológicos nos projetos de zoneamento ambiental, uma vez que estes ocorrem em elevada densidade e em locais bastante específicos no que tange ao relevo e os cursos d’água. 4- Cadastramento de todos os sítios arqueológicos de uma região delimitada. 5- Levantamento e estudo de todos os materiais arqueológicos já retirados dos sítios desta região e que se encontram entre outros: ... 6- Adequação do espaço físico (sala de exposição, laboratório, reserva técnica e biblioteca) e de recursos humanos (um museólogo, um educador e um restaurador) para o Museu Histórico de Cáceres... 7- Elaboração de um projeto de pesquisa e prospecção de todos os sítios arqueológicos no Município de Cáceres nas áreas que sofrerão impacto ambiental em futuro breve (Wüst & Migliacio, 1994:65-66).

Seguindo

as

orientações

apontadas,

o

PPPAP

acabou

favorecendo

o

desenvolvimento de outros projetos, dentre os quais um de resgate de bens arqueológicos na área do sítio Índio Grande (Migliacio et al., 1999/2000), executado em 1999, e outro de pesquisa de resolução de problemas, denominado Ocupação Pré-colonial do Pantanal Matogrossense: Cáceres-Taiamã, iniciado em 1997 e concluído em 2000 (Migliacio, 1997a, 1997b, 2000a, 2001; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Nesse último caso, os trabalhos de campo foram coordenados por Irmhild Wüst e Maria Clara Migliacio35. Os resultados finais, por conseguinte, vieram a público através da dissertação de mestrado A ocupação pré-colonial do Pantanal de Cáceres, Mato Grosso, elaborada e defendida por Migliacio (2000a) no curso de mestrado em Arqueologia da USP, sob orientação de Dorath Pinto Uchôa. Merece ainda destacar o apoio que o Museu Histórico de Cáceres vem recebendo desde o início do PPPAP, principalmente por parte da 18ª Coordenação Sub-regional do IPHAN, no que diz respeito à preservação e ao estudo do patrimônio arqueológico daquele município matogrossense. A dissertação de Migliacio (2000a) é uma bem sucedida tentativa de apresentar um primeiro esboço sobre a ocupação indígena do pantanal de Cáceres, a partir da perspectiva de longa ou longuíssima duração no tempo histórico. O trabalho está baseado na análise de 35

Relações conflituosas entre as duas arqueólogas, envolvendo questões éticas ligadas à guarda e ao estudo de material arqueológico recolhido durante os trabalhos de campo, fizeram com que o projeto fosse concluído apenas por Maria Clara Migliacio.

138 uma gama considerável de dados empíricos obtidos através de pesquisas arqueológicas, assim como por meio de um significativo levantamento de fontes textuais primárias e secundárias de interesse à Arqueologia Pantaneira, sobretudo dados etnográficos e etnoistóricos existentes na literatura etnológica e em documentos escritos produzidos nos últimos cinco séculos. As pesquisas buscaram situar a ocupação indígena do pantanal de Cáceres no âmbito da bacia do alto Paraguai e de outras regiões das terras baixas sulamericanas, como as do Chaco e do baixo Guaporé. Seus aportes mais significativos estão relacionados a quatro temáticas principais: padrões de assentamento, sistema de abastecimento, organização social e relações interétnicas entre diferentes povos indígenas. Os trabalhos de campo incluíram um levantamento de sítios de alta visibilidade, coleta sistemática de material de superfície (através do sistema de quadrículas) e escavação de cortes estratigráficos de 2 x 2 m em dois aterros. Em laboratório, o material arqueológico, especialmente a cerâmica, foi analisado com base no uso de atributos tecnológicos e estilísticos com vistas a definir tradições ceramistas, inferindo sobre morfologia, dimensões e capacidade volumétrica das vasilhas. O estudo da cerâmica foi baseado nas propostas de autores como Shepard (1985), Rice (1987), Sinopoli (1991) e Orton et al. (1997), perspectiva bastante inovadora para a Arqueologia Pantaneira. Algumas coleções de museus ainda foram igualmente analisadas. Todavia, Migliacio (2000a) prosseguiu usando o conceito de fase, unidade arqueológica difundida a partir do PRONAPA e cada vez menos recorrida e mais criticada em estudos realizados no Brasil (vide Dias, 1994; Hoeltz, 1997; Noelli, 1993; Soares, 1997; W. Neves, 1999/2000a; dentre outros). Datas de Termoluminescência (TL) também foram obtidas para alguns sítios estudados, possibilitando o estabelecimento de cronologias para a região. Migliacio demonstrou para o caso do pantanal de Cáceres o que alguns arqueólogos e etnólogos afirmaram durante o século XX: que a região do Pantanal, especialmente durante o período colonial, foi um rico mosaico sociocultural, uma área de intensos contatos entre povos indígenas que desenvolveram sistemas socioculturais distintos, muitos deles originários do Chaco e da Amazônia. Fez isso, porém, de forma mais refinada em relação à maioria dos estudos anteriores, o que torna seu trabalho uma referência obrigatória para a compreensão do transcurso histórico e sociocultural dos povos indígenas na região pantaneira como um todo. No último parágrafo da dissertação, Migliacio assim concluiu seu trabalho:

139 O presente estudo apenas inicia a pesquisa sistemática de uma área culturalmente complexa e arqueologicamente pouco conhecida. Pesquisas complementares e interdisciplinares podem se dar em diferentes direções, incorporando novos dados e subsídios à discussão e ao reconhecimento da ocupação pré-colonial dessa área setentrional do Pantanal Matogrossense. Não há dúvidas de que o avanço das pesquisas arqueológicas no Pantanal de Cáceres demandará o engajamento de especialistas de diversas áreas de conhecimento afins. A despeito do caráter preliminar dessa pesquisa, foi possível chegar a alguns resultados que evidenciam a complexidade arqueológica da área estudada, situam no tempo as ocupações, caracterizam as indústrias cerâmicas envolvidas [tradição Pantanal, tradição Descalvado e cerâmica Incisa Penteada] e abordam alguns de seus significados (Migliacio, 2000a:380).

No início do mês de maio de 2000, Migliacio (2000b) concluiu o Registro de sítios arqueológicos no baixo rio São Lourenço: relatório de viagem – de 01/08 a 05/08/2000, um preliminar reconhecimento, registro e avaliação de bens arqueológicos de alta visibilidade existentes na Terra Indígena Baía dos Guató e adjacências, município matogrossense de Barão de Melgaço. A arqueóloga chegou inclusive a registrar o conhecido aterradinho do bananal, um típico aterro Guató bastante conhecido na literatura etnológica e histórica (J. Oliveira, 1996a). O trabalho foi executado em atendimento à solicitação da administração executiva da FUNAI, em Cuiabá, e faz parte dos estudos para fins de reconhecimento de outra parte do território tradicional do povo Guató. O Grupo de Trabalho (GT) constituído pela FUNAI já concluiu o relatório final do laudo antropológico, embora o estudo ainda não seja público. Este é um típico exemplo do quanto os arqueólogos podem contribuir em estudos antropológicos voltados à identificação e/ou demarcação de terras indígenas em um país como o Brasil. Mostra ainda a atuação do próprio IPHAN em parceria com outros órgãos federais, iniciativa bastante positiva em termos de preservação do patrimônio cultural, dentre outros aspectos. Um esclarecimento: em dezembro de 2000, por ocasião das filmagens do longa metragem 500 Almas, uma película sobre a história mais recente do povo Guató, dirigida pelo cineasta Joel Pizzini Filho, estive na Terra Indígena Baía dos Guató e na aldeia Perigara, dos Bororo pantaneiros, onde visitei todos os sítios arqueológicos registrados por Migliacio e mantive contato com índios da região e com um pesquisador que integrava o GT da FUNAI naquela área. Enfim, os projetos arqueológicos desenvolvidos no Pantanal desde fins da década de 1980 trouxeram à tona uma série de outros conhecimentos e novos problemas referentes à pré-história da região, os quais também vêm crescendo com o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da Arqueologia por contrato, assunto que passo a tratar adiante.

140 2.4. PESQUISAS NO ÂMBITO DA ARQUEOLOGIA POR CONTRATO Antes de analisar as pesquisas realizadas na modalidade de Arqueologia por contrato, é importante ressaltar que há muito o patrimônio arqueológico do Pantanal e de seu entorno, áreas que compreendem parte dos atuais territórios do Brasil, Bolívia e Paraguai, vem sofrendo impactos negativos de magnitude variada decorrentes de diversas ações antrópicas. Exemplo: construção de pequenas, médias e grandes obras de engenharia, tanto nas cidades quanto no campo; expansão de frentes agropecuárias, sobretudo as ligadas à monocultura da soja; implementação de assentamentos de trabalhadores rurais e outros projetos de interesse à reforma agrária; mineração de ferro, manganês e ouro, bem como a exploração de jazidas de areia, argila, calcário e outros recursos naturais existentes no subsolo; navegação fluvial, principalmente através do uso de grandes barcaças destinadas ao transporte da produção de grãos, minérios e outros bens de exportação dos países platinos; turismo predatório, às vezes marcado pela eventual exploração de sítios arqueológicos, locais de coleta de algum tipo de souvenir regional; vandalismo, não raramente resultado da procura de enterros ou tesouros da época da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870). No entanto, antes da publicação da Resolução CONAMA nº 001/86, assinada em 23/2/1986, e do início do Projeto Corumbá, praticamente nada tinha sido feito para fins de preservação de bens arqueológicos existentes na porção brasileira do Pantanal. Essa situação pode ser explicada, destacadamente para o período anterior ao ano de 1989, por dois motivos principais: inexistência de modernas e contínuas pesquisas arqueológicas na região e ausência da elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no planejamento de determinadas ações dos governos municipais, estaduais e federal. Isto porque Tem sido reclamado, por pessoas esclarecidas do mundo inteiro, um esforço de aprofundamento dos estudos de previsão de impactos ambientais e sociais. Nessa direção, sobretudo, houve total consenso no que respeita à prevenção de impactos dirigidos para diferentes tipos de projetos ditos desenvolvimentistas. Entrementes, do Primeiro ao Terceiro Mundo, técnicos, cientistas e líderes ambientalistas defendem a idéia de estender a exigência de estudos de previsão e prevenção de impactos a todos os tipos de projetos industriais, agrários e urbanísticos, independentemente de seu tamanho e volume, desde que haja um reconhecido potencial de periculosidade (Ab’Saber & Müller-Plantenberg, 1998:15).

Na verdade, na década de 1980 houve a inauguração de “uma nova realidade na gestão e proteção dos recursos culturais no Brasil, com o advento de uma legislação de proteção ambiental, que inclui a proteção do patrimônio cultural”, conforme pontuou

141 Maria do Carmo M. M. dos Santos (2001:6) em A problemática do levantamento arqueológico na avaliação de impacto ambiental, leitura obrigatória aos interessados na história da Arqueologia por contrato no país (vide também Caldarelli, 1999). Com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26/3/1991, momento marcado pelos paradigmas da globalização e do neoliberalismo, o Mercosul foi definitivamente efetivado e com ele a implementação de alguns grandes projetos desenvolvimentistas no Pantanal, espaço geopoliticamente estratégico no contexto platino. A partir de então, e já contando com novas leis federais e estaduais de proteção ao meio ambiente e/ou ao patrimônio cultural (C. E. Silva & Lopes, 1997; São Pedro & Molina, 1997 [2001]; Morelli, 2000), a região começou a ser alvo de pesquisas na modalidade de Arqueologia por contrato, tradução que uso para a expressão contract Archaeology, largamente utilizada na Arqueologia Estadunidense. Sobre o Mercosul, para ser mais específico, Carlos Sávio G. Teixeira fez o seguinte esclarecimento: O Mercosul foi efetivado somente com o Tratado de Assunção, quando Paraguai e Uruguai se uniram a Argentina e Brasil. Assinado em 26 de março de 1991 pelos presidentes dos quatro países, o documento estabelecia quatro metas básicas: a inserção mais competitiva dos quatro países na economia mundial, o favorecimento da economia de escala, o estímulo dos fluxos de comércio com o resto do mundo e a integração da América Latina (Teixeira, 1999:152).

Ainda na década de 1990, o governo brasileiro adotou uma série de medidas para superar o déficit energético do país, principalmente no setor elétrico, conforme recente explicação dada por dois especialista no assunto: O Brasil realiza as reformas do seu setor elétrico diante de elevados riscos de déficit e da dificuldade em obter recursos para investir na expansão da capacidade instalada o que justifica, em grande parte, seu programa de privatizações. As transformações do setor elétrico brasileiro apontam para um maior uso da geração termelétrica à base de gás natural. De especial importância, nesse contexto, mostram-se as importações de gás da Bolívia e da Argentina. No entanto, até 1999, esperou-se em vão que o setor privado respondesse rapidamente aos estímulos institucionais e passasse a investir em geração elétrica no país. A opção tecnológica provável desse setor seria a geração termelétrica a gás, em função da oferta crescente desse energético no país, dos baixos custos fixos das tecnologias de geração a gás e do menor tempo de construção das usinas termelétricas. Além disso, o gás natural é um combustível relativamente limpo: sua queima emite menores quantidades de poluentes atmosféricos do que, por exemplo, a queima de carvão ou de derivados de petróleo (Szklo & R. Oliveira, 2001:27).

142 Nota-se, portanto, que dentro de um contexto político e econômico marcado pela formação do Mercosul e por um déficit energético no Brasil, grandes obras de engenharia foram propostas para a bacia do Prata, algumas tendo que necessariamente passar pela região pantaneira. São elas: Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), Gasoduto San Matias/Cuiabá ou Gasoduto Bolívia/Mato Grosso e Hidrovia Paraguai-Paraná. Todos esses empreendimentos envolveram a contratação dos serviços de arqueólogos para a conclusão de pesquisas vinculadas ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA), resgate de bens arqueológicos e/ou monitoramento dos processos tecnológicos diretamente relacionados à construção das obras. No que diz respeito ao uso de gás natural como alternativa energética, uma pequena digressão merece ser feita em tempo. Ao que tudo indica, no Brasil foi criado um certo mito sobre esse tipo de combustível, geralmente chamado de ecologicamente correto. Digo isto porque em fins de 1998, a revista francesa Le Figaro Magazine publicou uma entrevista com Georges Charpak, ganhador de prêmio Nobel, intitulada La supériorité du nucléaire en termes de sécurité est écrasante (Nay & Méritens, 1998), na qual o cientista explicou que em países europeus os acidentes com termelétricas a gás são bastante superiores em relação aos ocorridos com usinas nucleares, inclusive do ponto de vista das perdas humanas. Logo, a despeito da questão de segurança, a energia nuclear é, na opinião de Charpak, superior à termelétrica em alguns aspectos. Esta discussão, porém, parece que ainda não teve a devida ressonância em setores dos governos, parlamentos, comunidades de cientistas, mídia e sociedade organizada no país. Seguindo a análise proposta para esta parte da tese, passo a tratar dos trabalhos de Arqueologia

por

contrato

executados

no

âmbito

do

Gasoduto

Bolívia-Brasil,

empreendimento com mais de 3.000 km de extensão em território brasileiro. Desse total, cerca de 700 km estão em Mato Grosso do Sul. Em 1993, as empresas PETROBRAS e Engevix divulgaram o Gasoduto BolíviaBrasil. Estudos de Impacto Ambiental – EIA (1993), publicação que incluiu um estudo encomendado ao arqueólogo Marcelo Paiva Gatti. O estudo, uma avaliação geral dos impactos da obra sobre o patrimônio arqueológico nacional, foi contratado pela Engevix e concluído sem a realização de pesquisas de campo. Por este motivo, a análise feita sobre os possíveis prejuízos que o empreendimento poderia causar sobre bens arqueológicos, em especial os existentes em Mato Grosso do Sul, foi considerada como insuficiente por parte da 14ª Coordenação Regional do IPHAN. Na verdade, o citado profissional não foi

143 contratado para realizar um levantamento arqueológico in loco em toda a extensão do gasoduto, algo que dificilmente poderia ter sido concluído por uma única pessoa e no tempo estabelecido pelo contratante. Houve, com efeito, um conflito inicial entre contratante e órgão licenciador da pesquisa. Diante da situação, a 14ª Coordenação Regional do IPHAN, após receber notícias de mais de uma centena de aterros que a equipe do Projeto Corumbá havia encontrado na região do Pantanal, exigiu da PETROBRAS que fosse feita uma outra pesquisa, desta vez incluindo trabalhos de campo, preferencialmente executados por arqueólogos que estavam atuando na área. Foi então que Jorge Eremites de Oliveira e José Luis dos S. Peixoto, na época participando do referido projeto de pesquisa, concluíram o Diagnóstico de avaliação do impacto do Gasoduto Bolívia-Brasil ao patrimônio arqueológico do Estado de Mato Grosso do Sul: trecho Corumbá-Terenos (km 0-350) (J. Oliveira & Peixoto, 1993a). As pesquisas aconteceram no mês de outubro de 1993 e foram financiadas pela PETROBRAS, através de um contrato firmado com a FAPEC (Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura), órgão pertencente à UFMS, sediada em Campo Grande, que por sua vez contratou os dois profissionais. Os arqueólogos realizaram um levantamento probabilístico, metodologicamente baseado em algumas experiências adquiridas no Projeto Corumbá (J. Oliveira & Peixoto, 1993b; Peixoto, 1995; Beber & Peixoto, 2000) e durante o Levantamento arqueológico da praia de Imbé, RS (Hilbert et al., 1993). Os objetivos das pesquisas foram os seguintes: 1) localizar, identificar e registrar os bens arqueológicos existentes ao longo do traçado do gasoduto e proximidades; 2) avaliar o estado de conservação dos sítios; 3) determinar as áreas que demandariam maior ou menor atenção devido aos impactos causados pela dutovia; 4) estabelecer prioridades e estratégias, propor medidas mitigadoras e/ou compensatórias para que sejam tomadas as providências necessárias para a preservação e/ou resgate dos bens arqueológicos. Na ocasião, J. Oliveira & Peixoto estavam realizando estudos para fins de conclusão e defesa de dissertação de mestrado (J. Oliveira, 1995a; Peixoto, 1995), o que em muito facilitou a execução do projeto, pois ambos tinham conhecimento da realidade arqueológica, etnológica e histórica de parte da região posteriormente atingida pelo empreendimento. Em termos metodológicos, os autores optaram por fazer um levantamento por meio do uso de variáveis ambientais na detecção de bens arqueológicos, proposta que parte da

144 premissa preditiva de que em algumas áreas há maior probabilidade de haver antigos assentamentos humanos. Exemplo: proximidades de cursos d’água permanentes e intermitentes, locais com afloramentos rochosos, certos tipos de vegetação, variedades de solos férteis etc., identificados a partir da leitura de mapas, cartas topográficas, fotografias aéreas e imagens de satélite. Isto não significa, porém, que apenas alguns pontos tenham sido prospectados, haja vista que os arqueólogos entenderam o traçado dutoviário como um transect a ser percorrido em toda sua extensão, embora tenha havido casos em que as condições do terreno impossibilitaram o trânsito dos pesquisadores. Como resultado das pesquisas, 41 aterros foram levantados nas terras baixas do Pantanal, além de outros sítios registrados nos primeiros 350 km do gasoduto, fato que chamou a atenção não somente das empresas responsáveis pela obra, mas também dos bancos internacionais que fizeram empréstimos para sua construção. Este foi, com efeito, um dos vários motivos que levaram à realização, alguns anos depois, de novas pesquisas arqueológicas em outros Estados a serem atingidos pela dutovia. Em dezembro de 1996, ocasião em que J. Oliveira (1997a) apresentou os resultados desse trabalho em uma conferência proferida no Simpósio sobre Política Nacional do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, realizado em Goiânia, Walter A. Neves questionou a adoção da estratégia de levantamento baseada na possibilidade de os sítios serem visíveis. Seu questionamento, transcrito e publicado em Caldarelli (1997:48), remete à discussão sobre o uso e a eficácia de sondagens ou tradagens na localização e delimitação de sítios subsuperficiais, assunto ainda polêmico na Arqueologia mundial (Caldarelli & Santos, 1999/2000:62-63). Uma resposta mais plausível à dúvida levantada por Walter A. Neves foi dada em 1997, ano em que J. Oliveira & Peixoto (1997) realizaram outra pesquisa na mesma área, o estudo Prospecção arqueológica na área a ser diretamente impactada pelo Gasoduto Bolívia-Brasil em Mato Groso do Sul (km zero-350), uma nova exigência da 14ª Coordenação Regional do IPHAN em decorrência, também, das mudanças ocorridas no traçado do Gasbol em Mato Grosso do Sul. Para esse novo levantamento, porém, o órgão licenciador da pesquisa apontou a necessidade do uso de sondagens no subsolo durante os trabalhos de campo. Comparado com a investigação executada em outubro de 1993, na pesquisa de maio de 1997 os autores utilizaram técnicas mais refinadas de sensoriamento remoto, cartografia digital e SIG (Sistema de Informação Geográfica), todas de grande utilidade na

145 conclusão de um levantamento intensivo, metodologia proposta em Redman (1973) e primeiramente aplicada no Brasil por W. Neves (1984). J. Oliveira & Peixoto ainda fizeram, usando cavadeiras ou pás articuladas, 1.179 sondagens sistemáticas nos primeiros 350 km da obra, a maioria em pontos previamente escolhidos por meio do uso de variáveis ambientais, isto é, locais enquadrados em um ou mais dos seguintes elementos da paisagem: áreas de foz de cursos fluviais, diques marginais, paleodiques, margens contíguas às corredeiras, margens fluviais de topografia favorável ao acesso e fluxo d’água corrente, margens fluviais próximas a ilhas, ilhas lacustres e fluviais, terraços fluviais preservados da inundação de cheias periódicas, margens de lagoas, áreas de afloramento do substrato no leito fluvial, bancos de deposição sedimentar na margem do curso fluvial (por vezes associados a cascalheiras), elevações topográficas em áreas de várzea, terraços ou médias vertentes de declividade suave, colos, topos suavemente aplainados de colinas de dimensões menores, áreas de afloramento de matéria-prima para indústria lítica, encostas de morrarias, áreas calcárias, ocorrências espeleológicas, relevos residuais de decomposição arenítica, formações geomorfológicas de cuestas ou furnas, toponímias regionais (itacoatiaras, morro dos letreiros etc.), capõesde-mato, cordilheiras e corixos36. Sítios perturbados também foram incluídos na proposta de levantamento intensivo, inclusive através da observação de sulcos, ravinas, voçorocas, erosões fluviais, erosões laminares, edificações de sedes de propriedades rurais, cortes no terreno produzidos por estrados e áreas de extração de sedimentos, chamadas de caixas de empréstimo (vide também Kashimoto, 1997a, 1997b). Essas variáveis tiveram como pressuposto a idéia da existência de tendências ou padrões de comportamento das populações humanas pretéritas, processos naturais e ações antrópicas sobre as paisagens, ou seja, modelos arqueológicos locacionais distribuídos regionalmente (Kipnis, 1997). As tradagens normalmente foram feitas dentro de uma faixa de 20 x 50 m de extensão, isto é, em segmentos da área de impacto direto, com espaçamentos regulares de 5 ou 10 m e profundidade média de 1,5 m. Grande parte dessas sondagens foi executada em áreas próximas a cursos d’água, a exceção dos locais onde seriam construídas as instalações de suporte para o funcionamento do Gasbol (estações de compressão, estações 36

Capões-de-mato, cordilheiras e corixos são termos regionais usados, respectivamente, para designar elevações subcirculares e circulares às vezes aterros indígenas, elevações alongadas e canais que conectam lagoas (J. Oliveira & Viana, 1999/2000).

146 de medição e city gates), todas situadas em pontos com baixa possibilidade de ocorrência de sítios. Tal metodologia é chamada de levantamento total de área (full coverage survey), defendida em vários estudos publicados na obra de Fish & Kowalewski (1990), dentre outros autores, tendo sido aplicada, porém, em pontos previamente apontados pelos autores, em sua maioria de maneira preditiva. No cômputo geral, quatro sítios foram levantados, dos quais apenas um (MS-MA39) foi encontrado por meio de tradagens. Trata-se de um pequeno sítio superficial a céu aberto, localizado à margem direita do córrego Tereré, na bacia hidrográfica do rio Miranda, distando 35 m da faixa de serviço da dutovia. O sítio, embora estando fora da área de impacto direto, somente foi levantado por estar situado em um ponto mais plano da topografia e na parte mais alta do dique fluvial, fato este que chamou a atenção de um dos pesquisadores (José Luis dos S. Peixoto) que decidiu ampliar a área das sondagens para fora da faixa de serviço. Finalmente, os autores concluíram que as avaliações feitas em 1993, ainda que privilegiando sítios de alta visibilidade, permaneciam válidas para o trecho estudado. Entretanto, fizeram a seguinte ponderação: Isso não significa que a metodologia ora recorrida tenha sido de pouca utilidade; ao contrário, é mais apurada e precisa em relação à anterior. Sem embargo, os resultados obtidos dão maior sustentabilidade empírica às idéias inicialmente elaboradas, o que não necessariamente poderia ter ocorrido, uma vez que em ciência não existe verdade absoluta (J. Oliveira & Peixoto, 1997:41).

Posteriormente, em 1998, Jorge Eremites de Oliveira realizou o monitoramento das obras do Gasbol, trecho Corumbá-Terenos (km 0-350), para fins de preservação do patrimônio arqueológico nacional, trabalho que foi novamente financiado pela PETROBRAS através de outro contrato firmado com a FAPEC. O acompanhamento aconteceu nos cinqüenta setores prospectados por J. Oliveira & Peixoto, além de trechos próximos e intermediários a eles, com o objetivo maior de monitorar os processos tecnológicos de limpeza e, principalmente, abertura da vala, colocação dos dutos e reaterro da vala, em tese os causadores de maiores impactos negativos sobre bens arqueológicos. Na ocasião, foi feito inclusive a verificação das áreas onde foram construídos dois canteiros de obra, locais destinados à guarda de maquinários diversos, escritório de empresas responsáveis pela construção da dutovia, enfermaria, refeitório dos trabalhadores, depósito de dutos, garagem para veículos, heliporto etc., bem como as estradas de serviço. Nos dois últimos casos, nenhum dano ao patrimônio arqueológico foi observado.

147 No entanto, durante o acompanhamento das obras no último setor a ser monitorado, em 18/8/1998, foi encontrado outro sítio arqueológico (MS-CP-142) na área de impacto direto da dutovia, entre o km 29.315 e o km 29.475 (coordenadas UTM 0434805E e 7866678N) do Gasbol, município de Corumbá, fazenda Santa Fé. A explicação para o ocorrido está na constatação que J. Oliveira (1998c) fez ao analisar o caso: [...] foi verificado in loco, e comprovado junto aos técnicos da PETROBRAS, que no km 29 do Gasbol houve um pequeno desvio em relação traçado original do empreendimento (aquele válido para antes do início dos trabalhos de abertura de pista e abertura de vala), trazendo a dutovia para uma área mais distante da rodovia BR 262, local que sobre maior grau de inundação quando do período de cheia do Pantanal (J. Oliveira, 1998c:3-4).

Acrescenta-se ainda o fato dos trabalhos de campo de J. Oliveira & Peixoto (1997) terem sido realizados no período de cheia, inviabilizando o uso de sondagens nas proximidades do sítio, área que na época estava inundada pelas águas da lagoa do Jacadigo. Ainda assim, o sítio não seria diretamente impactado pela dutovia não fosse o desvio de uns 200 m do traçado original do Gasbol, distanciando-o da BR 262 e aproximando-o da área de inundação da lagoa do Jacadigo. Essa decisão, tomada de última hora e com aprovação da empresa contratante, ocorreu durante o processo de abertura da vala e sem comunicação prévia ao arqueólogo responsável pelo monitoramento das obras. Esse caso é exemplo de uma situação inusitada no âmbito da Arqueologia por contrato, mas que eventualmente pode acontecer em empreendimentos lineares, nos quais pequenos trechos do traçado original podem ser alterados durante a execução das obras, sobretudo em não precedendo nova avaliação sobre os possíveis impactos negativos causados ao patrimônio arqueológico. Retrata, pois, parte das relações delicadas que envolvem profissionais de Arqueologia, contratantes e órgão licenciador da pesquisa, questão tratada por Caldarelli & Santos (1999-2000:69) para o caso brasileiro. Por outro lado, o sítio existente no km 29 do Gasbol, caracterizado como do tipo superficial, a céu aberto e com evidências de ter sido ocupado por populações ceramistas portadoras da tradição Pantanal, já estava bastante perturbado em algumas partes de sua extensão, inclusive na compreendida pela faixa de serviço da dutovia. Em verdade, a área havia sido recentemente transformada em local de pastagem para bovinos, processo executado com o uso de máquinas pesadas para derrubada de vegetação e limpeza do terreno (J. Oliveira, 1998c). Todavia, a parte mais preservada do sítio não foi impactada na ocasião, tampouco durante a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil. Ainda assim, diante da situação e tendo em vista as dificuldades em realizar um resgate dos bens arqueológicos

148 antes da conclusão dos trabalhos de abertura da vala, foi feita coleta assistemática de material de superfície, totalizando seis fragmentos de cerâmica e um pequeno raspador de hematita. Em seguida, foi elaborada uma proposta de pesquisa emergencial, a qual foi encaminhada a 14ª Coordenação Regional do IPHAN. Ficou acordado com o órgão licenciador da pesquisa, porém, que a PETROBRAS financiaria um estudo para compensar os impactos diretos e negativos causados ao patrimônio arqueológico, o que foi feito para a parte preservada do sítio, também relevante para o conhecimento da ocupação indígena da lagoa do Jacadigo e adjacências. Diante das circunstâncias, uma decisão difícil e polêmica, porém urgente, teve de ser tomada: [...] tendo em vista que as pesquisas de campo não puderam ser realizadas antes dos trabalhos de abertura da vala, foi solicitado à PETROBRAS que instruísse o operário responsável por este serviço para que, ao executá-lo, separasse os primeiros 50 cm do solo para ser possível, posteriormente, verificar se ali havia algum material arqueológico; esta solicitação foi cumprida à risca. Neste caso específico, foi peneirado (em peneiras de 2 mm de malha) parte dos 50 cm do solo separado durante a abertura da vala do Gasbol; neste procedimento foi adotado espaçamentos médios de 5 m, além da observação da estratigrafia natural dos terrenos ali exposta. Outra solicitação apresentada e atendida por parte da PETROBRAS, diz respeito à colocação de placas de advertência no km 29, orientando os operários a não saírem da linha do gasoduto, evitando assim maiores perturbações ao sítio (J. Oliveira, 1998c:5).

Quando iniciaram as pesquisas, uma parte do sítio havia sido totalmente destruída, ainda que estivesse bastante perturbada. Foi concluído, então, a delimitação da área de ocorrência de vestígios arqueológicos, incluindo a destruída durante o processo de abertura da vala, feita através de sondagens (levantamento total de área) e coleta sistemática de material de superfície, avaliando a profundidade das camadas culturais e a relevância do sítio para a Arqueologia Pantaneira. Dois cortes estratigráficos, de 1 x 1 m, foram feitos em uma cordilheira natural existente no lugar, a parte mais preservada do sítio, o que acabou relevando quatro prováveis momentos de ocupação indígena. As pesquisas indicaram que no sítio a área de dispersão de material arqueológico abrangia aproximadamente 5.400 m2, dos quais cerca de 160 m2 ou 2,96% foram totalmente destruídos durante o processo de abertura da vala. A destruição aconteceu na borda do sítio, em uma área onde a ocupação era superficial. Assim sendo, apesar dos contratempos de última hora, foi possível produzir novos conhecimentos sobre a ocupação indígena das terras baixas da região, em especial da lagoa do Jacadigo.

149 No trecho boliviano do Gasbol, pesquisas arqueológicas (levantamento, resgate e monitoramento) foram realizadas em 1998 pelo brasileiro Wanderson Esquerdo Bernardo e pelo estadunidense Emlen Myers, ambos arqueólogos contratados pela empresa Dames & Moore. A metodologia da pesquisa foi elaborada por Emlen Myers e consistiu, para o levantamento de bens arqueológicos, na aplicação de um modelo preditivo que indicou doze pontos do traçado dutoviário, locais com maior probabilidade de ocorrência de sítios arqueológicos, todos situados na área de impacto direto do empreendimento, ou seja, em sua faixa de serviço. Dos sítios levantados, alguns foram resgatados de fevereiro a dezembro de 1998, em cumprimento às exigências da DINAAR (Dirección Nacional de Antropología y Arqueología), sediada em La Paz, órgão do governo boliviano que equivale ao IPHAN do Brasil. São os seguintes sítios: GBB-2, GBB-3, GBB-5, GBB-6, GBB-7, GBB-8 e GBB-9, todos localizados no setor ocidental do empreendimento, alguns inclusive na porção boliviana do Gran Chaco. O financiamento desses trabalhos ficou por conta da empresa Gas TransBoliviano (GTB), um consórcio multinacional formado por Transredes, Enron, Shell, PETROBRAS, BHP, Bristish Gas e El Paso. As informações geradas das pesquisas constam no relatório Gasoducto Bolivia-Brasil (sector boliviano). Excavaciones arqueológicas em los Bañados del Izozog y areas adyacentes. Informe final (Dames & Moore, 1999). Outro grande projeto desenvolvimentista, muitíssimo mais polêmico e impactante que o Gasoduto Bolívia-Brasil, é o da Hidrovia Paraguai-Paraná, cuja extensão abrange 3.442 km na bacia do Prata. Neste caso em particular, inicialmente não houve pesquisas de campo, apenas uma avaliação preditiva como parte integrante da análise Evaluación del impacto ambiental del mejoramiento de la Hidrovia Paraguay-Paraná: diagnostico integrado preliminar, constando no volume 3, capítulo 6, subitem 6.1, tópico intitulado Recursos Arqueológicos. O estudo foi coordenado por Rebeca Balcom, compondo sua equipe Rafael Goñi, Teresa Civalero e Tom Hoffert, quase todos arqueólogos argentinos contratados por um consórcio de quatro empresas estrangeiras: Taylor Enginnering Inc., Golder Associates Ltd., Consular Consultores Argentinos e Connal Consultora Nacional Srl (Balcom et al., 1996). Embora nenhum brasileiro tenha participado da equipe, sabe-se que o arqueólogo argentino Rafael Goñi foi quem esteve no país para levantar dados sobre o patrimônio arqueológico existente no alto Paraguai, provavelmente visitando alguns sítios existentes na porção matogrossense do Pantanal.

150 O trabalho de Balcom e seus colegas foi primeiramente analisado por Peixoto (1996c) e apresentado como conferência no Seminário O Modelo de Desenvolvimento da Bacia do Prata, o Mercosul e a Hidrovia Paraguai-Paraná, realizado na cidade de Corumbá, em outubro de 1996, por iniciativa de uma ONG ambientalista. No mesmo ano, a arquiteta Ana Isa G. Bueno, então diretora da 11ª Coordenação Sub-regional II do IPHAN, sediada em Campo Grande, solicitou um parecer independente ao arqueólogo Jorge Eremites de Oliveira (J. Oliveira, 1997b), estudo que foi publicado como anexo nas Atas do Simpósio sobre Política Nacional do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Caldarelli, 1997). Outra versão do parecer, mais refinada e ampliada, foi feita pelo próprio autor e publicado na revista Fronteiras (J. Oliveira, 1997f). Posteriormente, Maria Clara Migliacio tratou dos recentes impactos negativos da hidrovia sobre bens arqueológicos existentes na porção matogrossense do Pantanal (vide Wantzen et al., 1999:179). Os estudos de Peixoto, Oliveira e Wantzen et al. (1999), somados a outras análises independentes como Hidrovia: uma análise ambiental inicial da via fluvial ParaguaiParaná (Bucher et al., 1994), Impacto hidrológico e ambiental da Hidrovia ParanáParaguai no Pantanal Matogrossense: um estudo de referência (Ponce, 1995) e O Projeto de Navegação da Hidrovia Paraguai-Paraná: relatório de uma análise independente (1997), serviram e ainda servem de contraponto aos estudos oficiais sobre a viabilidade ou não do projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná. No caso específico da avaliação feita por Balcom et al. (1996), válida para toda a extensão da hidrovia, desde o porto de Cáceres (Brasil) até o de Nueva Palmira (Uruguai), fica evidente uma série de problemas que envolvem trabalhos no âmbito da Arqueologia por contrato, principalmente a despeito dos resultados de sua análise, sobre os quais pesa a suspeita de terem sido demasiadamente orientados pelos interesses políticos e econômicos dos contratantes. Assuntos dessa natureza, tratados por Raab et al. (1980) e por muitos outros autores, envolvem questões éticas relacionadas à performance profissional, orientação dos contratantes e interesse público. Rebeca Balcom e sua equipe propuseram a aplicar um modelo preditivo “para identificar e prever áreas mais sensíveis ao impacto do empreendimento, sobretudo a dragagem dos rios que afetará direta, indireta e negativamente o patrimônio arqueológico platino” (J. Oliveira, 1997f:52). A proposta foi baseada em duas premissas principais: 1) as áreas elegidas pelos grupos pré-históricos para seus assentamentos estavam muito

151 influenciadas ou condicionadas pelas características do meio natural; 2) fatores naturais que influenciaram tais escolhas estão, ao menos indiretamente, registrados em mapas modernos de variação ambiental das áreas de interesse (Balcom et al., 1996:2). O raciocínio preditivo dos autores não difere em muito do apurado por J. Oliveira & Peixoto (1993a, 1997) e Kipnis (1997), exceto pelo fato de ter sido limitado à avaliação dos possíveis impactos da hidrovia sobre bens arqueológicos pré-históricos, esquecendo-se, por exemplo, de sítios arqueológicos históricos, submersos ou não. A fragilidade do estudo pode ser ainda observada pelo precário levantamento de obras de interesse ao estudo das populações indígenas e dos ecossistemas pantaneiros, uma contradição para quem se propôs elaborar modelos preditivos “baseados na informação preexistente” (Balcom et al., 1996:2). Os trabalhos e relatórios então divulgados pela equipe do Projeto Corumbá, por Branka Susnik, Irmhild Wüst, Maria Clara Migliacio, Max Schmidt, Vincent Petrullo, dentre tantos outros autores (vide Referências Bibliográficas), sequer foram mencionados ao longo da avaliação em discussão. Tudo isso levou Balcom et al. (1996:18) a concluírem que no Pantanal seriam muito baixas ou nulas as probabilidades de haver vestígios de sítios arqueológicos nas terras baixas da região. Dito de outra forma, o projeto original da Hidrovia ParaguaiParaná seria viável do ponto de vista da preservação do patrimônio arqueológico existente no Pantanal. Esta idéia, ainda que bastante controversa, teoricamente avalizou os impactos diretos e indiretos advindos dos processos tecnológicos relacionados à ampliação, ao aprofundamento e à retificação do traçado do alto curso do rio Paraguai, incrementando a navegação fluvial em nome do desenvolvimento econômico e da integração comercial dos países platinos. Há, portanto, uma explícita dicotomia entre a proposta metodológica apresentada e sua aplicabilidade, o que levou J. Oliveira a considerar a avaliação oficial como um caso de sofisma em Arqueologia, crítica apresentada sob forma de denúncia pública: Isto posto, é de consignar que a avaliação ora estudada não é pertinente com a realidade local e, portanto, não avalia os reais impactos da Hidrovia ParaguaiParaná sobre o patrimônio arqueológico brasileiro. Constitui-se em um sofisma e apresenta uma série de irregularidades do ponto de vista da ética na pesquisa arqueológica (J. Oliveira, 1997f:61).

Entendo que embora o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) esteja vinculado à política nacional do meio ambiente, ou seja, que não pode erigir-se em um entrave à liberdade de empreender, “deve ser usado com parcimônia e prudência” (Milaré, 1998:63).

152 Por outro lado, deve ter a necessária independência, inclusive jurídica, em relação aos interesses políticos e econômicos dos proponentes de projetos, principalmente quando se tratar de uma obra da dimensão da Hidrovia Paraguai-Paraná. Além da questão ligada à preservação do patrimônio arqueológico platino, o projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná recebeu outras duras críticas por parte da sociedade organizada, em especial de ONGs como a Coalizão Rios Vivos (www.riosvivos.org.br), criada em 1994, uma importante rede ambientalista da América Latina que conta com centenas de membros, inclusive na Europa e Estados Unidos. Uma grande mobilização política foi feita com o objetivo de embargar o empreendimento, fato que acabou ganhando a opinião pública nacional e internacional a ponto do governo federal declarar que estaria abandonando o projeto original da hidrovia. Hoje em dia, porém, têm havido denúncias de que o projeto está longe de ser engavetado; segue de outras maneiras dentro do modelo de desenvolvimento regional proposto pelo governo federal através do projeto Avança Brasil (Switkes, 2001). Neste sentido, Banducci Júnior (2000:63) analisou que a intenção é do governo federal é transformar o rio Paraguai em uma via fluvial para “o escoamento dos produtos de uma das últimas fronteiras agrícolas do mundo, que abrange o Centro-Oeste brasileiro, o leste da Bolívia e o norte do Paraguai, tornando seus preços competitivos internacionalmente”. Esta situação pode ser notada pela intensificação da navegação de grandes barcaças pelo Pantanal, ocasionando a destruição de sítios arqueológicos existentes ao longo das margens do rio Paraguai, desde a cidade de Cáceres até a Estação Ecológica Taiamã, em Mato Grosso, fato anteriormente registrado por Wüst & Migliacio (1994), Migliacio et al. (1999/2000) e Migliacio (2000a). Tais prejuízos ao patrimônio arqueológico nacional continuam sendo denunciados por pesquisadores, como o próprio Banducci Júnior, e por ONGs como a Coalizão Rios Vivos (vide Iphan confirma destruição de materiais arqueológicos, 2001). A terceira grande obra de engenharia que contou com trabalhos de arqueólogos foi a do Gasoduto San Matias/Cuiabá ou Gasoduto Bolívia/Mato Grosso. Em um primeiro momento, as empresas Natrontec e Enron contrataram Nanci V. Oliveira, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e Pedro Paulo A. Funari, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), para realizarem um levantamento arqueológico preliminar nas margens de seis rios a serem atingidos pelo empreendimento (N. Oliveira & Funari, 1998 [2001]). A prospecção também foi concluída por meio de sondagens no subsolo e seus

153 resultados, acrescidos do relatório sobre o salvamento do aterro Jatobá, situado na margem esquerda do rio Paraguai, localidade de Descalvado, município de Cáceres, foram divulgados na recente publicação Arqueologia em Mato Grosso (Funari & N. Oliveira, 2000). Os trabalhos de campo na área do Gasoduto San Matias/Cuiabá e adjacências foram executados em novembro de 1998, especificamente nos trechos em que a dutovia teria de cruzar os rios Paraguai, Padre Inácio, Jauru, Cachoeirinha, Sangradouro e Cuiabá, contando com a participação de pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e do Museu Histórico de Cáceres. Ao que tudo indica, relações delicadas e dilemas éticos envolveram pesquisadores (Caldarelli & Santos, 1999/2000; Lynott, 1997), contratantes e órgão licenciador da pesquisa, assim explicados: Entretanto, conforme a representante da regional do IPHAN, Maria Clara Migliacio, havia sido alertado à ENRON em audiência pública sobre os aspectos de impacto ambiental pela passagem do gasoduto e da potencialidade arqueológica da região, sendo imprescindível uma busca arqueológica em uma área muito maior do que a prevista pela construtora. Os trabalhos de campo foram restritos a “técnicas de superfície” devido a ENRON não ter providenciado junto ao IPHAN o licenciamento da pesquisa e, mesmo isto sendo feito por nós, não haveria tempo hábil para a permissão de utilização de todas as técnicas previstas no projeto. Desta forma, consideramos ser melhor um levantamento por demais limitado, do que nenhum, sendo a publicação dos resultados predominante para que tanto a audiência especializada quanto a audiência geral tenha acesso direto e público às evidências por nós encontradas (Funari & N. Oliveira, 2000:6).

Salvo engano, esse é um caso em que profissionais foram contratados para a realização de pesquisas em determinados trechos do empreendimento e não em todo o traçado dutoviário, o qual totalizava aproximadamente 267 km de extensão percorrendo os municípios de Cáceres, Poconé, Nossa Senhora do Livramento, Várzea Grande e Cuiabá. Significa que as empresas contratantes agiram em desacordo com algumas exigências legais previamente apontadas pelo IPHAN, em audiência pública, algo que os próprios arqueólogos fizeram questão de registrar no relatório final de suas atividades, postura que considero necessária e correta do ponto de vista da ética na pesquisa arqueológica. Durante os trabalhos, vários sítios foram registrados, a saber: um pré-histórico, a céu aberto, com ocorrência de cerâmica e artefatos líticos, na localidade Recanto da Vovó, área de influência do rio Paraguai; um capão-de-mato situado na margem direita do rio Padre Inácio, ponto onde foi encontrada uma estrutura de combustão; quatro pré-históricos, a céu aberto e com evidências lito-cerâmicas, na margem direita do Jauru; um com pintura

154 rupestre, conhecido como abrigo das tranças, existente na região serrana próxima ao rio Cachoeirinha; e quatro outros sítios, sendo dois pré-históricos e dois históricos, todos a céu aberto, na margem direita do Cuiabá (N. Oliveira & Funari, 1998; Funari & N. Oliveira, 2000). Por motivos variados, incluindo relações delicadas entre os dois profissionais e a 14ª Coordenação Regional do IPHAN, os arqueólogos Gilson Rodolfo Martins, da UFMS, e Emília Mariko Kashimoto, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande, assumiram os posteriores contratos firmados por ocasião da execução de novas pesquisas na área do Gasoduto San Matias/Cuiabá e da Usina Termelétrica de Cuiabá (UTC), incluindo levantamento em outros trechos da dutovia, resgate de bens arqueológicos e monitoramento dos processos tecnológicos aplicados durante a construção dos empreendimentos. No caso, o contratante foi a empresa Gasocidente do Mato Grosso Ltda., com sede em Cuiabá, e o contrato firmado com a FAPEC. Ao que tudo indica, as pesquisas ainda estão em andamento, havendo apenas relatórios parciais e um artigo a ser publicado sobre o assunto, todos gentilmente cedidos pelos autores (Martins & Kashimoto, 1999b, 1999c, 1999d, 2000a, 2000b). A metodologia utilizada para o levantamento arqueológico é praticamente a mesma que Martins & Kashimoto (1998, 1999a) e J. Oliveira & Peixoto (1997) recorreram por ocasião dos trabalhos realizados na área de impacto direto do Gasoduto Bolívia-Brasil, em 1997. Várias datações radiométricas (TL) foram e estão sendo obtidas por os sítios que estão sendo ou já foram devidamente resgatados (vide J. Oliveira & Viana, 1999/2000). O resgate tem sido executado através da escavação de trincheiras, cortes estratigráficos do tipo cabina telefônica e áreas de decapagem (Martins & Kashimoto, 1999c). No lado boliviano do empreendimento, as pesquisas foram coordenadas por Wanderson Esquerdo Bernardo e dirigidas por Emlen Myers, arqueólogos da Dames & Moore contratados pela Gasoriente Boliviano, empresa responsável pelo empreendimento naquele país vizinho. Sobre o salvamento do aterro Jatobá (coordenadas geográficas 16º44”37’.3S e 57º42”10’.4W), interessa aqui saber que os trabalhos foram desenvolvidos em abril e maio de 1999, financiados pelo banco BMN, motivados pela necessidade de avaliar e salvar as estruturas afetadas desde a década de 1950, momento em que o sítio passou a sofrer perturbações decorrentes da construção de edificações no lugar. Além disso, os trabalhos

155 também tiveram o propósito de “fornecer subsídios para o manejo da área de forma a preservar os setores não impactados do sítio”, bem como de outro aterro existente na área, ponto onde havia sido construída a residência do caseiro da propriedade (Funari & N. Oliveira, 2000:51). A metodologia recorrida foi pensada em conformidade com as especificidades do sítio e com o tempo disponível para a execução dos trabalhos, basicamente constando de coleta sistemática de material de superfície, sondagens a partir de transects e escavação de poços-teste e quatro trincheiras. Os resultados preliminares da pesquisa, ainda que devendo ser futuramente analisados com mais detalhes, são importantes para o conhecimento produzido sobre a pré-história da porção setentrional do Pantanal. Recentemente os autores obtiveram uma data radiocarbônica para o aterro Jatobá, de ± 750 anos AP (mensagem eletrônica recebida de Nanci V. Oliveira, em maio de 2001). Afora os trabalhos executados no contexto de planejamento e/ou execução de grandes projetos desenvolvimentistas, ao menos até o ano de 2000, outro não menos importante foi concluído entre os anos de 1990 e 1991. Trata-se de um estudo contratado pelo poder judiciário e realizado no território do povo Kadiwéu. Foi desenvolvido no âmbito forense por Gilson Rodolfo Martins, em atendimento a um despacho do Superior Tribunal Federal (STF), solicitando a realização de uma perícia judicial com objetivo de analisar a quem caberá o domínio de uma área de 140 mil ha., localizada entre a Reserva Indígena Kadiwéu e o Condomínio Nabileque, em Mato Grosso do Sul. O resultado das investigações originou o Laudo Pericial sobre os limites da Reserva Kadiwéu, concluído em 1991 e contendo 109 páginas, que se encontra na Segunda Vara da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. O trabalho ainda não é público por conta de questões legais que envolvem trabalhos desta natureza (Gilson Rodolfo Martins, em mensagem eletrônica recebida em maio de 2001). A participação de arqueólogos em perícias judiciais, para fins de reconhecimento de terras indígenas, tem sido um procedimento não muito raro em Mato Grosso do Sul, Estado que oficialmente conta com a segunda maior população indígena do país, grande parte composta por representantes dos povos Terena, Guarani (Ñandeva) e Kaiowá. Geralmente esse tipo de trabalho tem sido, por força da legislação brasileira, monopólio exclusivo dos antropólogos. Neste sentido, o debate em torno da relação entre pesquisa arqueológica e direitos dos povos indígenas ainda não foi devidamente inaugurado no país. Um debate assim certamente tocará em algumas questões polêmicas referentes ao exercício das

156 profissões de arqueólogo e antropólogo em tarefas afins, a exemplo do reconhecimento de áreas indígenas e quilombolas tradicionais. Em suma, assim como vêm acontecendo em várias regiões do Brasil e de outros países, a Arqueologia por contrato representa uma nova modalidade de pesquisa no âmbito da Arqueologia Pantaneira e com ela surgiram novos aportes e novos problemas a serem resolvidos. Isso faz parte do desenvolvimento da disciplina e da acumulação de conhecimentos, embora exija uma constante revisão dos princípios éticos da prática arqueológica contemporânea, sempre com vistas a manter atualizado o código de ética da categoria (Lynott, 1997; Pels, 1999; M. do C. Santos, 2001). Para finalizar este capítulo, acredito que os arqueólogos não podem olvidar de um importante ensinamento dado por Adam Schnapp, cuja validade pode abranger projetos de qualquer natureza, seja no âmbito da Arqueologia por contrato, seja no contexto da pesquisa acadêmica stricto sensu: Muitas vezes, reconstruções históricas elegantes mascaram a imprecisão dos métodos de escavação, e freqüentemente o cálculo e os métodos de classificação automática são utilizados como “álibis” que escondem a pobreza de hipóteses históricas e antropológicas; a renovação é mais um programa do que uma apuração de resultados (Schnapp, 1976:4).

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SEGUNDA PARTE

POVOS INDÍGENAS NAS TERRAS BAIXAS DO PANTANAL: IDÉIAS, PROBLEMAS E PERSPECTIVAS

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3 O QUE É PANTANAL?

Enquanto não se fizer uma história total, incluindo corretamente o passado e o cotidiano do homem residente na vastidão dos pantanais, que mais do que outras permanecem um tanto isolados das regiões social e economicamente mais dinâmicas do país, praticamente nada terá sido feito no campo de sua autêntica historiografia (Aziz Nacib Ab’Saber, 1988a:10).

Antes de iniciar a discussão propriamente dita sobre os povos indígenas que ocuparam as terras baixas, acredito ser necessário fazer alguns esclarecimentos sobre o que é, afinal de contas, o Pantanal. Não se trata de apresentar longas, detalhadas e meticulosas descrições sobre os aspectos bióticos e abióticos da região, buscando criar uma espécie de ambiente ótimo ou péssimo para nele inserir os sistemas socioculturais desenvolvidos pelos povos indígenas, sem maiores discussões. Entendo que essa perspectiva teóricometodológica, outrora popularizada em muitos estudos pautados pelo determinismo ambiental, há algum tempo vem sendo abandonada pela maioria dos arqueólogos brasileiros. Ocorre, contudo, que o momento atual é bastante oportuno para explicar que nem sempre a imagem comumente veiculada da região é aquela que arqueólogos podem ter construído e veiculado sobre ela.

3.1. DE XARAYÉS A PANTANAL No período colonial, a região pantaneira ficou conhecida pela cartografia ocidental como Laguna de los Xarayes ou Lago Xarayes, termo que apareceu pela primeira vez nos Comentários do conquistador espanhol Alvar Núñez Cabeza de Vaca (1944, 1984, 1987), quem comandou uma expedição castelhana que ali chegou a fins de 1542 e início de 1543. A palavra Xarayes também aparece grafada como Jarayes em documentos castelhanos quinhentistas e seiscentistas, sendo o plural da palavra Xaray, apelativo

159 Guarani a um povo indígena que na época habitava, também, uma das grandes lagoas existentes na parte setentrional do Pantanal, possivelmente a Gaíva ou a Uberaba. É quase certo que o povo Xaray, exterminado ou deslocado de seu território tradicional pelos paulistas do século XVIII, falasse uma língua pertencente à família lingüística Arawak, tendo construído um sistema sociocultural bastante complexo em termos de organização social, econômica e política, conforme sugerem as análises preliminares de Susnik (1972a, 1978), Schuch (1995a, 1995b), J. Oliveira & Viana (1999/2000) e Migliacio (2000a). Na língua Guarani, Xaray ou Jaray significa algo como “dono do rio” ou “dono da água”: jára = dono; y = água, rio. Esse apelativo faz jus a um povo que deve ter dominado parte do alto curso do rio Paraguai, desde algum momento da pré-história até meados dos oitocentos. Por outro lado, o apelido demonstra, por exemplo, que nos anos quinhentos povos Guarani há algum tempo já conheciam e mantinham contatos com outros povos indígenas estabelecidos no Pantanal. Na verdade, desde antes do início da Conquista Ibérica a região possuía grande sociodiversidade, sendo um verdadeiro mosaico sociocultural no centro da América do Sul, área de intensos contatos interétnicos e zona ou rota de migrações para onde muitos povos se deslocaram (G. Boggiani, 1900; Métraux, 1942, 1944, 1963a; Kersten, 1968; Susnik, 1972a, 1972b, 1978, 1982, 1987, 1994, 1995a; S. Carvalho, 1992; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). O conceito de mosaico sociocultural implica em considerar uma determinada área como um todo regional constituído de várias culturas ou sistemas socioculturais. Como o mundo ocidental não conhecida nenhuma denominação anteriormente cunhada para o Pantanal, o termo Laguna de los Xarayes acabou fazendo parte de um imaginário colonial construído durante o domínio castelhano daquele território platino, uma identidade cartográfica que perdurou do século XVI até a primeira metade do século XVIII. Somente a partir de meados do século XVIII, momento em que bandeirantes paulistas descobriram ouro no vale dos rios Coxipó e Cuiabá, no atual Estado de Mato Grosso, a grande planície de inundação passou a ser chamada de pantanais, conforme explicação apresentada pela historiadora Maria de Fátima Costa: A denominação foi dada pelos portugueses del Brasil, os monçoeiros. Estes, seguindo as rotas abertas pelos bandeirantes paulistas, avançaram além dos limites fixados em 1494 em Tordesilhas e, no início dos anos setecentos, fizeram daquelas águas seu caminho às terras conquistadas. Desconhecendo a Laguna de los Xarayes e a geografia castelhana, ao chegarem à planície inundável da bacia do Alto Paraguai, denominaram-na Pantanais; segundo

160 definiram, “são campos alagados, com várias lagoas e sangradouros” (M. de F. Costa, 1999:19).

Segundo a autora, dentro de uma perspectiva histórica, portanto, o termo Pantanal (de pântano + al), palavra que se sobrepôs à expressão castelhana Laguna de los Xarayes, surgiu como uma invenção luso-brasileira cujas origens remontam ao início do século XVIII. Séculos mais tarde, provavelmente a partir da década de 1930, durante o movimento O petróleo é nosso, foi criado (ou recriado) o mito do Mar de Xarayes. Tratase de outra construção feita a partir da idéia de Laguna de los Xarayes, baseada na máxima de que no passado o Pantanal teria sido um mar interior. Na hipótese de ter sido, haveria grandes reservas de petróleo na planície de inundação. Entretanto, pesquisas realizadas posteriormente comprovaram que o Pantanal jamais foi um mar interior, muito menos uma área favorável à ocorrência de jazidas petrolíferas, segundo explicação dada por Ab’Saber (1988a) e P. C. Boggiani & Coimbra (1994, 1997). Para os dois últimos autores: É comum ouvir dizer que o Pantanal se originou a partir de um mar. Sem dúvida é esta a primeira impressão que se tem ao vislumbrar sua extrema planura, inundada pelas água provenientes das cheias. Outro argumento comumente empregado é a existência de grande quantidade de conchas e, também, a presença de lagoas conhecidas popularmente como salinas. [...] Por volta da década de trinta, os primeiros poços para água subterrânea revelaram dezenas de metros de sedimentos sob a planície. Tal descoberta logo conduziu à hipótese de existência de petróleo no Pantanal. No entanto, investigações geológicas não demonstraram a existência de óleo e muito menos qualquer evidência de que os sedimentos foram depositados em ambiente marinho. As abundantes conchas encontradas, incluindo as fósseis, são de água doce, e as lagoas ditas salinas são constituídas por água bicarbonatadas, com teores de sódio, cloro e magnésio muito inferiores aos da água do mar (P. C. Boggiani & Coimbra, 1995:5).

Em um primeiro momento, Pantanal parece denominar um grande pântano ou uma área alagada onde em tese haveria muitos pântanos. Esta idéia possui alguma pertinência se levada em conta certas expressões conhecidas regionalmente, por exemplo: acurizal, lugar onde há grande concentração de palmeiras acuri (Scheelea phalerata), e paratudal, área com grande quantidade de árvores do tipo paratudo (Tabebuia aurea). Ocorre que o sufixo nominal al, do latim ale, dá idéia de “coleção” ou “quantidade” (A. Ferreira, 1996:73), como também ocorre com palavras como arrozal, buritizal, carandazal, bananal, matagal e assim por diante.

161 Acredito que os monçoeiros do século XVIII utilizaram o termo pantanais para se referir a uma região alagada, majoritariamente constituída por grandes banhados e minoritariamente formada por pântanos, brejos e lamaçais. Ademais, é interessante notar que em algumas localidades do Pantanal, a exemplo de do pantanal de Cáceres, não é raro ouvir a palavra pantano, paroxítona empregada para se referir à região pantaneira, quiçá uma expressão luso-brasileira surgida no período colonial. No caso, a palavra pantanais originalmente seria um conjunto de pantanos. Por outro lado, quando os monçoeiros dos setecentos se referiram à região como pantanais, muito provavelmente notaram que não se trata de uma região totalmente homogênea em termos fisiográficos, mas sim de uma grande planície de inundação que possui diferentes paisagens se observada em termos de relevo, hidrografia e formações florestais, por exemplo. Daí compreender que na verdade o Pantanal, grafado com P maiúsculo, é formado por várias sub-regiões ou pantanais, aqui registrados com p minúsculo, a saber: Abobral, Aquidauana, Cáceres, Barão de Melgaço, Miranda, Nabileque, Nhecolândia, Paiaguás, Poconé e Porto Murtinho (Brasil & Alvarenga, 1989; N. Magalhães, 1992; Francischini, 1996; e outros). A própria população local reconhece outros pantanais, como o de Jacadigo, mencionado desde a época dos trabalhos pioneiros de Almeida (1943), além de outros como os de Rio Negro e São Lourenço, respectivamente em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. A despeito da imagem do Pantanal na mídia, cabe ressaltar que o destaque que a grande imprensa nacional e internacional tem dado à região, motivo de centenas de reportagens e matérias veiculadas em todos os continentes, foi impulsionado com a cobertura da grande cheia de 1974, uma das maiores registradas no século XX. Esse evento de inundação favoreceu uma espécie de descoberta da bacia do alto Paraguai por amplos setores da mídia, bem como pelo turismo ligado à pesca, atividade econômica que tem causado grandes impactos ambientais e socioculturais negativos à região, inclusive em termos de diminuição dos recursos pesqueiros e aumento da prostituição e do consumo de drogas ilegais. Daquele ano até os dias de hoje, o Pantanal também passou a chamar mais e mais a atenção de cientistas de várias áreas do conhecimento, investigadores que passaram a estudar o meio ambiente e as populações humanas da região produzindo uma gama enorme de pesquisas, geralmente divulgada sob forma de artigos científicos, matérias jornalísticas, livros, monografias de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu, sítios eletrônicos e cd-

162 rom’s. Grande parte das pesquisas vem sendo desenvolvida por instituições públicas de ensino superior e de pesquisa agropecuária, como universidades federais e estaduais, além de órgãos como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Em meio a essa situação historicamente recente, muitas representações sobre o Pantanal passaram a ser veiculadas para o público em geral, sobremaneira a imagem de a região ser um dos últimos paraísos ecológicos do planeta. Essa idéia foi amplamente popularizada com a novela Pantanal, grande sucesso da teledramaturgia brasileira na década de 1980 e posteriormente exportada para dezenas de países do mundo inteiro. A imagem de paraíso ecológico é uma construção coletiva, também resultado da ação engajada de estudiosos, empresários ligados ao turismo, governos, ONG’s e outros setores da sociedade organizada que vêm atuando, cada qual a seu modo e de acordo com seus interesses, em defesa do desenvolvimento econômico da região, da preservação dos ecossistemas pantaneiros e/ou da melhoria da qualidade de vida da população local.

3.2. ASPECTOS AMBIENTAIS Do ponto de vista ambiental, pode-se afirmar que o Pantanal é uma imensa planície sedimentar, a mais espessa bacia de sedimentação quaternária do país e a maior planície inundável contínua do planeta, grosso modo situada entre os paralelos de 16º45’ a 22º15’S e os meridianos de 54º45’ a 58º00’W (Figuras 4 e 5). Trata-se de uma região estrategicamente localizada na porção central da América do Sul, haja vista estar inserida entre diversos ambientes (Amazônia, Cerrado, Chaco e outros), dos quais há milhares de anos tem recebido muitas influências ambientais e socioculturais, estas últimas também comprovadas através de pesquisas arqueológicas (Susnik, 1972a, 1972b, 1978; Adámoli, 1986a; Caravello, 1986; Peixoto, 1995; J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a; e muitos outros) (Figura 6). No Brasil, a área total do Pantanal, historicamente conhecida e consagrada pela denominação Pantanal Matogrossense, compreende 138.194 km2, dos quais 48.670 km2 fazem parte de Mato Grosso e 89.524 km2 pertencem a Mato Grosso do Sul (Francischini, 1996). A bacia do alto Paraguai, por seu turno, possui quase 500.000 km2 em toda a região platina, dos quais 358.514 km2 estão dentro do território nacional, mais ou menos entre os paralelos de 14º00’ a 22º00’S e os meridianos de 53º00’ a 59º00’W (PCBAP, 1997). O

163 restante, aproximadamente 140.000 km2, pertencem à Bolívia e ao Paraguai, países onde o Pantanal recebe outras denominações devido à sua vinculação com o Chaco, o que ocorre em prolongamento natural (Allem & Valls, 1987). Um prolongamento desse nível, também mantido através de vias fluviais como a do rio Paraguai, explica, ao menos em parte, os intensos contatos registrados entre povos indígenas das duas regiões durante os três primeiros séculos da Conquista Ibérica, conforme demonstraram os estudos de Kersten (1968 [1905]), Métraux (1942, 1944, 1963a), Willey (1971), Susnik (1972a, 1978, 1994, 1995a) e S. Carvalho (1992). Por conseguinte, não se pode fazer uma leitura apurada da pré-história pantaneira sem levar em conta o conhecimento produzido sobre a pré-história do Chaco e de outras áreas adjacentes. Sobre o Gran Chaco, é importante dizer que a região também é uma grande planície aluvial de baixa declividade, porém aparentemente mais quente e árida se comparada com a do Pantanal, possuindo, por conseguinte, um período de estiagem (seca) mais pronunciado. O geógrafo Orlando Valverde assim explicou a situação climática do Gran Chaco: No Chaco vão se encontrar três subdivisões. Suas franjas oriental e meridional são mais úmidas. O Chaco argentino, província de Formosa, e o sul do Paraguai têm clima subtropical semi-úmido, com grande parte coberta de floresta. O vale do Paraguai, na República desse nome, tem já um clima tropical semi-úmido, com matas tropicais semidecíduas, nas quais se inclui a floresta ribeirinha, rica em quebracho. Por fim, a parte ocidental do Chaco tem clima semi-árido, com uma cobertura vegetal muito semelhante às caatingas do Nordeste Brasileiro. O clima, se bem que também muito semelhante, tem características de continentalidade mais acentuadas que as do Nordeste, constituindo uma massa tropical continental (Tc), durante o verão (Valverde, 1972:51).

Ambas as regiões, Pantanal e Chaco, também possuem diferenças estruturais marcantes em termos geomorfológicos: a primeira é uma zona de erosão muito influenciada pelo rio Paraguai, ao passo que a segunda é uma área de acumulação de detritos carreados do antigo planalto que cobria a atual região pantaneira (Moura, 1943). A extensão total do Gran Chaco gira em torno de aproximadamente 650.000 km2, incluindo principalmente partes da Argentina, Bolívia e Paraguai, grosso modo situadas mais a ocidente do curso do rio Paraguai. Sua divisão geográfica abrange três grandes áreas, a saber: Chaco Boreal, ao norte; Chaco Austral, ao sul; e Chaco Central. Seus principais rios são o Bermejo e o Pilcomayo, os quais deságuam no rio Paraguai, em território paraguaio, constituindo importantes vias hidrográficas para migrações pré-

164 históricas e contatos interétnicos com povos indígenas chaquenhos e os estabelecidos nas proximidades dos Andes. No caso do Pantanal, sua situação geográfica privilegiada, associada aos ciclos anuais e plurianuais de cheia e seca, bem como a temperaturas elevadas, contribui sobremaneira para a manutenção da biodiversidade local, típica da América do Sul tropical e constituída de milhares de espécies florísticas e faunísticas, muitas delas originárias da região amazônica, dos cerrados e das florestas meridionais e chaquenha (Prance & Schaller, 1982; Loureiro et al., 1982; Paiva 1984; Adámoli, 1986b; Berg, 1986; Brown Júnior, 1986; Caravello, 1986; Conceição & Paula, 1986; Rizzini et al., 1988; F. C. F da Silva, 1989; Pott & Pott, 1994; Francischini, 1996; PCBAP, 1997).

165

Pantanal Matogrossense

N

FIGURA 4: MAPA DA BACIA PLATINA E DA VIA FLUVIAL PARAGUAI-PARANÁ, COM DESTAQUE PARA O PANTANAL MATOGROSSENSE (Bucher et al., 1994:6).

166

LOCALIZAÇÃO

Brasil

0

20

40

60

ESCALA GRÁFICA

FIGURA 5: MAPA LOCALIZANDO O PANTANAL MATOGROSSENSE E SUAS SUB-REGIÕES OU PANTANAIS (N. Magalhães, 1992:17).

80 KM

167

FIGURA 6: DESENHO ESQUEMÁTICO DAS PROVÍNCIAS FITOGEOGRÁFICAS DA BACIA DO ALTO PARAGUAI E SUAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA (EDIBAP apud Adámoli, 1986a:106). Vista em sua totalidade espacial, nota-se que do ponto de vista florístico predominam vegetações de savana arborizada (cerrado) e savana florestada (cerradão), com transições para florestas e áreas de enclave. No que diz respeito à fauna regional, na região pantaneira ocorrem muitas espécies de anfíbios, aves, mamíferos, peixes e répteis. Ainda hoje em dia, em que pese os grandes e negativos impactos ambientais que a região sofreu no século XX, há grandes populações de jacarés (Cayman crodocilus yacare), capivaras (Hidrochaeris hidrochaeris) e centenas de espécies de peixes amplamente distribuídas pela planície de inundação. Contudo, o Pantanal não é uma região geradora de endemismos, mas sim uma área que tem absorvido espécies das regiões limítrofes nãoinundáveis, provavelmente também contando com as influências de povos indígenas que para lá se deslocaram desde, ao menos, 8.300 anos atrás (Schmitz et al., 1998; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Essa gama considerável de recursos naturais esteve à disposição de populações humanas pré-históricas, as quais desenvolveram estratégias particulares de adaptação

168 cultural, incluindo aí sistemas de implantação de assentamentos nas paisagens e formas de subsistência, das quais não se pode descartar técnicas de manejo ambiental, especialmente de palmeiras (J. Oliveira, 1996a, 2001d; Herberts, 1998a; M. Magalhães, 1999; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Portanto, ao contrário do que pode parecer à primeira vista para alguém que nunca esteve e pouco estudou sobre a região, em sua totalidade o Pantanal não é uma área inóspita ao homem, pelo contrário. Ela possui uma alta capacidade de suporte à subsistência de povos indígenas pescadores-caçadores-coletores e agricultores, tese esta que pode ser perfeitamente comprovada através dos estudos de Schmidt (1942a [1905]), Schuch (1995a), J. Oliveira (1996a), Herberts (1998a), M. Magalhães (1999) e Migliaccio (2000a). Além da biodiversidade expressiva, uma das características mais conhecidas do Pantanal é a sazonalidade marcante, fenômeno que define o clima da região como sendo de caráter estacional. Sua estacionalidade está representada pela variabilidade interanual e plurianual de anos muitos chuvosos ou relativamente secos (García, 1984; Adámoli, 1986a, 1999). Segundo García & Castro (1986), no Pantanal as variações climáticas são orientadas em mais de um sentido face às complexas interações de fenômenos que ali atuam, quais sejam: baixas pressões, altas intensidades de radiações solares, incidências variáveis de massas de ar (tropicais do Atlântico e equatoriais continentais) responsáveis pelas chuvas e massas polares da Antártida que estão associadas às baixas temperaturas registradas nos meses de julho e agosto. Seu clima é do tipo tropical subúmido, com duas estações notadamente distintas: uma seca, de maio a setembro, e outra chuvosa, de outubro a abril. Entretanto, em termos de variabilidade climática plurianual, nota-se certa alternância de ciclos de anos chuvosos ou relativamente secos que parecem durar mais de uma década (N. Carvalho, 1986). Exemplo disso é a grande cheia de 1974, inundação que deu início a um período de grandes enchentes, o qual desde na década de 1990 chegou dar sinais de possível esgotamento e prelúdio do limiar de um novo período de crescentes menores, o que parece não ter acontecido da maneira como noticiado pela imprensa nacional. No passado pré-histórico, essa situação, associada à realidade social da região, marcou a dinâmica relacionada à ocupação de muitos assentamentos indígenas instalados na planície de inundação, especialmente em áreas mais vulneráveis às inundações

169 periódicas. Este foi o caso dos estabelecimentos outrora existentes nas margens de rios e grandes lagos da região. Embora o Pantanal tenha uma temperatura média anual em torno de 25º C, no verão as máximas podem ultrapassar os 40º C, enquanto que no inverno às vezes a temperatura pode atingir níveis próximos a Oº C, com eventuais ocorrências de geadas (Tarifa, 1986; Allem & Valls, 1987; Nimer, 1989; N. Magalhães, 1992). As cheias periódicas, por sua vez, provocadas por momentos chuvosos de alta precipitação, acabam alagando uma planície de baixíssima declividade e difícil drenagem do excesso de água: entre 0,7 e 5 cm/km no sentido Norte-Sul e entre 7 a 50 cm/km no sentido Leste-Oeste. O mês mais chuvoso é o de fevereiro, enquanto que os mais secos são os de agosto e setembro (T. Silva, 1986). Esse fenômeno de enchentes estacionais, resultado da associação entre relevo e distribuição de chuvas periódicas no alto Paraguai, é chamado de pulso de inundação (Francischini, 1996; Junk & C. Silva, 1999) e constituiu, também, em um dos principais fatores relacionados à dinâmica de ocupação dos assentamentos de povos indígenas que se estabeleceram principalmente nas terras baixas, aqueles que fizeram da canoa seu principal meio de transporte e mobilidade espacial (J. Oliveira, 1996a; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Sob a ótica da Geomorfologia, a formação de todo o relevo pantaneiro resultou de processos erosivos atuantes que rebaixaram as superfícies circunjacentes, provocando o recuo das escarpas, a dissecação das encostas e a erosão dos terraços, conseqüência de um contínuo processo natural responsável pelo fornecimento de sedimentos à região do alto Paraguai (Franco & Pinheiro, 1982; Ab’Saber, 1988a; Brasil & Alvarenga, 1989). No caso, os rios atuaram e continuam atuando decisivamente no transporte de sedimentos das porções mais elevadas, a exemplo das regiões serranas que circundam o Pantanal, para a planície de inundação (Godoi Filho, 1986). Na planície ainda ocorrem formações típicas como cordilheiras e capões-de-mato37, muitas vezes correspondendo a estruturas monticulares regionalmente conhecidas como aterros, aterrados, aterradinhos e aterros-debugre.

37

“Capão-de-mato (do Guarani ka’a pu’ã = mato redondo) é uma elevação do terreno, geralmente arenoargilosa, com 1 a 3 m de altura em relação ao relevo adjacente, dimensão variada, formato elíptico e subcircular ou circular, que se destaca no campo como uma espécie de ilha de vegetação arbórea, cuja composição florística pode variar de uma região para outra. Cordilheira é semelhante ao capão-de-mato, embora normalmente com formato alongado e, às vezes, posicionada de maneira a separar lagoas intermitentes que ocorrem no Pantanal” (J. Oliveira & Viana, 1999/2000:169).

170 Os maiores rios que cortam o Pantanal são o Paraguai, com 2.600 km, e o Cuiabá, com 945 km de extensão (Innocencio, 1989; Francischini, 1996), outras duas importantes vias de migração para populações humanas desde a pré-história até tempos recentes. Os cursos desses e de outros rios que compõem a complexa rede hidrográfica da bacia do alto Paraguai foram definidos na transição do Pleistoceno para o Holoceno, entre 12.000 a 10.000 anos atrás. Somente no Brasil há dezenas de rios que deságuam no Paraguai, a saber: Pari, Jauquara, Bracinho, Sangradouro Grande, Bento Gomes, Cassange, Alegre, Feijão Preto, São Lourenço, São João, Bracinho, Paraguai Mirim, Taquari Velho, Taquari, Abobral, Miranda, Nabileque, Aquidabã, Branco, Tereré, Amonguijá, Apa e alguns outros menores pelo lado oriental, permanentes ou intermitentes, os quais também recebem as águas de outros cursos de extensão e volume variados; Santana, dos Bugres, Branco, Sepotuba, Cabaçal, Jauru, São Jorge e outros menores pelo lado ocidental, onde igualmente deságuam outros rios e córregos permanentes ou não (Codificação dos cursos d’água brasileiros: bacia 6 – rio Paraná, 1982).

No caso do São Lourenço, é importante salientar que ele recebe as águas de grandes rios como o Cuiabá e o Itiquira, em Mato Grosso, ao passo que o Miranda e o Taquari recebem respectivamente as águas do Aquidauana e do Negro, em Mato Grosso do Sul. Todo esse emaranhado de rios em muito facilitou os contatos interétnicos e deslocamentos territoriais por via fluvial, sejam no interior do Pantanal, sejam dele para regiões adjacentes ou vice-versa. A rede de drenagem da região pantaneira também está constituída por baías, corixos e vazantes38 (Del’Arco, 1982). No caso das baías, há que se registrar que este é um termo regional genericamente usado para denominar lagoas permanentes e temporárias, de dimensões variadas, podendo ainda ser empregado a grandes lagos como os de Uberaba e Gaíva, parte do território tradicional do povo Guató, bem como para pequenas depressões do terreno que acumulam água durante as cheias (Figura 7). A baixíssima declividade de seu terreno, característica que dificulta o escoamento das águas e facilita o fenômeno das inundações periódicas e prolongadas, também explica a ocorrência predominante de solos hidromórficos nas áreas mais vulneráveis às enchentes, as terras baixas ou o baixo Pantanal (Del’Arco, 1982, Orioli, 1982). Nessas áreas, as margens dos rios (matas ciliares)

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“Corixos são canais com calha definida, normalmente perenes, que conectam baías (lagoas temporárias ou permanentes). Vazantes são canais sem calha definida, temporários ou permanentes, que servem de escoadouros d’água” (J. Oliveira & Viana, 1999/2000:169).

171 constituem locais mais propícios ao cultivo, assim como hoje em dia é feito pela população ribeirinha de pescadores do rio Paraguai, em Mato Grosso do Sul. Mas ao contrário do que muitos possam imaginar, a região pantaneira não é formada apenas pela planície de inundação, mas também por formações serranas, morros isolados e terraços fluviais, as terras altas ou o alto Pantanal, locais protegidos das enchentes e onde os solos são naturalmente mais férteis e favoráveis à agricultura se comparado com os solos existentes nas terras baixas (vide Almeida, 1959; A. L. Carvalho & Podestá Filho, 1989; Brasil & Alvarenga, 1989). Significa dizer, por conseguinte, que o Pantanal está constituído por diferentes elementos da paisagem e diversos ecossistemas, jamais sendo um único e grande ecossistema (Ab’Saber, 1988a). Daí entender, por exemplo, ser esse um dos motivos que explicam o fato dos povos agricultores Guarani e Arawak terem ocupados preferencialmente as porções das terras altas mais favoráveis ao cultivo e próximas a cursos d’água permanentes, ao passo que os povos canoeiros Guató, Guaxarapo e Payaguá terem estabelecido seus domínios sobre grandes extensões das terras baixas (J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Ademais, áreas serranas como os planaltos residuais de Urucum e Amolar, além de morros isolados que ocorrem na planície de inundação, foram importantes locais para a obtenção de matéria-prima para a indústria lítica de povos indígenas préhistóricos, quaisquer que sejam eles. A respeito da gênese geológica da região, muitos estudos indicam que ela teve início a partir do período Terciário, há cerca de 65 milhões de anos. Está diretamente relacionada à formação da depressão do alto Paraguai, cuja formação tem sido associada ao soerguimento da cordilheira dos Andes e ao conseqüente processo de abaixamento e falhamento decorrente de grande atividade tectônica (Del’Arco et al., 1982; Ab’Saber, 1988a; Del’Arco & Bezerra, 1989; Francischini, 1996; PCBAP, 1997). Em termos paleoambientais, alguns autores reconheceram que o processo de tropicalização do Pantanal, também responsável pela grande biodiversidade regional, teve início em fins do Pleistoceno e início do Holoceno. A partir desse período, gradativamente a região passou a tomar a configuração ambiental conhecida atualmente (Brown Júnior, 1986; Ab’Saber, 1988a; Bezerra, 1999). Esta explicação baseia-se no modelo climático para o último período prolongado de seca e frio, entre 20.000 e 13.000 anos atrás (glaciação de Würm-Winconsin), durante o qual a região do Pantanal teria sido mais seca se comparada com os dias atuais, haja vista não ter existido a atual influência amenizante das inundações de inverno. Em tese, sendo mais seco e frio naquele período, por conseguinte teria menos biodiversidade do que tem no presente, embora devessem existir alguns organismos intimamente associados aos cursos d’água que na época cortavam a planície (Brown Júnior, 1986).

172

FIGURA 7: DESENHO ESQUEMÁTICO DOS ELEMENTOS DA PAISAGEM NO PANTANAL (N. Magalhães, 1992:27).

173 Assim, o surgimento do Holoceno, conseqüência de um processo de umidificação de dimensão continental, regionalmente significou uma radical mudança climato-hidrográfica de condições subtropicais semi-áridas para condições tropicais úmidas sob sazonalidade marcante. Para Ab’Saber (1988a), a partir do Holoceno ocorreu a multiplicação dos tipos e padrões de habitats animais, enriquecendo extraordinariamente a biodiversidade da região. No entanto, seus principais contornos e ecossistemas aquáticos, subaquáticos e terrestres teriam sido formados nos últimos cinco ou seis milênios, isto é, durante o Ótimo Climático ou Altitermal, período de temperaturas superiores às atuais (Ab’Saber, 1988a).

Nesse período, provavelmente que ocorreram grandes e significativas mudanças em termos bióticos, como um significativo aumento da vida aquática na região, o que também ocorreu no litoral brasileiro (Lima, 1999/2000). Ao que tudo indica, a partir do Ótimo Climático, ocasião em que o Pantanal já teria, portanto, uma configuração ambiental bem mais próxima da atual, houve um aumento ainda maior da ocupação indígena em subregiões como os pantanais de Miranda e Jacadigo. Esta situação pode ser explicada por um conjunto multidimensional de fatores de ordem natural e sociocultural. A partir daí, então, teria efetivamente iniciado o processo de intensificação da ocupação indígena que culminou com a grande diversidade lingüística e sociocultural conhecida em tempos coloniais, singularmente nos séculos XVI, XVII e XVIII. Diante do que foi exposto, entendo que o Pantanal possui uma identidade ecológica própria frente à configuração ambiental de outras áreas do globo, úmidas ou não, sendo uma região possuidora de um extraordinário patrimônio cultural, especialmente em termos de sítios arqueológicos relacionados à trajetória e ao modo de vida de antigos povos indígenas.

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4 O INÍCIO DO POVOAMENTO INDÍGENA

Sabemos que as Américas foram povoadas entre 12.000 e 30.000 anos atrás por imigrantes provenientes da Ásia. Também há consenso de que o povoamento ocorreu predominantemente, se não exclusivamente, por terra através do estreito de Bering. O resto é especulação. A migração foi contínua ou em ondas distintas? Quantas ondas migratórias ocorreram? Quando ocorreram essas migrações? De onde se originaram? Quais migrações produziram quais populações atuais? Houve extinção de grupos responsáveis por algumas migrações? Essa extinção foi provocada por contingências do processo de povoamento ou causada por outras populações que migraram subseqüentemente? As perguntas abundam e provavelmente não serão todas respondidas nunca (Sérgio D. J. Pena et al., 1997:46).

As origens do povoamento humano (Homo sapiens sapiens) da América e do atual território brasileiro ainda são tema polêmico entre arqueólogos de diferentes orientações teórico-metodológicas e diversos países. Ocorre que há muito esse assunto vem gerando grandes debates aparentemente sem fim (Prous, 1999b), envolvendo não apenas questões de caráter científico, mas também relações conflituosas existentes entre grupos de pesquisadores, bem como estratégias políticas e econômicas para captar investimentos e incentivos à investigação arqueológica (P. P. Melo, 2000). Em muitos casos, dezenas de publicações sobre o assunto atestam um significativo desconhecimento de importantes trabalhos publicados em línguas neolatinas. Essa situação não é exclusividade da Arqueologia, pois ocorre em praticamente todos os campos do conhecimento. Exemplo disso é o livro O processo civilizatório: etapas da evolução sóciocultural, escrito por Darcy Ribeiro (1987), ensaio que embora tenha sido debatido por antropólogos estadunidenses (D. Ribeiro, 1975), permaneceu praticamente ignorado em várias sínteses publicadas sobre as teorias arqueológicas, especificamente acerca do evolucionismo, conforme criticou Alcina Franch (1989). Isso tudo parece representar, ao menos em parte, um pensamento baseado na idéia de “que intelectual do mundo

175 subdesenvolvido tem de ser subdesenvolvido também” (D. Ribeiro, 1987:21), ponto de vista que em nada tem a ver com algum complexo de inferioridade ou xenofobismo. Hoje em dia, no entanto, é notório que várias pesquisas arqueológicas, genéticas e lingüísticas realizadas em várias partes do continente, inclusive no Brasil, fizeram com que tivesse início uma profunda revisão acerca do povoamento inicial da América (vide Vilhena Vialou & Vialou, 1987, 1989, 1994; Prous, 1992, 1997, 1999b; M. Cunha, 1992a; Vilhena Vialou et al., 1995, 1999; Anais da Conferência Internacional sobre o Povoamento das Américas, 1996; Lahr & W. Neves, 1997; Tenório, 1999; W. Neves, 1999/2000a; Funari & Noelli, 2002; dentre tantos outros). Este enigma também tem sido amplamente divulgado pela imprensa nacional (Teich, 1999; Funari, 2000; M. Leite, 2000; Parfit, 2000; R. Ribeiro, 2000; e outros). Indubitavelmente, um dos mais significativos avanços conquistados na década de 1990, mais precisamente em fins do século XX, refere-se à definitiva derrubada de um antigo paradigma sobre a pré-histórica americana: a barreira de Clóvis e Folson, ou seja, a tese de que as primeiras ocupações humanas do Novo Mundo seriam marcadas pela presença de povos caçadores-coletores que migraram da Ásia para a América, através da antiga Beríngia, em fins do Pleistoceno, por volta de 12.000 a 11.000 A.P. Segundo essa tese mundialmente conhecida, tais povos seriam geneticamente mongólicos e estariam tecnologicamente relacionados à fabricação de grandes pontas líticas de projéteis, conhecidas como Clóvis e Folson, encontradas em sítios arqueológicos existentes na porção centro-oriental dos Estados Unidos. Logo, se na América do Norte as datações absolutas mais antigas e aceitas giravam em torno de 12.000-11.000 anos atrás, por certo que as datas obtidas para a América do Sul teriam de ser, por sua vez, mais recentes que as primeiras. Contudo, pesquisas realizadas em sítios arqueológicos que ocorrem no sul do Chile (Monte Verde) e em várias regiões do Brasil (Pedra Furada, no Piauí; Lapa Vermelha, Lapa do Boquete e Santana do Riacho, em Minas Gerais; Pedra Pintada, no Amazonas; e Santa Elina, em Mato Grosso; dentre outros), gradativamente também forçaram a revisão das teorias então em voga sobre as origens do povoamento humano do continente.

176 4.1. O PANTANAL E O INÍCIO DO POVOAMENTO HUMANO DA AMÉRICA DO SUL

Em todas as grandes discussões sobre as ocupações humanas mais antigas da América do Sul, a bacia do alto Paraguai tem permanecido de fora da maioria dos modelos explicativos. Não por menos. Até o presente momento ainda não foram iniciadas pesquisas voltadas para o levantamento e o estudo dos sítios arqueológicos mais antigos da região. Além disso, não há publicações que apresentem datas radiocarbônicas tão antigas que possam inserir a planície pantaneira nesses acirrados debates. De qualquer maneira, estando no centro da América do Sul e possuindo uma complexa rede hidrográfica, indubitavelmente que a bacia do alto Paraguai é uma área geográfica de grande importância para a compreensão do processo de povoamento humano do subcontinente sul-americano, como bem perceberam Meggers & Evans (1965). Neste sentido, Ab’Saber (1988a), geógrafo especialista em Geomorfologia e com grande trânsito na comunidade de arqueólogos brasileiros, pesquisador que muitas vezes participou de importantes debates sobre a pré-história sul-americana (Ab’Saber, 1988b, 1994), foi o primeiro a elaborar um modelo explicativo sobre o assunto, baseado na teoria dos refúgios. Esta teoria refere-se, também, às flutuações climáticas quaternárias que teriam afetado a dinâmica fitogeográfica do Brasil tropical, assunto de grande importância para estudos paleoambientais e paisagísticos (clima, hidrografia, relevo, vegetação e solos). Assim ela pode ser compreendida: Devido a ciclos alternados seco/úmido durante o Pleistoceno, a biota das regiões florestais tropicais ficou restrita a manchas isoladas úmidas e refúgios, ali sofrendo diferenciação. A expansão subseqüente dos habitats florestados úmidos, ao fim de um período seco provocou a expansão da distribuição dos animais e plantas da floresta chuvosa, deixando centros de maior diversidade e endemismos, como evidência dos refúgios do Pleistoceno (Glossário de Ecologia, 1997:232-233).

Para Ab’Saber, as terras cisandinas fariam parte das rotas de povos pré-históricos que teriam atingido o Pantanal: Uma referência de particular significado diz respeito às relações dos grupos préhistóricos com o quadro da região pantaneira e suas adjacências. Existem razões para se supor que o roteiro dos grupos humanos que, de caçadores coletores, que atingiram o sul do Maranhão, o noroeste da bacia do São Francisco e, possivelmente, as terras baixas da Bolívia, Paraguai e centro-oeste de Mato Grosso, tenha aqui chegado através do arco das terras cisandinas. A certa altura de seu longo deslocamento para o sul, alguns grupos devem ter se internado para o leste, aproveitando-se de uma série de corredores de colinas e vales, de posição marcadamente interplanáltica. As áreas preferidas para exercer a caça e a coleta, e assim garantir sua sobrevivência, eram as margens de depressões periféricas e compartimentos similares. Tudo leva a acreditar que se dava

177 preferência por pequenas áreas dotadas de maior diversificação geoecológica e biótica, situadas nos sopés e arredores de escarpas areníticas; sobretudo os locais onde matas orográficas, em situação de refúgios, eram envolvidos por muitos ecossistemas, mais extensivos. Enfim, locais onde a diversidade biológica ―numa situação geral de grande predominância de climas secos― era maior, devido à multiplicidade de habitats e às potencialidades de oferendas da natureza (Ab’Saber, 1988a:45-46).

Sem dúvida alguma, as idéias de Ab’Saber, ainda que na época carecessem de dados empíricos do ponto de vista arqueológico, não podem ser desprezadas por pesquisadores que posteriormente passaram a realizar pesquisas sobre a pré-história regional. Seu modelo explanatório leva em conta, também, o posicionamento geográfico e os macros contextos geoecológicos e bióticos ali formados a partir do Pleistoceno final. O autor parte do pressuposto de que povos indígenas teriam se deslocado de áreas circunjacentes pela ou para a região, quer dizer, que as ocupações humanas mais antigas estariam nos territórios que circundam a bacia do alto Paraguai, o que pode ser percebido pela presença de caçadores-coletores em alguns abrigos-sob-rocha estudados em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: Abrigo do Sol, no vale do Guaporé (MT), em 10.405±100 e 9.370±70 AP, havendo ainda duas datas mais antigas, 19.400±1.100 AP e 14.470±140 AP, associado ao complexo Dourado; (Miller, 1983, 1987); Santa Elina, na serra das Araras (MT), em 10.120±60 AP, também contando com duas datas mais antigas, 23.320±1.000 e 22.500±500 AP (Vilhena Vialou & Vialou, 1994, 1995; Vilhena Vialou et al., 1995, 1999); Morro da Janela, nas proximidades de Rondonópolis (MT), em 10.080±80 AP (Vilhena Vialou & Vialou, 1987, 1989, 1994); Casa de Pedra, no alto Sucuriú (MS), em 10.340±110 AP, associados aos portadores da tecnologia lítica denominada tradição Itaparica (Beber 1994; Veroneze 1994). Sobre as datas mais antigas, superiores a 10.500 anos AP, há grandes polêmicas na comunidade científica quanto a sua associação com a presença de populações humanas. Nas regiões adjacentes da Bolívia e Paraguai, ao que pude saber não há datas tão antigas, embora sejam áreas pouco conhecidas pelos arqueólogos. Não obstante o pensamento dedutivo de Ab’Saber, os sistemas tecnológicos detectados nos sítios mencionados ainda não foram identificados no Pantanal, caso ali realmente possam existir. De acordo com o geógrafo, a pronunciada biodiversidade pantaneira seria um dos elementos favoráveis à ocupação indígena mais antiga, pois teria oferecido uma significativa abundância de alimentos em nichos constituídos de muitos ecossistemas, locais propícios à instalação de assentamentos humanos mais permanentes.

178 Em nível mundial, uma diversidade desse nível pode ser compreendida, também, como produto da heterogeneidade espacial e de uma série de contradições e expansões de florestas durante o Pleistoceno, especialmente na América tropical (Lynch, 1990). Essa seria a situação em locais que outrora funcionaram como refúgios para plantas e animais em contextos de climas secos, principalmente nas regiões serranas e circunvizinhanças da planície pantaneira. Pelo seu modelo, no Pleistoceno superior a área central do Pantanal, marcada pela grande acumulação de massas de areia depositadas nos leques aluviais, como o vale do Taquari, estariam “sob condições de um clima muito rústico e variável”, sendo locais “particularmente repulsivos” naquela época, especialmente para o homem (Ab’Saber, 1988a:46). Mais: O corredor de terras baixas do Guaporé, que dava boa conexão com a região do Alto Paraguai, em área pré-pantaneira, pode ter sido a faixa de penetração de paleoíndios e/ou paleoíndios tardios. Embora a rota principal de migrações fosse oeste-leste, a partir dos bordos do Planalto Central brasileiro, é possível que alguns pequenos grupos tenham feito volutas na direção das bordas do Pantanal e terras firmes bolivianas e paraguaias, quando vigoravam climas secos, por imensos espaços da América Tropical. Na época, a área correspondente aos “pantanais” de hoje era particularmente rústica, do ponto de vista climático e hidrológico, possuindo um ambiente subdesértico, forte atuação dos processos morfogênicos de acumulação em cones de dejeção, hidrologia intermitente, e vegetação rala de caatingas arbustivas, mal consolidadas. Os grupos de caçadores-coletores devem ter preferido os sopés de escarpas, serranias e abrigos-sob-rocha. Muito mais tarde, quanto houve uma progressiva retomada da tropicalização, perenizando os rios, criando pantanais e enriquecendo a ictiofauna fluvial, a depressão pantaneira tornou-se mais atrativa: grupos tupis-guaranis, aos poucos, se assenhorearam de vastas áreas do Pantanal Mato-grossense, iniciando sua diáspora por imensas áreas do Brasil (Ab’Saber, 1988a:46).

De acordo com o modelo apresentado, ainda que altamente especulativo, sem comprovação empírica e relegado ao terreno das hipóteses não fundamentadas, provavelmente os sítios arqueológicos mais antigos do alto Paraguai, sobretudo os associados às terras baixas pantaneiras, estariam situados em locais que outrora funcionaram como refúgios para a fauna e flora, muitos deles atuais enclaves de vegetação. Exemplo disso seriam as áreas fronteiriças entre os planaltos residuais de Urucum e Amolar e a planície de inundação, além dos antigos leitos e meandros de rios como o Paraguai, a mais importante via para migrações pré-históricas no sentido norte-sul e sulnorte. Nessas áreas de refúgios estariam, portanto, os assentamentos de maior duração dos povos indígenas que em um primeiro momento atingiram o Pantanal na transição do Pleistoceno para o Holoceno ou, o que penso ser mais provável, no início do Holoceno, por

179 volta ou a partir de 11.000 A.P. Isto porque, como tem sido amplamente divulgado, após o Pleistoceno houve uma maior exploração de recursos aquáticos e das savanas existentes em várias partes do planeta (Binford, 1975d). Todavia, o modelo ocupacional proposto por Ab’Saber deve ser flexibilizado, isto é, aberto a eventuais exceções e diversidades escondidas no gradiente pantaneiro, algo que ainda carece de maiores estudos paleoambientais e arqueológicos, bem como dos ainda inéditos estudos genéticos e glotocronológicos. Trata-se, porém, de uma explicação baseada em uma teoria de longo alcance que tem sido usada para explicar, a partir de discussões muito gerais, processos bióticos e abióticos relacionados à distribuição de plantas e animais em termos biogeográficos, inclusive do ponto de vista adaptativo (Hengeveld, 1990; Lynch, 1990; Myers & Giller, 1990; Parson, 1990). Teorias desse nível, por implicarem processos de longa duração histórica, conseqüentemente omitem as ações dos indivíduos (Binford, 1989). De todo modo, no caso dos estudos paleoambientais, a recente pesquisa de Bezerra (1999, 2001) não apresentou resultados que pudessem contestar, em linhas gerais, as avaliações de Ab’Saber (1988a), pelo contrário. Para a Amazônia, entretanto, há polêmicos debates acerca da utilização da teoria dos refúgios para explicar processos socioculturais pré-históricos, especialmente no tocante a questões de caráter sócio-evolutivo (vide Meggers, 1979b; Whitten, 1979; Colinvaux, 1987; Salo, 1987; Haffer, 1992; Vanzolini, 1992; dentre outros). Muitas dessas polêmicas resultaram de discordâncias a respeito do uso de teorias de longo alcance para explicar o desenvolvimento cultural pré-histórico, principalmente sob o ponto de vista da Ecologia Cultural. Outro estudo recente, concluído por Anderson & Gillam (2000), apresentou uma análise de custo mínimo baseada em Sistema de Informação Geográfica (SIG), utilizando dados em escala continental, concatenados com informações sobre as posições das extensões de camadas de gelo e lagos pluviais durante o Pleistoceno final. A pesquisa sugere a incorporação da bacia do rio Paraguai no rol dos corredores migratórios que paleoíndios inicialmente teriam utilizado na colonização do Novo Mundo, pois há uma grande probabilidade desses corredores terem sido preferencialmente formados por locais costeiros, ribeirinhos e de lhanos, áreas potencialmente relevantes em termos de ecológicos. De acordo com o modelo proposto, migrações originárias da América do Norte, passando pelo istmo do Panamá, seu ponto de entrada rumo à América do Sul, teriam atingido o rio Paraguai, no sentido norte-sul, incluindo as regiões pantaneira e

180 chaquenha, a partir de 11.500 anos AP. Há de se ressaltar, no entanto, que alguns dados sobre a pré-história brasileira não foram discutidos no artigo, a exemplo das datas mais antigas obtidas para a presença humana em Mato Grosso, o que de todo não desabona a análise feita pelos arqueólogos. Isto porque algumas dessas datas são polêmicas, necessitando de uma efetiva comprovação no quadro mais amplo do povoamento inicial das Américas. Na Europa e América do Norte, por exemplo, migrações pré-históricas e históricas constituem tema estruturado e muito bem estudado sob o aspecto do comportamento humano, fenômeno que pode envolver uma gama de eventos específicos ainda pouco pensados e estudados para o alto Paraguai e adjacências: contextos históricos e socioculturais; comportamento dos grupos; transmissão de informações concernentes à área potencial de destino; rotas percorridas; padrões comportamentais de longa duração; organização social; relações interétnicas; transporte de tecnologias; causas das migrações (acumulação de conhecimentos, transporte, mudanças climáticas, estresse ambiental, atração por determinadas regiões etc.); demografia (tamanho da população ao longo das gerações de migrantes); ethos migratório; fatores ideológicos; conflitos internos; estratégias econômicas de sobrevivência; fatores individuais, familiares e grupais; impactos negativos e positivos das migrações; taxa de natalidade e mortalidade; dentre vários outros itens relacionados a deslocamentos territoriais de diversos níveis e amplitudes (Anthony, 1990; Burmeister, 2000; Moore, 2001). Muitas das questões apresentadas, especialmente as de caráter mais simbólico do que materialista propriamente dito, não são facilmente detectadas através de observações diretas sobre o passado arqueológico mais remoto (Fritz, 1975), pois requerem refinadas estratégias de investigação empírica e uma sofisticada interpretação teórica. Por hora, é preciso salientar, para fins de esclarecimento, que povos Guarani não se assenhorearam da região, como equivocadamente disse Ab’Saber (1988a), talvez com base em Valverde (1972), quem por sua vez buscou informações etnoistóricas em Corrêa Filho (1969). Eles ocuparam, sim, grandes extensões das terras altas pantaneiras, provavelmente até meados do século XVIII (Susnik, 1972a, 1978; Peixoto, 1995, 1998; J. Oliveira, 1997e; J. Oliveira & Viana, 1999/2000), mas não chegaram a conquistar as terras baixas. No geral, as idéias de Ab’Saber, embora complexas e ainda pouco analisadas por diversos especialistas em Pantanal, o que é típico de obras de vanguarda (Vanzolini, 1992), atestam uma singular capacidade de erudição interdisciplinar e atualmente merecem ainda

181 maior credibilidade diante dos estudos de Anderson & Gillam (2000). Apesar disso, são de difícil compreensão pelo leigo na matéria, especialmente no trato de questões como sazonalidade, espacialidade, dinâmica populacional, variação climática, biodiversidade e outros assuntos importantes à compreensão dos contextos ambientais gerais com os quais se depararam os primeiros povos indígenas que se estabeleceram na região. Tais contextos não foram estáticos do ponto de vista ecológico, uma vez que envolveram tramas espaçotemporais dinâmicas, complexas e multidimensionais (Butzer, 1989).

4.2. O ATERRO MS-CP-22 Segundo pesquisas realizadas no âmbito do Projeto Corumbá, no Pantanal as ocupações mais antigas até então conhecidas estão relacionadas com a presença de povos pescadores-caçadores-coletores aceramistas, portadores da tecnologia lítica que Schmitz et al. (1998) e Rogge (2000) denominaram de fase Corumbá (Corumbá I), embora o sítio estudado (MS-CP-22) esteja situado no perímetro urbano da cidade de Ladário, à margem direita do rio Paraguai, em uma escarpa calcária que parece ser uma espécie de fronteira natural entre as terras altas e as terras baixas do Pantanal (Figura 8). Ali há uma rua asfaltada, edificações de alvenaria e um estabelecimento público de ensino fundamental, a escola 17 de Março. A data calibrada mais antiga é de 8.390±80 AP e a mais recente de 8.160±60 AP, o que a priori sugere uma duração de pouco mais de dois séculos (Quadro 3). Assim como todas as datas obtidas no Projeto Corumbá, estas também foram feitas a partir de conchas de moluscos aquáticos seguramente encontradas em níveis arqueológicos. O sítio MS-CP-22 é um grande aterro, aparentemente unicomponencial, com cerca de 2 ha de área total e 2 m de altura em alguns pontos, tendo sido formado por sedimentos e grande quantidade de moluscos aquáticos, principalmente das espécies Pomacea canaliculata e Pomacea scalaris, além de ossos de peixes e de outros animais, a maioria restos de alimentação humana (Sbeghen, 1998; Schmitz et al., 1998; Rogge, 2000). Sobre a fase Corumbá (Corumbá I), é importante explicar que ela foi estabelecida a partir da metodologia convencional utilizada pelo PRONAPA para estabelecer cronologias culturais a partir de fases e tradições tecnológicas, quer dizer, unidades arqueológicas artificiais que priorizam a morfologia dos artefatos com o objetivo de defini-los em termos

182 tipológicos (Dias, 1994; Hoeltz, 1997). Em geral, definições desse tipo são feitas a partir de alguns fósseis-guias, artefatos que são interpretados como uma espécie de logomarca dentro de um determinado padrão tecnológico, a exemplo de como foram inicialmente definidas as tradições líticas Umbu e Humaitá, associadas a caçadores-coletores que ocuparam parte do Sul do país e outras áreas platinas. Estudos recentes, porém, vêm cada vez mais abandonando análises desse tipo, bem como os termos fase e tradição, através de refinadas abordagens tecno-tipológicas, a exemplo das análises feitas pelas duas autoras citadas neste parágrafo. No caso da fase Corumbá, ainda que ambiguamente subdividida em Corumbá I e Corumbá II, os fósseis-guias mais nítidos seriam pequenas bolas líticas de calcário, tendo sido ainda encontrados blocos com pequenas depressões polidas, blocos com superfícies deprimidas, lâminas e seixos com faces e/ou gumes polidos, possíveis “mãos”, percutores, talhadores e pingentes (Schmitz et al., 1998).

183

Descida para o rio

Descida para o rio

Rua Almirante Tamandaré

C1

C2

C3

Escola 17 de Março

Rio Paraguai Construções Cortes estratigráficos Sondagens

0

20 m

FIGURA 8: LOCALIZAÇÃO E PLANTA BAIXA DA ÁREA APROXIMADA DO SÍTIO MS-CP-22 (Rogge, 2000:344-345).

184 A implantação do sítio na paisagem local indica, a meu ver, um sistema de abastecimento estruturado na pesca, caça e apanha de moluscos, ainda que praticamente nada se saiba sobre a coleta de vegetais (vide Rosa, 1997, 1998, 2000; Sbeghen, 1998). Está muito bem comprovado que restos de alimentação humana foram propositadamente depositados de modo a formar uma estrutura monticular que lembra centenas de sambaquis encontrados em várias partes do mundo. Esta estrutura foi o local de habitação, aparentemente permanente (central), de um povo pescador-caçador-coletor bastante antigo que, com certeza, usava a canoa como meio transporte na planície de inundação. Portanto, considero que povos indígenas canoeiros devem ter sido os primeiros povoadores das terras baixas pantaneiras, possuidores do hábito cultural de acumular restos de alimentação de modo a formar estruturas monticulares. Há ainda que frisar o seguinte: a extensão do sítio e as datas obtidas sugerem uma ocupação concomitante de várias famílias, as quais ao longo de várias gerações e mais de 200 anos construíram o aterro, indício de certo sedentarismo. É muito provável ainda que tenha havido uma organização do trabalho social de obter e acumular restos de alimentação humana, principalmente se levado em conta o tamanho do sítio e o tempo de sua construção, pouco mais de dois séculos. Esta avaliação baseia-se, principalmente, em dois tipos de evidências arqueológicas: a abundância de vestígios arqueológicos e ecofatos associados ao tamanho do sítio e as datas de C14. Para Betty J. Maggers (1999:14), evidências desse tipo podem induzir a alguns erros, especialmente para o caso da Amazônia, haja vista que a extensão do sítio não necessariamente corresponde ao tamanho da aldeia ou que “a ausência de evidência física de abandono indica uma residência contínua, e que o lapso entre a data mais antiga e a mais recente em um sítio define a duração da ocupação”. Mas sendo ou não válida a hipótese apresentada, somente escavações refinadas e executadas em áreas maiores poderão esclarecer se de fato houve ou não um continuum espaço-temporal no caso do sítio MS-CP-22. No momento holocênico em que se formou esse assentamento indígena, o Pantanal já havia tido um expressivo aumento da biota, a exemplo dos recursos ictiofaunísticos e malacológicos, bem como da população de jacarés, capivaras e outros animais intimamente associados à vida aquática. Essa situação ambiental pode ser comprovada pela grande quantidade de gastrópodes apanhados nas proximidades do sítio, haja vista que via de regra a presença de moluscos indica a existência de condições ambientais favoráveis à

185 sobrevivência humana (Chaix & Méniel, 1996). Por outro lado, como a coleta de moluscos deveria ter sido feita nos banhados e lagoas existentes nas proximidades, é bem provável que esses pescadores-caçadores-coletores tenham tido assentamentos temporários e periféricos nas circunvizinhanças de sua residência central, formando assim uma unidade de ocupação maior do que a área do aterro MS-CP-22. Algumas variáveis ecológicas e socioculturais podem explicar a implantação do aterro na paisagem. Em primeiro lugar, o assentamento poderia ter sido um estabelecimento central, ocupado permanentemente, isto é, durante todo ou grande parte do ano, pois foi implantado em um ponto protegido das cheias periódicas, a mais de 10 m de altura em relação ao nível atual do rio Paraguai, em uma zona de fronteira natural entre terras baixas e as terras altas do Pantanal. Em segundo lugar, trata-se de um local com abundância de matéria-prima para a indústria lítica, especialmente rochas calcárias e veios de quartzo, apesar de aparentemente haver baixa densidade de artefatos líticos. A explicação para isso deve ser o uso predominante de artefatos de madeira e de outros materiais, dificilmente conservados em sítios arqueológicos localizados em áreas úmidas e a céu aberto. Em terceiro lugar, a proximidade do estabelecimento em relação aos diferentes ecossistemas existentes tanto nas terras baixas quanto nas terras altas, a exemplo do rio Paraguai e suas matas ciliares, bem como de lagoas e banhados com águas alcalinas onde proliferam moluscos aquáticos, peixes e animais como jacarés, capivaras e várias espécies de aves, indicam tratar-se de uma área com alta capacidade de suporte, especialmente em termos de captação de proteína animal e vegetal a partir de eficazes estratégicas de exploração dos recursos naturais existentes no território. Em quarto e último lugar, a situação privilegiada em termos de visão panorâmica da planície de inundação por certo teria facilitado a observação da paisagem e de lugares, o domínio de um importante trecho do rio Paraguai e a defesa do território contra outros povos que estivessem nas proximidades, sendo esta uma estratégia de territorialidade, aqui entendida como “o sistema de condutas que controlam e mantém o uso mais ou menos exclusivo sobre uma área específica” (Lanata, 1993:10). Avalio, pois, que a dieta desse povo não estaria baseada predominantemente em moluscos aquáticos, pois a ocorrência de conchas de caramujos não implica,

186 necessariamente, em uma sobreposição da apanha de gastrópodes sobre a pesca e a caça, fato constatado em vários estudos arqueozoológicos realizados sobre a alimentação de pescadores-coletores responsáveis pela construção de sambaquis litorâneos. Daí o uso que faço da categoria pescador-caçador-coletor, unidade de análise adaptada do termo caçador-coletor (Lee & DeVore, 1973 [1968]), porém interpretada de maneira a evitar rotulações economicistas. Entretanto, a exemplo dos estudos arqueozoológicos realizados para o litoral brasileiro (Figuti, 1998 [2001]), uma estimativa mais apurada entre a proporção da massa comestível de conchas de caramujos e ossos de peixes e de outros animais ainda está por ser feita para o Pantanal, apesar da relevante contribuição de Sbeghen (1998) na identificação e quantificação de vestígios arqueofaunísticos coletados do sítio MS-CP-22. Ademais, é preciso ainda saber quais dos restos faunísticos fizeram parte ou não da dieta humana, além do equipamento usado para a coleta de moluscos, pesca e caça. Exemplo: anzol e linha, arco e flecha, zagaias, arpões, armadilhas, peneiras, redes, plantas que induzem efeito narcótico em peixes e outros. O anzol, porém, parece que somente em tempos coloniais foi incorporado ao arsenal tecnológico dos povos indígenas das terras baixas do Pantanal, ao menos é isso que têm sugerido as diversas pesquisas arqueológicas realizadas na região. Sobre a implantação dos sambaquis litorâneos em ambientes estuarinos, a explicação dada por Tania A. Lima vai ao encontro das idéias aqui apresentas, guardadas, evidentemente, as devidas diferenças ambientais e socioculturais entre a pré-história pantaneira e a do litoral centro-sul do Brasil: A implantação dos sambaquis nesses ambientes estuarinos não foi fortuita. Na verdade, trata-se de um dos ambientes de maior produtividade biótica da costa, na medida em que como zonas de transição entre os habitats marinhos e a água doce da drenagem terrestre são povoados não só por organismos naturais de cada um deles, mas também por espécies características desses ecotonos. Essa particularidade lhe confere uma alta densidade e diversidade de formas de vida (Lima, 1999/2000:272).

Do ponto de vista cronológico, tenho a dizer ainda que o sítio MS-CP-22 está situado mais ou menos no mesmo momento climático dos povos pescadores-coletores associados aos mais antigos sambaquis estudados na costa brasileira, cuja data nãocalibrada mais antiga é a do sambaqui Camboinhas, no Rio de Janeiro, com 7.958±224 (Lima, 1999/2000). No entanto, como frisou Maria Dulce Gaspar:

187 Infelizmente, não há pesquisas voltadas especificamente para o tema que investiguem locais propícios para ocupação remota. Sabe-se que oscilações marinhas têm especificidades regionais, cabendo investigar áreas onde possam haver sítios mais antigos, locais elevados que não foram cobertos pelo mar ou águas tranqüilas que possam guardar sítios submersos (Gaspar, 2000:32).

Situação semelhante à descrita pela autora ocorre no Pantanal, onde até o presente momento não houve nenhuma pesquisa específica para encontrar os sítios mais antigos da região. Com efeito, o crescimento das cidades de Corumbá e Ladário, no Brasil, Puerto Quijarro e Puerto Suárez, na Bolívia, devem ter destruído vários desses assentamentos humanos mais remotos (J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Por outro lado, como disse anteriormente, em antigos meandros do rio Paraguai e em outras tantas áreas que limitam as terras altas com planície de inundação, devem existir sítios com datas ainda mais antigas ou próximas das obtidas para o aterro MS-CP-22. Alguns deles, especialmente os de curtíssima duração como acampamentos provisórios e sazonais, provavelmente foram destruídos ou bastante perturbados pela própria dinâmica natural que envolve as mudanças do curso dos rios. Todavia, essa é a estrutura monticular mais antiga então conhecida para toda a região platina, inclusive em relação aos cerritos que ocorrem no Rio Grande do Sul e Uruguai, analisados por Schmitz (1976), Schmitz et al. (1991), López Mazz (1989, 1994, 1998, 2001), Lima & López Mazz (2000) e outros arqueólogos. Em um futuro não muito distante, será de grande relevância um estudo comparativo sobre os aterros que ocorrem em toda a bacia platina, bem como acerca de outras estruturas monticulares existentes em áreas como o vale do Guaporé, as terras subandinas da Bolívia, os Llanos de Mojos e os sambaquis do litoral brasileiro. Uma investigação desse tipo talvez consiga propor modelos explanatórios de longo alcance para grandes áreas do subcontinente, representações estas que poderão lançar novas luzes sobre a pré-história sulamericana, principalmente acerca do início do povoamento humano em planícies de inundação.

188

5 A INTENSIFICAÇÃO DA OCUPAÇÃO INDÍGENA

Os homens deste lugar são mais relativos a águas do que a terras. [...] Há vestígios de nossos cantos nas conchas destes banhados. Os homens deste lugar são uma continuação das águas (Manoel de Barros, 1997:12-13).

Até o presente momento, o corpus acumulativo de informações reais sobre a préhistória pantaneira possibilita apresentar a hipótese de que a intensificação da ocupação indígena das terras baixas ocorreu, destacadamente, a partir do fenômeno conhecido como Ótimo Climático, período em que houve um aumento da biota em ambientes costeiros e nas planuras inundáveis existentes na América do Sul tropical. Esta idéia está fundamentada em datações radiocarbônicas e na constatação de que a partir desse momento houve um significativo aumento de assentamentos humanos na região. Ademais, em linha gerais alterações climáticas e aumento demográfico são duas dentre muitas variáveis comumente apontadas para explicar mudanças sociais ocorridas no passado arqueológico, especialmente quando se trata do surgimento da agricultura (Cohen, 1981; Price & Gebauer, 1995). Mudanças assim em muito dependem, também, do acúmulo de conhecimentos ou capital cultural e da ação de indivíduos no interior da sociedade (Childe, 1961, 1986, 1988). Além do aterro MS-CP-22, pesquisadores ligados ao Projeto Corumbá estudaram outros sítios, porém tidos como multicomponenciais, cujas camadas inferiores foram interpretadas como correspondendo a ocupações de pescadores-caçadores-coletores aceramistas, entre 4.500 e 2.700 AP (Schmitz, 1998 et al.). Em todos os casos investigados, as camadas arqueológicas mais antigas estariam sobrepostas por ocupações de povos pescadores-caçadores-coletores seguramente ceramistas, cronologicamente situadas a partir de cerca de 2.200 AP (Quadro 3).

189 5.1. O ÓTIMO CLIMÁTICO COMO MARCO TEMPORAL É interessante notar que entre as datas mais antigas a um considerável hiato entre 8.100 e 4.500 AP, lacuna que também abrange grande parte do Ótimo Climático. No âmbito do Projeto Corumbá, essa situação indica o uso de procedimentos metodológicos voltados para o levantamento, quase que exclusivo, de aterros sob forma de capões-demato e cordilheiras, ou seja, de sítios de alta visibilidade, ainda que implementados através de informações orais e interpretação de fotografias aéreas e imagens de satélite. A metodologia utilizada não esteve voltada para a detectação de sítios de baixa visibilidade, principalmente os existentes no subsolo, bem como daqueles localizados nas barrancas altas do rio Paraguai, a exemplo do MS-CP-22, aterro que foi levantado de maneira fortuita por pesquisadores da UFMS. Contudo, é certo que a lacuna temporal corresponda a um momento em que as terras baixas do Pantanal estiveram sendo ocupadas por povos indígenas, inclusive por pescadores-caçadores-coletores. Tudo leva a crer, portanto, que após o Ótimo Climático houve um expressivo aumento populacional na região, evidenciado pelo crescimento do número de aterros e outros tipos de sítios em regiões como a lagoa de Jacadigo e adjacências. Faltam evidência empíricas, todavia, para verificar se essa situação foi ou não motivada por ondas migratórias de povos provenientes do Chaco e da Amazônia, por exemplo, muito menos se estaria diretamente relacionada a um aumento demográfico ocorrido na população dos primeiros povoadores da região. Talvez uma resposta mais plausível esteja na conjugação dessas duas possibilidades, dentre outras, principalmente em um macro contexto ambiental marcado por uma abundância ainda maior de recursos, cenário mais propício para uma base alimentícia estável na economia dos povos indígenas no Pantanal. Estaria aí, então, o início efetivo da sociodiversidade regional, historicamente registrada a partir da primeira metade do século XVI, momento dos primeiros contatos diretos entre indígenas e europeus. Os sítios datados entre 4.500 e 2.700 AP são os seguintes: -

MS-CP-16, aterro aparentemente sobre dique marginal, com aspecto de grande cordilheira, que praticamente divide a lagoa de Jacadigo em duas partes, a norte e a sul;

-

MS-CP-18, montículo localizado às margens da mesma lagoa, próximo ao morro homônimo e há uns 200 m de distância do sítio MS-CP-16;

190 -

MS-CP-32, assentamento sobre dique fluvial existente às margens do rio Verde, próximo ao distrito de Albuquerque;

-

MS-CP-38, aterrado também localizado na área de influência da lagoa de Jacadigo, à margem direita do córrego das Pedras (Quadro 3). Todos eles funcionaram como estabelecimentos protegidos das cheias anuais,

possíveis assentamentos permanentes em áreas bastante próximas das terras altas do planalto residual de Urucum, em Corumbá, destacadamente em períodos plurianuais de anos chuvosos. A tecnologia lítica desses sítios foi denominada de fase Corumbá (Corumbá II), embora não se saiba muito bem se ela possui correlação tecnológica ou uma continuidade em relação ao sítio MS-CP-22 (Schmitz et al., 1998). Daí dizer que sua divisão em Corumbá I e Corumbá II é pouco precisa. Falta ainda, por exemplo, uma análise tecno-tipológica que compare a indústria lítica desses sítios, bem como estudos arqueozoológicos que analisem possíveis continuidades e mudanças em termos de dieta alimentar. Além disso, a estratigrafia dos sítios MS-CP-16, MS-CP-18, MS-CP-32 e MS-CP38 parece ser muito complexa para ser analisada unicamente através de cortes estratigráficos escavados por níveis artificiais de 10 cm de espessura. Isso porque, dentre outras coisas, aterros sob forma de capões-de-mato e cordilheiras ainda hoje em dia continuam sendo locais de refúgio para a fauna durante as inundações anuais. Significa dizer, portanto, que no caso específico do Pantanal, o processo de formação de aterros também envolve fatores naturais como, por exemplo, perturbações feitas por diversos animais (buracos de corujas, ratos, tatus, insetos e outros), raízes de árvores, águas e ventos, o que não é raro em sítios pré-históricos, conforme analisaram Wood & Johnson (1978), além de processos pós-deposicionais. Logo, sua feição atual resulta de um conjunto de processos naturais e socioculturais. Por isso, Schmitz et al. (1998:244) assim ponderaram: “Apesar de haver uma série de cortes estratigráficos em aterros dos campos alagadiços, não se alcançou certeza a respeito da presença e importância, ali, de uma ocupação pré-cerâmica”. Na verdade, fragmentos de vasilhas cerâmicas foram encontrados em todos os níveis escavados, inclusive alguns fragmentos nas camadas inferiores e mais antigas do aterro MS-CP-16. A citação apresentada justifica, pois, a cautela em não associar os sepultamentos humanos primários e secundários, geralmente em posição fletida, com o suposto período de ocupações dos povos aceramistas associados à fase Corumbá (Corumbá II). Neste último

191 caso, avalio que futuros estudos sobre a genética dos esqueletos humanos encontrados em todos os cinco sítios, feitos a partir de modernas técnicas, como a de DNA mitocondrial e cromossomo Y, poderão inferir com maior segurança sobre semelhanças e diferenças biológicas entre antigos povos pescadores-caçadores-coletores da região. Recentemente, José Luís dos S. Peixoto e colaboradores, em trabalhos apresentados durante o XI Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 2001, informaram sobre a obtenção de datas por termoluminescência situadas entre 2.780 e 1.600 AP para a presença de povos ceramistas nas lagoas de Castelo e Vermelha, em Mato Grosso do Sul (Felicíssimo et al., 2001; Peixoto et al., 2001). Ademais, como participei da escavação da maioria desses sítios arqueológicos estudados no Projeto Corumbá e analisei a cerâmica do aterro MS-CP-16 (J. Oliveira, 1995b), na época feita com base na proposta de Meggers & Evans (1970), penso não ser improvável tratar-se de estruturas monticulares construídas por povos pescadorescaçadores-coletores que teriam incorporado a cerâmica, por produção própria ou aquisição de outros povos, desde uns 4.500 AP. Se isso for verdade, a cerâmica batizada de tradição Pantanal (fase Pantanal e fase Jacadigo) estaria, então, entre as mais antigas e de maior longevidade na região platina, fato este que não vejo com grande surpresa, especialmente nos dias de hoje em que antigos modelos difusionistas estão sendo cada vez mais revistos e, em muitos casos, considerados obsoletos por alguns arqueólogos. Daí a importância de se perceber a pré-história pantaneira em uma escala supra-regional, buscando inferir sobre possíveis correlações extra-regionais dentro e fora da grande bacia platina, como dito antes.

5.2. A TRADIÇÃO PANTANAL Dentre as formas de vasilhas mais conhecidas para a ocorrência da tecnologia denominada tradição Pantanal, destacam-se panelas, tigelas, bilhas d’água (jarros) e eventualmente moringas de pequeno tamanho, em muitos sítios raramente maiores que 30 cm de altura e com uma capacidade volumétrica inferior a quatro litros (Rogge & Schmitz, 1992, 1994; J. Oliveira, 1995b; Schmitz et al., 1998; J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a). São vasilhas de contornos simples, às vezes apenas alisadas interna e

192 externamente, que deveriam ter sido mais usadas para fins domésticos e por pequenas populações, quiçá em contextos de grupos familiares, destinadas a preparar, armazenar e servir alimentos sólidos e líquidos. Outros artefatos como cachimbos, rodelas de fuso e contas de colar também foram encontrados no Brasil. Dentro de uma perspectiva mais ecológica, creio ser correto associar a tradição Pantanal a sistemas adaptativos estruturados na pesca, caça, coleta, manejo ambiental e alguma forma de obtenção de vegetais domesticados (Figuras 9, 10, 11 e 12). Uma tecnologia cerâmica muito semelhante em relação àquela que ocorre nos aterros da lagoa do Jacadigo e adjacências, em Corumbá, foi encontrada no grande montículo do Puerto 14 de Mayo, região pantaneira da República do Paraguai. Esse sítio foi primeiramente mencionado por Guido Boggiani (apud Susnik, 1959a:91) em fins do século XIX. Trata-se de uma grande estrutura monticular formada basicamente por sedimentos e conchas de moluscos aquáticos, assim como é o caso dos aterros MS-CP-16 e MS-CP-22. Duas escavações foram dirigidas por Branka Susnik na localidade, uma em 1956 e outra 1990. Nas duas ocasiões, a etnóloga recolheu material arqueológico que está salvaguardado no Museu Etnográfico Andrés Barbero, em Assunção. As escavações foram feitas sem um controle da estratigrafia e por isso o material coletado não foi separado por níveis naturais ou artificiais, o que dificulta certos tipos de análise estatística e a percepção de eventuais variações tecnológicas de acordo com determinados momentos de ocupação. Além disso, apenas uma parte das peças encontradas foi recolhida durante os trabalhos de campo, aquelas cuja decoração plástica que mais chamou a atenção da pesquisadora. Da primeira escavação consta uma publicação feita três anos depois dos trabalhos de campo, ao passo que da segunda nenhuma divulgação específica foi apresentada até o momento. Em fins de agosto e início de setembro de 1998, quando de minhas pesquisas no Museu Etnográfico Andrés Barbero, pude analisar uma parte do material cerâmico recolhido do aterro do Puerto 14 de Mayo. Naquele semestre o museu estava em reformas e somente foi possível ter acesso a 422 cacos em exposição para o público: 169 fragmentos de bordas, 11 de bases e 242 de paredes de vasilhas. Do total, talvez 367 fragmentos sejam da escavação de 1956 e o restante da realizada em 1990. Uma única borda era de cerâmica Guarani, acidentalmente misturada aos fragmentos recolhidos do sítio.

193 As vasilhas reconstituídas graficamente são de tamanho, capacidade volumétrica e forma muito semelhantes as da tradição Pantanal encontradas no Brasil, tendo sido confeccionadas pela técnica roletada, possuindo uma dureza entre cerca de 2,5 e 3 graus na escala mineralógica de Friedrich Mohs, no mínimo. Sobre a espessura dos cacos, 4 eram de fragmentos com até 5 cm, 303 entre 6 e 10 cm e 115 entre 11 e 15 cm. A queima do vasilhame foi feita em ambiente parcialmente oxidante, predominando núcleos pretos e alaranjados. O antiplástico mais comum é constituído de cacos moídos misturados com conchas trituradas, havendo alguns fragmentos com grãos de quartzo, minerais opacos e possíveis grãos de concreção calcária. Interessante foi constatar que os cacos expostos no museu possuem uma grande variedade decorativa, muitas vezes formada pela composição de diferentes e complexos tipos de tratamento de superfície e pintura, ou seja, de diferentes seqüências decorativas em uma mesma vasilha. A maior semelhança decorativa com a cerâmica do aterro MS-CP16, por exemplo, está na considerável variação de corrugados e outros tipos de decorações em um mesmo fragmento cerâmico, a exemplo de corrugados com riscados ou incisos feitos com algum tipo de palito, pente e pincel, geralmente de maneira vertical, diagonal e vertical e diagonal combinados simultaneamente (Susnik, 1959a, 1984; J. Oliveira, 1995b; Schmitz et al., 1998; Tabela 1). As vasilhas correspondem a panelas de vários tamanhos e algumas bilhas d’água; não havia nenhuma borda de tigela exposta no museu, embora esse tipo de recipiente seja comum nas terras baixas do Pantanal Matogrossense (Figuras 13, 14 e 15). Como a maioria dos cacos estava impregnada com uma espécie de película de carbonato de cálcio, formada da decomposição de conchas de moluscos aquáticos e/ou da ocorrência de concreção calcária na região, em muitos casos ficou difícil perceber se a vasilha foi ou não pintada com engobo vermelho e outras cores. Mesmo assim, a análise feita constatou o uso do engobo vermelho como pintura mais usual (Tabela 1; Figuras 16 e 17). Durante as escavações de 1959 e 1980, Branka Susnik ainda coletou quatro lâminas líticas de machado, sendo duas polidas e com garganta, uma de mão-de-mó, dois quebracoquinhos e três artefatos não identificados por ela, todos feitos de basalto, conforme consta nos livros de inventário de peças arqueológicas do museu (Figura 18). Consta nos mesmos documentos que em 1980 foi encontrado um sepultamento humano associado a 983 contas de colar feitas de conchas de moluscos aquáticos. Foram encontrados ainda pingentes confeccionados a partir de placas ósseas de jacarés, dentes de capivaras e

194 conchas de pequenos bivalves, todos perfurados, além de uma espécie de ponta óssea de flecha e uma bilha d’água (Figuras 19, 20 e 21). Branka Susnik (1959a:91-101) associou a cerâmica do aterro do Puerto 14 de Mayo a povos Mbayá-Guaikuru, inicialmente chamando-a de cerâmica Wettiadau-Mabyá. Posteriormente chamou-a de estilo ou cerâmica Guaná-Mbayá (Susnik, 1984:52). Para tanto, ela levou em conta a situação etnográfica e etnoistórica das regiões chaquenha e pantaneira, assim como a tradição oral do povo Chamacoco que mais recentemente passou a ocupar aquela área. Concordo com a autora na idéia de haver uma certa lógica estilística, etnográfica, etnoistórica e geográfica na associação da cerâmica do Puerto 14 de Mayo a povos lingüisticamente Guaikuru. Isso não significa, necessariamente, que essa tecnologia seja a dos Mbayá-Guaikuru conhecidos em tempos coloniais e épocas mais recentes. Tenho dúvidas, não obstante, se é possível recuar ao passado arqueológico mais antigo com este tipo de analogia histórica, pois: É difícil dizer quem eram os portadores da cultura do concheiro do Puerto 14 de Mayo; sem dúvida, esta cultura logo foi deslocada pelos Mbayá e Chané, donos do Alto Paraguai já antes da conquista hispânica. É provável tratar-se das influências xarayenses ou de uma difusão da cultura neolítica dos laguneiros Matará do Alto Paraguai; a estes mesmos Matará atribui-se uma migração ao sul pelo rio Paraguai y logo pelo rio Bermejo, de onde também se conhece um grupo de cultivadores ’Matará’; os mesmos achados pré-guaraníticos do lago Ypacaraí indicam algumas correlações alto-paraguaienses. Alguns novos achados em Lomitas (Chaco Argentino) manifestam a decoração cerâmica idêntica a do Puerto 14 de Mayo. Os povos proto-neolíticos da região de Xarayes haviam, ao que tudo indica, influído culturalmente sobre o grande conglomerado dos povos pescadores e caçadores do Alto Paraguai (Susnik, 1984:52).

Caso Susnik esteja correta em sua leitura, sítios com expressiva ocorrência de cerâmica com diferentes seqüências decorativas de acordo com a área da vasilha (corrugados, impressões de corda, pinturas em vermelho, incisos e outros), como os que ocorrem das redondezas de Corumbá até a porção meridional do Pantanal e no Gran Chaco, corresponderia a povos lingüisticamente Guaikuru como os antigos MbayáGuaikuru e Payaguá. Por outro lado, a cerâmica com pouca ou nenhuma incidência expressiva desse tipo de decoração, como a que ocorre acima de Corumbá, na parte centrosetentrional do Pantanal Matogrossense, sobretudo nos rios Paraguai, São Lourenço e Cuiabá, assim como nas grandes lagoas da região, em tese corresponderia a povos MacroJê como o Guató, ou quiçá a outros povos não pertencentes à família lingüística Guaikuru.

195 Estaria aí, então, um primeiro modelo étnico a ser considerado como hipótese em estudos arqueológicos e etnoistóricos que busquem compreender o transcurso dos povos indígenas no Pantanal e no Chaco, especialmente útil para a interpretação de sítios com datas ao redor do início da época colonial. É possível, outrossim, que o aterro do Puerto 14 de Mayo possa vir a apresentar datas tão antigas quanto as do sítio MS-CP-16, igualmente ocupado por povos pescadorescaçadores-coletores. Também não é improvável que possa ter sido ocupado por povos mais antigos ainda, os quais inicialmente não incorporaram elementos cerâmicos em sua cultura material, a exemplo do que foi constatado para o sítio MS-CP-22. Estas considerações levam em conta o tamanho do sítio e a espessura de suas camadas culturais, além de chamar a atenção para futuras pesquisas arqueológicas naquela região da República do Paraguai.

196 TABELA 1: FRAGMENTOS CERÂMICOS DO ATERRO DO PUERTO 14 DE MAYO. TIPO DE DECORAÇÃO DO FRAGMENTO CERÂMICO Corrugado Corrugado riscado (inciso) Corrugado com alisado Corrugado com corrugado riscado (inciso) Corrugado riscado (inciso) com alisado Corrugado com ungulado Corrugado com impressão de corda e engobo vermelho externo Corrugado riscado (inciso) com engobo vermelho interno Corrugado com ponteado Alisado Alisado com engobo vermelho externo Alisado com engobo vermelho interno e externo Alisado com impressão de corda Alisado com impressão de corda e engobo vermelho externo Alisado com impressão de corda e engobo vermelho interno e externo Alisado com engobo vermelho externo e pintura em branco Alisado com pintura em preto e impressão de corda Alisado com riscado (inciso) Alisado com riscado (inciso) e engobo vermelho interno e externo Alisado com riscado (inciso) e engobo vermelho externo Alisado mas sem alisamento na parte interna da vasilha Alisado com apliques Alisado com apliques e engobo vermelho externo Alisado com riscado (inciso) e ponteado Alisado com ungulado Alisado com ponteado TOTAL

QUANTIDADE 66 231 3 14 14 3 1 1 1 34 4 6 7 11 1 1 1 7 1 1 8 1 1 2 1 1 422

197

FIGURA 9: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (Schmitz, et al., 1998:233).

198

FIGURA 10: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (Schmitz et al., 1998:236).

199

FIGURA 11: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (Migliacio, 2000a:365).

200

FIGURA 12: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (Migliacio, 2000a:366).

201

FIGURA 13: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO) (a decoração das vasilhas por ordem crescente é a seguinte: alisada, alisada, riscada, alisada/impressão de corda/engobo vermelho, alisada; as bordas com contorno tracejado foram decoradas com engobo vermelho).

202

FIGURA 14: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO) (a decoração das vasilhas é total ou parcialmente corrugada; os desenhos ao lado esquerdo das panelas são de seis bases e de um fragmento de parede sem alisamento na parte interna do recipiente).

203

FIGURA 15: CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO) (a decoração das panelas é total ou parcialmente corrugada; os desenhos ao lado esquerdo das panelas são de bilhas d’água; as bordas com contorno tracejado foram decoradas com engobo vermelho).

204

0

10 c m

FIGURA 16: CACOS CERÂMICOS DA TRADIÇAO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO).

205

0

10 c m

FIGURA 17: CACOS CERÂMICOS DA TRADIÇÃO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO).

206

0

6 cm

FIGURA 18: ARTEFATOS LÍTICOS (PUERTO 14 DE MAYO).

207

0

5 cm

FIGURA 19: CONTAS DE COLAR E PINGENTES (PUERTO 14 DE MAYO).

208

0

4 cm

FIGURA 20: VASILHA CERÂMICA DA TRADIÇÃO PANTANAL (PUERTO 14 DE MAYO).

209

0

3 cm

FIGURA 21: ARTEFATO ÓSSEO, PUERTO 14 DE MAYO.

Ainda que essa tecnologia cerâmica tenha sido denominada de tradição Pantanal por Rogge & Schmitz (1992 [1991]), é importante registrar que anteriormente a eles Willey (1971) a havia chamado de tradição Chaquenha, Susnik (1972a, 1972b, 1975, 1978, 1984) de estilo Guaná-Mbayá e Perasso (1978) de complexo cultural Altoparaguaiense. Embora os três últimos trabalhos não tenham sido discutidos ou mencionados por Rogge & Schmitz (1992, 1994) e Schmitz et al. (1998), cabe aqui citar a ressalva apresentada pela equipe do Projeto Corumbá que assinou a obra Aterros indígenas no Pantanal do Mato Grosso do Sul: “a presente definição se refere exclusivamente à área do Projeto Corumbá. Projetos maiores em outras áreas, com estabelecimento de novas fases, talvez exijam ajustes ou ampliações para adequá-las a uma realidade maior” (Schmitz et al., 1998:222). Esse tipo de justificativa não torna irrelevante a crítica de que não se pode denominar uma tecnologia cerâmica sem antes concluir uma profunda revisão bibliográfica sobre o assunto. Isto porque estilos cerâmicos semelhantes foram encontrados em outras áreas inundáveis da região platina, principalmente no Chaco. Além disso, como é regra entre arqueólogos de formação pronapiana, o nome válido para uma tradição tecnológica seria sempre o primeiro pelo qual ela foi batizada. Se esta norma tivesse sido seguida à risca não haveria tantas duplicações de nomenclaturas para certas tecnologias préhistóricas existentes em países como o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Apesar disso, para fins classificatórios e considerando que somente na década de 1990 essa cerâmica passou a ser analisada com maior detalhamento, neste trabalho optei por utilizar a nomenclatura mais corrente na Arqueologia Brasileira, a denominação

210 tradição Pantanal. Mas não tive a preocupação de seguir ao pé da letra o termo fase, pois minha proposta foi pensar estilos cerâmicos para além de uma classificação meramente tecnológica. Busquei identificar, quando possível, diferentes povos indígenas, em última instância diferentes etnicidades, entidades heterogêneas que interagiram com outros povos a partir das relações espaço-temporais existentes entre cultura material, língua e etnia. Nas palavras de Solange N. de Oliveira: [...] defendemos que a Arqueologia Brasileira pode deixar de lado as abordagens feitas até então de um indígena que pouco interagiu e, conseqüentemente, pouco contribuiu para a formação da cultura brasileira. Para tanto, defendemos a idéia que as relações do passado, assim como as do presente, possibilitam múltiplas abordagens e que as leituras do passado são feitas de acordo com interesses políticos do presente (S. Oliveira, 2002:20).

De acordo com os estudos feitos por Migliacio (2000a), embora haja certa uniformidade morfológica nas vasilhas da tradição Pantanal, há alguns atributos como decoração plástica, pintura e antiplástico que sugerem não somente variações tecnológicas e estilísticas, mas a existência de uma diversidade sociocultural. Essa mesma diversidade também indica diferentes etnicidades regionais, corroborando a tese de que o Pantanal teria sido um grande mosaico sociocultural no centro da América do Sul, inclusive no que diz respeito a presença de povos canoeiros na planície de inundação. Por isso, se levado em consideração unicamente a morfologia do vasilhame, o leitor perceberá certas semelhanças entre essa cerâmica pantaneira e muitas outras que ocorrem nas terras baixas platinas, bem como em relação à cerâmica associada a povos Jê como os Bororo, Kaingang e Xokleng. Ocorre que panelas, tigelas e bilhas d’água são formas quase que universais em muitas tradições e estilos cerâmicos que ocorrem na América do Sul, inclusive entre povos indígenas conhecidos etnograficamente. Embora a trajetória tecnológica da tradição Pantanal seja bastante antiga e muito variável espacialmente, isso não significa que do ponto de vista biológico os primeiros pescadores-caçadores-coletores ceramistas da região correspondam a determinados povos citados em fontes textuais do período colonial, sobretudo em termos étnicos e lingüísticos. Portanto, ela é muito mais que uma tradição; é uma macro-tradição, isto é, um conjunto de vários estilos, correspondentes a diferentes etnicidades, que ocorrem em uma grande zona geográfica platina (vide Binford, 1965:208). No Cone Sul do subcontinente, especificamente no sudeste da região pampeana, na Argentina, e no norte e noroeste do Uruguai, por exemplo, Gustavo G. Politis et al. (2001) muito recentemente publicaram evidências sobre a ocorrência de uma cerâmica antiga, lisa

211 e com decoração incisa, com 3.000 e 2.500 anos de idade, incorporada por povos caçadores-coletores e encontrada nos níveis inferiores de sítios arqueológicos. Datas mais recentes também foram conseguidas para a ocorrência de cerâmica em outras regiões argentinas situadas do Cone Sul: entre 1.700 e 1.500 AP para o noroeste da região pampeana e litoral do rio da Prata, e entre 1.500 e 1.200 AP para o norte da Patagônia. Segundo os autores, os dados obtidos reforçam a tendência atual de aceitar uma idade de 7.000 a 6.000 AP para existência de cerâmica em regiões que têm produzido idades mais antigas, referindo-se particularmente à Amazônia e à costa noroeste da América do Sul. Apesar de recente, essa tendência remete a uma antiga polêmica que envolve duas teses divergentes sobre a origem da cerâmica na América Meridional: invenção autônoma ou difusão transoceânica? (vide Roosevelt, 1991, 1992, 1999; Meggers, 1997c; Gilmore & McElroy, 1998; e outros). A incorporação diferencial da cerâmica entre caçadores-coletores da pré-história do Cone Sul, estaria relacionada, então, a modificações das estratégias sócio-econômicas como um todo, motivo de inovações e/ou aquisições tecnológicas, associadas a fatores como crescimento populacional, possível incremento do componente vegetal na dieta, mudanças na mobilidade e no grau de sedentarismo, necessidade de armazenamento e aumento da produção e do custo de processamento dos alimentos, também detectado pela introdução de implementos de moagem encontrados nos sítios (Politis et al., 2001). Essa tese remete ao argumento de que a introdução da cerâmica seria, sobretudo, uma resposta à demanda econômica, quer dizer, ao aumento demográfico e/ou ao estresse de recursos. Segundo os arqueólogos, a dimensão social do processo de intensificação econômica e complexidade cultural se manifesta no intercâmbio de artefatos e de gente, na circulação de materiais exóticos e na manufatura de elementos não utilitários, dentre outros fatores, os quais quiçá poderiam ter ocorrido no Pantanal a partir do Ótimo Climático. Gustavo G. Politis e seus parceiros apresentaram ainda vários questionamentos sobre a pré-história do Cone Sul, inclusive acerca do modelo ecológico de difusão da cerâmica da tradição Palo Blanco, desde o estuário do rio da Prata, a partir de 3.000 AP, em direção ao centro da América do Sul, através do sistema fluvial Paraná-Paraguai, proposto por José J. J. Proenza Brochado (1984). Apesar das pertinentes críticas recebidas, em seu grande esforço de erudição e poder de síntese, superior ao trabalho de Gordon R. Willey (1971), José J. J. Proenza Brochado deu uma importante contribuição à Arqueologia Platina: associou a tecnologia

212 cerâmica da tradição Palo Blanco à presença de povos proto-Guaikuru, dos quais fariam parte os portadores das cerâmicas conhecidas como subtradição Vieira, estilo Entrerriano e estilo Ribeirinhos Plásticos. De acordo com o autor: Cerâmicas aparentadas se difundiram também pelo sul, na região pampeana. Além disso, é bem possível que todas as cerâmicas mais antigas das terras baixas da Bolívia, do Chaco paraguaio e do nordeste da Argentina representem também derivações desta tradição básica. Outras derivações das formas mais elaboradas da mesma tradição, relacionadas com a distribuição dos falantes Guaicuru, penetraram na direção nordeste e, conforme demonstrarei, na sua forma atribuída aos falantes Pano, viria a modificar grandemente a cerâmica da subtradição Guarani, quando os proto-Guarani passaram pelo leste da Bolívia no seu caminho para o sul (Brochado, 1984: 572).

Se a tradição Palo Blanco realmente pertenceu a povos lingüisticamente Guaikuru, por certo a área de distribuição dos proto-Guaikuru foi muito além das fronteiras do Chaco e do Pantanal, abrangendo também os territórios dos antigos Charrua e Minuano do Rio Grande do Sul e Uruguai. Logo, em tese esta seria a mais popular tecnologia cerâmica incorporada por povos caçadores-coletores das terras baixas platinas. Ocorre que não há evidências que permitem apontar continuidades culturais tão longas assim para a região. Branka Susnik, por sua vez, também abordou o assunto da seguinte maneira: Os Eyiguayegui-Mbayá-Guaikuru adotaram como todos os chaquenhos de cultura originalmente paleolítica, a cerâmica de seus vizinhos neolíticos; conseguiram sociopoliticamente avassalar aos Chané-Guaná-Arawak, já com algumas características culturais andinizadas, aproveitando as vantagens de sua cultura econômica (Susnik, 1998a:49).

Mais: Desde a penetração já pré-colombiana dos Chané-Arawak em seu status de vassalagem dos Mbayá-Guaikuru no Alto Paraguai, introduziu-se a cerâmica caracterizada por impressão negativa de cordõeszinhos de ‘caraguatá’ (bromeliáceas), em decoração geométrica, às vezes escalonada do tipo tiahuanacóide, e logo fitomorfa estilizada pela influência do ambiente colonial hispânico. Em Laguna Brava, próximo de Resistência (Argentina), alguns achados manifestam também a decoração pela impressão de corda (...). Afora algumas grosseiras imitações já ‘históricas’ entre os povos chaquenhos vizinhos, o estilo não se difundiu nem influenciou na cerâmica Guarani. Há que considerar que o estilo Chané-Arawak foi introduzido no Alto Paraguai como foram intrusos seus portadores, sendo seu proto-habitat originário basicamente pré-andino (Susnik, 1975:23).

Como de costume, a interpretação da autora esteve fortemente influenciada por uma projeção histórica sobre o passado arqueológico (Susnik, 1982:7), apesar de na época ela não ter contado com datas radiocarbônicas que pudessem sustentá-la para episódios mais recuados da pré-história, o que não desmerece sua notável capacidade de erudição teórica.

213 Ela creditou a origem da cerâmica Guaikuru a influências de povos Arawak (Susnik, 1972a, 1972b, 1975, 1978, 1998b), se bem que as datas obtidas para a tradição Descalvado, em Mato Grosso, tecnologia cerâmica também dominada pelos antigos Xaray, são mais recentes do que as conseguidas para a tradição Pantanal, esta sim talvez associada a povos lingüisticamente Guaikuru, dentre outros (vide J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a). A tese de Susnik parece ter sido influenciada pelas explanações de Nordenskiöld (1903), Métraux (1942, 1944, 1963a) e outros autores que, mesmo antes dela, apontaram a influência Arawak na cerâmica Guaikuru, especialmente na dos Kadiwéu, bem como sua semelhança decorativa com tecnologias andinas: A decoração da cerâmica dos Mbayá-Kadiwéu apresenta óbvias analogias com motivos peruanos, iguais talvez com a arte mais recente de Chavín. [...] O papel dos arawakanos Chané (Guaná) espalhando cultura andina deveria ter sido considerável. No oeste eles formaram um pára-choque entre as tribos de Chaco e os povos dos contrafortes dos Andes. Todos os objetos que originaram nos Andes e foram adotados por índios do Chaco também aconteceram entre os Chané (Métraux, 1963a:211).

Não tenho dúvidas de que povos Arawak e Guaikuru se influenciam mutuamente do ponto de vista cultural, muito menos rechaço a interpretação de que a cerâmica etnográfica dos Kadiwéu possa ter sofrido influências andinas e subandinas por conta dos antigos Chané. Minha discordância é em relação à projeção dessa situação historicamente conhecida para o passado arqueológico mais longínquo, corroborando a tese de que o Pantanal e o Chaco teriam sido regiões meramente receptoras de influências alienígenas, quer dizer, que juntas comporiam uma grande área marginal da América do Sul, seguindo o paradigma evolucionista de Julian Steward (1963). Ademais, etnograficamente a cerâmica de povos Arawak como os Chané e Terena possui muitas características morfológicas e decorativas distintas da cerâmica Kadiwéu conhecida historicamente. A bem da verdade, a introdução de elementos cerâmicos entre povos proto-Guaikuru, assim como sua própria origem, constituem temas mais complexos do que tem sido pensado até agora. Apesar disso, Susnik (1998b) afirmou em vários trabalhos que os povos Guaikuru, à exceção dos Payaguá, possuem uma vinculação migratória com povos pampeanos, idéia que de certa maneira corrobora o modelo proposto por Brochado (1984), mas que

214 atualmente precisa ser revista à luz das pesquisas desenvolvidas no Pantanal Matogrossense. Jorge A. Rodríguez (1992), por seu turno, propôs o termo tradição Savanas Baixas para as tecnologias cerâmicas que classificou como subtradição Vieira, subtradição Salto Grande e subtradição Ibicueña, e a denominação tradição Ribeirinha Paranaense para o estilo Ribeirinhos Plásticos. O maior problema de sua síntese, de caráter históricoclassificatório, está no fato de ela não ter avançado para além do modelo proposto por Brochado (1984), permanecendo limitada a um determinismo de caráter tecno-ambiental que não levou em conta o conhecimento acumulado sobre os povos indígenas platinos e suas vinculações com o passado pré-histórico. Recentemente, em 1998 e 1999, pesquisadores do Museu de La Plata, sob a coordenação de Horacio A. Calandra, realizaram pesquisas arqueológicas na localidade de El Cachapé, região meridional do Chaco argentino. Encontraram sítios com material cerâmico parecido com a tradição Pantanal que ocorre na lagoa do Jacadigo e no Puerto 14 de Mayo, e com a cerâmica do sítio Las Bolivianas, localizado no vale do rio Bermejo, em Formosa: grande variedade de corrugados (predominando corrugados acanalados), impressões de corda e incisos ponteados, embora a maioria dos fragmentos seja alisada. Conchas de gastrópodes também foram encontradas em nítidos contextos arqueológicos, inclusive valvas das espécies Pomacea canaliculata e Pomacea scalaris (Calandra et al., 2000a; Salceda et al., 2000). Esses antigos assentamentos indígenas foram identificados como uma unidade de ocupação estacional em uma área com ampla disponibilidade de recursos, interpretação semelhante às feitas para os sítios das terras baixas do Pantanal. Os pesquisadores ainda encontraram ossos humanos para os quais obtiveram uma data de 1.270±60 AP, a primeira datação radiocarbônica conseguida para aquela região chaquenha. Tecnologicamente a cerâmica de El Cachapé poderia ser filiada à antiga cultura San Francisco, assim conhecida na Argentina, cuja cronologia está situada entre 2.300 e 1.400 AP. Todavia, segundo os arqueólogos ela corresponde, à luz da proposta classificatória elaborada por Rodríguez (1992), à tecnologia denominada tradição Ribeirinha Paranaense e à cerâmica Mbayá-Kadiwéu (Calandra et al., 2000a:9). Tudo leva a crer, portanto, que a associação entre determinados estilos cerâmicos pré-históricos e povos da família lingüística Guaikuru está cada vez mais próxima de um consenso entre especialistas do Brasil, Paraguai e Argentina. Falta ainda uma discussão

215 mais apurada sobre a associação entre outros estilos morfologicamente semelhantes e povos Macro-Jê. Contudo, as pesquisas realizadas no Gran Chaco e áreas próximas não apresentaram datas mais antigas do que as obtidas para o Pantanal, conforme pode ser verificado a partir de uma análise dos trabalhos de Biró de Stern (1941, 1944), Márquez Miranda (1942), Palavecino (1944), Rydén (1948), Miranda et al. (1967), Borelli (1968), Dougherty & Calandra (1981), Dougherty & Zagaglia (1982), Dougherty et al. (1984, 1992), Caggiano (1984, 1994), Calandra & Dougherty (1991), Caggiano & Sempe (1994), Méndez et al. (2000) e Calandra et al. (2000b), dentre outros. Isto posto, não seria de se estranhar se no Pantanal e principalmente no Chaco houver uma cerâmica bem antiga, com mais de 3.000 anos de idade, uma vez que nessas zonas historicamente foi documentado um maior número de povos falantes da família lingüística Guaikuru. Digo isso pelo fato de haver uma tendência, ainda que polêmica, em pressupor que na área onde houve ou há o maior número de povos falantes de determinada família ou tronco lingüístico, como a Tupi-Guarani, tiveram origem padrões dinâmicos de migração ou movimentação populacional que explicam a presença histórica de muitas sociedades indígenas e estilos cerâmicos distribuídos pela América Meridional (vide Lathrap, 1975; Susnik, 1975; Brochado, 1984; Noelli et al., 1996; Heckenberger et al., 1998). Ocorre que nem sempre as pesquisas arqueológicas corroboram modelos criados pelos lingüistas, e vice-versa, a exemplo dos antigos debates sobre a possível origem dos povos Tupi na Amazônia Central. Explicações desse nível, que lançam mão de modelos migratórios de longo alcance, ignoram, na maioria das vezes, povos de línguas isoladas, não enquadradas em famílias ou tronco lingüísticos, principalmente aqueles que foram exterminados ao longo da Conquista Ibérica sem muitas vezes haver alguma fonte textual sobre sua existência. Ainda assim, parece não haver divergências entre arqueólogos que vêm estudando a pré-história pantaneira quanto à incorporação, por certo diferencial, da cerâmica entre povos pescadores-caçadores-coletores que já estavam estabelecidos na região desde, no mínimo, o milênio anterior ao início da Era Cristã. Um dos debates, então, gira em torno da possibilidade de haver no Pantanal um estilo cerâmico com mais de 3.000 anos de idade, hipótese que coloca de cabeça para baixo

216 os principais modelos ecológicos e difusionistas conhecidos para as terras baixas platinas. Todavia, como visto em outras regiões da América do Sul, às vezes a sede de antiguidade pode desviar a discussão dos arqueólogos para outros problemas tão importantes quanto saber quando e onde determinado fenômeno teve início.

5.3. FORRAGEADORES OU PESCADORES-CAÇADORES-COLETORES? Outra idéia polêmica, apresentada por Schmitz et al. (1998), diz respeito à tese de que esses povos pescadores-caçadores-coletores teriam sido forrageadores. Os autores, contudo, não apresentaram dados empíricos ou maiores discussões que pudessem dar credibilidade científica ao modelo proposto. Trata-se, isto sim, de uma interpretação que merece uma maior discussão no campo da erudição teórica. Sobre o assunto, algumas explicações precisam ser feitas, pois a proposta de que tais povos teriam praticado o forrageamento ótimo remete a uma perspectiva processualista, a qual lança mão de modelos de comportamento ecológico para o estudo do homem como predador/consumidor de recursos em determinados ambientes. Uma análise desse tipo nada mais é do que uma ferramenta heurística diante de um universo de variáveis sócio-políticas, econômicas, ecológicas e ideológicas. Implica, por exemplo, em dispor de um conhecimento apurado sobre sistemas de assentamento, mobilidade espacial, territorialidade, intensidade de trabalho, capacidade de suporte da área (demografia humana x recursos existentes em determinado território), tempo e estratégias para aquisição de recursos, dentre outros temas de interesse à Ecologia Evolutiva (Smith & Winterhalder, 1981; Dewar, 1984; Lanata, 1993; Winterhalder, 1993). Estratégias de forrageamento ótimo têm gerado muitas controvérsias entre o real versus o ideal no contexto das pesquisas sobre caçadores-coletores (Kent, 1992b). Trata-se, isto sim, de uma representação do comportamento humano, também baseada na observação e interpretação da economia de modernos caçadores-coletores como os Aché, Esquimó e !Kung, a qual parece advogar uma estratégia de investigação monolítica realizada a partir de refinadas metodologias quantitativas (Lee, 1992). Pesquisas assim apresentam explicações para questões como maximização do forrageamento com menos gasto de energia, em busca de uma dieta ótima (J. Martin, 1993).

217 Como todo modelo linear geral, o de forrageadores também precisa ser flexibilizado frente à variedade de estruturas sociais de caçadores-coletores com economia forrageadora existente em várias partes do mundo (Alasca, América do Sul, África e Austrália, por exemplo) (Riches, 1995). Essa flexibilização precisa ser ainda maior quando se trata de interpretar o passado arqueológico (Bettinger, 1991), especialmente em regiões com grande biodiversidade e abundância de recursos como a Amazônia e o Pantanal, sob pena de ser uma representação estereotipada da economia de determinados povos indígenas pretéritos. Na América do Sul, especialmente no Brasil, estudos sobre populações de modernos pescadores litorâneos, indígenas e não-indígenas, advogaram a existência de estratégias de forrageamento ótimo (Begossi, 1992, 1996a, 1996b, 1997; Gragson, 1992; Castro & Begossi, 1996). Tais estudos, porém, foram feitos sobre populações que vivem em contextos históricos e ambientais bastante distintos ou alterados em relação aos existentes na pré-história sul-americana. Além disso, são marcados por uma leitura ecológica, muito influenciada pela Biologia, que enfatiza a economia em detrimento de outros aspectos da sociedade. Com efeito, avalio como impertinente e inadequada a tese de que esses antigos povos indígenas pantaneiros teriam sido forrageadores, pois essa idéia nada mais é do que uma representação simplista, e sem um corpus empírico ou uma discussão mais aprofundada, sobre a pré-história regional. Está fundada na visão equivocada, tenho de frisar amiúde, de que o Pantanal seria uma área com muitas limitações ambientais para a instalação do homem de hoje e do passado arqueológico (vide Schmitz, 1994). A tese em análise destoa das próprias características gerais de uma economia forrageadora, conforme pode ser constatado na comparação que Betinger (1991) fez entre o que se pode considerar como forrageadores e coletores ideais, seguindo principalmente os aportes de Binford (1980).

218 TABELA 2: CARACTERISTICAS IDEAIS DE FORRAGEADORES E COLETORES SEGUNDO LEWIS ROBERTS BINFORD.

AMBIENTE ASSENTAMENTOS

MOBILIDADE TECNOLOGIA PADRÃO DE EXPLORAÇÃO CAÇANDO

FORRAGEADOR Não-sazonal Uniforme Base residencial Local

Residencial Generalizada Circunstancial Baixa entrada de recursos

CAÇADOR-COLETOR Sazonal Desigual Base residencial Local Acampamento de campo Estacional “Esconderijos” Logística Especializada Acurada Alta entrada de recursos

Encontra

Intercepta

FONTE: BETTINGER (1991:67).

Não é demasiado redundante lembrar que o Projeto Corumbá foi e continua sendo mais um projeto de pesquisa exploratória que propriamente de resolução de problema, ainda não dispondo, ao meu ver, de uma base empírica e teórica que possa sustentar a tese do forrageamento entre povos pescadores-caçadores-coletores, aceramistas ou ceramistas, arqueológicos ou históricos, sobretudo em locais com alta capacidade de suporte e sazonalidade marcante como a lagoa de Jacadigo. Para postularem a idéia de economia forrageadora, talvez Schmitz et al. (1998) tenham sido influenciados, ainda, por estudos etnológicos e etnoistóricos, além de alguns dados etnográficos, que sugerem possíveis estratégias de forrageamento sazonal entre povos lingüisticamente Guaikuru, os quais historicamente exploravam locais com algarrobos (Prosopis ruscifolia), carandás (Copernicia Alba) e outras plantas de valor econômico (vide G. Boggiani, 1898, 1900, 1975; Métraux, 1942, 1944, 1963a; Susnik, 1972a, 1972b, 1978; S. Carvalho, 1992; Herberts, 1998a). Ou quiçá, também, pelo fato de índios Guató e Payaguá antigamente disputarem áreas de banhados, lagoas e campos alagados onde ainda hoje cresce o chamado arroz-do-pantanal (Oryza latifolia), planta de grande valor econômico coletada durante períodos de cheia (J. Oliveira, 1996a; M. Magalhães, 1999).

219 Se isso aconteceu de fato, foi feita uma projeção histórica pouco apurada sobre o passado arqueológico da região pantaneira, pois uma análise minuciosa dos estudos sobre os assentamentos e a subsistência dos povos Guató, Mbayá-Guaikuru e Payaguá, respectivamente concluídos por J. Oliveira (1996a), Herberts (1998a) e M. Magalhães (1999), pode apontar a existência de evidências que destoam do modelo ideal de forrageadores: territórios estabelecidos em ambientes sazonais, assentamentos estacionais, mobilidade logística fortemente marcada pelo ritmo das águas do Pantanal, arsenal tecnológico especializado para caçar, pescar e se locomover em áreas inundadas, alta entrada de recursos bióticos obtidos através das atividades de pesca, caça e coleta, especialmente em locais de banhados e lagoas permanentes, e possível domínio de técnicas de manejo ambiental, como discutido adiante.

5.4. PROCESSOS DE FORMAÇÃO, USOS E SIGNIFICADOS DOS ATERROS Outro assunto ainda pouco discutido diz respeito aos processos de formação dos aterros pantaneiros. Sobre este assunto, em primeiro lugar é necessário explicar que na região foram identificados vários tipos de estruturas monticulares, as quais grosso modo podem ser classificadas de acordo com sua implantação na paisagem. Existem ao menos cinco grandes grupos de aterros: -

Nos campos inundáveis, mais sob forma de capões-de-mato e menos sob aspecto de cordilheiras, como centenas de montículos elípticos que ocorrem nos pantanais de Abobral, Cáceres, Miranda, Nabileque e Poconé, no Brasil (Figura 22);

-

Às margens de rios e corixos, sobre diques e paleodiques como o Aterradinho do Bananal (17º00’35.5”S e 56º35’35.6”W ou UTM 543299E e 8119286N), situado à margem direita do rio Cuiabá, em Mato Grosso, e os sítios MS-CP-32 e MS-MA16, respectivamente às margens do rio Verde e do córrego Mutum, em Mato Grosso do Sul (Figura 23);

-

Em ilhas lacustres e fluviais como os montículos existentes no interior do lago Ypoá, na República do Paraguai, e de certa forma o próprio sítio MS-CP-16 que assim se configura na paisagem na lagoa do Jacadigo, em Mato Grosso do Sul (Figura 24);

220 -

Às margens de lagoas permanentes, a exemplo do MS-CP-18, também situado na área de influência direta da lagoa de Jacadigo, e um grande sambaqui existente no lago Ypoá, na República do Paraguai (Figura 25); e

-

Próximos a margens de rios, porém não tendo forma de capões-de-mato, muito menos estando sobre antigos diques, a exemplo do MS-CP-22, do aterro encontrado na aldeia Perigara (16º55’18.4”S e 56º13’42.4”W ou UTM 582166E e 8128916N), área indígena Bororo que existe no pantanal de Barão de Melgaço, em Mato Grosso, sobre o qual há uma casa de alvenaria, e provavelmente do sítio existente no Puerto 14 de Mayo, na República do Paraguai (Figura 26). Como no Pantanal há diferentes tipos de aterros, de alturas e tamanhos variados,

construídos e ocupados por vários povos indígenas, distintos também são os processos que envolvem a formação desses sítios. Sem embargo às limitações empíricas impostas atualmente, uma questão está bastante clara: é inegável que populações indígenas construíram, paulatinamente ou não, porém de maneira intencional, estruturas monticulares na região. Esta constatação destoa radicalmente do que a priori têm pensado alguns brasileiros especialistas em Pantanal, céticos em relação aos resultados das investigações arqueológicas, que pouco conhecem sobre a intervenção indígena nas paisagens das Américas: terras pretas amazônicas, sambaquis litorâneos, aterros em várias bacias hidrográficas (Mississipi, Amazonas, Guaporé, Paraguai, Paraná, Uruguai e outras) e florestas antropogênicas, por exemplo. Tais especialistas relutam em aceitar as evidências empíricas de que povos indígenas pré-históricos interviram nas paisagens pantaneiras, pois a maioria deles ainda as vê como mero produto da natureza. Situação assim em muito lembra a antiga tese naturalista segundo a qual os sambaquis da costa brasileira não seriam montículos antropogênicos, interpretação atualmente descartada pela totalidade dos arqueólogos que atuam no país. Desde a década de 1990, por conta da ampla divulgação dos estudos realizados no âmbito do Projeto Corumbá, esse ponto de vista passou a ficar mais restrito a alguns comentários existentes em círculos de pesquisadores despreocupados com o diálogo proveitoso entre os campos do saber e com o debate fraterno em periódicos científicos de circulação nacional e internacional.

221

FIGURA 22: ATERRO MS-MA-18 VISTO DA RODOVIA BR 262 (Foto de Jorge Eremites de Oliveira, Fev./1999).

FIGURA 23: ATERRADINHO DO BANANAL (Foto de Jorge Eremites de Oliveira, Dez./2000).

222

FIGURA 24: ATERRO MS-CP-16 EM ÉPOCA DE SECA NA LAGOA DO JACADIGO (Foto de Jorge Eremites de Oliveira, Nov./1998).

FIGURA 25: ATERRO EXISTENTE NO LAGO YPOÁ, REPÚBLICA DO PARAGUAI (Foto de Jorge Eremites de Oliveira, Jul./2000).

223

FIGURA 26: ATERRO DO PUERTO 14 DE MAYO, REPÚBLICA DO PARAGUAI (Foto de Adelina Pusineri, Fev./1990).

Tenho dito que no Pantanal a construção de montículos se deu, principalmente, através da deposição de restos de alimentação humana, sedimentos e outros materiais em pontos previamente escolhidos para o estabelecimento de assentamentos indígenas, o que explica sua semelhança com sambaquis litorâneos e outros tipos de cerritos que ocorrem na América do Sul (J. Oliveira, 1996a; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Além disso, fenômenos naturais também contribuíram para a configuração da feição atual de muitos aterros, principalmente aqueles sob forma de capões-de-mato, conforme explicado anteriormente. A difusão de conhecimentos e ideologias sobre a construção de aterros em uma área de intensos contatos interétnicos como o Pantanal, mantidos ao longo de muitas gerações de índios, não pode ter uma única explicação causal, qual seja, a adaptação cultural frente à realidade ambiental, sobretudo em relação às inundações periódicas que anualmente ocorrem nas terras baixas, conforme havia pensando anteriormente (J. Oliveira, 1996a). Este ponto de vista chama a atenção para a necessidade de se reconhecer a dimensão e a

224 dinâmica da realidade sociocultural dos povos pescadores-caçadores-coletores que ali se estabeleceram desde antes do início da Era Cristã, os quais devem ser pensados em sua heterogeneidade multidimensional. Neste sentido, avalio que a construção de aterros deve ter requerido, por exemplo, o uso de certas lógicas arquitetônicas, algum tipo de organização social do trabalho, relações de parentesco, estratégias de territorialidade também relacionadas à mobilidade espacial, sistemas adaptativos que incluem formas de manejo ambiental, intercâmbio de informações diversas (sociais, políticas e ambientais), dentre outras tantas variáveis que podem ser suscitadas quando esse tipo de estrutura passa a ser vista dentro de uma amplitude sociocultural, conforme Lima & López Mazz (2000) recentemente pensaram para a pré-história do litoral atlântico meridional da América do Sul. Seguindo então algumas idéias apresentadas por arqueólogos como López Mazz (1989, 1994, 1998, 2001), De Blasis et al. (1998), Lima (2000b, 2000c), Gaspar (1995, 1998, 2000) e Lima & López Mazz (2000), especialistas em sambaquis e cerritos, e repensando as hipóteses formuladas por J. Oliveira (1996a), é muito provável que os aterros pantaneiros tenham sido uma referência espacial muito importante para seus construtores, marcos ou monumentos paisagísticos que podiam ser avistados a certa distância, seja pelos povos que os ocuparam, seja por outros que por ventura adentrassem em seu território. Daí perceber sua implantação na paisagem como uma estratégia de territorialidade, isto é, de domínio da paisagem natural e social dentro de uma visão cognitiva do universo. Em contraste com os povos indígenas que mais tardiamente ocuparam as terras altas do Pantanal, como os Guarani e Arawak que lá chegaram posteriormente, residir em aterros e ser canoeiro poderiam ser elementos que identificassem e auto-identificassem os pescadores-caçadores-coletores estabelecidos nas terras baixas, além da língua e da própria tecnologia cerâmica, esta última amplamente difundida a partir do milênio anterior ao início da Era Cristã (Quadro 3). A construção de aterros precedeu, pois, a implantação de assentamentos dentro de um território definido do ponto de vista geográfico, via de regra em pontos protegidos das inundações anuais e em contextos ambientais que envolveram a exploração de nichos com grande potencialidade de recursos faunísticos e florísticos. Em alguns casos, essa construção se deu em antigos diques existentes em ambientes permanente ou periodicamente alagados. Em outros, porém, aterros foram estrategicamente erguidos às

225 margens de lagoas e rios ou ainda sobre elevações naturais, denotando certa preocupação com o domínio de importantes vias fluviais e baías com abundância de recursos. No caso específico de montículos sob forma de capões-de-mato e cordilheiras, os estudos geológicos de P. C. Boggiani & Coimbra (1995) e P. C. Boggiani (1998), somados ao conhecimento acumulado sobre a pré-história regional, possibilitam levantar a hipótese de que nos pantanais de Abobral, Miranda e Nabileque centenas de aterros foram construídos sobre lentes calcárias após o término do Ótimo Climático, muitas vezes a partir do milênio anterior ao início da Era Cristã. Nesses locais outrora existiram paleolagoas com águas bicarbonatadas, geralmente de pequeno tamanho, cuja fonte de carbonato de cálcio seriam os calcários do planalto da Bodoquena, transportados para o Pantanal através das águas dos rios que para lá correm. Quando essas antigas lagoas secaram, em contextos climáticos talvez relacionados a períodos de secas mais pronunciadas, partículas de carbonato de cálcio permaneceram depositadas em seu fundo dando origem às concreções calcárias observadas em sítios da região. Sobre esses locais, é importante ressaltar novamente, foram posteriormente depositados restos de alimentação humana, sedimentos ricos em matéria orgânica e outros materiais ao longo de várias gerações e episódios de ocupação, abandono e reocupação, dando nova feição às savanas do Pantanal. Esta é uma explicação mais segura para a origem de muitos capões-de-mato e cordilheiras da região, assunto que será retomado mais adiante.

226

FIGURA 27: PERFIL TOPOGRÁFICO DO ATERRO MS-MA-50, LOCALIZADO NO PANTANAL DO ABOBRAL (Schmitz et al., 1998:152).

No pantanal de Cáceres, Migliacio (2000a) estudou aterros que possuem uma base areno-concrecionada de origem natural. Naquela região matogrossense talvez não hajam águas bicarbonatadas, o que sugere a deposição de partículas de argila e areia, transportadas pelos rios, em pequenas paleolagoas. Quando essas antigas baías secaram, formaram as bases concrecionadas sobre as quais foram construídos os montículos. Por isso, diferentemente do que tem sido constatado no Uruguai (Lima & López Mazz, 2000; López Mazz, 1989, 1994, 1998, 2001), na porção brasileira do Pantanal ainda não foram encontradas evidências seguras de que aterros teriam sido construídos basicamente para fins funerários ou rituais, indício clássico de emergência da complexidade sociocultural rumo à aparição de diferentes categorias sociais e hierarquias em sociedades ameríndias. No entanto, desde a primeira metade do século XX, autores como Nordenskiöld (1913), Rosen (1924), Frenguelli (1940), Ibarra-Grasso (1958-1959), Susnik (1972a, 1972b) e Dougherty & Calandra (1981) publicaram estudos levantando a hipótese de que aterros teriam sido construídos para essa finalidade nos atuais territórios da Argentina, Bolívia e Paraguai, possivelmente por populações lingüisticamente Arawak. Muitos povos Arawak, como os antigos Chané e Xaray, também se estabeleceram no

227 Pantanal, geralmente em terras altas onde ocorrem solos mais férteis e aptos à agricultura (Susnik, 1972a, 1972b, 1978; Schuch, 1995a, 1995b; Migliacio, 2000a). De qualquer forma, não estou aqui descartando a construção de mounds como um possível indício de aquisição de poder e diferenciação social em sociedades canoeiras. Em tempos coloniais, muitos dos antigos Chané chegaram ao Pantanal por meio de ondas de deslocamentos territoriais motivadas pelo avanço da Conquista Ibérica e seus desdobramentos em grande parte do Gran Chaco e adjacências. Hoje em dia, por exemplo, os atuais povos Terena, Layana e Kinikinao são seus principais representantes em Mato Grosso do Sul, região onde se estabeleceram em fins do século XVIII e principalmente no século XIX. Para o período pré-histórico, entretanto, Susnik (1987) sugeriu que no primeiro milênio da Era Cristã ocorreu um grande movimento dispersivo de povos agricultores em direção ao sul do subcontinente, dentre eles alguns lingüisticamente Arawak, provocado pelas conquistas incaicas nas zonas andina e tropical. As idéias de Branka Susnik grosso modo vão ao encontro das datas por termoluminescência obtidas para a presença de povos Arawak na porção setentrional do Pantanal Matogrossense, conhecidos historicamente como Xaray e arqueologicamente pela cerâmica da tradição Descalvado. Sem dúvida alguma, trata-se de populações com fortes indícios de complexidade sociocultural, talvez em nível de chefia, que lembra a dos Chiquito (Schuch, 1995a, 1995b; Martins & Kashimoto, 1999b, 1999c, 1999d, 2000a, 2000b; J. Oliveira & Viana, 1999/2000; Migliacio, 2000a; Quadro 3). Uma situação assim teria feito com que o alto e o médio cursos do rio Paraguai passassem a ser um grande fronteira fluvial interétnica no centro da América do Sul, principalmente em relação ao Chaco (Susnik, 1987). No entanto, o Pantanal stricto sensu foi um expressivo mosaico sociocultural ou, como disse Silvia Carvalho (1992), uma zona de encruzilhada de povos e um verdadeiro melting pot cultural (caldeirão cultural). Branka Susnik formulou uma interessante explicação que se aproxima da realidade étnica da região, particularmente das migrações que estavam ocorrendo às vésperas da chegada dos europeus à América:

228 O rio Paraguai constituía uma verdadeira fronteira entre os chaquenhos e os Guarani do Paraguai Oriental, diferentes racial, cultural e lingüisticamente; pâmpidos e paleolíticos os primeiros, amazônicos e neolíticos os últimos. Por outro lado, o rio Paraguai era uma excelente via fluvial que permitia a mobilidade dos expansivos canoeiros pâmpidos desde o sul até o norte, a dispersão dos núcleos proto-neolíticos desde o norte, o deslocamento dos neolíticos na rota do rio Tapajós até a confluência dos rios Jauru e Paraguai determinando, por sua vez, a rota migratória dos proto-Cário canoeiros que se deslocavam em direção ao sul e sudeste da margem oriental (Susnik, 1978:9).

Tomando por base os estudos que Tom D. Dillehay (1994:3) realizou sobre os montículos Mapuche e as discussões sobre os componentes da paisagem arqueológica feitas por José Luis Lanata (1997), vejo como necessária a percepção dos aterros do Pantanal, bem como seu entorno paisagístico, como algo mais “que localidades estáticas e sítios arqueológicos”, mas como lugares históricos inseridos no contexto de paisagens em movimento que foram desenhados e construídos com a intenção de comunicar significados duradouros, inclusive em termos de organização social. Se as atuais paisagens das terras baixas pantaneiras trazem a marca de determinadas culturas indígenas, por conseguinte essas mesmas culturas também incorporaram em seus sistemas socioculturais marcas dessas próprias paisagens. Porém, como afirmou Paul Claval (1999:314), uma “paisagem nunca reflete, fielmente, todos os aspectos de uma cultura” e na maioria dos casos não é produto planificado da atividade humana, isto é, de uma concepção estética que norteou a intervenção de diversos atores em determinados contextos sócio-ambientais. Isto porque, diferentemente dos montículos Mapuche, os do Pantanal em princípio não foram erguidos como monumentos cerimoniais funcionalmente holísticos, embora acredite que foram construídos e gradualmente aumentados de tamanho e altura para a configuração espacial e o controle da paisagem, especialmente em termos topográficos e como forma de resposta à variabilidade ambiental. Controlar a paisagem, por conseguinte, indubitavelmente remete à idéia de aquisição de poder para determinados grupos de indivíduos. Com efeito, tais estruturas podem ser vistas de diversas formas, incluindo materializações da estrutura social e espacial, representações da mente dos agentes sociais que os construíram e/ou ocuparam. Segundo Félix A. Acuto (1999), o território de um povo indígena é uma unidade política; os lugares e as paisagens são espacialidades formadas por ambientes construídos que podem gerar modificações ao longo do tempo, associados à própria identidade dos indivíduos que ali interatuaram. Em resposta à realidade sócio-ambiental, os aterros pantaneiros grosso modo serviram mais como assentamentos humanos protegidos das cheias, locais para a deposição

229 de restos de alimentação humana, possíveis atividades agrícolas e formas de manejo ambiental e, às vezes, como cemitérios, embora seja admitida eventuais exceções à medida que vão avançando as pesquisas arqueológicas. Portanto, assim como Madu Gaspar (2000) tem apontado para sambaquis do litoral brasileiro, no caso dos aterros do Pantanal acredito que em muitos sítios também se deram três importantes domínios da vida cotidiana: local de moradia associados a atividades de subsistência, local dos mortos (cemitérios) e local de acumulação de restos faunísticos diretamente associados à dieta de seus moradores. Um exemplo típico é o sítio MS-CP-16, aterro que pela sua extensão e volume de restos arqueológicos poderia ter sido a residência de várias famílias em um mesmo momento de ocupação. Outro exemplo pode ser tirado dos estudos que Max Schmidt fez sobre os aterros Guató, orientados por uma visão materialista da realidade sociocultural: Um dos métodos mais primitivos para criar artificialmente um solo fértil consiste na aplicação de terra fértil sobre o solo destinado para o cultivo, que por si é estéril e, por isso, não coberto de vegetação espessa. Para esta classe de agricultura está eleito o nome de “cultivo com mounds” (montículos), pois pela aplicação repetida de terra fértil se produzem pequenos montículos artificiais que são chamados na América do Norte de, geralmente, ‘mounds’. Na região pantanosa da desembocadura do rio S. Lourenço, no Alto Paraguai, e especialmente nos sítios ao lado do pequeno rio Caracará, que é um braço do rio S. Lourenço inferior, tive oportunidade de encontrar e examinar tais montículos que se chamam ali ‘aterrados’ e que até hoje em dia são utilizados pelos índios Guató para plantações e especialmente para o cultivo da palmeira acuri. [...]. No que diz respeito a estes aterrados, trata-se de lugares em pântanos, por sua natureza já elevados e que têm sido cobertos de meio metro de camada humífera extraída de partes baixas e pantanosas. Como o desgaste da terra pela plantação sempre exige a aplicação repetida de novas camadas de cobertura fértil, estes aterrados bastante extensos não têm sido levantados senão pouco a pouco e isso esclarece melhor a distribuição da terra por várias camadas. Ainda hoje em dia os Guató ali vivem durante a época da obtenção do fruto das palmeiras acuri, plantadas nos aterrados, e ainda hoje eles ali enterram seus mortos, o que explica por si o aparecer de esqueletos humanos e resíduos de objetos de cultura nestes aterrados (Schmidt, 1951:246).

As generalizações, todavia, não devem sufocar a idéia de que cada aterro é único e não uma réplica de outro, como se tivesse sido produzido em série. Caberá ao arqueólogo, isto sim, descobrir a que veio cada sítio por ele estudado. Ou seja: cada caso é um caso. Além disso, avalio que muitos montículos serviram de locais para atividades relacionadas ao manejo de espécies florísticas como a palmeira acuri (Scheelea phalerata) e uma variedade de drogas medicinais. Poderiam ainda tê-los utilizado para a agricultura, assim como os Guató há muito o fazem, segundo informações recolhidas da tradição oral, fontes textuais e observações etnográficas, para produzir vegetais como abóbora (Cucurbita spp.), algodão (Gossypium spp.), banana (Musa spp.), batata-doce (Ipomoea

230 batatas), cará (Dioscorea trifida), fumo (Nicotiana tabacum), mandioca (Manihot esculenta) e milho (Zea mays). No Aterradinho do Bananal, por exemplo, ainda hoje em dia uma família Guató pratica a agricultura na parte mais alta daquele sítio arqueológico; ali também existe um cemitério de anjos, isto é, vários sepultamentos de crianças. Como os aterros apresentam-se como pontos protegidos das inundações anuais, geralmente com um solo mais fértil em relação ao das áreas circundantes, é certo que também constituíram locais propícios a atividades agrícolas, principalmente devido à grande quantidade de matéria orgânica decomposta nos sítios. Não por acaso é comum se ver montículos sendo atualmente usados como locais de roças em fazendas de gado da região, como no pantanal do Abobral, situação que lembra o uso das terras pretas da Amazônia por agricultores atuais. Isso não significa que os aterros Guató foram construídos basicamente para fins de cultivo, conforme pontuou Max Schmidt, pois entre eles a agricultura passou a ter mais importância a partir da segunda metade do século XIX e a primeira do XX, momento em que grupos domésticos perderam grande parte de seu território e passaram a trabalhar em fazendas de gado da região ou foram expulsas para outras áreas, em uma verdadeira diáspora. Por conta disso, muitas famílias Guató tiveram de permanecer estabelecidas em áreas menores, diminuindo gradativamente sua mobilidade espacial e tendo de fazer da agricultura uma atividade de maior importância em sua economia, especialmente diante da iminência de estresse ambiental em certos nichos ecológicos. Antes dessa situação histórica, sobretudo em tempos coloniais, o cultivo era mais praticado durante o período das secas, logo após a vazante das águas que fertilizam as margens dos rios e no início das chuvas, assim como uma família Guató ainda hoje em dia cultiva na margem esquerda do rio São Lourenço, próximo à confluência com o Paraguai e em frente ao morro do Caracará, em Mato Grosso. Na época das cheias a mobilidade espacial das famílias era muito acentuada dentro de um território por elas reconhecido como seu, conforme pode ser observado através de uma gama considerável de dados primários existente em fontes textuais diversas, sistematicamente organizadas e analisadas por J. Oliveira (1996a). Situação semelhante ocorre com muitas famílias de pescadores ribeirinhos estabelecidas às margens do rio Paraguai, em Mato Grosso do Sul, que praticam a agricultura durante o período de seca porque na crescente das águas suas casas podem permanecer alagadas por alguns meses.

231 Nas enchentes, por exemplo, outras áreas eram exploradas e muitas famílias Guató permaneciam em aterros erguidos nos campos inundáveis e margens fluviais; nessas ocasiões eram mantidos contatos com outras famílias, geralmente feitos através de práticas de reciprocidade que envolviam, dentre outras coisas, a circulação de sementes, ramas de mandioca e alguns artefatos, algo de grande relevância para a manutenção da identidade étnica, da coesão dos grupos familiares e da defesa de seu território contra outros povos também canoeiros, como o Payaguá, que muitas vezes tentava invadi-lo em busca de recursos como o arroz-do-pantanal (Oryza latifolia), muito abundante em lagoas e campos alagados do Pantanal Matogrossense, prova da competição outrora existente entre esses povos por certos nichos (J. Oliveira, 1996a; M. Magalhães, 1999). Relativizando assim, é possível ter uma projeção histórica mais acurada e flexível sobre o passado arqueológico dos Guató, índios que antigamente subsistiam mais de uma eficiente economia baseada na caça, pesca e coleta em ambientes de alta produtividade do que propriamente da agricultura. Sobre a questão do manejo, a ausência de estudos paleobotânicos é compensada por uma vasta gama de dados etnográficos existente em trabalhos etnológicos e fontes primárias textuais de valor etnoistórico. Diversos estudos apontam as palmeiras (Arecaceae) como plantas de grande valor econômico para povos indígenas (pré-históricos e históricos) e comunidades tradicionais da América do Sul (Lévi-Strauss, 1987; Posey, 1987; Balée, 1988; Balick, 1988; Brücher, 1988; B. Ribeiro, 1995; C. Silva & J. Silva, 1995; Moraes, 2000; Meggers, 2001; e outros). Não raras vezes, espécies de palmáceas são encontradas em sítios arqueológicos ou em seu entorno, sendo interpretadas como indício de manejo ambiental, ou seja, do processo de transformação das paisagens pelos seres humanos, inclusive para fins de subsistência. No século XIX, tal processo foi chamado de humanização da natureza, dos espaços, por Marx & Engels (1986:67) em A ideologia alemã, referindo-se ao fato de que elas também podem ser um “produto histórico, o resultado de toda uma série de gerações, cada uma das quais alçando-se aos ombros da precedente”. Segundo ainda a tradição oral Guató, palmeiras acuri ou miji geralmente são encontradas nas bordas de seus aterros ou marabohó porque ali foram por eles transplantadas ainda quando pequenas, retiradas do entorno dos sítios. Dessa forma, suas raízes, do tipo cabeleira, serviram para proteger os montículos contra a ação das águas durante as enchentes. Da seiva que a planta produz após a retirada do palmito, que é

232 comestível, os Guató da Ilha Ínsua, em Mato Grosso do Sul, hoje em dia continuam produzindo a conhecida muku’da, bebida de sabor adocicado que pode ser fermentada no próprio tronco da palmeira para a produção de um tipo de cerveja (Schmidt, 1942a, 1942b; Estanislao Pryjemski apud Ramires, 1987; J. Oliveira, 1996a, 1998b, 2001d). Após a produção dessa bebida a planta morre e antigamente os índios poderiam transplantar outra palmeira para seu lugar e aguardar anos para que ficasse adulta; do contrário, esperariam sua reprodução natural nos sítios arqueológicos. A intensificação da produção de muku’da foi registrada na primeira metade do século XX, quando da intensificação do contato entre famílias Guató e não-índios em várias regiões do Pantanal, motivo de alcoolismo, deslocamentos territoriais e processos de assimilação cultural. Os frutos da palmeira, embora apreciados pela polpa e amêndoa rica em óleo graxo, aparentemente eram mais utilizados como iscas para a captura de peixes como o pacu ou moguá’kuá (Piaractus mesopotamicus), não raramente feita em áreas artificialmente construídas para atração e ceva de peixes durante as cheias. Por isso, os Guató mais idosos sempre afirmaram/afirmam que nas proximidades dos aterros há pequenas depressões do terreno que formam baías temporárias, de onde retiraram sedimentos para a construção dessas estruturas monticulares, aos quais também eram acrescidas carapaças vazias de moluscos. Pequenas baías temporárias poderiam receber moluscos aquáticos e peixes durante as cheias e funcionar como locais de atração de caça para esses índios, não se esquecendo da possibilidade da captura de animais por meio de armadilhas. Mas apenas grandes bivalves e uma espécie de caramujo chamado mahá (Pomacea canaliculata) possuem valor econômico, pois são de maior tamanho e têm mais carne que outros gastrópodes aquáticos (J. Oliveira, 1996a). As palmas, por sua vez, ainda são largamente usadas na cobertura e nas paredes das casas ou movir, tradicionalmente construídas com um telhado de duas águas, bem como na fabricação de abanos para fogo, cestos cargueiros, esteiras de dormir e outros artefatos. Do caule de seus cachos fabricam um tipo de abano contra mosquitos, também muito popular em comunidades tradicionais da região. Em assentamentos Guató, aterros ou não, a grande concentração de acuris e outras espécies arbóreas favorecem a existência de um tipo particular de microclima: “durante o verão a temperatura local é mais amena (proteção contra os raios solares) e durante o inverno é mais quente (proteção contra o chamado vento sul)” (J. Oliveira, 2001c:371). Das fibras das palmas ainda era possível a fabricação de cordoaria.

233 Ainda segundo a tradição oral Guató (Schmidt, 1942a:122), cada família possuía determinadas áreas com acuris e muitas vezes ocorreram conflitos pela posse delas. Não se trata apenas de uma mera questão de subsistência, mas de diferenciação social entre as famílias, o que parece ter sido intensificado a partir do contato com os não-índios e, sobretudo, a partir da pressão sofrida com a perda de grande parte de seu território tradicional frente à expansão das fazendas de gado no Pantanal, ocorrida principalmente a partir do século XVIII. Portanto, a ocorrência de acuris em certas feições topográficas do Pantanal pode ser indício de que naqueles lugares há alguma probabilidade de existir sítios arqueológicos. Palmeiras em geral são indicadores de certos tipos de solos, dinâmica hídrica, associação com outras espécies de plantas e relação com sociedades humanas devido aos recursos que a elas oferecem (Moraes, 2000). Os dados etnográficos recolhidos da tradição oral Guató fazem parte de uma perspectiva êmica, relacionada ao processo histórico e sociocultural desse povo canoeiro que, mais do que outros argonautas que ocuparam o Pantanal, foi razoavelmente documentado em termos etnográficos por viajantes e etnólogos. Evidentemente, não tenho aqui a pretensão de dizer se suas informações são totalmente corretas do ponto de vista de um empiricismo estrito que chega a debilitar a Arqueologia nos dias atuais (Binford, 1987). Afirmo, contudo, que elas seguem uma lógica bastante coerente para o conhecimento do processo de formação e funcionalidade de muitos aterros pantaneiros, além da compreensão da intervenção indígena na configuração das paisagens regionais. Logo, como bem apontou Ronald J. Mason (2000), espera-se que os arqueólogos incluam em suas histórias culturais as tradições orais dos indígenas americanos. Não obstante, na Arqueologia Pantaneira muito está por ser feito a esse respeito se levada em conta a tradição oral e os saberes dos povos sobreviventes da Conquista Ibérica e as fontes textuais de valor etnográfico e etnoistórico produzidas desde a primeira metade do século XVI. Mais que apenas buscar informações em contextos históricos escavados, sempre que possível arqueólogos também precisam fazer um trabalho parecido com o do historiador que “extrai de documentos a interpretação manejando a informação que considera básica”, dali interpretando dados que converter-se-ão em Historiografia (Maggioló, 1999:20). Outrossim, como há muito vêm sendo apontado por viajantes e pesquisadores, dentre eles Schmidt (1914 [1910]) e Lévi-Strauss (1998 [1935-1936]), conhecedores do

234 modo de vida de povos indígenas sul-americanos, existem fortes indícios de que parte das conchas de gastrópodes encontrada nos aterros não corresponda a restos de alimentação humana, mas sim a material de construção ou restos de alimentação de aves e outros animais. Ocorre que nesses sítios arqueológicos é comum encontrar algumas conchas com marcas de ranhura e quebradura feitas por aves e outros animais que se alimentam de moluscos aquáticos. Elas ou foram depositadas por animais em momentos de abando dos sítios ou foram recolhidas das proximidades e ali amontoadas como material de construção dos montículos, situação que particulariza o processo de formação dos aterros pantaneiros em comparação com sambaquis litorâneos. Exemplo: um falconídeo regionalmente conhecido como gavião caramujeiro (Rosthramus sociabilis) alimenta-se basicamente de crustáceos e moluscos aquáticos que captura nos banhados e lagoas, levando-os para comer em galhos de árvores e mourões de cerca; ali permanecem descartando no chão as carapaças esvaziadas que, por seu turno, chegam a ficar acumuladas debaixo de seus poleiros (N. Magalhães, 1992), estando eles ou não localizados em sítios arqueológicos. De todo modo, quero dizer aos mais céticos que não acredito que gaviões ou outras aves tenham tido grande influência direta no processo de formação dos aterrados pantaneiros. Esses pássaros até poderiam ter contribuído indiretamente amontoando conchas vazias que foram coletadas pelos índios e usadas como material de construção, mas de maneira alguma podem ser vistos como os responsáveis pela existência de mounds no Pantanal. Meu argumento é simples aos olhos dos ciências sociais: pássaros não fabricam vasilhas cerâmicas, pontas ósseas de flechas, lâminas líticas de machado e outros artefatos encontrados nas camadas onde aparecem as conchas de moluscos. Portanto, hoje em dia está totalmente descartada a hipótese de ter havido apenas uma acumulação natural de conchas em capões-de-mato e cordilheiras da região, especialmente no pantanal de Abobral, conforme sugerido por pesquisadores da EMBRAPA na década de 1980: Em virtude da magnitude dos depósitos necessários à formação de cada cordilheira, a origem desses moluscos deve ter sido em banhados e lagoas da planície de inundação do rio Miranda, de solos e águas ricos em carbonatos. Foram transportados pelas cheias no regime hídrico atual da planície de inundação comum. A deposição dessas conchas, onde a velocidade das águas de escoamento era menor parece ainda constituir bordas de leitos antigos. A hipótese de que a intrusão de águas alcalinas (carbonatadas) tenha contribuído para a proliferação dos moluscos nas depressões alagadas e que as conchas tenham sido transportadas por aves para as partes mais altas, formando

235 cordilheiras, é menos viável, porque não parece haver deposições de conchas nas partes mais baixas. Outra hipótese seria que o material básico da cordilheira sejam carapaças de foraminíferos ou corais e que as conchas de moluscos sejam intrusões feitas por aves e que não componham a totalidade do material de origem. Amaral (informação pessoal) considera que as conchas tenham sua origem no local e que seu agrupamento seja pelo movimento da água na superfície. De qualquer origem, estas conchas formaram um solo atípico na região, onde o intemperismo ainda não foi suficiente na superfície para destruir grande parte delas (N. Cunha et al., 1984:17-18).

Apesar de N. Cunha e seus parceiros muito bem explicarem a proliferação de moluscos aquáticos em águas alcalinas do Abobral, além de apresentarem hipóteses bastante lógicas sobre o acúmulo natural de conchas em cordilheiras da região, dentre outras contribuições importantes, na época de seus estudos praticamente nada se sabia sobre a Arqueologia daquela área do Pantanal. Hoje em dia, no entanto, a situação é muito diferente e não há mais como negar a intervenção indígena na formação daqueles solos atípicos, os mais férteis, os mais resistentes ao intemperismo natural e os mais protegidos das inundações anuais de praticamente todo o pantanal do Abobral. No entanto, os estudos posteriormente realizados por Santos & Sakamoto (1997) e Marini & Sakamoto (1997) são provas de que os aportes das investigações arqueológicas não vêm sendo discutidos em pesquisas que primam, em última análise, pela compreensão da formação de certas paisagens pantaneiras. Na década de 1940, muito antes mesmo da publicação dos trabalhos citados, o geógrafo Pedro de Moura assim interpretou os aterros do Pantanal: Na imensa vastidão do Pantanal se percebem, de quando em quando, alguns pequenos morros isolados, insignificantes ‘tesos’ que não são senão testemunhos da formação paleozóica que borda a margem ocidental do rio, muito em embora a crendice popular os encare como terras firmes artificiais construídas pelos índios (Moura, 1943:8).

De toda maneira, há de ser levado em conta o fato de muitas conchas de caramujos terem sido refugadas no local após a coleta e seleção das espécies mais apreciadas. Penso que espécies como Marisa sp., de menor tamanho e importância econômica, foram sistematicamente descartadas nos assentamentos, correspondendo a sobras de coletas e indicando a permanência do hábito sociocultural de acumular conchas, uma prova da exploração de ambientes aquáticos. Esta leitura segue a lógica do consumo que os Guató há muito fazem de grandes bivalves e caramujos da espécie Pomacea canaliculata, registrado por pesquisadores e viajantes como o barão Georg Heinrich von Langsdorff que

236 em 26 de dezembro de 1826, quando sua expedição passou pela região rumo à Amazônia, manteve contato com alguns índios que estavam nas proximidades da serra do Amolar: Encontramos, nas canoas desses índios, mexilhões e caracóis comestíveis e de bom tamanho. Disseram-me que eles vivem muitas léguas distantes daqui, nos grandes lagos (é o caso dos mexilhões pequenos) e nas margens do rio Paraguai (Langsdorff, 1997:46).

Em certos casos, porém, conchas vazias (pós-morte) e sedimentos foram intencionalmente depositados como material de construção da estrutura monticular, como dito antes, pois assim o fazendo a estrutura dos aterros estaria ainda mais reforçada e protegida contra a ação erosiva das águas durante episódios de enchente, interpretação esta comumente apontada por índios Guató entrevistados por J. Oliveira (1996a). Portanto, a inserção de conchas nos aterros pantaneiros foi importante para melhorar a condição de drenagem do solo, assim como já apontado para os sambaquis litorâneos. Em suma, no caso do Pantanal os estudos de materiais arqueofaunísticos devem levar em conta um rol significativo de variáveis naturais e socioculturais para se saber o quanto da totalidade das conchas existentes em um sítio corresponde de fato a um percentual de restos de alimentação humana, o que representa em termos de conhecimento das condições ambientais locais, como foi depositada nos sítios e em que medida contribuiu para a configuração florística antropogênica nos montículos. Estudos desse nível foram desenvolvidos no Brasil por Lima et al. (1986) e vêm sendo feitos em várias partes do mundo, a exemplo das pesquisas desenvolvidas nas terras baixas do ocidente do Equador, desenvolvidas por Peter W. Stahl (2000). Por tudo isso é que tenho percebido a feição dos aterros do Pantanal, tal como se apresenta nos dias de hoje, como o resultado de um conjunto de processos naturais e socioculturais relacionados à sua formação, ainda que muito ainda esteja por ser conhecido pelos arqueólogos se levado em conta os aportes de Schiffer (1991). Tais processos podem ter demandado longos períodos de construção paulatina, de ocupações, abandonos e reocupações, da mesma forma como se tem pensado para os sambaquis litorâneos. No caso de sítios que poderiam ter sido erguidos em menor tempo, como o MS-CP-22, por certo deve ter havido a figura de um principal para organizar o trabalho social que culminou com sua construção, pois assim ocorria entre os Guató (J. Oliveira, 1996a). Todavia, ainda não há como precisar sobre o tempo gasto e a quantidade de pessoas envolvidas nesse tipo de atividade, muito menos sobre detalhes das regras

237 sociais envolvidas em sua construção. Talvez até o tamanho dos sítios tenha uma relação direta com demografia e alguma forma de hierarquização dos assentamentos, hipótese que parece ser mais plausível para a lagoa do Jacadigo, embora este seja um assunto ainda não tratado pelas pesquisas realizadas na região. Para os sambaquis litorâneos esta questão ficou mais clara a partir dos aportes de Lima (1999/2000, 2000b, 2000c). Futuramente, estudos voltados para a compreensão dos conjuntos de sítios poderão lançar novas luzes sobre as articulações existentes entre unidades de ocupação e sua devida caracterização no tempo e no espaço.

5.5. O ESTILO ALTO PARAGUAI Associados a antigos povos que construíram e/ou ocuparam aterros também estão alguns sítios com grande quantidade de grafismos rupestres, conhecidos localmente como letreiros e classificados como pertencente ao estilo Alto Paraguai. São eles: MS-CP-01, MS-CP-02, MS-CP-03, MS-CP-04 e MS-CP-41, em Corumbá, e La Cruz, no lado boliviano da morraria do Jacadigo, situados nos primeiros níveis do planalto residual de Urucum; letreiro da Gaíva, letreiro do Triunfo e letreiro do Caracará, em morros isolados na planície de inundação do Pantanal Matogrossense, dentre alguns outros mencionados na literatura. Não há, todavia, dados etnográficos ou etnoistóricos seguros que possam vinculá-los a algum povo indígena conhecido historicamente. Mesmo os atuais Guató da região do Caracará não se identificam com os grafismos do morro homônimo e do letreiro da Gaíva, há muito por eles conhecidos, creditando sua produção a povos antigos que ali viveram antes deles, em tempos mais remotos. Os sítios estudados por Passos (1975), Girelli (1994, 1996a, 1996b) e Hackbart (1997), por exemplo, são formados por muitas inscrições feitas por picoteamento em lajedos horizontais (bancadas lateríticas) que ocorrem no planalto residual de Urucum. Todos eles estão muitíssimo próximos das terras baixas e inseridos em contextos arqueológicos marcados pela predominância de sítios com cerâmica da tradição Pantanal, isto é, com uma posição cronológica que, na mais pessimista das hipóteses, pode recuar até uns 3.000 anos atrás. Contudo, na região não existem apenas lajedos horizontais com petroglifos, mas também outros tipos de suportes rochosos com inscrições e pinturas rupestres, os quais ocorrem tanto nos planaltos residuais como em morros isolados, a

238 exemplo do letreiro da Gaíva e dos sítios existentes nos morros do Triunfo e Caracará (Fonseca, 1880; Schmidt, 1912, 1914, 1928, 1940a, 1940b, 1942a [1905], 1942b; Bluma, 1973; Souza, 1973; J. Oliveira & Viana, 1999/2000). Os dados publicados indicam a predominância de diversos tipos de figuras geométricas como círculos concêntricos e sulcos sinuosos que lembram serpentes; ocasionalmente também ocorrem signos sob forma de pegadas humanas e de animais como aves e felinos, sempre em tamanho natural (Figuras 28 e 29). Inscrições geométricas como círculos concêntricos, círculos com raios e círculos segmentados como as encontradas no Pantanal assemelham-se a formas de carimbos usados por vários povos indígenas para estamparem seus corpos; são comuns em vastas extensões da América do Sul (vide Greer, 1997). Entre os Bororo, por exemplo, carimbos são feitos a partir cocos da palmeira babaçu, cortados longitudinalmente, e usados em cerimônias funerárias (Soares, 1993). Os grafismos do estilo Alto Paraguai foram feitos em paisagens dominadas por antigos povos canoeiros e provavelmente estiveram associados a assentamentos centrais estabelecidos nas terras baixas e adjacências. Isso significa que embora vivendo na planície de inundação, povos pescadores-caçadores-coletores também estenderam seus territórios por certas áreas localizadas nas terras altas. No entanto, mantiveram o ethos canoeiro porque via de regra suas bases residenciais continuaram implantadas nas proximidades de banhados, lagoas e rios, locais onde a canoa sempre foi o principal meio de transporte e mobilidade espacial. Embora seja difícil decodificar esse tipo de arte, em sua maioria composta por desenhos geométricos, é possível supor, com base nos aportes de Wüst & Vaz (1998), que os grafismos representam um comportamento territorial relacionado a uma grande produção e consumo visual de signos rupestres. A localização dos grandes lajedos sugere que os sítios constituíram importantes marcos limítrofes nas fronteiras entre os povos das terras baixas e os das terras altas (Guarani e Arawak), podendo até ter alguma relação com a fisiografia local, marcada por um emaranhado de rios, corixos e baías, conforme apontou Girelli (1994:147-148), e/ou representar um complexa rede de bases residenciais estabelecidas nas terras baixas. Provavelmente muitos desses sítios funcionaram como locais especiais para certas cerimônias e rituais, públicos ou secretos, que poderiam envolver um grande número de indivíduos e, dessa forma, servirem para manter a coesão do grupo com vistas a estabelecer uma permanência mais prolongada na região. Uma manifestação estilística desse nível

239 também representa uma identidade étnica compartilhada por grande parte dos indivíduos da sociedade. Em consonância com as palavras de Maribel Girelli: “A quantidade de trabalho investido na produção de mais de 3.300 m2 de gravuras grandes e profundas [MS-CP-01, MS-CP-02 e MS-CP-03], seu bom acabamento, sua lógica e repetição em todos os lajedos disponíveis, sugerem que não se trata de algo aleatório e ocasional, mas intencional, importante, necessariamente coletivo, ligado ao ritual. Como estão em superfícies abertas, com grande visibilidade, acessíveis e possibilitando movimentação de grupos humanos numerosos, conjeturamos que estariam ligados a rituais coletivos, envolvendo a comunidade inteira” (Girelli, 1994:152-153). Enfim, os povos pescadores-caçadores-coletores que ocuparam as terras baixas do Pantanal também desenvolveram um complexo sistema de signos rupestres em paisagens variadas e por eles anexadas a seus territórios, o qual desde o século XIX vem chamando a atenção de viajantes e cientistas sociais.

240

FIGURA 28: GRAVURAS RUPESTRES DO SÍTIO MS-CP-03 (Girelli, 1994:89)

241

FIGURA 29: LETREIRO DA GAÍVA (Schmidt, 1992a:120).

242 QUADRO 3: DATAÇÕES ABSOLUTAS PARA SÍTIOS LOCALIZADOS NA REGIÃO DO PANTANAL E ÁREAS ADJACENTES. SÍTIO, FILIAÇÃO TECNOLÓGICA E LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA MS-CP-22 (fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-22 (fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-22(fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-22(fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-22 (fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-22 (fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-32 (fase Corumbá I) (Ladário-MS) MS-CP-16 (fase Corumbá II) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-16 (fase Corumbá II) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-16 (fase Corumbá II) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-16a (fase Corumbá II) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-16a (tradição Pantanal) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-16a (tradição Pantanal) UTM 413900E e 7874200N (Corumbá-MS) MS-CP-20 (tradição Pantanal) UTM 421700E e 7876400N (Corumbá-MS)

PROFUNDIDADE

DATA E LABORATÓRIO

FONTE(S)

120-130 cm

8.180±80 AP (Beta-91898) (CL)

Schmitz et al. (1998)

70-80 cm

8.160±60 AP (Beta-91897) (CL)

Schmitz et al. (1998)

100-110 cm

8.270±80 AP (Beta-110551) (CL) 8.390±80 AP (Beta-110550) (CL) 8.210±80 AP (Beta-110549) (CL) 8.220±60 AP (Beta-110549) (CL) 4.460±80 AP (Beta-83571) (CV)

Schmitz et al. (1998)

60-70 cm 40-50 cm 20-30 cm 40-50 cm 130-140 cm

Schmitz et al. (1998) Schmitz et al. (1998) Schmitz et al. (1998) Schmitz et al. (1998)

60-70 cm

4.140±60 AP (Beta-72199) (A/C13) 3.940±60 AP (Beta-72220) (A/C13) 3.920±60 AP (Beta-72201) (A/C13) 3.060±80 AP (Beta-83570) (CV)

Schmitz et al. (1998)

30-40 cm

2.750±50 AP (Beta-83569) (CV)

Schmitz et al. (1998)

20-30 cm

1.710±70 AP (Beta-83568) (CV)

Schmitz et al. (1998)

175-190 cm

2.160±50 AP (Beta-91896) (CL)

Schmitz et al. (1998)

60-70 cm 30-40 cm

Schmitz et al. (1998) Schmitz et al. (1998) Schmitz et al. (1998)

243 MS-CP-20 (tradição Pantanal) UTM 421700E e 7876400N (Corumbá-MS) MS-CP-20 (tradição Pantanal) UTM 421700E e 7876400N (Corumbá-MS) MS-CP-20 (tradição Pantanal) UTM 421700E e 7876400N (Corumbá-MS) MT-PO-03 (tradição Pantanal) 453025E e 8026008N (Poconé-MT) MT-PO-03 – Morro do Caracará (Guató) 453025E e 8026008N (Poconé-MT) MT-PO-42 – Aterro Jacarezinho (tradições Pantanal e Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-42 – Aterro Jacarezinho (tradição Pantanal) (Cáceres-MT) MT-PO-42 – Aterro Jacarezinho (tradição Pantanal) (Cáceres-MT) MT-PO-68 – Bananalzinho Bororo (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-68 – Bananalzinho Bororo (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-137 – Santo Antônio das Lendas (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-38 – Jatobá (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-38 – Jabota (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) MT-PO-44 – Índio Grande (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Aterradinho do Bananal (Guató) UTM 543299E e 8119286N (Poconé-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT)

125-140 cm

1.850±60 AP (Beta-91895) (CL)

Schmitz et al. (1998)

105-120 cm

1820±60 AP (Beta-91894) (CL)

Schmitz et al. (1998)

50-65 cm

1.700±50 AP (Beta-91893) (CL)

Schmitz et al. (1998)

60-80 cm

820±60 AP (Beta-118269) (CV)

Superficial

AD 1988/2000 (Guató) (OE)

J. Oliveira & Viana (1999/2000) J. E. de Oliveira

10-20 cm

1.050±100 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

40-50 cm

925±100 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

80-90 cm

1.200±120 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

10-20 cm

200±20 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

90-100 cm

250±25 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

40-50 cm

670±70 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

40-50 cm

750±70 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

60-70 cm

690±70 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

53 cm

820±80 AP (Fatec) (TL)

Migliacio (2000a)

Superficial

AD 2000 (Guató) (OE)

Superficial

930±100 (Fatec-206)

Migliacio (2000b) J. E. de Oliveira Martins & Kashimoto (1999c)

244 Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT)

0-10 cm

830±90 AP (Fatec-226) (TL)

0-10 cm

990±100 AP (Fatec-221) (TL)

10-20 cm

820±90 AP (Fatec-213) (TL)

10-20 cm

890±90 AP (Fatec-214) (TL)

10-20 cm

940±100 AP (Fatec-210) (TL)

10-20 cm

945±110 AP (Fatec-216) (TL)

20-30 cm

810±85 AP (Fatec-227) (TL)

20-30 cm

950±100 AP (Fatec-208) (TL)

20-30 cm

995±100 AP (Fatec-220) (TL)

20-30 cm

1.030±100 AP (Fatec-225) (TL)

20-30 cm

1.140±110 AP (Fatec-212) (TL)

20-30 cm

1.350±140 AP (Fatec-223) (TL)

30-40 cm

1.000±110 AP (Fatec-207) (TL)

30-40 cm

1.035±100 AP (Fatec-215) (TL)

30-40 cm

1.500±150 (Fatec/Unep-218) (TL) 1.520±160 (Fatec-222) (TL)

30-40 cm

Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c)

245 Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Jauru (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Rio Piraputanga (tradição Descalvado) (Cáceres-MT) Córrego Água Doce (tradição Descalvado) (Cáceres-MT)

40-50 cm

1.300±125 AP (Fatec-211) (TL)

40-50 cm

1.340±140 AP (Fatec-224) (TL)

40-50 cm

1.350±130 AP (Fatec-219) (TL)

40-50 cm

1.400±150 AP (Fatec-217) (TL)

70-80 cm

2.300±300 AP (Fatec-209) (TL)

40 cm

760±80 AP (Fatec-229) (TL)

40 cm

1.450±150 AP (Fatec-234) (TL)

Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c) Martins & Kashimoto (1999c)

NOTA: (CV) datação radiocarbônica convencional; (A/C13) datação radiocarbônica ajustada por C13; (OE) observação etnográfica feita por J. E. de Oliveira; (TL) datação por termoluminescência. OBS.: Todas as datas radiocarbônicas (C14) foram obtidas a partir de conchas de moluscos aquáticos coletadas em contextos arqueológicos. O sítio MT-PO-03 foi local de moradia dos irmãos José e Veridiano até 2000.

246 QUADRO 4: PROJETOS DE PESQUISA ARQUEOLÓGICA REALIZADOS NO PANTANAL MATOGROSSENSE E ÁREAS ADJACENTES. PROJETO Projeto Corumbá Diagnóstico de Avaliação do Impacto do Gasoduto Bolívia-Brasil ao Patrimônio Arqueológico de Mato Grosso do Sul: Trecho Corumbá-Terenos (km 0-350) Programa para Preservação do Patrimônio Arqueológico Pantaneiro Prospecção Arqueológica na Área a ser Diretamente Impactada pelo Gasoduto Bolívia-Brasil em Mato Grosso do Sul (km 0-350) O Sítio Arqueológico Existente no km 29 do Gasoduto Bolívia-Brasil em Corumbá, MS Vitória Régia Arqueologia e Etnoarqueologia Guató

PERÍODO 1990-1997 2000-* 1993

1994 1997

LOCALIZAÇÃO Corumbá e Ladário (MS)

Jorge Eremites de Oliveira José Luís dos S. Peixoto

Km 0-350 do Gasbol em Mato Grosso do Sul (Trecho Corumbá-Terenos) Alto Paraguai (Cáceres-MT) Km 0-350 do Gasbol em Mato Grosso do Sul (Trecho Corumbá-Terenos) UTM 0435084E e 7866431N (Corumbá-MS) Corumbá-MS Sul da Sub-região de Poconé (Poconé-MT) Cáceres-MT

Irmhild Wüst Maria Clara Migliacio Jorge Eremites de Oliveira José Luís dos S. Peixoto

1998

Jorge Eremites de Oliveira

1996-? 1996-2000

José Luís dos S. Peixoto Jorge Eremites de Oliveira

Ocupação Pré-colonial do Pantanal Matogrossense: Cáceres-Taiamã

1997-2000

Levantamento Arqueológico na Área Impactada pelo Gasoduto Bolívia-Mato Grosso (Trecho Brasileiro) Salvamento Arqueológico na Área Impactada pelo Gasoduto Bolívia-Mato Grosso (Trecho Brasileiro) Levantamento arqueológico na área diretamente afetada pela Usina Termelétrica de Corumbá, Mato Grosso do Sul

1999

NOTA: (*) projeto em andamento.

COORDENAÇÃO Pedro Ignacio Schmitz

1999-? 2001

Irmhild Wüst (de 1997 até 03/1999) Maria Clara Migliacio (a partir de 03/1999 até 2000) Gilson Rodolfo Martins Mato Grosso Emília Mariko Kashimoto Gilson Rodolfo Martins Mato Grosso Emília Mariko Kashimoto Solange Bezerra Caldarelli 19º00’36.5”S e 57º37’24.1”W Jorge Eremites de Oliveira UTM 0434399E e 7898076N (Corumbá-MS)

247

5.6. POVOS INDÍGENAS EM TEMPOS COLONIAIS Subindo pelo rio Paraguai, desde o Porto Candelária até o Porto dos Reis, os expedicionários assuncenhos recebiam freqüentes informes dos Guarani muitos deles cativos entre os Guaxarapo, Payaguá e Sacoci, a respeito das populações da margem ocidental do rio. Os nomes abundam, mas muitas vezes se trata somente das denominações de grupos parciais e não tribais. Os imigrantes neolíticos alto-paraguaienses tinham difundido a prática do cultivo, sabendo também os proto-povoadores canoeiros-pescadores apreciar este novo recurso subsistencial. Estes, não obstante, não adotaram o cultivo monticular, mas chegaram a desenvolver seu próprio tipo de cultivo, aproveitando-se dos sítios banhados periodicamente pelas crescentes, sem necessidade do roçado. Tal método de transição é conhecido também nas zonas pantanosas dos rio SolimõesAmazonas e do rio Orinoco. Somente os canoeiros-pescadores que habitavam as zonas não aptas para tal cultivo ou aqueles que manifestavam o verdadeiro ethos de mobilidade canoeira, como os Payaguá por exemplo, produziam qualquer cultivo, satisfazendo-se com a farinha de peixe e de algarrobo (Branka Susnik, 1978:1617).

Ao contrário do que possa parecer ou sugerir em um primeiro momento, não apenas em aterros estiveram estabelecidos os povos pescadores-caçadores-coletores fluviais que construíram e/ou ocuparam esse tipo de estrutura monticular no Pantanal, muito menos o Guató é de todos eles o único representante historicamente conhecido na região. Outros tipos de assentamentos, implantados em diferentes elementos da paisagem, também foram sistematicamente utilizados como bases residenciais, temporárias ou não. Em geral são sítios arqueológicos com vestígios de fragmentos cerâmicos na superfície dos terrenos, tecnologicamente identificados como pertencendo à tradição Pantanal, localizados às margens de cursos d’água permanentes como córregos, rios, lagoas e lagos, às vezes próximos a áreas serranas como o planalto residual de Amolar e morros isolados que ocorrem na planície de inundação. Tendo em vista os dados disponíveis sobre os povos Guaxarapo, Mbayá-Guaikuru ou Eyiguayegui (Eybegodegui, Guatiadeo, Kadiwéu e outros) e Payaguá (Agace e SariguéPayaguá), comparados com os existentes sobre o Guató (J. Oliveira, 1996a), fica ainda mais evidente que a dinâmica de ocupação de diferentes tipos de assentamento esteve fortemente influenciada pelo ritmo das águas do Pantanal, pela capacidade de suporte dos nichos ecológicos e pelas relações interétnicas, amistosas ou não, mantidas desde tempos précoloniais. Sobre o povo Guaxarapo, também conhecido por denominações como Guachi, Guachico e Guasarapo, até o presente momento sabe-se muitíssimo pouco. Ao que tudo indica, foi totalmente extinto ou assimilado biológica e/ou culturalmente até fins do século

248

XIX. Seu idioma não chegou a ser razoavelmente documentado por especialistas, havendo apenas um pequeno vocabulário recolhido por Castelnau (1850-1851), a partir do qual a língua Guaxarapo foi hipoteticamente enquadrada na família lingüística Guaikuru (Kersten, 1968; Susnik, 1978). Em tempos coloniais, seu território abrangia a porção centro-sul do Pantanal Matogrossense, principalmente as áreas existentes entre os rios Taquari e Miranda, no atual Estado de Mato Grosso do Sul, inclusive o pantanal do Abobral que foi parcialmente prospectado no âmbito do Projeto Corumbá, na década de 1990 (vide Bitencourt, 1992; Schmitz et al., 1998). Branka Susnik (1978:24) corretamente explicou que a “penetração dos Guasarapo na zona alto-paraguaiense precedia à dos Payaguá”, pois os deslocamentos territoriais deste último povo, rumo ao Pantanal Matogrossense, ocorreu com maior intensidade em tempos coloniais, em um contexto histórico marcado pelo avanço dos castelhanos de Assunção e dos bandeirantes de São Paulo. Na época da Conquista Ibérica, principalmente na primeira metade do século XVI, os Guaxarapo mantiveram forte aliança com os Guató para juntos defenderem seus territórios contra invasores de além-mar e inimigos locais como os Guarani e Payaguá (Susnik, 1978). Em tempos de paz com os Payaguá, entretanto, os Guaxarapo faziam negócios com eles trocando canoas e peixes por arcos e flechas, dentre outras coisas que lhes interessavam no momento, conforme consta nos Comentários de Cabeza de Vaca (1944, 1984, 1987), a obra seiscentista de maior valor etnográfico para o conhecimento dos povos indígenas estabelecidos no Pantanal no início da Conquista Ibérica da região platina. Segundo o conquistador espanhol, em tempos de cheia os Guaxarapo saltavam à terra, nas partes mais altas, para caçar antas, veados e outros animais que fugiam nas águas. As caçadas, mais feitas por interceptação do que por encontros aleatórios com os animais, geralmente eram rápidas, pois logo os índios voltavam para suas canoas, muitas vezes de pequeno tamanho e cabendo umas três pessoas. Fabricavam ainda canoas maiores e aparelhadas com fogões de barro para cozinhar e, durante o inverno, manter as famílias aquecidas durante pescarias, caçadas e viagens mais longas (Susnik, 1978). Nos Comentários consta ainda uma interessante descrição sobre a ocupação sistemática de assentamentos sazonais por parte dos índios canoeiros da região, talvez os Guaxarapo ou os Guató, a qual também foi ratificada em fontes textuais produzidas posteriormente:

249

Quando as águas estão baixas, os nativos daquelas terras vêm viver juntos à ribeira, trazendo suas mulheres e filhos para gozarem dos prazeres da pescaria. Durante esse período levam uma vida muito alegre, cantando e dançando, porque a comida é abundante e o lugar muito agradável. Quando as águas começam a subir, que é por volta de Janeiro, voltam para as partes mais altas e seguras. As águas chegam a subir até seis braças por cima das barrancas e se estendem por toda a planície terra adentro, parecendo um mar. Isto acontece religiosamente todos os anos, cobrindo todas as árvores e vegetações da região. [...] Os nativos têm umas canoas aparelhadas para esta época. São muito grandes e no meio delas fazem um fogão de barro. Depois de feito o fogão, o índio se mete ali com sua mulher e filhos, podendo, com a cheia, ir para qualquer parte. O fogão serve para cozinhar os alimentos e para aquecê-los. Assim passam quatro meses do ano, que é o período em que dura a cheia. Porém, mesmo com a cheia eles saltam à terra nas partes mais altas para caçar antas e veados que fogem da água. Esta caçada é muito rápida, pois logo voltam para as conas, onde ficam até que as barrancas estejam descobertas. [...] Ao contrário de todos os demais povos destas paragens, esta gente não tem principal (Cabeza de Vaca, 1987:193-194).

Esse fenômeno é conhecido como transumância, ou seja, o deslocamento estacional, na região pantaneira feito por meio de canoas, de uma zona para outra, tal qual definiu Donald L. Hardesty (1979:141). Havia, porém, uma relativa estabilidade das residências sazonais em resposta à variabilidade ambiental, característica do ethos canoeiro de muitos povos, o que demonstra a existência de complexos padrões de mobilidade e assentamento, mais “do que creditam os modelos correntes” (Eder, 1984:838). Esta consideração também é válida para o modelo de dinâmica de ocupação dos assentamentos Guató, proposto em minha dissertação de mestrado (J. Oliveira, 1995a, 1996a), o qual vem sendo usado para analogias entre o presente etnográfico e o passado arqueológico da região, às vezes sem se fazer a devida referência ao autor. Embora a descrição de Cabeza de Vaca pudesse ter sido feita mediante a observação de algumas famílias Payaguá, como sugeriu M. Magalhães (1999:85), é preciso ter claro que na primeira metade do século XVI esses canoeiros não possuíam assentamentos no alto Paraguai acima da confluência com o rio Miranda. No período de seca, muitos povos canoeiros permaneciam nas margens de grandes rios como o Paraguai, ao passo que na crescente voltavam para as partes mais altas e seguras de onde tinham vindo anteriormente. Logo após a vazante, quando os povos canoeiros permaneciam nas margens dos rios, pequenas roças eram plantadas e colhidas antes da enchente cobrir aquelas áreas, situação que se assemelha à agricultura praticada por populações ribeirinhas que atualmente vivem às margens do Paraguai, em Mato Grosso do Sul.

250

A exemplo dos Guató, entre os Guaxarapo aterros sob forma de capões-de-mato, como os existentes no pantanal de Abobral, também devem ter sido ocupados preferencialmente nas cheias, enquanto os sítios existentes nos barrancos mais altos de rios poderiam estar sendo ocupados sobretudo em época de seca. As exceções estão por conta de variáveis como topografia, períodos plurianuais de anos relativamente secos ou chuvosos, demografia, disputas entre povos canoeiros por melhores nichos ecológicos e a própria dinâmica sociocultural inerente às sociedades humanas. Por conta dessas variáveis é que não se pode pensar em um padrão de assentamento das populações pré-históricas do Pantanal a partir da propositura de um grande modelo de implantação dos sítios na paisagem, conforme apresentado por Peixoto et al. (1999). O importante é saber qual a relação entre padrão de assentamento e outros aspectos da cultura, ainda que em macro-escalas (Trigger, 1968). Acredito, por exemplo, na possibilidade de ter havido certo continuum de mobilidade espacial relacionada aos padrões de assentamentos dos pescadores-caçadores-coletores ceramistas, desde as ocupações situadas ao redor do início da Era Cristã até alguns povos historicamente conhecidos. Teria havido, então, uma subsistência multidimencionalizada relacionada à mobilidade fluvial e à dinâmica de ocupação dos assentamentos estacionais. Mas somente percebendo as especificidades da presença indígena em cada região do Pantanal, vista como unidades de ocupação, poder-se-á elaborar modelos específicos e seguros de padrão de assentamento, assim entendido: As relações geográficas e fisiográficas de um grupo de sítios pertencentes a uma “cultura” são interpretados com padrão de assentamento, tanto que as relações funcionais entre os sítios incluídos em um determinado padrão são assumidos como o sistema de assentamento (Lanata, 1993:4).

É interessante ainda mencionar que Cabeza de Vaca (1987:209) registrou a presença de objetos metálicos entre os Guaxarapo, especialmente adornos corporais supostamente de ouro e prata que eles haviam tomado dos Guarani (Itatim) que faziam excursões (marandecó) às terras do kandiré, onde mantinham contatos com povos andinos e sub-andinos desde antes da chegada dos europeus à América. Certamente este é um indício de que no Pantanal, assim como no litoral centro-sul do Brasil (Lima, 2000b, 2000c), não houve apenas a circulação de objetos exóticos, mas também de pessoas, informações diversas e ideologias. Pergunto: essa situação teria causado algum tipo de diferenciação social entre povos canoeiros rumo a uma maior complexidade econômica e sócio-política? Se houve, por certo esta particularidade

251

passou despercebida aos olhos de Alvar Núñez Cabeza de Vaca e de Ulrico Schmidel (1986), mercenário alemão que esteve com ele na expedição espanhola que atingiu a região em 1543. Segundo Melià (1990), a organização social, a economia e a religião dos povos indígenas foram sistematicamente encobertas na maioria dos primeiros escritos europeus sobre o Novo Mundo, situação também percebida para a região pantaneira, se bem que os relatos de Cabeza de Vaca são bem mais interessantes, à luz da Etnografia e da Etnoistória, em relação a muitos relatos quinhentistas e seiscentistas escritos por outros europeus. No entanto, conflitos interétnicos e técnicas bélicas, realizados com fins específicos, foram dos aspectos mais registrados pelos primeiros europeus que passaram pela América do Sul, algo que para eles foi como que reencontrar em outras terras e entre povos bastante estranhos “a atmosfera carregada da Europa do século XVI” (Lévi-Strauss, 1976a:325). A realidade interétnica do Pantanal do século XVI em muito lembra a de outras áreas da América do Sul, a exemplo da costa atlântica: Sem dúvida, esta imagem corresponde amplamente à realidade. Dificilmente se explicariam a fragmentação dos povos primitivos da América do Sul, sua dispersão em uma verdadeira poeira de pequenas unidades sociais pertencentes quase sempre às mesmas famílias lingüísticas, e entretanto isoladas nas extremidades opostas da floresta ou do planalto brasileiro, se não se admitisse que, na história précolombiana da América tropical, as forças de dispersão prevaleceram sobre as formas de união e coesão. Está fora de dúvida que, numa época antiga, como aliás presentemente, os grupos vizinhos se tratavam antes como inimigos do que como aliados, que eles se temiam e se evitavam, e que esta atitude tinha razões bastante sólidas. Contudo, parece claramente, mesmo na leitura dos autores antigos, que esta atitude dos agrupamentos tinha um limite e que nem tudo nas suas relações era determinado por razões negativas. Mencionemos o uso freqüente de objetos ou matérias-primas cuja proveniência só podia ser estrangeira, e que atestam a existência de relações comerciais entre grupos afastados: assim, as preciosas pedras verdes, descritas por Yves d’Évreux e Jean de Léry, que os índios da costa traziam introduzidas nos lábios, nas bochechas e nas orelhas e que eles consideravam com seu bem mais precioso (Lévi-Strauss, 1976a:326).

Considerando as idéias apresentadas por Lévi-Strauss, suponho que conflitos diversos estiveram entre os principais motivos da dispersão de povos lingüisticamente Guaikuru, dentre outros, na pré-história pantaneira e chaquenha. É evidente que as causas desses conflitos são múltiplas e estão relacionadas, também, à situação interétnica e demográfica regional. A respeito dos Mbayá-Guaikuru, cujo idioma está filiado à família lingüística Guaikuru, em tempos coloniais e imperiais seu território abrangia parte expressiva do curso

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médio do rio Paraguai, entre o Apa e o Ypané, na atual República do Paraguai, e parte do alto Paraguai, especialmente o pantanal de Nabileque, no Brasil, dentre outras áreas. Nessas regiões muitos assentamentos sazonais foram estabelecidos às margens de rios e lagoas ricos em moluscos aquáticos, peixes, jacarés, capivaras e outros animais, bem como em palmeiras do tipo acuri (Scheelea phalerata), bocaiúva (Acrocomia aculeata) e carandá (Copernicia alba), exploradas para fins de alimentação, produção de artefatos, construção de casas e outras finalidades. Outras espécies de plantas como algarrobo (Prosopis ruscifolia) e arroz-do-pantanal (Oryza lalifolia) também foram sistematicamente exploradas. Em muitos nichos assim os Mbayá-Guaikuru montaram acampamentos provisórios, construindo suas casas com equipamentos portáteis que poderiam ser facilmente transportados de um lugar para outro (Herberts, 1998a). Manter a posse deles também foi motivo de grande competitividade com outros povos vizinhos. Branka Susnik elaborou uma sucinta descrição das casas Mbayá-Guaikuru em que há interessantes dados sobre as diferenciações sociais entre os indivíduos e sua organização espacial: Os povoados dos eqüestres Mbayá-Guaikuru tinham a forma semi-circular, ligeiramente abertas em suas pontas. A disposição das choças de esteiras obedecia uma certa ordem por ‘prestígio social’, reservando-se o lugar central para o chefe com seu “gentio” aparentado e dependente. Nas pontas se assentavam os xamãs para o resguardo mágico da comunidade. A vida social desenvolvia na praça central em direção a qual se orientavam os corredores abertos das choças (Susnik, 1996:17).

Ainda que os Mbayá-Guaikuru tenham ficado conhecidos na História e na Historiografia como índios cavaleiros, há muitos documentos que comprovam que eles não deixaram de utilizar canoas como meio de transporte durante as cheias, apesar de, desde o século XVI, terem adquirido cavalos com os europeus e seus sucessores na região platina, através de trocas e conflitos bélicos. Susnik (1982:122) assim explicou a situação: “Os Uettiadau-Mbayá e também os Kadiwéu adotaram a canoa monóxila, adquirida às vezes dos Guasarapo ou dos Payaguá, mas estavam alheios ao verdadeiro ethos canoeiro-fluvial”. Na segunda metade do século XIX e primeira do XX, algumas aldeias MbayáGuaikuru haviam sido estabelecidas nas proximidades de Corumbá, em Mato Grosso do Sul, sobretudo no atual distrito de Albuquerque e na lagoa do Jacadigo, o que talvez explique a ocorrência de uma cerâmica com engobo vermelho e impressão de corda encontrada na superfície de sítios a céu aberto, em contextos ambientais que incluem áreas de contato entre

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o planalto residual de Urucum e as terras baixas: MS-CP-141 (UTM 434805E e 7866678N), localizado na área de inundação da lagoa do Jacadigo (J. Oliveira, 1998c); MS-CP-25 (UTM 438700E e 7882800N), próximo ao córrego Band’Alta e à morraria Santa Cruz (Schmitz et al., 1998); um sítio existente na sede do distrito de Albuquerque (Schmitz et al., 1998); e o sítio histórico da Missão Nossa Senhora do Bom Conselho, encontrado na localidade de Mato Grande (Peixoto & Schmitz, 1998). Provavelmente os Mbayá-Guaikuru tenham até ocupado o aterro MS-CP-16, o maior sítio identificado na região da lagoa do Jacadigo, embora Herberts (1998a) não tenha dado crédito a essa possibilidade, talvez por não ter conhecido a região in loco ou porque evitou fazer alguma analogia histórica direta diante da confluência de dados geográficos, cronológicos, etnográficos, históricos e arqueológicos para a ocupação mais recente da região e adjacências. Uma analogia desse tipo não significa que povos Mbayá-Guaikuru ocuparam aquela área desde uns 4.500 AP, ou seja, que houve um continuum entre o passado arqueológico e presente etnográfico. Todavia, penso estar claro que esses índios estabeleceram algumas de suas aldeias na região, especialmente nos séculos XVIII e XIX, período em que passaram a manter alianças mais duradouras com os luso-brasileiros. Esses sítios, embora pertencendo a povos lingüisticamente Guaikuru, possuíam uma cerâmica menos refinada se comparada com a cerâmica dos Kadiwéu do pantanal de Nabileque, etnográfica e historicamente também conhecida pela produção de vasilhas cerâmicas decoradas com impressão de corda feita com fibras de caraguatá (Bromelia balansae). Às vezes continham pinturas policrômicas em vermelho, produzida a partir de óxido de ferro (hematita), em preto, obtida da resina de pau-santo (Bulnesia sarmientoi) ou da mistura de pó de carvão vegetal, suco de jenipapo (Genipa americana) e água, e em branco, extraída de calcário branco, argila branca ou ainda obtida da mistura de cal e água (D. Ribeiro, 1980; Herberts, 1998a). Deduzo, entretanto, que eles devem ter ocupado aterros nos pantanais de Nabileque e Paraguai, especialmente por conta das conseqüências da expansão da Conquista Ibérica a partir da fundação de Assunção, no Paraguai, na primeira metade do século XVI. Ao contrário dos Guató e talvez dos Guaxarapo, os assentamentos Mbayá-Guaikuru eram constituídos por aldeias, seus principais núcleos residenciais, formadas de várias famílias e contando com a presença de um principal. Entre eles havia claros indícios de diferenciação social, o que ficou mais latente a partir do contato com os europeus e

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posteriormente com as sociedades nacionais, quando passaram a manter como cativos indivíduos de outros povos, dentre os quais representantes dos Chamacoco, Chané, Guaxarapo e Guató, conforme consta nos apontamentos de G. Boggiani (1975 [1897]) e nos estudos de Métraux (1942, 1944, 1963a) (vide também d’Alincourt, 1857, 1975; Serra, 1866; Mello, 1958; dentre outros). Acredito que no período pré-histórico essa situação tenha ocorrido com menos intensidade do que nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, tendo em vista a ausência o elemento europeu na região platina. Significa dizer, portanto, que no tocante à organização social também há diferenças marcantes entre os povos indígenas que ocuparam as terras baixas do Pantanal, questão esta talvez evidenciada pelo tamanho dos sítios pré-históricos e pela quantidade e variedade de material arqueológico neles existente. Historicamente, quiçá na segunda metade do século XIX, os Chamacoco ocuparam o aterro do Puerto 14 de Mayo, na República do Paraguai, mas apenas o conseguiram fazer depois de terem conquistado o montículo que pertencia a um povo Guaikuru, o qual reconheceram pelo apelativo Uettiadau, termo usado para designar todos os inimigos MbayáGuaikuru do norte, dos quais os atuais Kadiwéu são os últimos sobreviventes em território brasileiro (Susnik, 1959a, 1978, 1995b). Os Payaguá, por seu turno, também pertencentes a família lingüística Guaikuru, ocupavam principalmente o curso do rio Paraguai e adjacências: os Agace, povo meridional, ocuparam o rio Bermejo e o rio Paraguai, desde as proximidades de Assunção até antigo Porto Candelária, na República do Paraguai; os Sarigué-Payaguá, mais conhecidos na Historiografia Brasileira, ocuparam o rio Paraguai e circunvizinhanças, desde Assunção até o Forte de Coimbra, em Mato Grosso do Sul (Susnik, 1987). Ambos subsistiam basicamente da pesca, caça, coleta e consumo de alguns vegetais domesticados; estes últimos historicamente conseguidos por meio de saques a aldeias Guarani e Arawak. A subsistência dos Payaguá esteve muito marcada pela caça de jacarés, capivaras, veados e outros animais que ocorrem na planície de inundação, além da exploração de plantas como carandá, arroz-do-pantanal, algarrobo e canafístula (Cassia grandis) (M. Magalhães, 1999). É interessante notar que eles também se alimentavam da carne de lontra (Lutra longicaudis), animal que, juntamente com outra espécie parecida, a ariranha (Pteronura brasiliensis), faziam e ainda fazem parte do tabu alimentar dos Guató. Particularidades assim

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demonstram que nem todos os recursos disponíveis nos ambientes chegaram a ser explorados pelos povos indígenas. Os assentamentos Payaguá foram assim descritos por Branka Susnik: Todas as tribos da família Guaikuru se caracterizavam pelo uso de abrigos de esteiras. Os pescadores-canoeiros Payaguá do rio Paraguai, se bem que dependiam de sua mobilidade canoeira, tinham alguns assentamentos mais permanentes, situados geralmente na confluência de rios menores com o rio Paraguai, lugar preferencial para os contatos interparciais. Os galpões foram dispostos linearmente nas margens dos rios, com a “rua-praça”; tais “layogi” assentamentos eram numericamente potenciais quando se reuniam todas as famílias de uma parcialidade, tendo assim os homens-guerreiros suficiente liberdade para suas incursões fluviais. Já assentados os Payaguá nas vizinhanças de Assunção [na primeira metade do século XX], conservaram por muito tempo seu “toldo de esteiras” de plano retangular. Fincavam-se três fileiras de postes em forquilha, a do meio um pouco mais alta, com seus respectivos travessões e se estendiam as esteiras para o teto das paredes. O teto era às vezes cobertos com palha à moda dos pescadores do Litoral do Paraná. Tais coberturas podiam proteger de 15 a 20 pessoas, geralmente constituindo um grupo doméstico aparentado (Susnik, 1996:16).

Com os desdobramentos da Conquista Ibérica, muitos de seus inimigos foram dizimados ou tiveram grandes perdas populacionais, especialmente frente à penetração dos bandeirantes na primeira metade do século XVIII. Por isso, nos oitocentos os Payaguá chegaram mesmo a ser vistos como os senhores do rio Paraguai, embora anteriormente tenham tido muitas dificuldades de ultrapassar as fronteiras territoriais existentes entre eles e os Guaxarapo e Guató, principalmente a partir da confluência do rio Paraguai com o Miranda (J. Oliveira, 1996a; M. Magalhães, 1999, 2000). Faz-se mister explicitar que é errôneo pensar que desde tempos pré-históricos os Payaguá foram donos, por assim dizer, do rio Paraguai e, por extensão, da região pantaneira, como tem sido comum perceber em livros sobre a história regional. Nem mesmo no século XVIII chegaram a dominar todo o curso do rio Paraguai. Logo, pensar o contrário significa ratificar mais um mito historiográfico, o do povo canoeiro guerreiro que dominou todo o curso do rio Paraguai, apesar de ser verdade que eles impuseram uma grande resistência bélica aos invasores de além-mar e seus sucessores americanos. Assim com os Guató, Guaxarapo e Mbayá-Guaikuru, os Payaguá também mantiveram estabelecimentos estacionais e muitos contatos interéticos. Em seus assentamentos residiam grupos domésticos, não raramente formados por famílias que moravam em casas feitas de materiais portáteis e via de regra localizados em ambientes alagáveis bastante favoráveis a

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atividades de caça, pesca e coleta, de acordo com os dados recolhidos e analisados por M. Magalhães (1999). Os contatos interétnicos que mantiveram com povos Arawak desde tempos préhistóricos, por exemplo, podem ser constatados na própria cerâmica arqueológica e etnográfica a eles atribuída, especialmente as vasilhas com capacidade volumétrica superior a quatro litros e com acabamento externo grosseiramente alisado (vide Schmidt, 1949; Chymz & Schmitt, 1971; Susnik, 1982, 1996, 1998a; Pusineri, 1993; M. Magalhães, 1999). No entanto, sabe-se que esse tipo de tecnologia ainda não foi encontrada no Pantanal Matogrossense, talvez porque a cerâmica pré-histórica dos Payaguá não tivesse sofrido as significativas mudanças percebidas em tempos históricos, questão que poderá ser melhor conhecida quando outras áreas da bacia paraguaia for pesquisada pelos arqueólogos. Faço questão de deixar claro mais uma vez que vários povos indígenas construíram e/ou ocuparam aterros e outros tipos de sítios arqueológicos nas terras baixas do Pantanal. Muitos deles são pouco conhecidos pelas fontes textuais ou nelas foram citados por meio de apelativos Guarani e castelhanos que não coincidem com suas auto-denominações ou com os nomes que lhes foram atribuídos posteriormente. Não obstante, estou convencido de que povos lingüisticamente Guaikuru, como os Mbayá-Guaikuru e Payaguá, e Macro-Jê, a exemplo do Guató, além do povo Guaxarapo, do qual quase nada se sabe em termos lingüísticos, foram alguns de seus representantes em tempos coloniais e épocas mais recentes (Quadro 5). A aproximação feita atesta que a expressiva sociodiversidade regional teve origem na pré-história e perdurou até o período da Conquista Ibérica, sobretudo até o século XVIII. Portanto, a cerâmica conhecida como tradição Pantanal deve ter sido a popular macro tecnologia de povos indígenas cultural e lingüisticamente distintos, especialmente os possuidores de um verdadeiro ethos canoeiro. Cada um deles criou seu próprio estilo cerâmico, desde a pré-história, porém com similitudes morfológicas entre si e diferenças em termos de distribuição espaço-temporal, as quais tornaram-se mais acentuadas com a Conquista Ibérica. Desenvolveram ainda sistemas adaptativos e estruturaram sistemas socioculturais particulares, embora com certas semelhantes sob alguns aspectos da organização sócio-espacial, além de manterem intensos contatos interétnicos entre si e com outros povos indígenas culturalmente diferentes.

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Do ponto de vista tecnológico, a diferenciação desses povos pode ser definida em termos de atributos espaciais e formais, combinados ou não, em conformidade com as idéias de Binford (1975a, 1975b, 1975c). Neste sentido, uma grande contribuição foi dada por Migliacio (2000a) ao analisar a cerâmica da tradição Pantanal encontrada em aterros do pantanal de Cáceres. O difícil mesmo, contudo, é precisar as eventuais continuidades e mudanças estruturais ocorridas entre os povos citados dentro de uma perspectiva de longa duração. Apesar disso, estou ciente de que o passado não determina o presente e que os processos adaptativos não determinam os indivíduos, pois a vida social envolve diferentes dimensões e conjunturas (Hodder, 1991). Ou fazendo um trocadilho com dois conceitos utilizados por Sahlins (1979): a razão prática não condiciona ou se sobrepõe à razão simbólica ou significativa. Após todas as considerações apresentadas, uma instigante pergunta finalmente vem à tona: teria havido no Pantanal um complexo de povos canoeiros que estaria caminhando para uma reconhecida complexidade sócio-política e econômica? Esta foi a indagação que fiz quando tomei conhecimento dos estudos de Jeanne E. Arnold e sua equipe, especialmente Arnold (1992) e Arnold et al. (1997), sobre as sociedades marítimas da Califórnia insular, incluindo os Chumash do canal de Santa Bárbara. Naquela região da América do Norte existiu um complexo e rico mosaico sociocultural formado por povos pescadores-caçadorescoletores, organizados de uma forma que lembra o modelo de chefia (chiefdom). Jeanne E. Arnold (1992:61) empregou o conceito de complexidade emergente ou emergência de complexidade para descrever sociedades intermediárias, aquelas em vias de constituírem chefias, tidas como mais complexas do que as sociedades igualitárias. O autor utilizou ainda o termo complexo para indicar sociedades com desigualdades hereditárias, economia organizada, inclusive na esfera doméstica, população relativamente densa (com 2.000 indivíduos ou mais), alguma forma de integração sócio-política regional e principais (chiefs) com poder para manipular o trabalho de seus partidários. Em trabalho mais recente, Arnold et al. (1997) apresentaram dados arqueológicos e etnoistóricos corroborando a tese da evolução sócio-política na pré-história dos povos indígenas que ocuparam as ilhas ao sul da Califórnia. Os autores enfatizaram a aparição de diferentes situações sociais relacionadas à intensificação da produção artesanal especializada, a qual, por sua vez, esteve ligada às mudanças no uso dos recursos animais, rumo a uma organização mais complexa. Este último trabalho, também publicado na American Antiquity,

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veio acompanhado de um interessante debate entre Arnold e sua equipe, de um lado, e L. Mark Raab e seus parceiros, de outro. Em resumo, os debatedores argumentaram que Arnold e seus colaboradores apresentaram uma gama de dados indicando adaptações culturais em contextos de altas temperaturas marinhas na costa sul da Califórnia, de 1.150 a 1.300 d.C., relacionadas a episódios de secas severas no holoceno tardio, durante parte da chamada anomalia climática medieval, de 800 a 1.400 d.C. (Raab & Larson, 1997). Arnold (1997) rebateu as críticas argumentando que as origens da complexidade sócio-política no sul da Califórnia são melhor entendidas a partir de uma ampla gama de considerações, múltiplos processos e avaliações, incluindo vários tipos de situações ambientais e demográficas, mudanças nas estratégias econômicas, sociais e na organização do trabalho, em um contexto ambiental e sociocultural específico. Na tréplica, Raab & Bradford (1997) mantiveram suas críticas e afirmaram que a tese de Arnold et al. (1997) é uma malsucedida estratégia de combinar marcos analíticos uniformes e imprevistos. Neste debate acadêmico, no entanto, a existência da complexidade foi questão consensual entre os arqueólogos; a polêmica maior ficou em torno de suas origens. Além desses trabalhos, o modelo multidimensional proposto por Lima (2000b [1997]), Lima & López Mazz (2000) e López Mazz (2001) para a emergência de complexidade entre pescadores-caçadores-coletores da costa atlântica meridional da América do Sul, levou-me a refletir com mais atenção ainda sobre o assunto e rever muitas informações arqueológicas, etnográficas e etnoistóricas sistematicamente recolhidas e organizadas para este trabalho. No âmbito da Arqueologia Brasileira, a temática complexidade emergente foi há pouco inaugurada com o artigo Complexidade emergente entre caçadores-coletores: uma nova questão para a pré-história brasileira, de Tania A. Lima (2000b). Este trabalho foi apresentado como conferência no IX Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 1997. Segundo a autora: Nos casos dos caçadores/coletores complexos detectados até o momento, três desses fatores são comuns a todos: circunscrição geográfica, abundância de recursos, populações grandes e densas. a) A circunscrição, ao limitar com barreiras naturais ou sociais os movimentos das populações, cerceia a sua mobilidade, favorecendo o surgimento de tecnologias mais elaboradas e especializadas, a acumulação de bens e, em conseqüência, a diferenciação. b) A abundância de recursos no caso, organismos pequenos e numerosos como peixes, moluscos, determinados frutos, etc., com taxas rápidas de reprodução propicia uma base alimentar estável. c) O crescimento populacional, levando à redução da oferta de alimentos e produzindo desequilíbrio, favorece mudanças sociais, na busca por soluções alternativas de sobrevivência. Contudo, essas parecem ser condições

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necessárias mas não suficientes para a emergência da complexidade e o fenômeno ainda está longe de ser devidamente explanado (Lima, 2000b:9).

Ela ressaltou, porém, que Há uma armadilha na utilização desses indicadores para se investigar a diferenciação social. Trabalhar somente com presença/ausência de elementos diagnósticos é muito semelhante, na forma e na função, à elaboração das antigas listas de traços culturais, embora esse procedimento seja de certa forma inevitável numa abordagem inicial à questão. Contudo, a investigação deve ser orientada para analisar de que forma surgem essas peculiaridades em sociedades não estratificadas, mais que simplesmente detectá-las (Lima, 2000b:9).

Na mesma ocasião, a arqueóloga apresentou Os construtores de sambaquis: complexidade emergente no litoral sul/sudeste brasileiro, tornando público um novo paradigma para a interpretação dos povos indígenas que construíram e ocuparam centenas de sambaquis no litoral Atlântico (Lima, 2000a). Pouco tempo depois, o mesmo tema foi abordado por Paulo De Blasis et al. (1998). Para eles as características sociais e demográficas dos construtores de sambaquis ainda permanecem obscuras, havendo muitas questões a serem resolvidas com vistas a conhecer os caminhos para a complexidade. Tania A. Lima em parceria com José María López Mazz ainda publicaram o artigo La emergencia de complejidad entre los cazadores recolectores de la costa atlántica meridional sudamericana, abordando novamente o assunto, porém em uma amplitude geográfica maior (Lima & López Mazz, 2000). López Mazz (1998, 2001), por seu turno, tem sido um dos precursores na temática complexidade emergente entre caçadores-coletores que construíram cerritos no sul da região platina. Levando em conta os aportes de Tania A. Lima e José María López Mazz, e considerando o atual estado da arte da Arqueologia Pantaneira, cheguei à conclusão de que do ponto de vista etnoistórico é correto afirmar que às vésperas do início da Conquista Ibérica os povos canoeiros do Pantanal não estavam organizados em sociedades igualitárias e sem conflitos internos. Pelo contrário, havia fortes indícios da existência de desigualdades sócioeconômicas e da concentração do poder político nas mãos de uma minoria. Esta situação teria sido o resultado da combinação de vários fatores inter-relacionados que favoreceram a existência de hierarquias e da centralização de poderes nas mãos de indivíduos capazes de liderar determinados grupos domésticos, quais sejam:

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Abundância de recursos em algumas áreas e iminência de estresse ambiental em outras, face a eventuais desequilíbrios entre oferta de recursos e demografia, motivo de grande competitividade por determinados nichos ecológicos, a exemplo das disputas pelos arrozais nativos;

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Pressão demográfica ocasionada por migrações diversas, deslocamentos territoriais e crescimento populacional, talvez a mais plausível explicação para a existência de um rico mosaico sociocultural no Pantanal e no Gran Chaco;

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Relações interétnicas mantidas entre os povos canoeiros e entre eles e outros povos lingüisticamente Guarani e Arawak, o que favoreceu em muito a circulação de informações e ideologias diversas, bem como a composição de estratégicas alianças entre grupos vizinhos para o controle, a defesa e talvez a expansão de seus territórios;

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Aquisição de matérias-primas e artefatos variados, incluindo objetos exóticos oriundos de regiões distantes, provavelmente acumulados nas mãos de poucas pessoas capazes de liderar um sistema de intercâmbio e incursões a longas distâncias, além de ataques surpresas a expedições vindas das zonas andina e sub-andina e às aldeias para onde elas se destinavam;

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Controle da organização do trabalho social relacionado à construção de aterros e à economia de grupos domésticos ligados por laços de consangüinidade e afinidade;

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Manutenção de índios cativos aprisionados em conflitos bélicos interétnicos; e

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Eficazes estratégias de territorialidade associadas à desenvolvida mobilidade estacional em espaços muito bem conhecidos, delimitados e defendidos contra possíveis invasores, o que remete a particulares e distintas formas de organização sócio-espacial. A questão mais difícil é precisar quando esse complexo de povos canoeiros

pescadores-caçadores-coletores teria emergido no Pantanal e, por extensão, em algumas regiões adjacentes como o Chaco. Considerando as datas radiocarbônicas e de termoluminescência publicadas, é possível que essa realidade sociocultural tenha se configurado gradativamente a partir do início da Era Cristã. Todavia, dizer que certas sociedades de pescadores-caçadores-coletores estariam próximas de uma organização em nível de chefia, como proposto para a Califórnia insular, talvez seja muito precipitado neste momento.

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Ademais, em estudos mais recentes sobre a organização de sociedades indígenas sulamericanas, realizados por antropólogos de diferentes orientações teórico-metodológicas, termos sedutores como bandos, tribos e chefias, paradigmas de um evolucionismo multilinear, parecem estar cada vez mais em desuso. Quero dizer com isso que percebo os povos canoeiros do Pantanal como sociedades complexas, de fato, pois não raramente foram observadas entre elas disputas pelo poder político, diferentes status sociais e formas particulares de hierarquia entre os indivíduos. Por outro lado, mesmo em outras sociedades aparentemente mais simples, frouxas ou igualitárias pode ter havido o desenvolvimento de complexas estratégias e regras sociais para a manutenção da suposta igualdade entre seus membros. Portanto, há complexidades de diferente natureza, para as quais é preciso lançar mão de um instrumental teórico-metodológico adequado para percebê-las em toda sua dimensão. Neste sentido, se na década de 1990 foi importante estudar a adaptação cultural dos povos Guató, Mbayá-Guaikuru e Payaguá, frente a realidades ecológicas e sociais específicas, hoje em dia é preciso compreender sua forma de organização sócio-política e econômica em termos espaciais e temporais, à luz da Arqueologia, da Etnoistória e da Etnologia, perseguindo deliberadamente a interdisciplinaridade. Enfim, muito ainda deverá ser feito para explicar as origens e os desdobramentos do povoamento indígena na região pantaneira. Avanços, porém, têm sido registrados a cada ano. Por isso, não será de todo ruim se em breve houver a publicação de novos dados e idéias que possam fazer deste capítulo mais uma página da Arqueoistoriografia Pantaneira.

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QUADRO 5: ALGUNS POVOS INDÍGENAS MAIS CONHECIDOS E IDENTIFICADOS NO PANTANAL A PARTIR DO SÉCULO XVI. FILIAÇÃO LINGÜÍSTICA Família Lingüística Arawak (Tronco Lingüístico Arawak)

Família Lingüística Guaikuru

Família Lingüística Tupi-Guarani (Tronco Lingüístico Tupi)

POVOS INDÍGENAS PROVÁVEL ÁREA DE OCUPAÇÃO Echoaladi, Kinikinao, Laiana (Chané e Parte do rio Apa e adjacências e os pantanais de Cáceres, Guaná), Orejon ou Orelhudo*, Terena, Poconé e Paraguai e o extremo noroeste da região. Xaray e Chiquito (Saraveka, Koraveka e Kuruminaka) Guaxarapo*, Mbayá-Guaikuru e Payaguá Dos limites do Pantanal com o Chaco até extensões dos pantanais de Nabileque, Abobral, Paiaguás, Miranda, Nhecolândia e Paraguai. Ibitiguara, Itatim, Kainguá e Grande extensões dos rios Ypané, Apa, Miranda e dos Guarambarense* planaltos residuais de Urucum e Amolar.

Família Lingüística Jê (Tronco Lingüístico Macro-Jê)

Bororo (Ocidental)

Regiões dos pantanais de Barão de Melgaço, Cáceres, Paraguai e Poconé.

Família Lingüística Zamuco

Chamacoco e Yshyr (Xorshio/Caitporade)

Áreas próximas à Baía Negra, na República do Paraguai.

Família Lingüística Guató (Tronco Lingüístico Macro-Jê)

Guató

Família Lingüística Otuké (Tronco Lingüístico Macro-Jê)

Umutina

Grande parte do alto curso do rio Paraguai, consideráveis extensões dos rios Cuiabá e São Lourenço e seus afluentes, Ilha Ínsua e lagoas Gaíva, Uberaba e provavelmente as de Mandioré, Vermelha e Cáceres. Rios Paraguai e Sepotuba.

Família Lingüística Camba

Camba

Originários da Bolívia, muitos representantes vivem atualmente na periferia da cidade de Corumbá, deslocados para lá no início do século XX.

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Arianococi, Artanese, Caracará, Rios Paraguai, São Lourenço, Cuiabá, Jauru, Sepotuba e Caruguara, Cubre, Cuvacua, Guacamá, outros. Guarichi, Naperu, Mepen, Napune, Sacoci, Surucua, Taycoci, Tuque, Yacaré, Yayná, Yiyu, Xaquese e outros. NOTA: (*) filiação provável; os dados apresentados ainda precisam de estudos particularizados para contextualizar as ocupações em termos espaço-temporais. FONTE: Métraux (1942, 1944, 1963a); Susnik (1961, 1972, 1978); J. Oliveira & Viana (1999/2000) [dados revisados]; Migliacio (2000a). Filiação lingüística desconhecida e difícil identificação étnica, geralmente correspondendo a pequenas parcialidades grupais.

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TERCEIRA PARTE

SEGUINDO VIAGEM RIO ACIMA: ETNOISTÓRIA E ETNOARQUEOLOGIA GUATÓ

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6 ESSES CANOEIROS QUASE DESCONHECIDOS

Núbia apresentou-me a Ir. Joana D´Arc, que me indicou Ir. Ada, que me levou a Josefina, que me ensinou a língua e através de quem conheci e amei: Celso, Francolina, Cipriano, João Quirino, Estelita, Joana, Pedro, Lucinda, Vicência, Josefa, Armando, Zulmira, Xolô, Ana Maria, David, Eufrásia, Manoel, Júlia, José, Veridiano, Félix e Sebastião. Mataram Celso. Estelita morreu de sarampo. Joana, Xolô e Ana Maria morreram de velhice e de inanição. Lucinda, Vicência e Josefa foram levadas embora... Ninguém sabe pra onde. Pedro foi para um asilo e João, que ficou cego, foi viver com Josefina em Corumbá (Adair P. Palácio, 1984:129-130).

As palavras poéticas da lingüista Adair Pimentel Palácio, acima citadas, além relatarem parte de seu envolvimento orgânico com os Guató, trazem pistas a respeito de histórias de vida, parentesco, enfermidades, contatos com a sociedade envolvente e outros indícios relevantes para o entendimento do transcurso histórico e do sistema sociocultural desses quase desconhecidos argonautas do Pantanal. Digo quase desconhecidos pelo fato de pouco sabemos sobre eles e pela constatação de que poucos estudos foram amplamente divulgados a seu respeito. Por isso, um dos desafios que pesam a quem se aventurar pelo extraordinário universo Guató, além de ter disposição para realizar pesquisas de campo, vasculhar bibliotecas e escavar arquivos e museus, refere-se à capacidade intelectual de analisar fontes de natureza variada e perceber as múltiplas questões e pistas que elas trazem nas linhas e entrelinhas. Embora os Guató sejam representantes do complexo de povos canoeiros que emergiu na pré-história pantaneira e perdurou até tempos coloniais, continuam sendo pouco notados pelos cientistas sociais, ainda que tenham sido mencionados e descritos em fontes textuais desde a primeira metade do século XVI. Apesar disso, não é raro constatar a ausência de seu nome em manuais de Antropologia, Arqueologia, História e outras ciências vizinhas, nos quais povos indígenas sul-americanos foram relacionados segundo a região habitada e o parentesco lingüístico.

266 Até fins da década de 1990, por exemplo, praticamente não se falava sobre a existência deles na região pantaneira de Mato Grosso, municípios de Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço (vide Gomes et al., 1987; Fernandes, 1993; L. Miranda & Amorim, 2000), da mesma forma como ainda hoje o governo boliviano desconhece ou ignora o fato de haver algumas famílias Guató vivendo no lado oeste da lagoa Gaíva, na parte do Pantanal que pertence aquele país vizinho. Contudo, desde a década de 1970, gradativamente vem aumentando o número de pesquisadores interessados em saber mais e mais sobre a história e a cultura desses índios: origem étnica, língua, religião, parentesco, organização social, adaptação cultural (ecológica), mitologia, demografia, relação com a sociedade envolvente, fontes de pesquisa, território, etnociências, situação atual e outros assuntos. Questões assim têm sido freqüentemente apontadas por estudantes e professores universitários, especialmente em eventos científicos nos diversos campos das ciências sociais. Para respondê-las, no entanto, seria necessário contar com um significativo acúmulo de conhecimentos etnológicos, etnoistóricos e arqueológicos. Do contrário, seria preciso somar os esforços de vários pesquisadores entusiasmados em investigar os mais variados temas sugeridos pelo público acadêmico. Nas duas situações, a realidade ainda está longe de ser a ideal, porém avanços vêm sendo registrados nas últimas décadas. No entanto, de todos os povos canoeiros das terras baixas do Pantanal, o Guató é o mais conhecido do ponto de vista da Etnologia e da Etnoistórica, como tenho dito nos últimos anos, talvez por ser um dos últimos argonautas sobreviventes nas terras baixas da região, o que torna seu estudo ainda mais relevante para a Arqueologia regional. Isto posto, no decorrer da leitura deste capítulo, alguém mais avesso ao estudo de fontes textuais primárias e obras etnológicas antigas, o que não é raro na Arqueologia Brasileira, poderá acusar-me de ser um admirador de antiquários por seguir analisando relatos de viajantes e textos produzidos por antropólogos da velha guarda como Max Schmidt. Se assim algum leitor chegar a pensar, por certo não entrarei para a história como o primeiro arqueólogo a ser rotulado dessa maneira, muito menos serei o último. Norman Yoffee (1995), por exemplo, foi acusado para a surpresa de muitos de apreciar antiquários ao externar sua admiração por um ensaio que David Clarke escreveu no início da década de 1970. Acontece, na verdade, que percebo as interpretações teóricas como leituras válidas por certo período; anos ou décadas depois de sua publicação podem virar

267 objeto exclusivo da Historiografia. Não obstante, os dados etnográficos contidos em uma obra de valor arqueológico, etnológico e etnoistórico, pelo contrário, possuem um prazo de validade muitíssimo maior, embora tenham sido registrados a partir de uma determinada ótica que marca a percepção da realidade sociocultural e a autoridade etnográfica, expressada na tradução da experiência para a forma textual, segundo analisou James Clifford (1998). Foi pensando mais ou menos dessa forma que decidi elaborar uma síntese sobre a língua e fazer uma análise acerca da organização social dos Guató, tornando sua história e sua sociedade mais conhecidas para os cientistas sociais e para o público em geral. Não tive a pretensão de escrever um tratado, um almanaque ou uma enciclopédia sobre o assunto, até porque são grandes as limitações impostas pelas fontes primárias. Mesmo assim, apesar do pouco que se conhece a respeito dos Guató em comparação com os Guarani/Kaiowá, Kaingang, Kadiwéu e Terena, por exemplo, sabe-se mais sobre eles do que a respeito dos antigos Charrua, Guaxarapo, Minuano, Payaguá e Xaray. Estes últimos cinco povos indígenas ou foram exterminados por completo, ou passaram por um processo de total assimilação ou encontram-se camuflados no caldeirão cultural das sociedades nacionais platinas. Daí compreender a importância de cada vez mais conhecer os Guató, pois, dentre outras coisas, atualmente eles são os últimos canoeiros de todos os povos indígenas que ocuparam as terras baixas do Pantanal. Portanto, não há como interpretar o passado préhistórico sem conhecer o presente etnográfico daquela região platina. Ademais, como havia dado uma pequena contribuição para o conhecimento da razão prática dos Guató, resolvi aqui preencher uma lacuna deixada em trabalhos anteriores e tratar da razão significativa.

6.1. LÍNGUA Na interpretação de Lévi-Strauss (1991:66), a “língua é o sistema de significação por excelência; ela não pode não significar, e o todo de sua existência está na significação”. Por este motivo ela é tão importante para o estudo das sociedades indígenas: organização social, mitologia, religião, arte etc.

268 Até a década de 1960, a língua Guató permaneceu classificada como língua isolada, assim mencionada por Chamberlain (1913), Métraux (1963b), Loukotka (1939, 1968), C. Rondon (1946), Tovar (1961), Susnik (1978), Nimuendajú (1981) e D. Ribeiro (1986), dentre muitos outros. Em 1970, o lingüista Aryon D. Rodrigues publicou, na Grande Enciclopédia Delta Larousse, o texto Línguas ameríndias propondo, pela primeira vez até então, sua filiação no grande e altamente hipotético tronco lingüístico Macro-Jê. Anos depois, a também lingüista Adair P. Palácio (1978, 1984, 1986, 1987, 1996), sua exorientanda, concluiu e divulgou novos estudos fazendo referência à tese de Rodrigues (1970), quem, por sua vez, tratou novamente do assunto em Línguas brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas (Rodrigues, 1986), reafirmando sua propositura inicial. Antes deles, no entanto, a língua havia sido registrada por vários cronistas e etnógrafos, quedando ao etnólogo Max Schmidt (1942a), em seus Estudos de Etnologia Brasileira, o registro mais denso antes da conclusão da tese de doutorado de Palácio (1984), intitulada Guató – a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai. Apesar de estar filiada diretamente ao tronco Macro-Jê, a língua Guató não pertence, ao menos segundo consta na literatura analisada, a nenhuma família lingüística a ele relacionada, inclusive a família Jê. Esta situação por certo é fruto da ausência de maiores estudos sobre o parentesco das línguas indígenas no Brasil. Entretanto, levando em conta as propostas apresentadas por Montserrat (1994), acredito que a língua Guató pode ser alternativamente considerada como uma família lingüística de um só membro, pertencendo ao tronco Macro-Jê, de acordo com o esquema que segue: TRONCO MACRO-JÊ

FAMÍLIA GUATÓ

LÍNGUA GUATÓ

Mas se hoje em dia a família Guató possui apenas um único membro, no passado talvez tivesse tido mais representantes. Esta avaliação leva em conta o fato de ter havido muitos povos indígenas na região do Pantanal, ao menos até o período colonial, constituindo ali um grande mosaico sociocultural no centro da América do Sul. Nesta linha de raciocínio, duas perguntas são difíceis de serem respondidas. A primeira diz respeito à língua falada pelos Guaxarapo: ela realmente pertenceu à família Guaikuru ou teria sido lingüisticamente aparentada da Guató? A segunda apresenta uma indagação ainda maior: das línguas faladas por povos indígenas que viveram no Pantanal, esporádica e

269 confusamente citados nas fontes textuais dos séculos XVI, XVII e XVIII, teriam existido representantes da família Guató? Além disso, ao contrário do que muitas vezes têm sido veiculado no país, povos lingüisticamente filiados ao tronco Macro-Jê não ocuparam apenas o território nacional, grosso modo o chamado Brasil central. Os antigos territórios dos povos Guató e Bororo, por exemplo, estendiam-se, também, por parte da atual Bolívia, nas proximidades das fronteiras com o Brasil, em área pantaneira e adjacências, onde atualmente ainda vivem alguns de seus descendentes (vide J. E. da Costa, 2000). Segundo Greg Urban, a família Jê seria um ramo relativamente recente que se separou do tronco Macro-Jê há cerca de 3.000 anos atrás, ao passo que línguas como a Guató teriam se separado há mais tempo, provavelmente entre 5.000 ou 6.000 AP. E como é comum entre lingüistas e arqueólogos brasileiros e brasilianistas, a gênese do tronco Macro-Jê, assim como o Tupi e o Arawak, teria ocorrido na Amazônia: O que se vê mais claramente, e com um grau maior de certeza, atualmente, é um padrão de ocupação antiga no Brasil (4.000-5.000 a.C.) periférico ao curso principal do Amazonas, o que pode refletir uma adaptação a cabeceiras. E podem-se localizar três grandes troncos lingüísticos (Jê, Tupi e Arawak), cada qual associado a um foco em cabeceiras e/ou periférico (planalto oriental do Brasil, região da chapada dos Parecis no oeste do Brasil e na Bolívia, e centronorte do Peru, respectivamente). Essas áreas geográficas são também os locais de aglomeração de línguas isoladas, sugerindo áreas de dispersão lingüística muito antiga. Uma quarta área, os altiplanos guiano-venezuelanos, área das línguas Karib, parece ser um foco secundário de dispersão, mais recente do que os outros três (Urban, 1992:102).

É preciso ter cautela ao adotar modelos de dispersão lingüística que partem do seguinte paradigma: em tempos pré-históricos, a região amazônica foi o centro irradiador de populações indígenas para grande parte das terras baixas do subcontinente, sua periferia. Isto porque muito ainda está por ser feito no campo da Lingüística, da Arqueologia e da Genética, dentre outras áreas, para se chegar a um corpus de dados empíricos que sustente modelos explicativos desse tipo a partir das muitas variáveis que eles suscitam. De todo modo, ainda que a língua Guató tenha sido separada do tronco Macro-Jê por volta de 5.000 e 6.000 AP, no momento não há como precisar quando os Guató ou os proto-Guató chegaram ao Pantanal. Está claro, porém, que eles atingiram a região em tempos pré-históricos, ou seja, antes da chegada dos europeus à América. Portanto, em princípio descarto qualquer hipótese que aponte sua origem como sendo uma espécie de

270 amálgama étnico que resultou dos contatos diretos e indiretos entre povos ameríndios e conquistadores de além-mar. A caracterização geral da língua Guató pode ser compreendia da seguinte maneira: De acordo com nossa análise e descrição, o guató é uma língua tonal (ou seja, o tom alto ou baixo de uma vogal modifica o significado das palavras), predominantemente aglutinante com respeito à formação de palavras, apresenta marcas de ergatividade (os marcadores de sujeito dos verbos transitivos e intransitivos são diferentes) e é do tipo VSO (a ordem predominante é verbosujeito-objeto). Um sistema numeral de base quinária até o número 20 e decimal para os demais é uma das características que a distingue da maioria das línguas indígenas brasileiras (Palácio, 1987:75).

Nos dias de hoje, entrementes, a língua Guató, tida como “extremamente doce” por Francis Castelnau (1949 [1850-1851]:322), “mui gutural” aos ouvidos de Henrique Beaurepaire-Rohan (1869:378) e “rápida” para o jovem Hércules Florence (1948 [1875]:153), está praticamente extinta, havendo cerca de dez falantes conhecidos em toda a região pantaneira, quase todos indivíduos com mais de cinqüenta anos de idade. E como as gerações mais jovens não aprenderam a língua, sua extinção lamentavelmente é certa, como bem previu Palácio (1984:17) na década de 1980: “A língua Guató pode ser considerada uma língua obsolescente. As condições a que estão submetidos seus falantes favoreceram esta situação. Mas é ainda um fator de identidade étnica do grupo e elo de ligação entre eles”. No baixo curso do rio São Lourenço vive a última família Guató que faz uso diário da língua original, com a qual pude conviver durante os trabalhos de campo. Todos seus membros possuem mais de cinqüenta anos de idade; eram quatro na época da pesquisas e hoje são apenas três. Logo, o que por séculos funcionou como um dinâmico e eficaz mecanismo de manutenção da identidade étnica e auto-constituição da realidade social, agora apresenta-se como uma língua moribunda em vias de extinção. Há, todavia, uma questão lingüística a ser retomada neste trabalho: a origem da palavra Guató. Esse vocábulo apareceu grafado pela primeira vez nos Comentários do adelantado espanhol Alvar Núñez Cabeza de Vaca (1944, 1984, 1987), escrito na primeira metade do século XVI. Daquele momento em diante, a palavra Guató foi gravada de várias formas em

271 fontes textuais primárias: “Guataes, Guatás, Guathós, Guatos, Guatòs, Goatos, Guattos e Guatues” (J. Oliveira, 1996a:8). Em 1901, Schmidt (1942a:230) registrou a palavra maguaato, usada para denominar uma ave conhecida como frango d’água (Gallinula chloropus), por ele grafada de maneira semelhante à auto-denominação étnica. No caso, maguaato seria a aglutinação do prefixo ma, flexão que determina os substantivos, e o vocábulo guaato. Por conta disso, Susnik (1978:19) afirmou que o termo Guató corresponderia a maguaato. Esta interpretação ficou conhecida regionalmente através do artigo A volta de Maguató, o frango d’água pantaneiro, no qual o jornalista Mário Ramires (1987:45-46) publicou algumas anotações feitas por Estanislao Prijemsky, estudioso que colaborou como pesquisador, guia e taxidermista para instituições como o Museu Nacional e o Instituto Butantã, dentre outros. Prijemsky conviveu com os Guató entre as décadas de 1930 e 1950, falecendo aos 93 anos de idade na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul; chamava-os de maguató ou frango d´água, ratificando assim a associação entre essas duas palavras. Ele chegou a organizar um arquivo pessoal com apontamentos etnográficos e históricos recolhidos em campo, material importante que infelizmente foi extraviado ou encontra-se em mãos de particulares que não o trouxeram a público. Em trabalho anterior (J. Oliveira, 1996a:51-52), apresentei dados que pareciam ir ao encontro dessa analogia, pois os falantes que entrevistei na época usavam a palavra maguató como autodenominação, no sentido de nação Guató e gente. Atualmente, contudo, tenho tido dúvidas a esse respeito, pois a grafia que aparece nas versões modernas dos Comentários não parece ter sido uma auto-identificação, mas um apelativo Guarani, assim como os demais nomes étnicos de povos não-Guarani ali registrados. É possível, por exemplo, que guató seja uma derivação de guatá, verbo que em Guarani significa andar, caminhar, circular, viajar e transitar, anotado dessa maneira no início da Conquista Ibérica para indicar um povo canoeiro com grande mobilidade espacial. No decorrer dos anos, guatá acabou sendo pronunciado e escrito como guató, incorporado como denominação e autodenominação étnica em um contexto sociolingüístico marcado por intensos contatos interétnicos. Atualmente parece não haver outra auto-denominação usada pelos poucos falantes que conheci. Além disso, posteriormente constatei que maguaato não é o mesmo que maguató, palavra que significa marmelada (Alibertia sessilis), tampouco é usado como autodenominação étnica pela família que conheci no baixo São Lourenço. São palavras

272 foneticamente parecidas, mas não exatamente as mesmas, pois o Guató é uma língua tonal, na qual há vocábulos semelhantes mas com significados distintos. A pronunciada diversidade étnica que outrora existiu no Pantanal, tratada anteriormente, também significou muitas e mútuas influências em várias línguas ali faladas até tempos coloniais. Um exemplo disso está na semelhança entre os marcadores de pessoa em Guató e Kadiwéu, a exemplo do prefixo gwa, segundo estudo apresentado por Adair P. Palácio & Aryon D. Rodrigues o mesmo prefixo também aparece na língua Guarani. Os autores concluíram tratar-se de um “paralelismo tipológico em línguas geneticamente independentes, mas geograficamente vizinhas”, cuja explicação mais plausível está nos contatos interétnicos mantidos no passado (Palácio & Rodrigues, 1979:3). Seria proveitoso se os cientistas sociais pudessem contar com um estudo comparativo mais aprofundado sobre as línguas faladas por povos que no passado mantiveram intensos contatos entre si no Pantanal, a exemplo dos Bororo, Guarani, Guató, Kadiwéu

(Mbayá-Guaikuru),

Payaguá

e Terena

(Chané/Guaná),

dentre outros.

Provavelmente uma análise comparativa desse tipo poderá descortinar aspectos sociolingüísticos e históricos até então pouco conhecidos.

6.2. ORGANIZAÇÃO SOCIAL A respeito da organização social Guató, tenho a dizer que analisá-la implica em desvendar aspectos importantes de seu sistema sociocultural, visto como uma unidade organizada, um todo estruturado em partes interdependentes (White, 1978). Neste sentido, as idéias aqui apresentadas somam-se àquelas que tenho divulgado até então. Entretanto, o leitor mais atento perceberá certas continuidades e mudanças em relação às interpretações que divulguei anteriormente. Não são meras contradições, mas uma leitura mais apurada e crítica sobre o modus vivendi dos argonautas Guató. A maior dificuldade encontrada ao tratar desse assunto foi sistematizar e interpretar os poucos dados disponíveis, muitos dos quais difusos em relatos de viajantes, cronistas e etnógrafos do século XIX e da primeira metade do século XX. Um trabalho assim requer o máximo possível de cautela diante das lacunas existentes. E ainda que a tendo, o pesquisador não estará imune a eventuais deslizes analíticos.

273 Diante dessa situação, o que apresento aqui é o resultado de um sobrevôo etnoistórico e ético sobre a organização social Guató, pois uma análise mais detalhada necessitaria de boas etnografias, nas palavras de Viveiros de Castro (1995:7), para a tratar de um “problema teórico de solução complexa”, como disse L. Pereira (1999:37) ao analisar a classificação do sistema de parentesco dos Kaiowá de Mato Grosso do Sul. Significa que estou assumindo o risco de simplificar algo que pode mais complexo do que estou avaliando, ainda que tenha evitado enquadrar a organização social Guató dentro de algum modelo de parentesco africano, asiático ou norte-americano. De acordo com a literatura etnológica e as fontes etnoistóricas investigadas, parece estar claro que tradicionalmente os Guató se organizavam e continuam se organizando em famílias nucleares independentes ou autônomas, cuja complexidade extrapola o mito da família nuclear de Adão e Eva. São unidades ou grupos domésticos que compõem um sistema sociocultural mais amplo, complexo e pouco conhecido, resultado de um processo de longa duração na região do Pantanal. Neste sentido, as palavras independência e autonomia, usadas em oposição àquelas famílias que vivem agregadas sob um mesmo teto, estão mais ligadas ao fato da subsistência de seus membros não depender da ação de outros grupos domésticos, haja vista que assim poderiam permanecer por dias, semanas e meses, especialmente no tempo das águas baixas. Falar em independência e autonomia não significa, vale a pena esclarecer desde o início, negar a reciprocidade, mas pontuar que ela é mais latente entre os Guató quando as famílias se encontram por motivos diversos, especialmente durante a crescente dos rios, como demonstrado no decorrer deste capítulo. Muito menos implica em omitir a sociabilidade e os aspectos públicos da vida em sociedade como afinidade, troca e aliança. Pelo contrário. Isto porque a independência completamente solitária é “um sonho seguramente utópico, já que, na prática, a autosuficiência é ilusória”, como disse Peter Rivière (2001:37) ao avaliar a reciprocidade entre povos indígenas amazônicos. Essa é a visão panorâmica que a maioria dos pesquisadores, inclusive este próprio arqueólogo, teve sobre a organização social Guató, modelo que grosso modo foi mundialmente divulgado por Alfred Métraux (1963b:417-418) em seu artigo The Guató, publicado no Handbook of South American Indians, organizado por Julian H. Steward (1963). A família nuclear, também chamada de monogâmica, elementar, restrita ou conjugal, termos considerados impróprios por alguns antropólogos, é vista como uma

274 unidade, grupo ou instituição formada basicamente de parentes co-residentes: pai (marido), mãe (esposa) e os filhos nascidos de sua união (prole), estes últimos designados pelos termos germanos ou siblings, assim explicado em diversos manuais de Antropologia (vide Keesing, 1961; Fox, 1972; Sahlins, 1974; Linton, 1976; Dittmer, 1980; Da Matta, 1981; Bernardi, 1988; Harris, 1995; Laburthe-Tolra & Warnier, 1999). É também a instituição vivida pelos cônjuges, o princípio e o substrato de todas as demais estruturas familiares, segundo argumentaram Keesing (1961) e Linton (1976). Em uma perspectiva mais ampla, a família nuclear Guató pode ainda ser vista como o átomo do parentesco, se levado em conta uma das conhecidas expressões elaboradas por Lévi-Strauss (1976b, 1993), estudioso que chamou a atenção para a relação significativa entre o par tio materno ou cunhado x sobrinho nas relações sociais. É este par que dissolve o filho natural da consangüinidade e instaura o filho cultural da aliança, contradição fundamental que norteia a teoria da aliança estruturalista, baseada no tripé consangüinidade, descendência e afinidade. Mas o que pode parecer elementar e facilmente compreensível para muitos, todavia é mais complexo do que tem sido deduzido até o momento. Acontece que a terminologia família nuclear, largamente utilizada em estudos de parentesco, está repleta de rotulações simplistas e explanações estereotipadas que podem encobrir a complexidade da organização econômica e sócio-política de povos caçadores-coletores e pescadorescaçadores-coletores, dentre outras sociedades. Hawkes et al. (2001:681), por exemplo, recentemente publicaram um estudo sobre os forrageadores Hadza, povo das savanas tropicais da África oriental, criticando a idéia economicista mais conhecida de que “famílias nucleares são unidades de interesse econômico comum, com trabalho dividido por sexo para servir ao bem-estar familiar”. Em linhas gerais, os autores defenderam a tese de que são muitas as variantes funcionais implícitas nesse tipo de estrutura, as quais não podem ser reduzidas apenas a aspectos econômicos. Para os Guató, a família nuclear, embora sendo a menor unidade de sua organização social, não está limitada unicamente a uma situação de consangüinidade, mas também a vários outros fatores que fazem parte da totalidade de seu sistema sociocultural: demografia, territorialidade, ideologia, subsistência, mobilidade espacial e outros aspectos relacionados ao seu ethos e à sua visão de mundo. Sobre os termos ethos e visão de mundo, Clifford Geertz assim os definiu ao analisar símbolos sagrados:

275 Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo “ethos”, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais, foram designados pelo termo “visão de mundo”. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contém suas idéias mais abrangentes sobre a ordem. A crença religiosa e o ritual confrontam e confirmam-se mutuamente; o ethos torna-se intelectualmente razoável porque é levado a representar um tipo de vida implícito no estado de coisas real que a visão de mundo descreve, e a visão de mundo torna-se emocionalmente aceitável por se apresentar como imagem de um verdadeiro estado de coisas do qual esse tipo de vida é expressão autêntica (Geertz, 1989:143).

Cabeza de Vaca (1987:193-194), em trecho dos Comentários citado na Segunda Parte deste trabalho, foi o primeiro europeu a sugerir, em 1543, que a organização social Guató, e provavelmente de outros povos canoeiros da região como os Guaxarapo, estaria baseada em famílias nucleares com grande mobilidade sazonal: o homem vivia com sua mulher e filhos em uma grande canoa durante a cheia. Assinalou, porém, que eles não tinham um principal, pois não percebeu a dimensão pública desse tipo de realidade social em uma população que vive dispersa por seu território, possuindo vários principais. Posteriormente, sobretudo a partir do século XIX, muitos viajantes, cronistas e etnólogos produziram interessantes registros etnográficos a esse respeito. As demais fontes textuais dos séculos XVI, XVII e XVIII podem ser vistas como uma lacuna histórica de quase três séculos. Nelas não constam informações detalhadas sobre o assunto. Dentre as várias correspondências jesuítas do século XVII, por exemplo, consta uma carta apócrifa, datada de 1650 e conhecida como Conflitos da Missão do Itatim com o bispo de Assunção e com algumas bandeiras paulistas (1952:85-86), na qual um missionário de Nuestra Señora de Fee de Tare, redução do Itatim construída no Pantanal, informou do encontro que o padre Alonso Arias teve com os Guató. Naquela época, diferentemente do que foi constatado nos séculos XIX e XX, haviam uns dois grupos deles abaixo do Miranda, há cerca de quatorze léguas espanholas acima da desembocadura do rio Aquidabã com o Paraguai, local onde estava localizada a segunda sede da missão. Segundo a análise cartográfica feita por Sanches Labrador (1910), o Aquidabã corresponde ao antigo Mboymboy citado em fontes seiscentistas. A primeira sede, fundada mais ao norte, em um curso estreito do rio Paraguai, foi arrasada por

276 bandeirantes em busca de índios cativos para o comércio de escravos em São Paulo. Na segunda, porém, os padres receberam armas enviadas do Paraguai e com elas conseguiram enfrentar os paulistas que anteriormente haviam atacado o povoado espanhol de Santiago de Xerez (ou Jerez), localizado no vale do rio Mbotetey, atual Miranda/Aquidauana, onde os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e André Fernandes tiveram atuação destacada (Becker, 1992:116-117). Este fato também foi narrado em 1652 pelo padre Manuel Berthod (1952), em testemunho sobre a história das reduções do Itatim. Contudo, a segunda sede acabou sofrendo o ataque de uma bandeira de maloqueiros do Brasil, ocorrido no dia 8 de setembro de 1647. A partir daquela data, Nuestra Señora de Fee de Tare teve de ser transferida para perto da redução de Santa María para que as duas, uma próxima da outra, pudessem combater os inimigos de São Paulo, conforme consta em uma carta ânua escrita por Diogo Ferrer (apud Cortesão, 1952:339). Todas as duas sedes de Nuestra Señora de Fee de Tare foram construídas no atual Estado de Mato Grosso do Sul e ainda não foram localizadas pelos arqueólogos. O objetivo de Alonso Arias era trazer índios para a catequese na missão e os Guató formavam a maior população indígena das imediações, avaliada em cerca de 1.000 indivíduos, de acordo com uma estimativa feita em 1621, segundo consta no exame de um documento da época feito pelo historiador jesuíta Pedro Lozano (1952 [1760]). Se esta avaliação demográfica corresponder a uma aproximação confiável, certamente que os Guató deveriam ter uma população bem maior considerando o número de famílias estabelecidas em outras áreas do Pantanal, mais ao norte da redução. Para tanto, Alonso Arias fez contato com alguns caciques e, por intermédio de um intérprete, falou-lhes sobre Deus, os mandamentos e a salvação das almas, chegando a celebrar um casamento entre eles. Estas informações são vagas para um estudo da organização social, havendo basicamente a menção da existência de principais e uniões matrimoniais. A existência de principais, porém, indica uma organização pública mais ampla do que a família nuclear, situação esta não percebida por Cabeza de Vaca. Séculos depois, em 1826, Hércules Florence (1875, 1948, 1977a, 1977b; vide também Manizer, 1967; S. Monteiro & Kaz, 1988; Costa, 1993; Komissarov, 1994; Costa et al., 1995), desenhista da expedição Langsdoff, produziu uma excelente descrição etnográfica publicada no Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas, cujos dados não apenas corroboraram as observações do adelantado espanhol, mas também as detalharam um pouco mais:

277 Corre que praticam a poligamia. Disso, entretanto, não pude certificar-me. Cheguei a perguntar a um guató, encontrado em companhia de três mulheres, em sua canoa, se todas elas lhe pertenciam. Respondeu-me que sim. Indaguei, então, se não queria dar-me uma. Cuidou ele, por sua vez, de saber se eu trouxera a minha comigo. Diante de minha resposta negativa, acrescentou-me que, se eu a tivesse trazido, poderíamos fazer uma troca. Nada me prova, porém, que, dessas três mulheres, duas não fossem suas parentas ou amigas, de modo que talvez não passasse de ironia sua afirmação, quando lhe dirigi a primeira pergunta (Florence, 1977b:48).

A ironia, assim traduzida pelo jovem francês, era algo muito mais significativo do que ele pôde perceber na ocasião. Na verdade, Florence não entendeu o idioma da afinidade no qual o homem Guató se expressou. É interessante notar que o índio não considerou absurdo seu pedido. Aliás, deve ter considerado como uma tentativa para o estabelecimento de aliança entre afins potenciais. Ao pedir outra mulher em troca de uma das suas, talvez o Guató apenas quisesse se assegurar da reciprocidade imediata, haja vista que Florence não era um parceiro tradicional, situação em que se poderia esperar pela retribuição futura do bem transferido, no caso a mulher. Acredito que o não-estranhamento demonstra que a transferência de mulheres, como obrigação recíproca, era prática comum entre famílias relacionadas, via de regra em se tratando de mulheres que ainda não tinham tido filhos, como explicado páginas à frente (vide Figuras 31, 32, 33, 34 e 35). Ademais, a poligamia entre os Guató foi registrada em vários relatos e estudos posteriores, a exemplo do que em 1845 anotou Francis Castelnau (1949:321) em sua Expedição às regiões centrais da América do Sul: “Os Guatós apresentam exemplo raro de um povo sem nenhum liame nacional e que nunca se concentra em povoados; cada família leva vida isolada e constrói a sua moradia nos lugares mais inacessíveis”. Observou ainda, para sua surpresa, que os homens demonstravam cuidado, zelo e proteção para com suas mulheres. Eles tinham consciência, talvez pelas experiências acumuladas desde os primeiros contatos com os europeus, que com elas muitos estrangeiros queriam apenas manter relações sexuais, o que não era permitido: O ciúme é a paixão que mais atormenta esses selvagens, que vivem constantemente absorvidos com a guarda de suas mulheres. Também, nunca existe mais do que um homem em cada casa, e assim que o filho atinge a puberdade, procura as mulheres com quem passará a levar vida independente. Duas vezes por ano, em certa época, os homens se reúnem em lugares previamente indicados pelos chefes; porque estes republicanos por excelência não deixam de ter seus caciques hereditários. Essas reuniões não duram mais de dois dias e ocorrem geralmente em sítios particulares, a que parece votarem respeito religioso, tais como certos picos da Serra dos Dourados e a entrada da lagoa de Uberaba (Castelnau, 1949:321-322).

278 A palavra isolada deve ser descartada das interpretações sobre o modo de vida das famílias Guató, uma vez que “nenhuma família vive inteiramente só, à parte de qualquer outro grupo local. Todos nós você, eu, o aborígine da Austrália e o homem da vila no sul da Índia temos vizinhos” (Mandelvaum, 1982:382). Por isso, a relação de uma família com sua vizinhança, e vice-versa, é processada através de padrões de comportamento, quer dizer, por meio de regras e normas estabelecidas pela sociedade a todos os seus membros. Esta não é apenas uma crítica, mas também uma autocrítica em relação à idéia mais comum que tem sido divulgada sobre as famílias Guató. Na literatura antropológica, por exemplo, várias famílias associadas formam um grupo local. Por outro lado, essa forma de individualização espacial em muito tem a ver com o sistema adaptativo Guató e com sua estratégia de territorialidade, igualmente tratados mais adiante. Francis Castelnau ainda sugeriu uma relação entre vida religiosa e territorialidade. Neste sentido, avalio que antes da intensificação dos contratos com a sociedade envolvente as atividades políticas e rituais tinham maior importância na sociedade Guató. Isto implica na hipótese da diminuição gradual da complexidade da organização social com o processo de conquista e colonização luso-brasileira do Pantanal. No ano seguinte, Henrique de Beaurepaire-Rohan (1869:377), militar e membro correspondente do IHGB, assim anotou durante sua Viagem de Cuyabá ao Rio de Janeiro, pelo Paraguay, Corrientes, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em 1846: “Estes indígenas, divididos em famílias isoladas entre si, são polígamos, e a um conheço com doze mulheres e número proporcional de filhos, pelo que lhe chamam os nossos João Rebanho”. Um ano depois, em 1847, o também militar Augusto Leverger, conhecido na historiografia como barão de Melgaço, ex-presidente da Província de Mato Grosso, fez a seguinte descrição durante o Roteiro da navegação do rio Paraguay desde a foz do S. Lourenço até o Paraná: Têm os guatós tantas mulheres quantas podem sustentar; raras vezes chega a 4 o número delas, e muitos contentam-se com uma; a um contudo conheço que tem 10 ou 12. Ao contrário dos guanás e guaicurus, são bastante ciumentos. Não existe entre eles o bárbaro costume de matar a progenitura. Cada família vive isolada das outras; quando se reúnem é por pouco tempo (Leverger, 1862:217).

É bem possível que Beaurepaire-Rohan e Leverger tivessem encontrado o mesmo João Rebanho, homem bastante conhecido que tinha muitas esposas e uma grande prole, provavelmente alguém com alto prestígio entre os membros de seu grupo, um líder político

279 ou religioso que manteve relações de afinidade com várias famílias que lhe doaram mulheres. Evidentemente que esse tipo de comportamento considerado exótico pelos viajantes não poderia passar despercebido em seus relatos. Entretanto, quase todos eles sempre desprezaram o trabalho das mulheres, pois as esposas eram vistas como um ônus para os maridos, de acordo com a ideologia da sociedade nacional da época. Nada mais equivocado: elas participam sim da produção doméstica e, por isso, possuir muitas esposas também significava ter algum excedente das atividades econômicas para promover eventuais festas. Por isso elas eram um bem tão precioso entre os Guató. Em 1848, o então diretor geral dos índios da Província de Mato Grosso, Joaquim Alves Ferreira, em ofício endereçado ao ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império21, igualmente ratificou a existência de poligamia entre os índios: Sustentam-se quase exclusivamente da caça e pesca, e passam o dia nas suas canoas que eles mesmos fabricam com bastante perfeição e são pequenas e velozes; multiplicam o número delas na proporção dos membros da família, e como são polígamos, não é raro ver um Guató com 5 ou 6 canoas cheias de suas mulheres e filhos; contudo, o mais ordinário é terem só duas mulheres, e mesmo alguns contentam-se com uma (J. Ferreira, 1905:84-85).

J. Ferreira explicou ainda que as famílias viviam isoladas ou reunidas em pequenos grupos locais, constatação também feita pelo médico francês Amédée Moure (1862:38), membro da Sociedade de Geografia de Paris, quem ainda explicou em seu Les indiens de la Province de Mato-Grosso (Brésil) que não era raro ver um Guató com cinco, seis ou dez canoas viajando com sua família. Salientou, entretanto, que a maioria dos homens não tinha mais de duas ou três mulheres, por ele consideradas escravas de seu marido, haja vista que muitos deles possuíam verdadeiros haréns (vide Figuras 31, 37 e 58). O general José V. Couto de Magalhães (1873, 1975 [1876]), presidente da Província de Mato Grosso nos dois últimos anos da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, por sua vez, assim afirmou em O Selvagem:

21

Esse documento foi reproduzido no conhecido Album graphico do Estado de Matto-Grosso, obra que o Senado Federal do Brasil republicou, em edição fac-símile, na década de 1990 (vide Ayala & Simon, 1914).

280 O Guató não é monogâmico: tem uma, duas ou três mulheres, segundo a agilidade que mostra na caça, pesca e colheita dos diversos frutos que constituem a base de sua alimentação. Parece, pois, que não liga idéia alguma de moral a este fato, que ele regula segundo suas forças físicas, e principalmente segundo a capacidade de alimentar a família. Nem conheço as diversas cerimônias de que usa para realizar o casamento, porque, quando estive em Mato Grosso, andava com o espírito muito preocupado para podê-las observar, e nem mesmo viria aqui a pelo mencioná-las (C. Magalhães, 1873:480; 1975 [1876]:78, 113).

Durante a guerra, os Guató participaram ao lado das tropas brasileiras servindo como guias e importantes aliados do Império no Pantanal, a primeira região invadida pelos paraguaios em 1864. Na ocasião, Couto de Magalhães pôde observar de perto o modo de vida de várias famílias. Segundo consta em seus relatos, os homens tinham um recato muito grande para com suas mulheres, especialmente quando estavam convivendo ao lado dos soldados brasileiros. A descrição que segue, embora um pouco extensa, possui grande valor etnoistórico: O que interessa à minha tese é o recato das mulheres; se uma Guató nos trazia um peixe, uma caça, uma fruta silvestre, ou para obedecer a ordem do marido, ou para procurar obter um objeto nosso que cobiçava, fazia-o sempre com os olhos fitos no chão ou voltados para seu marido. Se nossos oficiais entravam de surpresa em alguma cabana, as mulheres, de ordinário assentadas no chão sobre suas esteiras, lhes davam as costas, e viravam-se todas para o marido ou pai de família, e continuavam o seu serviço sem dizer uma palavra, sem manifestar a tão natural curiosidade de ver aquela grande porção de canoas e de homens armados, que passavam por uma região até então virgem de outros que não fossem eles mesmos. Este profundo e exagerado recato dos Guatós foi geralmente notado sempre pelas forças, onde, reinando o espírito de libertinagem próprio aos acampamentos militares, eram todos acordes em dizer, que entre os Guatós se não consentia gênero algum de prostituição. Compreende-se que, diante de tais sentimentos, nenhuma ofensa será sentida tão dolorosamente pelo Guató como um desacato à sua família. Conserva esse povo até hoje grande animosidade contra os espanhóis; e um velho prático referia-me sempre, como se fora passado poucos dias antes, um roubo que os espanhóis haviam feito de mulheres Guatós, e que talvez já datasse de mais de cem ou duzentos anos. Para eles os paraguaios continuam a ser castelhanos, assim como nós continuamos a ser portugueses. Quem sabe se não foram essas mulheres, roubadas há tanto tempo, a razão da extrema fidelidade que nos guardaram sempre esses selvagens que, forçados desde o princípio da guerra a passar muitas vezes pelas rondas paraguaias, nunca denunciaram nossos movimentos ou presença nem por gesto? O Dr. Carvalhal, distinto médico do exército, que, acossado pelo inimigo no combate do Alegre, viu-se obrigado a refugiar-se entre os Guatós, que com eles errou por muito tempo, e que, portanto, teve espaço e vagar para notar seus costumes, insistia em suas narrações sobre o singular recato, modéstia e honestidade da família Guató (C. de Magalhães, 1873:480-481; 1975 [1876]:78-79, 114-115).

281 O recato que chamou a atenção do general e de muitos viajantes era, na verdade, uma regra social entre os Guató: as esposas deveriam ser respeitadas por todos os homens, uma vez que o adultério feminino foi e continua sendo um tabu; tampouco eram permitidas certas intimidades com as esposas, muito menos qualquer forma de prostituição. Ademais, a poliandria, forma de matrimônio em que uma esposa é compartilhada por vários maridos, jamais foi registrada por viajantes ou pesquisadores, certamente por não ter feito parte de sua forma de organização social. Por outro lado, Couto de Magalhães registrou de maneira eloqüente a importância que tiveram os Guató na guerra contra os paraguaios, embora a participação indígena nesse episódio da história platina continua sendo tema inexplorado na historiografia brasileira. Além disso, a identificação que os Guató faziam dos paraguaios (magari’gu) enquanto castelhanos dos brasileiros enquanto portugueses ainda faz parte do discurso de alguns anciãos que conheci na cidade de Corumbá e no baixo São Lourenço. Para eles, os verdadeiros brasileiros são os próprios Guató, os nativos da terra; os outros não-índios do Brasil, por eles chamados de magari, continuam sendo vistos como estrangeiros, portugueses. Da mesma forma vêem os bolivianos de hoje (magueni’hiu). É provável que no século XVII tenha havido roubo de mulheres Guató por parte de alguns castelhanos do Paraguai. Rafael C. Masy (1992:456), em referência a Pedro Lozano22, explicou que entre 1605 e 1609, o padre Lorenzana, jesuíta seguidamente chamado a pregar na catedral de Assunção, um dia condenou o violento aprisionamento “de pacíficos índios guatós sob o pretexto de um criminoso ataque a um grupo de espanhóis”. Os religiosos chegaram mesmo a negar a absolvição sacramental aos culpados caso não reparassem publicamente o erro cometido, outorgando liberdade aos índios inocentes que foram aprisionados e vendidos no mercado da cidade. Esta informação também consta da carta escrita então pelo bispo do rio da Prata, frei Reginaldo de Lizarraga (1941 [1609]:215), enviada ao rei da Espanha informando sobre o estado eclesiástico de sua diocese, inclusive sobre a exigência dos jesuítas para que os índios Guató trazidos à força para Assunção fossem levados de volta a suas terras. Se realmente houve um ataque a um grupo de espanhóis, talvez tivesse sido feito por outros índios canoeiros, como os Guaxarapo, muitas vezes confundidos com os Guató. Estaria aí um dos motivos da antiguíssima rivalidade entre os Guató e os castelhanos do

22

LOZANO, P. 1754. Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del Paraguay. Madrid, Imprenta de la Viuda de Manuel Fernández y del Supremo Consejo de la Inquisición, 2 t. Vide também Lozano (18741875).

282 Paraguai? Talvez sim. Por outro lado, a aliança com os luso-brasileiros foi consolidada no século XVIII, após a população Guató ter sido atacada por bandeirantes que descobriram ouro em Cuiabá. Esta situação, mal interpretada na Historiografia Brasileira, levou alguns antropólogos e historiadores a afirmarem que os Guató “jamais constituíram obstáculo tão sério como os Payaguá e foram logo dominados”, como disse Darcy Ribeiro (1986:93). Na verdade, a aliança foi uma estratégia para combater os Guaikuru, Payaguá e castelhanos de Assunção, seus antigos inimigos, assim como para evitar ter de continuar enfrentando um inimigo ainda mais poderoso que os três, os paulistas. Do contrário, talvez os Guató tivessem sido exterminados como foram os Payaguá e Xaray. Este é mais um exemplo de que os índios são agentes de sua própria história. O conjunto desses dados etnoistóricos e etnográficos, recolhidos de fontes textuais primárias, possibilita afirmar que além da família nuclear, havia ainda a família poligâmica, quer dizer, um tipo de família formada de um homem, suas diversas esposas e sua prole: “Deve ser relembrado que a palavra poligamia refere-se à poliginia, isto é, a um sistema no qual o homem tem direito a várias esposas” (Lévi-Strauss, 1982:359). Em famílias desse tipo, em tese bastante distintas das características das famílias monogâmicas, o marido é compartilhado por várias cônjuges, tendo que dividir tempo entre suas mulheres e seus filhos, geralmente a partir de uma hierarquia familiar de esposas e de prole, o que é bastante comum no chamado matrimônio plural. Faltam, contudo, informações sobre a relação entre as mulheres casadas com um mesmo homem. Autores como Sahlins (1974) em um primeiro momento de seu pensamento e Harris (1995), ao darem ênfase aos aspectos infra-estruturais da sociedade, salientaram que unidades domésticas poligínicas são compostas, freqüentemente, de um grupo de produção formado pela totalidade dos co-residentes. Tanto as famílias poligâmicas quanto as nucleares são capazes de atividades diversificadas ligadas à caça, pesca, coleta, agricultura, produção de equipamentos diversos, educação da prole, controle do território e outras. No caso dos Guató, em especifico, avalio como falsa a idéia de que a poligamia teria dependido unicamente da capacidade dos homens sustentarem certo número de mulheres e filhos, como dito antes. Esta é uma visão deturpada sobre a economia doméstica; ela supervaloriza o trabalho do homem em detrimento da diminuição da importância do papel de mulheres e crianças na subsistência familiar (vide Figuras 31, 34, 35, 36, 58, 59 e 60). Acredito que somente dentro de uma perspectiva multidimensional será possível compreender o fenômeno da poliginia entre os Guató. Isto porque buscar explicações

283 dogmáticas apenas na sexualidade ou na economia é simplificar uma instituição mais complexa do que aparenta ser à primeira vista. De qualquer maneira, a poligamia deve ter sido um motivo de diferenciação social entre os homens, um privilégio atribuído ou conquistado por uma minoria, segundo explicação mais corrente em estudos de parentesco e organização social. Como ocorre na maior parte das sociedades polígamas, entre os Guató ter mais de uma esposa significava, pois, status, prestígio, poder e destaque no interior do grupo, o que demonstra que sua sociedade não pode ser vista como igualitária e sem quaisquer indícios de complexidade sócio-política. Outrossim, a existência de principais cujo poder era hereditário, isto é, transmitido de pai para filho, além de apontar para uma certa centralização de poderes, autoridade e eventuais privilégios nas mãos de poucos indivíduos, sugere a existência de regras de filiação estabelecidas e cumpridas pelos membros da sociedade, como demonstrado mais à frente. Contudo, não há relatos sobre a relação de um homem para com a família que lhe concedeu uma esposa. Acredito, porém, na possibilidade de ter predominado uma regra clássica para a troca de mulheres: o grupo que recebia uma esposa tinha a obrigação de retribuir ao grupo doador uma outra. Portanto, é preciso relativizar as generalizações feitas pelos viajantes e etnógrafos citados, em sua totalidade marcadas por uma moralidade cristã e uma interpretação imediatista da realidade social. Não acredito que no passado a maioria dos homens Guató tenha tido mais de uma esposa, ou seja, que a família poligínica tenha predominado sobre a família nuclear. Uma situação assim somente poderia ter acontecido por meio de alguma forma particular de manter a população feminina acima da masculina, segundo a explicação que segue: Isto é compreensível, uma vez que o número de homens e de mulheres em qualquer agrupamento humano tomado ao acaso é aproximadamente o mesmo, com um balanço normal de aproximadamente 110 para 100 com vantagem para qualquer um dos sexos. Para tornar possível a poligamia, existem certas condições definidas a satisfazer: ou se eliminam voluntariamente crianças de um dos sexos (costume cuja existência é conhecida em alguns casos raros...), ou circunstâncias especiais se encarregam de estabelecer uma diferença entre a vida média provável dos sexos, como acontece entre os esquimós e algumas tribos australianas, onde muitos homens morriam jovens devido ao fato de suas ocupações pesca de baleia num caso, guerras no outro serem particularmente perigosas. Outra possibilidade é a existência de um poderoso sistema social hierárquico, onde uma determinada classe, como a dos anciãos, a dos sacerdotes e magos, a dos ricos, etc., é suficientemente poderosa para monopolizar, impunemente, mais do que a sua cota de mulheres, em detrimento dos mais jovens ou dos mais pobres. [...] É claro, porém, que a prática

284 sistemática da poligamia é automaticamente limitada pelas modificações de estrutura que tende a provocar na sociedade (Lévi-Strauss, 1982:361-362).

Além disso, a origem de toda família poligínica estaria na própria família nuclear, isto é, no casamento de um homem com uma primeira esposa até haver o matrimônio com outras mulheres. A exceção à regra somente se daria quando um homem tivesse, ao mesmo tempo, contraído matrimônio com mais de uma esposa. Sobre este assunto, assim frisou o fundador do estruturalismo: A poligamia não contradiz, portanto, a exigência da distribuição eqüitativa das mulheres, mas apenas superpõe uma regra de distribuição a outra. Com efeito, monogamia e poligamia correspondem a dois tipos de relações complementares, a saber, de um lado, o sistema de auxílios prestados e de auxílios recebidos que liga entre si os membros individuais do grupo; de outro lado o sistema de auxílios dados e recebidos, que liga entre eles o conjunto do grupo e seu chefe (Lévi-Strauss, 1976b:84).

Lévi-Strauss (1982:359), em outro trabalho de sua autoria, ainda deduziu o seguinte: “É bem verdade que em vários casos observados, famílias poligâmicas nada mais são do que uma combinação de várias famílias monogâmicas, se bem que a mesma pessoa desempenhe o papel de vários cônjuges”. Segundo analisou Márnio T. Pinto (1995:230), ele percebeu a poligamia como a “justaposição de mais de uma união monogâmica”, transformando-a “numa espécie de ‘unidade padrão’ para todas as formas assumidas pela instituição do casamento”. Embora sua tese tenha sido contestada por muitos especialistas em teorias de parentesco e casamento, não disponho de dados empíricos para avaliar o grau de sua pertinência para o estudo de caso em discussão. Ao que pude saber, João Quirino, informante de Palácio (1984) e Lins Neto et al. (1991), falecido no início da década de 1990 na cidade de Corumbá, foi o último Guató a ter tido duas esposas ao mesmo tempo. Além dessa questão, as descrições etnográficas também deixam claro que os homens adultos se reuniam periodicamente, em determinados pontos por eles elegidos, para festividades ou cerimônias, prática que em muito teria a ver com alguma estratégica coletiva de manter a identidade, a unidade e a coesão do grupo através do fortalecimento dos laços de amizade, cooperação, solidariedade e alianças. Em tais encontros, ao que parece exclusivamente masculinos, talvez ocorressem entendimentos para a realização de casamentos, os chamados arranjos matrimoniais. E aqui fica outra pergunta difícil de ser respondida no momento: quais seriam as regras prescritivas para esses matrimônios?

285 Para aprofundar um pouco mais essas discussões, analisei o registro etnográfico produzido por Julio Koslowsky (1895), naturalista e viajante a serviço do Museu de La Plata, Argentina, autor do artigo Tres semanas entre los indios Guatós: excurción efectuada en 1894. Sua viagem, realizada no mês de janeiro de 1894, em plena temporada chuvosa e período de cheia, se deu quase duas décadas depois das observações de Couto de Magalhães (1975 [1876]), anos após o término dos conflitos armados entre brasileiros e paraguaios no Pantanal. O etnógrafo ficou hospedado na localidade de Descalvado e de lá viajou para conhecer algumas famílias Guató estabelecidas às margens do rio Paraguai. Das famílias que encontrou, a primeira foi a de Pedro, um homem forte com cerca de quarenta e cinco anos de idade, casado com uma mulher de fenótipo mestiço, entre quinze e dezessete anos, que na ocasião estava trabalhando a terra para o cultivo (Koslowsky, 1895:2-3). Esta era uma típica família nuclear em que a subsistência não dependia exclusivamente do marido, mas também do trabalho feminino. Mais adiante ele fez contato com outros dois índios, Joaquim, irmão de Pedro, e seu filho, um jovem de uns vinte anos, aspecto débil e enfermo, casado com uma mulher de aproximadamente quatorze anos de idade. Todos os dois homens possuíam uma única esposa e quando da chegada do etnográfico ambos os casais estavam almoçando uma sucuri (Eunectes sp.). A esposa de Joaquim, com cerca de quarenta anos, tinha tido outros maridos e todos “a deixaram por não ser apta para a procriação, apesar de que grande número destes havia feito experimentos a respeito, obrigados pela escassez de exemplares do sexo feminino” (Koslowsky, 1895:7). A situação descrita sugere a existência de uma residência patrilocal, quer dizer, da mulher que casa e passa a morar na residência, ou melhor, no mesmo assentamento dos pais do marido. O termo mais correto é residência virilocal, definida como a situação em que a mulher contrai matrimônio e vai morar com o esposo no local onde moram os pais dele, ou próximo de seus sogros. Esta é uma regra de residência pós-matrimonial. O relato atesta ainda que a procriação era um dos principais objetivos do casamento e a infertilidade feminina, por seu turno, motivo para o homem de se divorciar da esposa. Portanto, assim como em muitas sociedades ameríndias, entre os Guató a relação conjugal somente se efetivava por completo a partir do nascimento de filhos. Ao que tudo indica, pai e filho residiam em casas separadas, porém no mesmo lugar. Esta dedução parte do princípio de que as casas tradicionais dos Guató, chamadas

286 movir, eram e continuam sendo muito pequenas para abrigar várias pessoas (vide Schmidt, 1942a [1905]:141, 1914:273; J. Oliveira, 1996a:90-98) (Figuras 35 e 38). Há, porém, a possibilidade da família do filho ter vindo morar com seus pais por conta de alguma doença, o que não acredito ter ocorrido na situação observada. De todo modo, as duas famílias nucleares vivendo juntas formaram uma espécie de família conjunta ou família extensa patrilocal, “um grupo doméstico formado por germanos, seus cônjuges e filhos e/ou pais e filhos casados”, podendo ser poligínica ou monogâmica, segundo definição de Harris (1995:232). Este tipo de família é mais comum entre muitos povos indígenas do que a família nuclear, conforme explicação dada por Sahlins (1974) e Laburthe-Tolra & Warner (1999). Entretanto, Lévi-Strauss (1982:367) pontuou que ambos “os termos são úteis, mas errôneos, uma vez que dão a idéia de que essas grandes unidades são constituídas de pequenas famílias conjugais”. Em contrapartida, após apresentar algumas considerações de ordem fisiológica, psicológica e econômica inerentes à constituição das famílias, propôs o nome de família restrita para esses casos, apontando que a família enquanto instituição pressupõe uma “consciência cada vez maior de uma situação natural” (Lévi-Strauss, 1982:367). Assim, optei por utilizar o termo família restrita patrilocal para os casos de famílias conjuntas marcadas por laços de parentescos que ordenam os relacionamentos. Prosseguindo a excursão rio abaixo, o viajante chegou à casa de Joaquim Antônio, de uns cinqüenta anos de idade, que vivia às margens do Paraguai com sua esposa e três filhos pequenos; era parente distante de Fernando, o principal da região. No passado, porém, Joaquim Antônio teria tido muitas mulheres, dentre as quais a esposa de Joaquim, abandonada pelo fato de ela não lhe ter dado filhos. Assim Joaquim Antônio teria dito ao etnógrafo: “Agora, me digo, por nada deste mundo deixaria a mulher que tenho, pois ela me tem dado sucessores e ainda espero aumentar a família”. A índia sorriu contente ao ouvir tais palavras. Interessando-me pela sorte de suas esposas anteriores, me respondeu que haviam morrido e que haviam sido as irmãs maiores da mulher que agora possuía. Demonstrando-lhe minha estranheza por tal costume, disse-me que era de uso entre os Guatós dar as demais filhas ao mesmo genro se morria a anterior ou não tivesse filhos. A mãe destas ainda era viva e tinha sua casa às margens do rio São Lourenço, onde vivem duas famílias Guatós. Quando lhe perguntei de quantos índios se compunha atualmente sua nação, respondeu-me, contando-os pelo nome, um por um, que havia doze homens no total, e com mulheres e crianças vinte e sete; o resto de um povo

287 noutro tempo numeroso, cuja diminuição data de uns decênios23 (Koslowsky, 1895:13-14).

A interessante descrição indica que os homens poderiam devolver a mulher recebida caso ela fosse estéril, segundo a interpretação deles, pois, como dito anteriormente, a reprodução era uma das finalidades do casamento, a forma de efetivar o matrimônio e, aparentemente, uma responsabilidade maior para a esposa. Ademais, quem doava uma mulher tinha a obrigação de doar outra esposa, uma irmã que assumiria o lugar da cônjuge tida como estéril, informação que corrobora a hipótese apresentada anteriormente. Trata-se de uma lei do matrimônio que lembra a possibilidade da existência do sororato, quer dizer, da prática do homem se casar com várias mulheres que sejam irmãs entre si, o que geralmente ocorre depois do primeiro matrimônio. Teria havido ainda o levirato, situação em que o homem casa-se com a viúva do irmão ou, inclusive, com mãe da esposa caso tenha falecido o marido dela, seu sogro? Se isso aconteceu, quais foram as regras para o caso de parentesco por laços fictícios como a adoção de filhos? Eis duas outras dúvidas para as quais não foram encontradas respostas. Os dados então apresentados, somados a alguns relatos citados páginas atrás, ainda sugerem, pela idade dos casais mais jovens, que o matrimônio poderia acontecer logo após a maturidade biológica da mulher e do homem. Mas isso não é tudo. Antes de Koslowsky, Castelnau (1949:330) havia registrado uma espécie de rito de passagem, da puberdade social para a maturidade social masculina, consistindo em caçar uma onça, ato de bravura que daria direito ao jovem de contrair matrimônio. Neste aspecto em particular, como ainda é comum entre muitos povos indígenas, para os Guató matar onças, especialmente onças-pintadas ou mepago (Panthera onca), significava derrotar um animal muito mais forte que o homem, demonstrar coragem, domesticar as paisagens, obter troféus de caça, conquistar prestígio e respeito no interior do grupo, além de provar ser capaz de defender e trabalhar para o sustento de sua futura família. Por isso mesmo, em alguns assentamentos Guató foram encontrados vários crânios de felinos amontoados na parte da frente das casas, assim estando como troféus expostos aos visitantes. Ao passar por essa iniciação, suponho que o jovem estaria apto a desempenhar o papel de adulto em sua plenitude de direitos e deveres.

23

A diminuição da população Guató, segundo Joaquim Antônio, ocorreu por conta da varíola contraída dos paraguaios durante a guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai (Koslowsky, 1895:14).

288 Outros autores, como Maria do Carmo de Mello Rego (1899:180) e J. Lucídio Nunes Rondon (1971:102), também salientaram a importância do jovem caçar uma onça para ter direito de contrair matrimônio. Teriam eles feito alguma observação etnográfica ou apenas reproduziram as informações de Francis Castelnau? No caso das mulheres, nada foi publicado sobre eventuais ritos de passagem da puberdade social para maturidade social feminina. Ao deixar o assentamento de Joaquim Antônio, descendo o rio e atingindo um ponto onde dois braços do Paraguai se unem formando uma grande ilha, Koslowsky (1895:16) encontrou um típico aterro pantaneiro, conhecido localmente como aterradinho, com uma grande plantação de bananeiras, associando-o aos antigos Xaray, dos quais pensou descender os Guató. Em ambos os casos, a analogia histórica direta foi feita de maneira equivocada, apesar de ter sido tomada como hipótese por Susnik (1972:87; 1978:18-20). Segue o trecho de seus relatos: Reconheci imediatamente que a colina era um Kjökkenmödding das tribos extintas dos Xarayes que viviam nestas paragens pantanosas quando chegaram os conquistadores. [...] Hoje tais colinas estão cobertas com bananais dos Guatós; e o velho cacique Fernando me disse que quando removem a terra dos bananais, encontram potes com ossos humanos. Aos Guatós não se pode atribuir nenhum destes trabalhos; tinham seus sítios principalmente ao redor das lagoas Gaíba e Uberaba, estendendo-se dali águas acima do rio São Lourenço e águas abaixo do rio Paraguai. A migração parcial ao rio Paraguai águas acima, nos pântanos Xarayes, não datará de muito mais que um século (Koslowsky, 1895:16).

O erro do autor, se é que assim pode ser visto nos dias de hoje, foi não admitir a hipótese dos Guató terem tido a capacidade de construir aterros, sobretudo através do trabalho de um grupo local organizado por algum principal. Esta questão, por sua vez, remete à seguinte situação hipotética: uma única família nuclear, composta de pai, mãe e uns dois filhos pequenos, por exemplo, talvez tivesse grandes dificuldades em construir um montículo com cerca de 20 x 30 m ou 600 m2 de área e uns 70 cm de altura, medidas aqui tomadas aleatoriamente. Por isso, segundo a visão êmica de alguns anciãos Guató, a construção de aterros em tempos de seca era uma atividade coletiva que envolvia várias famílias aparentadas sob a liderança de um principal. Esse indivíduo, com prestígio e poder no interior do grupo, era responsável pela organização do trabalho coletivo de construir novos aterros ou marabohó. Um trabalho assim somente era necessário caso não houvesse algum mound disponível, pois esses pontos elevados pertenciam a certas famílias e eram transmitidos como uma espécie de herança toponímica aos seus descendentes. Em tempos

289 remotos, provavelmente a posse de aterrados deveria ter sido motivo de diferenciação social no interior do grupo. Por isso, tais sítios também eram conhecidos pelo nome das famílias e estas, por sua vez, recebiam o nome de seu patriarca: “aterro do capitão Fernandes”, “aterro de João Quirino”, “aterro de Joaquim” e assim por diante. Nomes assim são chamados de patronímicos por seguirem linhas de filiação patrilinear. Tudo leva a crer, portanto, na combinação entre patrilocalidade (residência) e patrilinearidade (descendência), conforme sugerem outros relatos apresentados adiante. Os aterros Guató também devem ter sido locais de residências patrilineares no âmbito de um espaço ordenado a partir de relações de parentesco e afinidades. Um conjunto formado por vários marabohó e outros locais de habitação corresponderia a um núcleo residencial, isto é, a uma unidade de ocupação que abrangia certos nichos ecológicos, locais de pesca, caça, cultivo, coleta de moluscos e vegetais, dentre outras atividades de subsistência. Teria havido, então, um continuum entre os territórios de determinados grupos locais e os grupos dos quais teriam descendido. Situação etnográfica semelhante, porém não envolvendo a ocupação de aterros, foi observada entre os Pirahã, falantes de língua homônima filiada à família Mura, que vivem no município amazonense de Humaitá, estudados por Marco Antonio Gonçalves (1995, 1997). Prosseguindo a viagem, sempre rio abaixo, Koslowsky encontrou uma família mais numerosa do que as outras visitadas, composta de dois homens (pai ancião e seu filho), quatro mulheres e três crianças. No momento de sua chegada, a família havia recebido a visita de um jovem de uns dezesseis anos, sobrinho do homem mais velho. Curiosamente, o sobrinho era cunhado de seu primo, o primogênito do patriarca local, quem havia casado com uma irmã sua de uns dezessete anos (Koslowsky, 1895:18). Esta informação não apenas comprova a existência da família restrita, de residência virilocal, mas também sugere a idéia de casamentos exogâmicos, aqui entendidos como o matrimônio com membros de fora do grupo doméstico. Daí pensar que a sobrinha não era reconhecida como filha do patriarca, pois se assim fosse haveria um clássico exemplo de incesto e endogamia, ou seja, casamento entre membros do grupo doméstico. Talvez fosse o caso de uma união entre primos cruzados (filhos de irmãos do sexo oposto) e não entre primos paralelos (filhos de irmãos do mesmo sexo), podendo ser esta uma regra prescritiva de casamento. Faltam ainda, porém, pistas e informações mais detalhadas sobre a relação entre os cunhados.

290 O casamento com a prima cruzada é uma regra prescritiva de matrimônio que via de regra se expressa no uso de termos definidos para prima paralela e prima cruzada. Em muitas sociedades indígenas, a prima cruzada (mouhaja?) é chamada pelo mesmo termo utilizado para a esposa (mouhaja), o que parecer ser o caso entre os Guató. Acredito que o incesto dentro de uma família Guató, seja qual fosse a regra definida como incestuosa, era um tabu. A exogamia, por sua vez, traria vantagens ligadas às alianças com outros grupos domésticos e, conseqüentemente, ao controle do território e à mobilidade espacial, questões essenciais para a subsistência e a manutenção do estilo de vida canoeiro. A exemplo do que foi registrado para muitos outros povos, entre os Guató a exogamia poderia ter sido uma regra de obediência geral, um direito fundamentado sobre concepções consideradas como valores essenciais para todos os indivíduos (Lévi-Strauss, 1976:82). Outra questão evidente é a visita periódica entre os parentes, membros de uma grande parentela ou kindred, entendida como um grupo agnático maior de parentes ligados por laços de consangüinidade e afinidade, formando uma rede de parentesco ao longo de grandes extensões, geralmente em torno de algum indivíduo com prestígio social, o principal. A constituição de uma parentela pode ser interpretada, também, como uma estratégia de controle do território. Acontece que aparentemente ela em muito se assemelha a uma comunidade local, constituída de parente e afins, não devendo ser vista estritamente como um grupo de descendência. Prosseguindo em viagem, o etnógrafo finalmente chegou à residência do principal, o cacique Fernando, também conhecido como Fernandes, um ancião que vivia com sua esposa, também de idade avançada, uma filha e um filho solteiros, os mais jovens da prole. Seu assentamento também ficava às margens do rio Paraguai. O filho caçula, Chico, ainda não havia conseguido uma esposa, apesar de ter feito uma tentativa mal sucedida de preterir casamento com uma jovem de outra família das redondezas. Por motivos desconhecidos os pais da moça não acataram seu pedido. Isso teria ocorrido por falta de afinidade entre a família de Chico e a da jovem com quem ele queria se casar? Esta é uma possibilidade. Na casa de Fernando também estavam de visita outros três filhos do casal, juntamente com suas mulheres e filhos. Todos tinham uma única esposa. Segue trecho da descrição do autor:

291 Ao seu lado [Fernando] tinha sempre acendido um pedaço de cupinzeiro, e seu arco e flechas recostados na árvore, armas das que, ainda que nunca as usava, não queria separar-se, tendo-las ao seu lado para recordar seus passados tempos, quando, dizia, combatia virilmente os Coroados e as onças. Os demais índios Guatós que habitavam aquele lugar eram todos filhos de Fernando, tendo o menor deles uns vinte a vinte e dois anos de idade. Este se chama Chico, e era um jovem bem formado e bom caçador; parecia ser o preferido do pai ancião. O penúltimo era menos desenvolvido de corpo, possuindo como mulher a índia mais bonita que se tem visto ali. [...] Tinha três filhos, o maior com seis anos... [...] As outras duas mulheres, que se achavam de visita, com seus maridos, que, como havido dito, eram filhos maiores do cacique [...] (Koslowsky, 1895:2223).

Segundo Fernando, a guerra contra os Bororo (Coroado, Bororo Cabaçal, Bororo da Campanha ou Bororo Ocidental) teve início com um ataque em que esses índios mataram uma ou várias famílias Guató. Logo em seguida, os canoeiros se reuniram e depois de muitos combates conseguiram expulsar os inimigos e vingar os mortos. Assim teriam conseguido fazer através de assaltos surpresas ao território Bororo, matando muitas pessoas daquela tribo e regressando com cativos, os quais [...] foram condenados à morte e executados cada um sobre os mesmos lugares em que haviam morto um Guató, procurando assim paz à alma do defunto. Mas como sempre ficavam alguns para vingar, a guerra naturalmente nunca cessava, contribuindo esta à diminuição dos Guatós, que eram uma tribo menos numerosa que a dos Coroados que caracterizaram por sua crueldade notória (Koslowsky, 1895:27).

As guerras entre Guató e Bororo devem ter cessado em fins da primeira metade do século XIX. O início desses conflitos, porém, pode recuar aos tempos coloniais, período em que os Bororo (Apiborege) estavam em franca expansão no sentido oeste-leste, passando por Descalvado, baixo São Lourenço, rio Cuiabá, médio e alto São Lourenço e outras regiões do Pantanal (Susnik, 1972a, 1972b, 1978; Wüst, 1990:120; Migliacio, 2000a). Durante os contatos beligerantes registrados no século XIX, os Guató chegaram a fazer excursões para raptar mulheres Bororo, às vezes sendo mal sucedidos em suas expedições (Wüst, 1990). O rapto ou roubo de mulheres teria sido uma antiga prática para fortalecer a poligamia, assegurar novos casamentos aos germanos e desestabilizar os grupos inimigos, assim como faziam antigos povos Guarani estudados por André Luiz R. Soares (1998). Posteriormente, já na primeira metade do século XX, alguns Guató em sua diáspora teriam buscado refúgio entre os Bororo do alto São Lourenço, segundo observaram Frič &

292 Radin24 (apud Wüst, 1990:121). Hoje em dia, por exemplo, os Guató que reivindicam uma área chamada Baía dos Guató, descendentes de uma família do Caracará, mantêm estreitas e profícuas relações de amizade com seus vizinhos Bororo da aldeia Perigara, no alto São Lourenço, município de Barão de Melgaço, Mato Grosso. O rapto de mulheres também é chamado na Antropologia de reciprocidade negativa, pois o homem não assume quaisquer responsabilidades para com os pais da noiva, reforçando assim a ideologia da descendência patrilinear. Casamentos assim teriam sido uma minoria entre os Guató, assim como em muitos outros povos indígenas sulamericanos. Isto posto, deduzo que dois tipos básicos de casamentos ocorreram entre os Guató: entre grupos próximos, envolvendo relações de reciprocidade generalizada e eventuais cooperações; e o matrimônio por captura em que mulheres eram tomadas de inimigos hostis, visto como uma forma reciprocidade negativa. Não encontrei referências sobre casamentos através da troca de irmãs, compreendendo a chamada reciprocidade balanceada, embora acredite nesta possibilidade: uma mulher é doada por um dos grupos que assim o faz para receber outra em contrapartida. Estes três tipos básicos de casamentos foram registrados entre povos indígenas do noroeste amazônico, tendo sido assim classificados por Christine Hugh-Jones e K. Århem (apud Aloísio Cabalzar, 2000:65-66). Conflitos interétnicos dessa natureza merecem breves análises etnoistóricas, pois foram anteriormente registrados por Alvar Núñez Cabeza de Vaca, em 1543, e por Hércules Florence, em 1827, dentre outros autores. Cabeza de Vaca registrou uma antiga aliança interétnica, formada antes dos primeiros contatos diretos entre índios e europeus no alto Paraguai, envolvendo os Guató, Guaxarapo e outros povos que se uniram na guerra contra os Guarani do Itatim, seus inimigos. Esta história foi narrada por um índio Guarani, sobrevivente da guerra, que em 1543 vivia entre os Xaray e atuou como intérprete dos espanhóis entre aquele povo de língua Arawak. Segundo teria dito ao adelantado, todos os povos que se encontravam no Puerto de los Reyes e adjacências formaram uma grande aliança e combateram sua nação. Assim foi registrado:

24

FRIČ, V. & RADIN, P. 1906. Contribution to the study of the Bororo indians. The Journal of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, London, 36:382-408.

293 Respondeu que era da nação dos guaranis e natural do Itati [sic.], que situa-se junto ao rio Paraguai. Contou que quando era muito moço os de sua nação fizeram grande chamamento à guerra, reunindo os índios de toda a região e passando todas as povoações de terra adentro para fazer guerra. Ele foi junto com o pai e parentes, tendo tomado placas e jóias daqueles índios [Xaray]. Logo que chegaram às primeiras povoações, começaram a fazer guerra e a matar muitos índios, fazendo com que muitos outros fugissem de seus povoados, recolhendo-se para povoados mais adentro. Então todas as nações dali se reuniram e vieram contra os de sua nação, matando-os, desbaratando-os, perseguindo-os por todos os lugares para onde fugiam, de modo que não sobraram mais do que duzentos, de um contingente que quando ali chegou cobria todos aqueles campos. Disse que os que sobraram se espalharam pelas montanhas [planaltos residuais de Urucum e Amolar] e passaram a viver por ali, não ousando retornar para suas terras, com medo de serem atacados pelos guaxarapos, guatós e outras nações por onde deveriam passar. Apenas alguns, inclusive este índio, resolveram enfrentar os perigos e retornar para suas terras. Mas foram percebidos na volta e atacados por índios de outras nações, que mataram quase todos eles. Apenas este índio, que então ainda era muito jovem, conseguiu escapar pelos montes [sic.], indo até a terra dos xarayes, que o adotaram, criaram e passaram a ter tanto amor por ele que o fizeram casar com uma de suas índias (Cabeza de Vaca, 1987:207-208).

O Puerto de los Reyes foi uma importante base dos espanhóis no Pantanal, situada às margens da lagoa Gaíva, nas proximidades da atual fronteira do Brasil com a Bolívia. Sua fundação ficou a cargo de Domingo Martinez de Irala e ocorreu no dia 6 de janeiro de 1543, em cumprimento às ordens do adelantado. Daí o nome Puerto de los Reyes, em referência à festa da Epifania ou dos Reis Magos (J. Oliveira, 1996a:54). Cabeza de Vaca (1987:219, 224) também registrou outras alianças lideradas pelos Guató, Guaxarapo e outros povos. Nas três referências em que os Guató foram nominalmente citados nos Comentários, algumas questões parecem estar cristalinas. Primeira, a presença dos conquistadores europeus, aliados dos Guarani que os acompanharam na viagem, significou uma grande ameaça para os povos canoeiros que viviam nas proximidades do Puerto de los Reyes, uma região de grandes lagoas, como a Gaíva e a Uberaba, e rios caudalosos, como o Paraguai e o São Lourenço. Segunda, entre os Guató havia indivíduos capazes de mobilizar, organizar e liderar muitas famílias, bem como participar da articulação de alianças estratégicas com outros povos para, juntos, lutarem contra inimigos em comum e defenderem seus domínios territoriais. Esta segunda questão aponta para certa complexidade em termos de organização sócio-política, cuja origem remonta a tempos pré-coloniais. Séculos depois, em meados de 1827, Hércules Florence escreveu sobre uma família nuclear Guató (casal e dois filhos pequenos), cujo patriarca era Joaquim Ferreira, um principal de prestígio no baixo São Lourenço (Figura 35). Quando regressava de Cuiabá

294 para sua moradia, após ter acompanhado a expedição Langsdorff até aquela cidade, toda a família foi morta e roubada por dois Guaná. Os assassinos eram moradores de uma aldeia localizada em Albuquerque, atual distrito de Corumbá, e também haviam acompanhado a comitiva até a capital da Província. O episódio chocou muitos cuiabanos e os dois índios acabaram sendo presos em sua própria aldeia, onde permaneciam refugiados. Quando estavam sendo levados a ferro para Cuiabá, viajando em uma canoa, sabendo do ocorrido, vários Guató do São Lourenço se reuniram e conseguiram capturá-los, imediatamente condenando-lhes à morte: Levantou-se toda a tribo; plantou seus arcos e flechas ao longo do rio e foi esperar a canoa, que não tardou a navegar naquelas águas. Intimaram então ao comandante que não furtasse os homicidas à legítima vingança, ameaçando, em caso de recusa, arrebatá-los à força e tornarem-se inimigos dos brasileiros. Esse comandante, que não passava de sargento, não tendo talvez armas suficientes e vendo a inferioridade de suas forças contraposta à firmeza e resolução dos Guatós, entregou os dois miseráveis que, apesar de se prestarem de joelhos pedindo misericórdia, foram num instante feitos em postas. Cortaram as cabeças e as fincaram à beira do rio em paus com pedaços de pele, expostas às vistas dos Guanás, cujo caminho para Cuiabá é este de São Lourenço, a menos que não queiram dar uma grande volta por Vila Maria. Daí a poucos dias passaram com efeito alguns Guanás que nada sabiam do fato; os Guatós, porém, lhes asseguraram que, satisfeita a sede de sangue, nada mais havia a temer deles. Em seguida levaram as correntes de ferro ao tenente-coronel Jerônimo [comandante da fronteira com o Paraguai e da expedição contra os Guaikuru], dizendo-lhe: “Eis o que vos pertence. Guató não é ladrão. Guaná tinha matado Guató: Guató mata Guaná” (Florence, 1977a:126-128).

Os relatos indicam que entre os Guató havia parentelas, ou seja, grupos organizados, coesos, solidários, estruturados em alianças de consangüinidade e afinidade e mantenedores de uma complexa teia de reciprocidades, cada qual contando com a presença de um principal, indivíduo com prestígio, poder e capacidade de liderança, conforme dito amiúde. Grandes grupos assim tinham a tarefa de defender seu território contra eventuais inimigos externos, como os antigos Payaguá e Mbayá-Guaikuru, dentre outras obrigações. Isto explica a grande mobilidade espacial dos Guató, sobretudo na cheia, o período da temporada de caça, e, em parte, o seu próprio ethos canoeiro, característica que extrapola o modelo de subsistência e dinâmica de ocupação dos assentamentos proposto em minha dissertação de mestrado (vide J. Oliveira, 1996a:71-120). Daí a importância da reciprocidade, vista como “um princípio social amplo ou norma moral de dar e receber”, embora nem sempre absolutamente equilibrada (Sahlins, 1974:128). Pode estar aí, portanto, uma plausível explicação para o fato de um povo como o Guató, aparentemente com uma organização social muito simples e frouxa, ter mantido o

295 controle sobre um território de considerável extensão durante os dois primeiros séculos da Conquista Ibérica (vide J. Oliveira, 1996a:49-69). Permanece, todavia, outra dúvida: as guerras que os Guató travaram contra outros povos indígenas, como os Guarani, Payaguá, Mbayá-Guaikuru e Bororo, teriam causado uma significativa diminuição da população masculina a ponto de favorecer o aumento do número de famílias poligâmicas? Talvez sim, mas as guerras por si só não podem ser vistas com o motivo da existência da poliginia entre eles. As parentelas possuíam elementos que as auto-identificavam e as identificavam frente a seus vizinhos (cosmologia, ethos canoeiro, língua, organização social, sistema adaptativo, tecnologia cerâmica, território e outros), além de um transcurso histórico em comum. Por isso, certamente mantinham amplas redes de alianças, incluindo aqui as de caráter interétnico. Significa dizer, por conseguinte, que elas juntas criaram uma idéia geral de unidade étnica, uma visão particular de povo (ethnos, em grego; populus, em latim), ainda que tivessem conflitos internos e divergências sócio-políticas entre si, motivo de possíveis cisões, disputas e constituição de novos agrupamentos. Com efeito, diante das críticas apresentadas por Béteille (1998), para quem o termo povo indígena é ambíguo, julguei por bem citar a definição de povo que consta no Dicionário de Ciências Sociais: [...] definição mais abrangente parece sugerir três componentes: a) um conjunto de indivíduos; b) que constituem algo; c) delimitado por um território legalmente definido por instituições políticas: esse algo é que é, tautologicamente, o povo o povo é um conjunto de indivíduos que constituem um povo delimitado por um território legalmente definido por suas instituições políticas; esse algo pode ser, então, mais que povo: o povo é um conjunto de indivíduos que constituem uma nação definida por um território legalmente delimitado por instituições políticas (B. Silva, 1986:952). Feita a pequena digressão etnoistórica anunciada, prossigo com a análise da descrição etnográfica escrita por Julio Koslowsky. Para tanto, entendo ser importante apresentar a seguinte citação sobre as casas que o autor observou no assentamento do principal de nome Fernando:

296 Tinham duas choupanas; na velha e menor dormia o cacique Fernando com sua mulher e filha; na outra, espaçosa, construída pelos mais jovens dos índios, mas que possuía somente um teto colocado sobre postes elevados, dormíamos o filho e eu, o rapaz no chão [sobre um couro estendido] e eu em minha rede. Os demais índios haviam erguido seus mosquiteiros, sob forma de toldos, debaixo das árvores, sem dúvida para estarem assim separados e menos incomodados (Koslowsky, 1895:24).

Na citação apresentada fica mais ou menos evidente a dificuldade de várias famílias residirem dentro de uma única habitação. Contudo, casas tradicionais poderiam ser facilmente construídas durante as visitações, pois são estruturas simples do ponto de vista arquitetônico. Ainda assim é difícil inferir acerca da relação entre o tamanho das famílias e o número de residências em um único assentamento, bem como sobre o tempo médio das visitas periódicas de parentes e vizinhos, seja na cheia (matchum’hogum), seja na seca (majapo’dijejum): dias, semanas ou meses? Por certo o tempo de estada permitido aos parentes mais próximos, como a família de um primogênito, não era o mesmo em relação ao dos vizinhos mais distantes. Deve ter havido diferenciações envolvendo laços de consangüinidades e afinidades para a duração desses contatos. Estrangeiros, por exemplo, geralmente não tinham autorização para permanecer mais de três dias com uma família. Igualmente é difícil tratar da relação entre as famílias nucleares e poligâmicas e suas residências: teriam vivido em uma única grande habitação coletiva ou em várias casas tradicionais de pequeno tamanho e em um único assentamento? Essas dúvidas, é claro, têm uma relação direta com questões de interesse à Arqueologia: uso, tamanho e função dos assentamentos centrais, processos de formação de sítios arqueológicos, produção de equipamentos de uso doméstico como vasilhas cerâmicas, demografia, tempo de duração das ocupações etc. No dia seguinte, ao amanhecer, Chico havia saído para caçar e ao meio-dia retornou com um grande jacaré que as mulheres preparam como ensopado: As mulheres, que começaram a preparar a comida, colocaram uma panela de barro com água, de dimensões enormes, sobre um grande fogo e quando ferveu a água lançaram pedaços da carne de jacaré até transbordá-la. Enquanto cozia a comida se ocuparam em descascar bananas verdes e pilá-las em um pilão de madeira. Quando o manjar estava cozido, lançaram no caldo sal e grande quantidade de pimenta silvestre; logo retiraram a carne e a puseram em uma tigela, agregando ao caldo bananas piladas, que mexiam com uma espécie de espátula de madeira, feita para este propósito, até que o liquido ficou espesso, tomando aspecto da farinha misturada com água [pirão], a que as bananas piladas substituíam. Todos os Guatós, grandes e pequenos, se sentaram ao redor do pote, comendo tudo com prazer, no mais profundo silêncio. Quando desapareceu a carne de

297 jacaré, atacaram a sopa, da que se serviam em valvas de moluscos (Koslowsky, 1895:26-27).

No caso descrito, está evidente a existência de uma família restrita patrilocal, possivelmente ligada por uma solidariedade e uma reciprocidade multifuncional, formando um grande grupo doméstico no qual os filhos casados permaneciam próximos do pai, isto é, em um mesmo território. Esta situação também implica em certa centralização política nas mãos do grande patriarca, o principal da família restrita, alguém que eventualmente poderia estar determinando e distribuindo tarefas como, por exemplo, a construção de novos aterros para famílias recém-constituídas. Igualmente poderia ter um papel de liderança no que tange à defesa de seu território frente a possíveis inimigos. Além disso, ter como unidade mínima predominante a família nuclear, vivendo relativamente distante uma das outras, era uma estratégia de povoamento desconcentrado, uma forma de evitar o estresse ambiental e a competitividade por recursos em determinados nichos ecológicos, manter a alta mobilidade espacial em tempos de cheia, estar ciente dos acontecimentos ocorridos em seu território e perpetuar o ethos canoeiro. Isso demonstra a possibilidade e a necessidade da conjugação de enfoques ecológicos e sociais, materialistas (razão prática) e simbolistas (razão significativa), no estudo de populações indígenas, pois a dicotomia criada entre eles é mais uma construção acadêmica, às vezes turvas de contradições e outras conotações, do que uma meta inatingível do ponto de vista científico. É importante constatar ainda a utilização de grandes vasilhas cerâmicas, certamente com uma capacidade volumétrica superior a quatro litros, usadas para preparar alimentos ensopados para muitos indivíduos. Neste aspecto da cultura material há uma nítida relação entre o tamanho das panelas ou mikô e a forma de organização social Guató: alimentos eram preparados para servir todos os membros da família e o tamanho das vasilhas variava conforme o número de indivíduos co-residentes e visitantes. Na citação apresentada consta ainda informações sobre o uso de tigelas cerâmicas, valvas de moluscos, receitas culinárias, plantas domesticadas e outras questões de interesse à pesquisa arqueológica, já tratadas em J. Oliveira (1996a). Logo, a distribuição da cerâmica Guató por um amplo espaço pode indicar realidades ligadas a temas como especialidade, territorialidade e continuidade material e sociocultural, especialmente em termos de unidade lingüística e organização social, pois representa a tradição de reproduzir determinada tecnologia, a ordem social e o comportamento dos grupos domésticos.

298 É interessante também constatar que a grande família unida é um único grupo de comensalidade, reunido em torno de um fogo doméstico e de uma única panela, assim como ocorre entre os Kaiowá estudados por L. Pereira (1999). Ainda hoje este é um comportamento bastante comum entre os Guató que vivem no Pantanal; as panelas, porém, são de ferro ou alumínio. A respeito do estilo cerâmico Guató, ao que pude saber a produção de vasilhas deixou de existir mais ou menos entre 1960 e 1970, dependendo do grupo doméstico e da região ocupada, momento em que as panelas de ferro e de alumínio definitivamente substituíram as tradicionais de barro. Hoje em dia apenas cachimbos de barro são feitos por alguns homens e mulheres da Ilha Ínsua e do baixo São Lourenço, sendo esta uma tradição não mantida pelos mais jovens. Com base nos dados etnográficos disponíveis e nas informações orais que continuei a recolher após a finalização de minha dissertação de mestrado, é possível afirmar que o vasilhame Guató, cuja produção era uma atividade exclusiva de mães e filhas durante todo o ano, caracteriza-se por ser essencialmente de uso doméstico, destinado a preparar, armazenar e servir alimentos sólidos e líquidos para as famílias. A argila, de cor escura, era retirada das margens de rios e lagoas, geralmente com o auxílio da pá de um remo ou de outro artefato apropriado, depositada no interior das canoas e levada para os assentamentos, onde era trabalhada do lado de fora das casas: as mulheres retiravam todas as impurezas do barro, principalmente pequenas raízes de plantas, e adicionavam como tempero cacos moídos e peneirados (magu’uke) e às vezes conchas trituradas de caramujos e bivalves; a argila era amassada em barrigadas ou couraças de jacarés sob forma de gamela ou sobre esteiras de fibras vegetais até adquirir homogeneidade e consistência; depois eram feitos cordões da pasta preparada, colocados uns sobre os outros e gradativamente manipulados com as mãos até atingir a forma e o tamanho desejados para o produto final; o alisamento interno e externo em geral era feito com auxílio de uma concha de bivalve ou, menos freqüentemente, com algum seixo rolado; a secagem do vasilhame era feita à sombra para posteriormente levá-lo à queima, a qual quase sempre era processada pela colocação de algumas vasilhas juntas e cobertas com lenha; havia um controle para evitar a entrada de ar e a diminuição da temperatura, através da colocação de mais madeira ao redor e sobre as vasilhas, caso necessário; depois de pronta, a cerâmica adquiria uma coloração inicial avermelhada e, ao ser levada ao fogo para o preparo de alimentos, gradativamente passava a ter uma cor mais escura, entre tons de cinza e preto. Três tipos básicos de vasilhas eram tradicionalmente produzidas: panelas

299 pequenas ou mudikô’vaí, tigelas/pratos ou muchá/muchá’tum e bilhas d’água ou matum/matum’ve (Figuras 36, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 60 e 61). A capacidade volumétrica e a morfologia dos recipientes possuem nítida semelhança em relação aos conhecidos para a tradição Pantanal; historicamente predominava o alisado como tratamento de superfície mais usual, às vezes com alguma decoração diferenciada nos lábios, reforço nas bordas e eventuais apliques no corpo do vasilhame (vide Schmidt, 1942a:162-172; J. Oliveira, 1996a:139-146). No entanto, dependendo do tamanho do grupo doméstico, vasilhas com capacidade volumétrica superior a quatro litros poderiam ser produzidas para armazenar grãos, preparar ensopados à base de carnes e vegetais e produzir bebidas fermentadas feitas de arroz-do-pantanal (matcha’mo), mel (mataguá), milho (majê’re) ou polpa de bocaiúva (majegüi), por exemplo. São chamadas mikô´vaí. A produção dessa cerâmica possui, portanto, uma relação direta com a dinâmica de ocupação de assentamentos (centrais durante a seca, periféricos ou sazonais na cheia), tamanho da família, mobilidade espacial, identidade e comportamento individual relacionado ao próprio comportamento social do grupo, dentre outros fatores (vide Deetz, 1968). Do ponto de vista meramente morfológico, há inclusive certa semelhança entre a cerâmica Guató e a Bororo, ambos Macro-Jê, pois as vasilhas mais comuns desses dois povos possuem formas que podem ser consideradas quase que universais (vide também Wüst, 1983/1984, 1989, 1990, 1992, 1994, 1998, 1999a, 1999b; Wüst & Barreto, 1999). A mesma constatação é válida para os povos Macro-Jê do Sul do Brasil (vide Noelli, 1999, 1999/2000). As diferenças vão se dar em outros atributos como o antiplástico e decoração plástica, da mesma forma que marca os diferentes estilos da tradição Pantanal (vide Schmitz et al., 1998; Migliacio, 2000a). Também é mister frisar que embora as famílias vivessem a uma certa distância em relação às outras, como vivem hoje em dia as que moram na Ilha Ínsua, reserva indígena Guató existente em Mato Grosso do Sul, mantiveram uma unidade lingüística e um mesmo padrão ceramista conhecido etnograficamente. Dito de outra forma, embora tivessem sido famílias independentes, ao menos do ponto de vista econômico e durante grande parte do ano, mantiveram uma mesma tradição tecnológica, prova de que a cerâmica também foi um elemento da identidade Guató, tanto quanto seus aterros (vide Métraux, 1963b:409; J. Oliveira, 1996a:139-146).

300 Ainda quando o etnógrafo estava de passagem pela residência de Fernando, sua última estada entre os Guató antes de regressar para Descalvado e de lá descer para La Plata, uma outra família, liderada por um ancião, chegou de visita: [...] apareceu uma canoa com alguns índios que chegavam de visita. O canto era pois a saudação que os Guatós utilizavam quando se reuniam: tinha tido a oportunidade de ouvi-la pela segunda vez em iguais circunstâncias enquanto estive entre eles. Logo que terminou a canção, regressou o velho Fernando a seu lugar habitual, não tendo já lugar outra saudação quando as visitas estiveram em terra. Os visitantes traziam um jacaré de presente, o que foi imediatamente preparado para ser comido. Nesta se repetiram os mesmos procedimentos que na comida anterior. Terminada que foi, se reuniram as mulheres em lugar separado e começaram a revisar a cabeleira das visitantes, enquanto os homens se comunicavam mutuamente suas novidades. Em circunstâncias análogas à presente, sempre observei que o ancião cacique nunca dirigia a palavra a nada; permanecia sempre sentado sem dizer nada e somente se levantava de seu assento para acompanhar os demais a sentar-se junto à panela (Koslowsky, 1895:28-29).

Observações da vida cotidiana, como a apresentada, ratificam a idéia dos contatos entre famílias e parentelas, também mantidos através de redes de reciprocidade, especialmente em períodos de cheia quando os Guató tinham maior mobilidade espacial, contribuindo assim para a coesão e a identidade do grupo. Nessas ocasiões, circulavam idéias, ideologias, informações e conhecimentos diversos. Mais: ainda deveriam circular objetos, plantas alimentícias, drogas vegetais e outras coisas, não necessariamente por meio de trocas ou comércio. Alguns anos depois, em alguns momentos entre 1900 e 1902, o etnógrafo francês E. Monoyer (1905:155) esteve entre os Guató e publicou um pequeno artigo intitulado Les indiens Guatos du Matto-Grosso, afirmando que eles levavam uma vida patrilocal sob a autoridade do homem mais velho, quem era muito respeitado e bem tratado por todos, como aliás já havia sido observado por outros etnógrafos. Tanto Amédée Moure quanto E. Monoyer devem ter permanecido ou trabalhado no estabelecimento pastoril e industrial denominado Societé Industrielle et Agricole au Brésil, “um conjunto de dez antigas sesmarias e cerca de duzentas posses, numa área total de 881.053 hectares, no Município de São Luiz de Cáceres” (F. Rondon, 1938:202). Essa propriedade agroindustrial pertenceu ao major João Carlos Pereira Leite, cuja família foi proprietária da fazenda Jacobina, latifúndio onde no século XIX havia escravos de origem africana e trabalhadores indígenas, principalmente Chiquito e Bororo. Deixo aqui outra

301 pergunta: escravos da Jacobina não teriam organizado quilombos no Pantanal ou se refugiado entre indígenas como os Guató? Entre 1900 e 1906, Cândido Mariano da S. Rondon (1949), então oficial do Exército Brasileiro e chefe da Comissão de Linhas Telegráficas do Estado de Mato Grosso, também esteve entre os Guató dos rios Paraguai e São Lourenço e deles tratou em seu Relatório dos trabalhos realizados de 1900-1906 pela Comissão de Linhas Telegráficas do Estado de Mato-Grosso. No rio Paraguai, há 18,8 km abaixo de Descalvado, C. Rondon chegou a pousar em uma localidade chamada Aldeia Velha, pertencente a um Guató chamado Inácio. Mais adiante, na boca do Bracinho, à margem direita do Paraguai, visitou uma família de índios que estava acampada em um capão-de-mato com muitas acuris. Esse grupo, composto de dois homens, três mulheres e crianças, era a família de Joaquim, filho do então falecido cacique Fernandes, quem havia assumido a posição de principal e estava provisoriamente morando em um aterro. Além de acuris, sua casa também estava cercada de plantações de bananeiras e algodão: Não sendo imprevidentes, tomam o cuidado de plantar vários vegetais nos capões que não ficam submersos pelas inundações periódicas, para dessas plantações, em que predominam as bananeiras, tirarem o necessário proveito oportunamente. São celeiros estabelecidos convenientemente nas paragens que eles percorrem anualmente e que satisfazem não só as necessidades de que os estabeleceu, como também de todos os viajantes que por ali passam (C. Rondon, 1949:158).

Ao que tudo indica, os principais eram realmente hereditários. Por outro lado, é indiscutível o fato dos Guató terem construído e ocupado muitos aterros no Pantanal, como explicado na Segunda Parte desta tese. Fizeram desses montículos locais para plantio e manejo de vegetais diversos, domesticados, semidomesticados e outros. Um adendo: todas as variedades de bananas plantadas pelos Guató devem ter sido trazidas pelos paulistas dos oitocentos; foram rapidamente difundidas e passaram a ter certa importância na subsistência dos grupos domésticos. Continuando os trabalhos, a Comissão chegou ao aterradinho que havia sido visitado por Julio Koslowsky, observando o seguinte:

302 Aí vivem os índios Guató e atualmente é a sede de um Retiro, pertencente à Fazenda do Rio Novo. Esse aterrado está muito reduzido, em conseqüência do desbarrancamento contínuo da margem do rio. A grande enchente de 1905 não o submergiu; determinou porém o desbarrancamento que pôs a descoberto ossadas e crânios humanos, provavelmente daqueles índios Guató. Estive com um crânio humano na mão; estavam gastos, uniformemente, parecia ter pertencido a caveira a um indivíduo idoso (C. Rondon, 1949:159).

Depois do aterradinho, a Comissão prosseguiu até a fazenda Conceição, fundada por Antônio João de Arruda, à margem esquerda do rio Cassange, onde a casa do pecuarista também havia sido construída sobre um montículo. Nessa localidade nasceu Francolina Rondon, conhecida como dona Negrinha ou Sajuguiakam, a mais extraordinária informante Guató que conheci, com mais de oitenta anos de idade, cujo sobrenome foi emprestado do próprio Cândido Mariano da S. Rondon (J. Oliveira, 1996a:42) (Figuras 68 e 69). Naquela propriedade alguns índios Guató se recusaram a trabalhar para o fazendeiro e, por conta disso, foram expulsos do local. Após a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança houve a intensificação da formação de fazendas de gado no Pantanal, também responsáveis pela produção do charque exportado para vários países e consumido em algumas províncias do Império. Este processo acelerou ainda mais a diáspora Guató iniciada no século XVIII, motivo da desarticulação e dispersão de famílias restritas e parentelas expulsas de seus territórios tradicionais, ou seja, da diminuição de sua complexidade sócio-política. Isto explica o fato de muitos indivíduos terem se deslocado para áreas onde o gado ainda não havia chegado ou mesmo para a periferia de algumas cidades, contribuindo assim para a formação genética e sociocultural da população pantaneira. Uma parte dos que permaneceram em seus antigos territórios acabou incorporada à peonada das fazendas; outra deve ter sido exterminada caso tenha apresentado alguma forma de resistência bélica (vide Campos, 1862 [1723]; Barbosa de Sá, 1975 [1775]; Registro da correspondência oficial da Diretoria Geral dos Índios com a Presidência da Província (1860-1873); Caldas, 1887; Jardim, 1869; Bueno, 1916; Corrêa Filho, 1939, 1946, 1969; Schmidt, 1942a; Cruvinel, 1978, 1995; César, 1979; R. Oliveira et al., 1979; P. Cardoso, 1985; Palácio, 1984, 1987; Ramires, 1987; Dossiê Guató, 1988; Azanha, 1991; Lins Neto et al., 1991; S. Rodrigues et al., 1991; M. Ribeiro, 2001). Por esses e outros motivos, não raramente sedes de fazendas encontram-se erguidas sobre sítios arqueológicos, estruturas monticulares outrora construídas e/ou ocupadas por povos indígenas como os Guató.

303 Nos dias de hoje, a passagem do marechal Rondon entre os Guató faz parte do imaginário coletivo dos índios da Ilha Ínsua e da lembrança de anciãos como dona Negrinha. No geral, todos os índios que conheci falaram de Rondon com respeito, reverência e certo saudosismo. Almicar A. Botelho Magalhães (1942), autor do livro Impressões da Comissão Rondon, também participou dos trabalhos da Comissão de Linhas Telegráficas e deve ter acompanhado a expedição Rondon-Roosevelt (1913-1914), durante a qual o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodoro Roosevelt, teria demonstrado surpresa com a limpeza dos terreiros dos assentamentos Guató que encontrou às margens dos rios Paraguai, São Lourenço e Cuiabá, incluindo alguns montículos como o Aterradinho do Bananal. H. Pereira Cunha (1949), outro militar que também acompanhou a expedição Rondon-Roosevelt no Pantanal, entre fins de 1913 e meados de 1914, região onde posteriormente assumiu o comando da Força Naval de Ladário, hoje 6º Distrito Naval de Ladário, fez apontamentos etnográficos sobre estratégias de caça e aterros Guató em seu Viagens e caçadas em Mato Grosso: Esses índios são grandes caçadores de onças, e, em tais caçadas, adotam um processo que tem tanto de original quanto de ardiloso e arrojado: aproveitando que o pantanal cheio transforme alguns capões-de-mato em ilhas, o nosso Guató observa em qual destes terá urrado um onça ciosa de amores ou de combates, e, conforme a época, de um outro capão julgado próprio, o ardiloso Guató provoca o animal ao combate, ou o atrai aos desejos, imitando o urro que for conveniente; a mulher do índio acompanha-o na perigosa empresa, e quando a onça, iludida pelo arremedo do índio, procura a nado ganhar o capão onde a chamam, o casal de índios lança-se na canoa ao encontro da fera, e o vasto e deserto pantanal é testemunho desse combate em que, o índio armado de zagaia e a índia de espingarda ou flecha, nem sempre levam vencida o nosso valente felino, que tem na água quase que a mesma assombrosa agilidade com que em terra faz prodígios (H. Cunha, 1949:63).

Na descrição de uma conhecida estratégia de caça às onças-pintadas, tanto o marido quanto a esposa participavam da perigosa empreitada, mais uma prova de que a subsistência da família não dependia unicamente do homem como muitos afirmaram. Além disso, ao contrário do que ocorre em muitas sociedades indígenas em que a divisão sexual do trabalho segue regras mais rígidas, entre os Guató as mulheres poderiam participar das atividades de caça, pois delas também dependia a economia do grupo doméstico. A mesma situação pode ser estendida para a construção de aterros, construções que chamaram a atenção de muitos viajantes como o próprio Pereira Cunha:

304 Ora, os índios, quer dessa região, quer do resto do pantanal, recorriam a um estratagema que assombra pela energia de que despendia, pela quantidade de esforço, pelo enorme trabalho de sua execução. Esses infatigáveis aborígines, com a própria terra do pantanal, construíam enormes aterros, com seis e mais metros de altura e com superfície bastante para neles estabelecerem as suas malocas, terem suas plantações e enterrarem seus mortos. Quem já esteve no Peru e viu, ao longo da majestosa estrada de ferro que galga os Andes, os admiráveis trabalhos dos Incas, nem por essa razão deixa de pasmar à vista de um desses “aterrados” dos nossos índios, demonstração viva do esforço e da ousadia de que são capazes (H. Cunha, 1949:45).

Ou nas palavras de Theodoro Roosevelt em o Através do sertão do Brasil: [...] poucas habitações cobertas de folhas de palmeiras, cada uma em sua pequena roça de cana-de-açúcar, milho e mandioca, estavam muitos quilômetros separadas entre si. Uma destas habitações ficava sobre um antigo terrapleno índio, exatamente com os que formam os únicos montículos ao longo do baixo Mississipi e que também são de origem índia. Os outeiros índios, construídos em tempos idos, são os mais elevados munchões [sic.] de terreno nos pantanais imensos da região do alto Paraguai (Roosevelt, 1944:112).

Em 1912, Edgar Roquette-Pinto, autor de Rondônia, subiu o rio Paraguai rumo ao alto Xingu. No dia 12 de agosto daquele ano, encontrou uma família Guató morando em um aterro existente na localidade de Figueira, abaixo de Descalvado. Ali vivia um casal de anciões: o homem chamava-se Joaquim e estava cego; sua esposa era quem mais trabalhava para o sustento dos dois. Em palavras que soam poesia: Joaquim é um índio cego. Vive sentado debaixo de uma figueira ao lado da cabana, rolando, na direção do rio, os olhos extintos. Morava ali no aterrado, ponto firme no meio do pantanal, só com sua Guató que o alimenta e protege, velha companheira corajosa da sua triste solidão. Ela colhe, naquela terra firme, os frutos que cultiva para manter seu lar. E, perdido no recanto agreste, rodeado de feras e perigos, o drama do amor e de piedade desenrola-se há alguns anos (Roquette-Pinto, 1975:57).

Esse tipo de cegueira é muito comum entre os Guató com mais de quarenta anos de idade; regionalmente é conhecida como catarata de pescador, doença adquirida por pessoas que expõem excessivamente os olhos aos raios ultravioletas refletidos nas águas de rios, baías e corixos onde pescam durante o dia. Aquele homem citado por Roquette-Pinto deve ter sido o mesmo Joaquim, irmão de Pedro, visitado por Koslowsky em fins do século XIX, quem não mais tinha seu filho morando consigo. Sua esposa, no entanto, provavelmente aquela mulher que teve vários maridos e era tida como estéril, tornou-se a principal responsável pela sua sobrevivência. O militar Lima Figuêiredo, autor do livro Índios do Brasil, também esteve no Pantanal entre 1928 e 1930, período em que atuou como tenente adjunto na inspeção das

305 fronteiras com a Bolívia, publicando uma sucinta descrição etnográfica dos Guató. Segundo anotou, eles adotavam “a tática napoleônica: separar para viver e reunir para combater. Os guatós viviam distanciados e só se agrupavam para a luta ou para as festas” (Figuêiredo, 1939:207). Esta afirmação também deve ser relativizada, pois as famílias Guató não se reuniam apenas para guerrear e festejar, conforme explicado anteriormente. Na década de 1930, de fins de 1936 ao início de 1937, o então major Frederico Rondon (1938) também passou pela fazenda Conceição, igualmente tratando das fronteiras do Brasil com a Bolívia. Ali manteve contato com um principal chamado Jurítana, batizado com o nome cristão de Joaquim Ferreira, de uns quarenta anos de idade, nascido no aterrado do bananal, provavelmente descendente do cacique Fernando visitado por Koslowsky. Segundo observou, os Guató estavam vivendo em grupos ou parentelas de seis a dez famílias, sempre juntos d’água, apesar de a população ter sido reduzida pela gripe espanhola que quase os exterminou em 1919. No dia 4/1/1937, o militar esteve ainda com o capitão Fernandes, outro descendente do primeiro cacique de mesmo nome citado por Koslowsky. Este último Fernandes também era um dos principais entre os Guató, provavelmente o pai de Pedro, o primeiro marido de dona Negrinha, minha informante. Herdou o nome de seu pai e se interessava por assuntos políticos do Estado e da República; foi morto a pauladas pelos seus próprios filhos durante uma bebedeira (F. Rondon, 1938:266). Seus dados também corroboram a tese da hereditariedade dos principais, das parentelas e da família restrita patrilocal. Frederico Rondon ainda esteve com algumas famílias que viviam em aterros, a exemplo do aterrado da Mangueira, localizado à margem direita do Paraguai, abaixo de Descalvado, onde havia uma jovem família nuclear: “O aterrado é um colchão artificial. Onde escasseavam os firmes, no Pantanal, os Guatós faziam aterrados, amontoando, no ponto escolhido, a terra que tiravam dos arredores” (F. Rondon, 1938:264). No mesmo sítio havia duas sepulturas, uma marcada com uma cruz cristã de madeira e resíduos de velas, outra com cacos de vasilhas cerâmicas. Mas de todos os autores que produziram descrições etnográficas e estudos etnológicos sobre a organização social dos Guató, Max Schmidt foi quem melhor tratou do assunto ao publicar o resultado das pesquisas realizadas em 1901, 1910 e 1928, com destaque para os primeiros trabalhos de campo (vide Schmidt, 1902, 1942a).

306 Em 1901, principalmente nos meses de outubro e novembro, o etnólogo esteve com várias famílias nucleares que viviam nos lagos Gaíva e Uberaba, incluindo a Ilha Ínsua, sendo todas monogâmicas (Figuras 36, 37, 38 e 39). Ele fez um meticuloso registro etnográfico, tomando nota, por exemplo, da economia e das visitas periódicas que as famílias recebiam de parentes, vizinhos e alguns índios residentes em locais mais distantes dali, na região do rio Caracará. Chegou inclusive a transcrever algumas conversas entre as famílias, assim fazendo para tratar da mentalidade dos Guató: Como é quando você está viajando, o que você viu o rio? Está limpo aonde andaste? Gente agora (estão) bons lá? Quanta gente você viu? Está longe o rio quando você está viajando? Aonde vai agora? Quando você vem outra vez? Quando você vem outra vez trazer algumas coisas para nós? Nunca mais (agora) você vem, aonde você vem é muito longe. Quando chega lá (na sua casa) você não vai mais longe. Nem quando quer você vem mais tão cedo você não vem mais. Como é lá sua banda, (está) bonito? Sua banda tem muita gente? Tem bastante casas? Aqui na banda você está longe. Nós não sabia que você vem parecer por aqui. Quem é, quem sabia que você quer parecer por aqui. Agora você já vai embora. Você pareceu aqui tão longe. Estes gentes daqui não vão tão longe. Por isso não viu nada gente. Quando algum quer ir não chega lá. Acham longe aonde você vem por isso não querem ir lá. Não é como você quem passeio com você que longe passear. Aqui estes gentes não vão longe e por isso não sabem como é gente uma outra cidade. Aonde você veio é longe, lá na sua banda tem bastante criação? Quando você chega lá chora sua mãe, ela pergunta aonde você andou e si o caminho está limpo, o que você viu para lá? Onde você andou é longe ou é perto? É como aqui ou é diferente? É lá limpo? Você conta tudo o que viu por aqui, algumas coisas que viu por aqui (Schmidt, 1942a:203).

Em conversas assim os Guató faziam circular muitas idéias, notícias e informações, inclusive geográficas e demográficas, além de objetos e alimentos com o propósito de manter a reciprocidade. Via de regra, sempre que alguém chegava de visita à casa de uma família anfitriã, levava consigo algum alimento, podendo ser uma caça e/ou algum produto da coleta e da agricultura, como ainda hoje fazem com bastante freqüência. O fato é que essa mobilidade espacial, também implementada com vistas a fazer contatos com parentes, vizinhos e outros indivíduos a conhecer, era muito mais freqüente durante a cheia do que na época da seca:

307 A natureza mostra-se em toda parte propícia aos guatós, de modo que os pontos mais importantes para eles se acham ligados pelos igarapés. Entretanto, as vias de comunicação por terra são geralmente impossíveis por causa dos morros, do denso matagal e dos vastos pântanos que estorvam qualquer passagem. Resultou daí que a canoa é o único meio de comunicação, aliás, como sempre foi. Somente durante o período em que as águas cedem é que as famílias, que vivem habitualmente espalhadas pela região, fixam-se nos ranchos de construção primitiva, a fim de poder entregar-se ao prazer de sua bebida predileta, que é o sumo fermentado da palmeira acuri, que sempre cresce na proximidade da habitação. Ao subirem as águas, dando assim acesso a outras regiões, os guatós com as respectivas famílias, abandonam os seus ranchos, para dedicar-se por um tempo mais longo à caça. Nesses períodos os guatós passam meses inteiros nas canoas. Além de tudo isso o guató é um habitante aquático por excelência; mais do que qualquer outra tribo do continente sul-americano. Dessa maneira não é de admirar que uma vida como a que ele leva, inteiramente unilateral, acabe por se exprimir no próprio corpo humano, especialmente na fraqueza das pernas. Certamente afirmamos isso, considerando a premissa geral de que um certo modo de vida pode determinar sinais antropológicos típicos em certos grupos de população. Podemos esclarecer o fenômeno freqüente das pernas em X e a conseqüente configuração do pé chato pela mesma razão (Schmidt, 1942a:248-250) (vide Figuras 38, 39, 57, 65, 66 e 67).

Na interpretação de Max Schmidt, os Guató, que na época mantinham freqüentes contatos com a sociedade envolvente, possuíam uma tendência pronunciada para o individualismo. Muitos pais enviavam seus filhos para trabalharem por algum tempo nas fazendas, onde deveriam aprender a língua portuguesa e depois regressar para suas famílias, transformando alguns deles em “mediadores entre uma cultura e a outra, tornando-os instrumentos poderosos no processo de aculturação” (R. C. de Oliveira et al., 1979:62)25. Além do ciúme que os homens demonstravam para com suas mulheres, todos os membros do grupo respeitavam os bens pessoais de cada indivíduo, adulto ou criança, homem ou mulher. Tais bens poderiam ser um remo, um arco ou um acurizal. Duas famílias, ligadas por laços de consangüinidade e morando em um mesmo assentamento, poderiam compartilhar um único acurizal ou cada uma ter seu próprio reduto de acuris. O autor chegou mesmo a deduzir, por comparação com os povos indígenas do alto Xingu, que “as relações recíprocas dos guatós, e grupos vizinhos, são muito frouxas, por conseguinte, pouco regulares” (Schmidt, 1942a:258). No entanto, na época de suas pesquisas, o Pantanal não mais possuía a pronunciada sociodiversidade acusada nos 25

A avaliação que consta no relatório de R. C. de Oliveira et al. (1979:62) foi copiada por Alfredo Sganzerla (1992:277) em A história do frei Mariano de Bagnaia: o missionário do Pantanal, sem a devida menção à fonte consultada.

308 séculos XVI, XVII e XVIII. Talvez por conta disso os Guató apenas possuíam objetos originais de sua cultura. No passado colonial e pré-histórico, contudo, quiçá tivesse havido uma rede de reciprocidades entre povos canoeiros aliados como os Guató e Guaxarapo, embora não necessariamente por meio de uma intensa circulação de objetos como registrado no alto Xingu. Sobre os contatos freqüentes entre as famílias, ele escreveu o seguinte: As relações entre as famílias que residem tão afastadas são, em geral, cordiais, pois em quase toda a povoação guató encontrei indígenas visitantes durante maior e menor tempo. Esses visitantes (...) já de longe anunciam a sua chegada, através de sons da corneta. Não pude nessas ocasiões observar quaisquer trocas de valores, parecendo que essas visitas têm mais um caráter psicológico do que econômico. A família do índio guató, com exceção dos poucos utensílios que obtêm do colono brasileiro, depende de si mesma: cada membro sabe suprir suas próprias necessidades (Schmidt, 1942a:261).

A respeito da divisão sexual dos trabalhos, o etnólogo assim apontou: Mas, no seio dessa família, há uma distribuição regulamentada de tarefas: o confeccionamento ou a compra de alguns objetos é sempre trabalho do homem ao passo que outras atividades competem à mulher. As crianças, conforme o sexo, ficam ao serviço de seus pais. Os apetrechos para caça e pesca são preparados pelo homem, assim com a própria caça e pesca constituem seu privilégio. É ainda ele quem faz a comida. As mulheres ocupam-se exclusivamente em fabricar panelas e outras coisas de barro. Também fiam e tecem. Assim vê-se que a maior parte do trabalho compete ao homem enquanto as mulheres, conforme pude observar, levam uma vida bastante ociosa. Entretanto, durante as viagens na canoa costumam auxiliar o homem na direção da mesma. Para isso, ela senta-se, como já disse, na parte de trás da canoa. Os trançados são executados por ambos os sexos. As crianças tomam parte de todos os trabalhos, ativamente, o que prova toda a sorte de utensílios de pequenas dimensões e próprias para as crianças (Schmidt, 1942a:261-262).

Ao que pude perceber nas fontes etnoistóricas, geralmente era o homem que preparava a comida para sua família. A mulher também a preparava, mas talvez com mais freqüência quando da chegada de outras famílias, momento em que o marido primeiramente recepcionava os visitantes. Duas questões podem ser deduzidas de sua descrição. Primeira, as visitas entre as famílias tinham um sentido mais psicológico do que econômico, quer dizer, serviam mais para manter a coesão do grupo do que para trocar produtos, bem como para ter conhecimento da geografia e da situação das famílias dispersas por um grande território. Segunda, a divisão dos trabalhos seguia certas regras de acordo com o sexo e a idade dos

309 indivíduos, embora a interpretação de Max Schmidt também denote certo descaso para com as atividades femininas. Outro aspecto importante de seu registro diz respeito à presença de principais: Um guató, que vinha da colina de Caracará e se achava em visita ao povoado do lago de Uberaba, forneceu-me uma imagem mais exata da forma de governo da povoação guató. Assim, segundo ele, a comunidade divide-se em três círculos de habitantes, chefiados cada um por um cacique. O primeiro abrange a gente das margens do alto Paraguai, o segundo os habitantes dos lagos Gaíba e Uberaba e a colina do Caracará e o terceiro os do baixo rio S. Lourenço. No momento achavam-se vagos os cargos de cacique do primeiro e segundo círculos, visto que os seus ocupantes haviam morrido vítimas da recente epidemia de varíola. Os chefes são nomeados pelo governo brasileiro, isto é, o governo nomeia os indivíduos que, segundo os guatós, se acham predestinados a tal missão. Contaram-me, outrossim, que tendo então morrido o chefe do primeiro círculo, a sua gente esperava que fosse nomeado um dos seus três filhos como sucessor, o que prova evidentemente que a escolha do governo leva em consideração as concepções de direito dos aborígines (Schmidt, 1942a:263-264).

Ao que tudo indica, portanto, cada principal atuava em determinada área, no território onde residiam seus parentes e aliados, e sua sucessão era regida por uma lei de hereditariedade masculina. No passado, todavia, deve ter existido um número maior de principais, proporcional ao tamanho da população e de seu antigo território, e uma possível hierarquia entre eles. Segundo disseram a Max Schmidt (1942a:264), “era dever desses caciques reunir todos os moradores do seu círculo para uma grande festa em comum”. Um dos lugares onde haviam essas festas era o morro do Caracará, conforme dito antes. Além disso, evidentemente os principais teriam outros deveres e direitos políticos, dentre os quais a autoridade de intervir em eventuais conflitos internos, inclusive pela disputa de mulheres, conforme ficou sabendo o etnólogo. Estes eram alguns dos atributos para alguém se constituir no líder de uma parentela ou grupo local. Alguém que fosse um principal deveria, inevitavelmente, contar com uma rede de relações que o ligava às famílias sob seu comando. Isso poderia ser feito através da prática da poligamia ou por meio de relações de alianças com subchefes que em determinados locais reuniam um pequeno grupo de famílias, formadas por um pai e seus filhos casados. Schmidt percebeu ainda que as todas famílias tratavam os indivíduos idosos com muito respeito e atenção, de modo muito mais pronunciado do que havia percebido entre outras sociedades indígenas. Os velhos poderiam morar com seus filhos caso não mais tivessem condições de sobreviver por conta própria. Observou, porém, que durante algumas visitas ocorriam cenas ciúme entre os homens, quase sempre após a ingestão de

310 aguardente de cana-de-açúcar, às vezes chegando perto das vias de fato. Esses dois tipos de comportamentos constam em muitas fontes textuais produzidas nos séculos XIX e XX. Com a definitiva conquista luso-brasileira do Pantanal, o alcoolismo passou a ser uma nova realidade para os Guató, ao menos com a intensidade registrada historicamente. Essa situação deve ter surgido na primeira metade do século XVIII, a partir da descoberta de ouro em Cuiabá, e sobretudo na segunda metade do XIX, após o término da guerra contra o Paraguai, quando aumentou a navegação e o número de fazendas de gado no Pantanal. Portanto, difundir o consumo de aguardente também foi, e continua sendo, uma estratégia de desestruturar a organização tradicional dos povos indígenas, uma forma de conquista feita com armas tão eficazes quanto as epidemias e tecnologias de além-mar. Nas festas realizadas por ocasião das visitas de parentes e amigos, poderia haver, então, eventuais episódios de brigas entre parentes, às vezes por motivo de ciúme ou disputa de mulheres. Acredito que parte desses conflitos, em alguns momentos envolvendo membros de uma mesma família, se deu por conta do uso exagerado de aguardente e através de algum ato de desrespeito às esposas, em descumprimento a uma regra social muito clara para todos. Max Schmidt ainda fez um interessante registro sobre as denominações das relações de parentesco. Alguns dos termos por ele anotados foram grafados foneticamente por Adair P. Palácio, conforme consta no quadro a seguir.

311 QUADRO 6: TERMINOLOGIA DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO GUATÓ. TIPO DE PARENTESCO

DENOMINAÇÃO EM GUATÓ MAX SCHMIDT ADAIR P. PALÁCIO

Mãe

Meme

~´ (vocativo) Éme

Pai

Bápa

Gí Bápa (vocativo)

Filha

Irmão mais velho Irmão mais moço Irmã Irmão do pai Irmão da mãe Irmã do pai Irmã da mãe Pai do pai Mãe do pai Pai da mãe Mãe da mãe Neto Neta Primo mais velho Primo mais moço Marido Esposa

Bé Ahora Ió Moudiohaja Jio (vocativo) Ts’ína Didáhir Ts’ívāē Pá Mé Kuir Kuir Tovāēiu ~ Kuvaeiu

Ts’avuír ~ Kuvuír

Nga Nga Ts’ína Didáhir Madāē Matai Muháds’i Mouhaja

Pai do marido Pai da esposa Mãe do marido Mãe da esposa Cunhado

-

Dúníhi (irmão) Dúníhi (irmão) Tέ (tio) Tέ (tio) Kw ~ (tia paternal) Kwέ (tia maternal) Tovε (avô) ~´ (avó) Ku Tovε (avô) ~´ (avó) Ku Áká Íčá Dέ (homem) Otigáre (patroa, esposa) ^

Filho

K~ Tóra

Óhaja (mulher) έv ´ (mulher)

Deete Deete Gioha Gioha Ts’íeha u = u nasal; āē = a tônico; e = e breve; s’ = NOTA: ā = a longo; ă = a breve; á = a tônico; ~ ch francês; v = w alemão (para a grafia de Max Schmidt). FONTE: Schmidt (1942a:227-228); Palácio (1984:131-149).

312 O próprio Schmidt (1902, 1942a) fez as algumas deduções eloqüentes sobre a relação de parentesco entre os Guató: -

O irmão mais velho (ts’ína) era diferenciado na denominação em relação aos mais jovens (didáhir), regra igualmente válida para os primos, provavelmente os filhos dos irmãos do pai;

-

O irmão do pai (pá) era denominado de forma distinta em relação ao irmão da mãe e o termo usado para citá-lo assemelha-se à denominação vocativa empregada para pai (bápa);

-

A irmã do pai e a irmã da mãe possuíam a mesma denominação, embora Palácio tenha apresentado grafias diferentes para ambos os casos. Ao que tudo indica, a antiguidade genealógica patrilocal era a primeira regra da

hierarquia, servindo para o irmão e os primos mais velhos, pois os filhos de germanos do sexo oposto são separados em categorias diferentes, reforçando a idéia de filiação unilinear. Esta constatação possibilita aferir sobre a existência de uma patrilinearidade, ou seja, de linhas genealógicas ascendente e descendente ligadas aos varões, às vezes chamadas de direito paterno. O caso dos descendentes do cacique Fernando, aquele principal visitado por Julio Koslowsky, exemplifica a patrilinhagem, ou seja, a filiação unilinear de um grupo de parentesco ligado a um antepassado concreto em comum. Por isso a autoridade patrilinear estava baseada na primogenitura. Schmidt não registrou, entretanto, as denominações para as primas cruzadas e paralelas. O poder das famílias, portanto, também estava centrado na hierarquia entre parentes e na transmissão de poder aos primogênitos, além de responder às necessidades de reprodução, subsistência e controle do território. Viver em famílias independentes também foi útil para evitar a propagação generalizada de epidemias no alto Paraguai, o que não ocorreu com outros povos indígenas na região. As diferentes grafias registradas por Palácio (1984), por sua vez, correspondem a terminologias genéricas para tio, avó, avô e assim por diante, a maioria não correspondendo a termos vocativos. Seu registro foi feito depois de quase oito décadas da realização da primeira viagem de Max Schmidt, em um contexto talvez marcado por certas mudanças sociolingüísticas decorrentes do contato com a sociedade envolvente. Alem disso, as relações de parentesco não foram objeto de estudo de suas pesquisas lingüísticas.

313 De um modo geral, a patrilocalidade associada à patrilinearidade constituem uma forma predominante da organização doméstica, segundo George P. Murdock (apud Harris, 1995:277). Contudo, como explicar a existência da patrilocalidade entre os Guató? Penso que uma das explicações plausíveis esteja na cooperação entre os homens para controlar o território e combater outros povos inimigos. Isso teria surgido no contexto dos intensos conflitos interétnicos ocorridos na pré-história do Pantanal, região onde existiu um grande mosaico sociocultural e uma pronunciada densidade demográfica, como dito repetidas vezes. Entretanto, é prudente salientar que “sistemas estritamente patrilineares são comparativamente raros”, conforme pontuou Radcliffe-Brown (1973:58), observação que é prudente diante dos dados disponíveis para o estudo de caso apresentado. De um ponto de vista estrutural, a combinação entre patrilocalidade e patrilinearidade indica certo desequilíbrio entre os sexos, às vezes compensado por áreas da vida social economia ou vida religiosa, por exemplo sob controle das mulheres. O problema é que para os Guató praticamente nada se conhece sobre a religião. Teria sido, então, a economia a área da vida social mais controlada pelas mulheres, contrariando tudo o que foi escrito e observado por viajantes e etnólogos? Além disso, se existiu uma restrita patrilinearidade os parentes da mãe não seriam considerados consangüíneos e, portanto, são casáveis com os do pai. Isto indica que o casamento ideal era com a prima cruzada matrilateral. Mas qual seria a relação de um indivíduo com os consangüíneos da mãe? Seriam eles um tipo especial de afim? Provavelmente. Tenho notado que o trabalho das mulheres Guató sempre foi ignorado pelos viajantes e etnógrafos, pois a imagem por eles construída sempre esteve impregnada do ideal de que homem deve ser o maior provedor do sustento de sua família. Em sociedades de aborígines australianos, no entanto, as mulheres produzem entre 60 e 90% do total de alimentos que fazem parte da dieta dos indivíduos (vide Gargett & Hayden, 1991). No âmbito da economia dos grupos domésticos Guató, é inegável que tradicionalmente as mulheres tinham grande participação nas atividades de pesca, caça, coleta incluindo a apanha de moluscos e agricultura, embora seja difícil precisar em números sua produção. Porém, em se tratando de grandes famílias poligâmicas, por certo as esposas e os filhos juntos produziam mais do que o marido. Dito isso, é imperativo frisar que a objetividade coercitiva da sociedade Guató também esteve centrada nos diferentes status e na divisão do trabalho, como aliás ocorre em várias outras sociedades indígenas. Em suma, seu sistema sociocultural esteve

314 estruturado na integração de famílias independentes, parentelas e grupos locais interrelacionados. Em outra expedição de Max Schmidt, realizada em 1910 na região do rio Caracará, atual Mato Grosso, o autor escavou dois dos cinco aterrados que encontrou. Fez ainda novos apontamentos etnográficos e analisou alguns painéis com arte rupestre encontrados no morro de mesmo nome. Ali esteve com o cacique Caetano, pai de José, Júlia e Veridiano, e avô materno de Vicente, aqueles com quem estive no baixo São Lourenço. Caetano morava com sua família em uma ilha no início da lagoa do Caracará, provavelmente no morro em que José e Veridiano moraram até dois anos atrás. Ele foi o principal informante de Schmidt na região (vide Figuras 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59 e 60). No baixo Caracará o etnólogo encontrou cinco Guató em um aterro: “Eles eram solteiros e isso quer dizer que nem todos os homens são vistos com mulheres” (Schmidt, 1912:36). Segundo foi informado na viagem anterior: Nessa expedição (1901), os Guató mostravam um interesse em diminuir o número de seus habitantes, porque sempre me asseguravam que no rio Caracará não existia mais nenhuma extirpe em virtude da última epidemia de varíola que levou a grande maioria; com o tempo, os sobreviventes foram morar em Figueira [a localidade onde morava Joaquim]. Já naquela época, com efeito, uma família com quatro filhos do Caracará foi visitar Figueira. Para a mentira das histórias dos meus guias, a expedição deste ano (1910) mostrou que na verdade o cerne da estirpe Guató está na região do Caracará. No baixo Caracará encontrei 20 indivíduos, dos quais 11 homens, 7 mulheres e 2 moças. Pelas histórias do cacique Caetano existe um outro local com moradores na parte superior do Caracará (Schmidt, 1912:143).

A bem da verdade, o vale do Caracará foi um dos últimos refúgios ou esconderijos dos Guató (Schmidt, 1914:266), um lugar que naquela época ainda não tinha sido tomado pelas fazendas de gado. Em um passado não muito distante, talvez em fins do século XIX, a região foi palco da guerra entre duas parentelas que disputaram alguns montículos com acuris: “Nos tempos mais remotos dizem ter havido guerras, entre as partes inferior e superior do Caracará, pela posse de certos aterrados e esta terminou faz pouco tempo com o recuar da parte superior” (Schmidt, 1912:143). Segundo explicou Caetano, naqueles tempos nem sempre os homens conseguiam casamento, pois “com o tempo já não havia mais mulheres o suficiente para todos” (Schmidt, 1914:270). Por este motivo, José, Veridiano e Vicente não conseguiram esposas. As poucas mulheres que havia até meados da segunda metade do século XX, aquelas com

315 as quais poderiam contrair matrimônio de acordo com as regras sociais em vigor, acabaram saindo do Caracará e casaram-se com não-índios, peões das fazendas recém-criadas ou ribeirinhos vindos de outros lugares. Dezoito anos depois, em 1928, Max Schmidt retornou ao Pantanal para sua terceira e última expedição (vide também Schmidt, 1942c). Permaneceu novamente entre os Guató da Gaíva, Uberaba e Ilha Ínsua, tendo ainda encontrado algumas famílias morando às margens do rio Paraguai, abaixo de Descalvado. Nessa mesma fazenda ele encontrou duas mulheres, a filha e a neta de João Caracará. Muitos dos Guató que Schmidt conheceu em sua primeira excursão haviam falecido, inclusive os filhos do velho cacique Timótheo de quem havia ficado amigo, dentre eles o jovem Meki, seu guia em 1901. Abaixo de Descalvado, em um trecho do Paraguai que se estende até a Gaíva, o etnólogo encontrou duas famílias monogâmicas, cada qual com seis pessoas. Elas lhe informaram sobre alguns Guató que estavam trabalhando no porto da fazenda Conceição, situado há 6 léguas dali, no mesmo rio Paraguai. Chegando ao porto da fazenda, soube da estada de alguns Guató por aquela localidade, os quais estavam vivendo mais abaixo, depois de um lugar chamado Machadinho. Quando lá chegou, finalmente, encontrou-se com Chico, o filho caçula do primeiro Fernandes conhecido por Koslowsky, um índio que naquela época era mais conhecido pelo nome de seu pai, capitão Fernandes (Schmidt, 1942b:44) (Figuras 66, 68, 69, 70, 71). Depois da visita de Koslowsky, Chico havia conseguido uma esposa com quem teve vários filhos. Ele vivia com sua mulher, uma filha adulta, um filho de mais ou menos doze anos de idade e outro filho adulto, Pedro, o primeiro esposo de Francolina Rondon, a dona Negrinha, minha informante (Schmidt, 1942b:44) (Figuras 68 e 69). Todas as famílias visitadas por Max Schmidt em suas três expedições eram monogâmicas, tendo ele ainda encontrado muitos homens adultos solteiros. No entanto, em todas suas viagens sempre ouviu relatos sobre a existência de famílias poligâmicas. Isso demonstra que na primeira metade do século XX, a poliginia estava cada vez mais diminuindo entre os Guató, a ponto de ser uma instituição extinta nos dias de hoje. Posteriormente, na década de 1950, Kalervo Oberg (1953:120) publicou o livro Indian tribes of northern Mato Grosso, Brazil, divulgando um diagrama de parentesco com termos que não correspondem às denominações em Guató que Schmidt (1942a) e

316 Palácio (1984) recolheram. Conforme consta no prefácio de sua obra, nos meses junho e julho dos anos de 1947, 1948 e 1949, o antropólogo teria estado entre vários povos indígenas do antigo Mato Grosso: Bakairi, Bororo, Kadiwéu, Nambikuara, Paressi, Umotina e Terena (Oberg, 1953:vii). Contraditoriamente, o próprio autor não afirmou ter estado entre os Guató, ainda que tenha publicado um mapa localizando-os no rio Paraguai, abaixo de Descalvado, por onde poderia ter passado rumo ao alto Xingu. Tenho dúvidas sobre a possibilidade de ele ter feito algum estudo sobre o parentesco Guató. Suspeito que o diagrama por ele elaborado corresponda a uma realidade etnográfica alhures, ou seja, fruto de sua imaginação (vide Figura 30). Esta crítica também acompanha a avaliação que Herbert Baldus (1969:514) fez a respeito de Oberg: “O autor pertence à classe de etnólogos que sempre escrevem bem e que freqüentemente observam bem, mas que quando pensam que pensam bem, não se esforçam para inspirar-nos confiança”. Em que pese as críticas apresentadas, ainda assim organizei um quadro com os símbolos usados em estudos de parentesco para que o leitor não familiarizado com a linguagem antropológica possa entender o diagrama apresentado por Kalervo Oberg, embora nele nada encontrei que pudesse ter utilidade para a compreensão das regras de filiação e parentesco entre os Guató (vide Quadro 7). Em seu diagrama não há, por exemplo, a distinção dos termos entre primos cruzados e paralelos registrada por Schmidt. Enfim, embora tenha feito uma primeira aproximação sobre a organização social tradicional dos Guató, não creio que as idéias aqui apresentadas possam ser estendidas ao pé da letra aos demais povos canoeiros que ocuparam o alto Paraguai. O princípio é óbvio: se nas terras baixas do Pantanal houve uma diversidade sociocultural, por conseguinte também existiram diferentes línguas e formas de organização sócio-espacial. Entretanto, é inegável que o exemplo Guató levanta uma série de problemas e aguça a imaginação dos arqueólogos e de outros cientistas sociais. Com efeito, penso ser possível utilizá-lo para analogias históricas em áreas onde há a confluência de evidências do passado arqueológico com informações do presente etnográfico. E ainda que não podendo, defendo que precisamos sepultar de uma vez por todas os modelos que simplificam a complexidade que envolve a pré-história e a história indígena naquela região central da América do Sul. Segue ainda no final deste capítulo algumas figuras para que o leitor possa melhor visualizar a realidade etnográfica dos Guató, segundo registraram viajantes e etnólogos.

317

QUADRO 7: SIMBOLOS USADOS EM DIAGRAMAS DE PARENTESCO. SÍMBOLO ∆ O = |

SIGNIFICADO Homem Mulher Casado com (aliança) Descendente de (filiação) Irmã(o) de (consangüinidade) Ego (pessoa cuja genealogia está sendo estabelecida)

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FIGURA 30: DIAGRAMA DE PARENTESCO GUATÓ ELABORADO POR KALERVO OBERG (Oberg, 1953:120).

319

FIGURA 31: Índios Guató em suas canoas (Florence, 1977a:115)

320

FIGURA 32: Ancião e menina Guató (Florence, 1977a:116).

321

FIGURA 33: Guató na localidade de Passagem Velha (Florence, 1977a:122).

322

FIGURA 34: Mulheres Guató e seus filhos na confluência do rio São Lourenço com o Paraguai (Florence, 1977a:122).

323

FIGURA 35: Família Guató morta por dois Guaná (Florence, 1977a:122).

324

FIGURA 36: Mulheres Guató (Schmidt, 1942a:131).

325

FIGURA 37: Família Guató em sua canoa (Schmidt, 1942a:141).

FIGURA 38: Homem e menino Guató em sua casa tradicional (Schmidt, 1942a:147).

326

FIGURA 39: Homens guató do Caracará (pai e quatro filhos) (Schmidt, 1942a:249).

327

FIGURA 40: PANELA E TIGELA GUATÓ (Schmidt, 1942a:163).

FIGURA 41: PANELA GUATÓ (Schmidt, 1942a:164).

328

FIGURA 42: PANELA E TIGELA GUATÓ (Schmidt, 1942a:164).

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FIGURA 43: BILHAS D’ÁGUA GUATÓ (Schmidt, 1942a:168).

FIGURA 44: BILHA D’ÁGUA GUATÓ (Schmidt, 1942a:168).

330

FIGURA 45: XÍCARAS GUATÓ QUE LEMBRAM BILHA D’ÁGUA E PANELA RESPECTIVAMENTE (Schmidt, 1942a:169).

331

FIGURA 46: BILHA D’ÁGUA GUATÓ (Koslowsky, 1895:31).

332

FIGURA 47: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:263).

FIGURA 48: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:263).

333

FIGURA 49: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:264).

FIGURA 50: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:265).

334

FIGURA 51: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:266).

FIGURA 52: CACOS DE VASILHAS GUATÓ ENCONTRADOS EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:267).

335

FIGURA 53: VISTA PANORÂMICA DE UM ATERRO GUATÓ EXISTENTE NA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:253).

FIGURA 54: SEPULTAMENTO GUATÓ ENCONTRADO EM UM ATERRO DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:255).

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FIGURA 55: HOMENS GUATÓ DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Foto inédita de Max Schmidt, 1910).

FIGURA 56: HOMENS GUATÓ DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:268).

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FIGURA 57: HOMENS GUATÓ DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Foto inédita de Max Schmidt, 1910).

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FIGURA 58: MULHERES GUATÓ NO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1910:275).

FIGURA 59: MULHERES GUATÓ DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:269).

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FIGURA 60: MULHERES GUATÓ DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:269).

FIGURA 61: BILHA D’ÁGUA GUATÓ QUE APARECE NA FIGURA 60 (Schmidt, 1914:61).

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FIGURA 62: CASA GUATÓ ÀS MARGENS DO RIO CARACARÁ (Schmidt, 1914:274).

FIGURA 63: GUATÓ JOÃO COTÓ E SEU FILHO EM SUA CASA TRADICIONAL (Schmidt, 1942b: Lâmina 28, Figura 12).

341

FIGURA 64: HOMENS GUATÓ LIMPANDO DOS BUGIOS CAÇADOS (Foto inédita de Max Schmidt, talvez tirada em 1910 na lagoa do Caracará).

FIGURA 65: FAMÍLIA DO GUATÓ LUIZ VELHO (Schmidt, 1942b: Lâmina 27, Figura 9).

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FIGURA 66: PARENTES DE CHICO OU CAPITÃO FERNANDES (Schmidt, 1942b: Lâmina 26, Figura 9).

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FIGURA 67: ZAUI(R)TA, FILHO DO GUATÓ LUIZ VELHO (Schmidt, 1942b).

345

FIGURA 68: FRANCOLINA RONDON EM 1928 (Schmidt, 1942b: Lâmina 25, Figura 2).

346

FIGURA 69: FRANCOLINA RONDON EM 1998 (Foto de Jorge Eremites de Oliveira, nov./1998).

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FIGURA 70: CHICO OU CAPITÃO FERNANDEZ (Schmidt, 1942b: Lâmina 25, Figura 1).

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FIGURA 71: PEDRO, FILHO DE CHICO OU CAPITÃO FERNANDEZ, PRIMEIRO MARIDO DE FRANCOLINA RONDON (Schmidt, 1942b: Lâmina 26, Figura 4).

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7 OS ARGONAUTAS NO BAIXO SÃO LOURENÇO

Qualquer homem pode transformar-se em etnólogo e ir partilhar, no local, da existência de uma sociedade que o interesse; ao contrário, mesmo que ele se torne historiador ou arqueólogo, jamais entrará em contato direto com uma civilização desaparecida, mas somente através de documentos escritos ou de monumentos figurados que esta sociedade ou outras tiver deixado a seu respeito (Claude Lévi-Strauss, 1993:331).

Os dois assentamentos ou estabelecimentos indígenas estudados foram implantados em uma área tradicional dos Guató, situada no baixo curso do rio São Lourenço, denominação aqui empregada para designar o trecho inferior do atual Cuiabá, nas proximidades de sua confluência com o rio Paraguai os Guató chamam o São Lourenço de Mojikum’guaihei e o Paraguai de Mojikum’garegui. Estão localizados no extremo sudoeste de Mato Grosso, município de Poconé, na divisa com Mato Grosso do Sul, em uma região de expressiva biodiversidade e abundância de recursos associados a ecossistemas fluviais, lagunares e serranos (Figuras 72, 73 e 74; Folha SE.21-V-D-VI, 1977). É importante esclarecer que no século XIX, provavelmente em função da própria dinâmica hidrológica regional, houve uma significativa mudança no curso fluvial do Cuiabá, o qual invadiu o antigo leito do São Lourenço e por conta dessa mudança de drenagem passou a ter uma maior bacia hidrográfica (Corrêa Filho, 1969). No entanto, regionalmente o antigo rio dos Porrudos, como ficou conhecido na época colonial, continua sendo chamado de São Lourenço e não de Cuiabá, contrariando o que consta em alguns mapas modernos. Aquela é uma área de bacia sedimentar que há muito sofre influências dos rios São Lourenço e Paraguai, responsáveis pelo transporte de partículas de areia, silte, argila e matéria orgânica levadas pelas águas fluviais, sobretudo durante as cheias, ali formando depósitos aluviais (Figura 74). A altitude da região varia em torno de 100 a 150 m acima do nível do mar; a topografia é plana e suavemente ondulada, com riscos de inundações face à baixíssima

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declividade do terreno; os solos são de média fertilidade, predominando os do tipo glei pouco úmido eutrófico, principalmente em margens fluviais e encostas de morros isolados; o clima é do tipo tropical, quente e subúmido, de caráter estacional, com quatro a cinco meses secos; a vegetação predominante é de floresta estacional decidual aluvial, havendo uma situação de tensão ecológica decorrente do contato entre diferentes formações florísticas: savana gramíneo-lenhosa sem floresta de galeria, floresta semidecidual aluvial e floresta semidecidual das terras baixas (Projeto Radambrasil..., 1982; Campello, 1994; PCBAP, 1997; Miranda & Amorim, 2001). Em suma, trata-se de uma típica região inserida no território tradicional dos Guató, uma área situada em plena planície de inundação, marcada pela característica sazonalidade pantaneira e pela ocorrência de rios com extensão e volume d’água variados, corixos, vazantes, baías, banhados, morros isolados e matas ciliares que compõem um habitat favorável à manutenção do ethos canoeiro de um povo adaptado aos ecossistemas locais e estruturado em uma organização social baseada na patrilocalidade e em princípio na patrilinearidade.

7.1. TRANSCURSO HISTÓRICO E SOCIOCULTURAL As primeiras referências textuais sobre a presença dos Guató no baixo São Lourenço e adjacências foram produzidas em 1543, ano em que a expedição de Cabeza de Vaca (1984:260) foi duramente combatida por povos canoeiros estabelecidos nas proximidades do Puerto de los Reyes. Os conflitos bélicos devem ter ocorrido nas imediações de um trecho do Paraguai localmente conhecido como rio de Três Bocas, chamado em Guató de Morekum. Em 1557, pouco mais de duas décadas após a viagem do adelantado, na mesma região os Guató fizeram um ataque surpresa à expedição de Nuflo de Chavez, causando a baixa de onze espanhóis e mais de oitenta índios Guarani que acompanhavam a comitiva (Guzmán, 1980; Mello, 1958; Susnik, 1972, 1978; J. Oliveira, 1996a). Antes, porém, dos expedicionários de Assunção atingirem a porção setentrional do Pantanal, em busca das minas de prata do Peru, o famoso el dorado, povos Guarani do Itatim haviam empreendido um movimento expansionista para conquistar aquela área do alto Paraguai. Isto pode ter acontecido entre as décadas de 1520 e 1530. No entanto, foram

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derrotados pelos Guató, Guaxarapo e outros povos canoeiros que compuseram uma grande aliança para combatê-los e expulsá-los de seus territórios. Ao que tudo indica, a passagem dos Itatim pelo baixo São Lourenço talvez possa ser comprovada pela Arqueologia através da conhecida cerâmica Guarani, inclusive com pinturas geométricas em vermelho sobre branco, encontrada na superfície do terreno da parte norte da encosta do morro do Caracará, onde até o ano de 2000 residiam os irmãos José e Veridiano, filhos do cacique Caetano visitado por Max Schmidt em 1910. Naquele sítio, cuja nomenclatura oficial é MT-PO-03, a cerâmica Guarani aparece misturada a fragmentos de vasilhas da tradição Pantanal, basicamente com as mesmas características morfológicas descritas nos capítulos 5 e 6, porém pertencendo ao provável estilo Guató (vide Peixoto, 1995:79; González, 1996a:139-140; González, 1996b:98). Na localidade, as pesquisas arqueológicas ainda estão em andamento e seus resultados deverão vir a público em breve. Os poucos fragmentos do vasilhame cerâmico da tradição Pantanal analisado por González (1996a) não apresenta grandes diferenças, especialmente em termos morfológicos e do ponto de vista da capacidade volumétrica, em relação ao estudado por Migliacio (2000) para o pantanal de Cáceres; corresponde a vasilhas de contorno direto, queima predominantemente completa, tratamento de superfície alisado e antiplástico constituído por cacos moídos e conchas trituradas. Esta cerâmica é bastante distinta de outras tradições tecnológicas encontradas no chamado Brasil central, pois, como demonstrado anteriormente, sua semelhança é maior com certos estilos conhecidos para outras áreas inundáveis da região platina. Os próprios descendentes de Caetano reconhecem como dos Guató os fragmentos da tradição Pantanal encontrados na área central do assentamento, ao redor da casa e em pontos de lixeira (güetoguatchê’adá), local onde sua mãe chegou a fabricar vasilhas cerâmicas (Figura 76). Entretanto, não atribuem aos seus antepassados a produção dos painéis com arte rupestre existentes no morro, chamados pelos Guató de maku’mocoguajá. Na visão êmica dos Guató, segundo pude constatar durante entrevistas com dona Negrinha, José e Veridiano, além do que registraram Lins Neto et al. (1991), a área das imediações da confluência dos rios Paraguai e São Lourenço, conhecida como barra do São Lourenço ou Mitchevi, incluindo o morro do Caracará, a Ilha Ínsua e as lagoas Gaíva e Uberaba, chegou a ser invadida por índios canibais. Esses índios são denominados pelo apelativo Moguari, os quais causaram muitas baixas entre os Guató, porém sendo por eles e seus aliados combatidos e expulsos da região. Talvez tais índios canibais tenham sido mesmo

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os próprios Guarani do Itatim, haja vista que a antropofagia foi registrada entre povos lingüisticamente Tupi-Guarani na época colonial, amplamente conhecida na literatura. Neste sentido, tendo em vista o contexto das disputas interétnicas ocorridas na região pantaneira, bastante claras em fontes textuais seiscentistas, faz sentido pensar que ter o controle da confluência dos rios Paraguai e São Lourenço, especialmente do morro do Caracará ou Marapó (“pedreira”), significou para os Guarani a possibilidade de dominar pontos estratégicos para suas metas expansionistas. Todavia, como explicado no capítulo anterior, em seu propósito de conquista não foram bem sucedidos e acabaram recuando diante das muitas perdas humanas que tiveram por ocasião dos conflitos bélicos, sobrevivendo alguns grupos dispersos em áreas serranas como os planaltos residuais de Amolar. Portanto, em se tratando de um fato tão significativo na história dos Guató, não seria impossível se eles o tivessem transmitido oralmente às gerações mais jovens, permanecendo vivo na memória de alguns poucos anciãos dos dias de hoje. Mais de cento e cinqüenta anos depois das primeiras expedições assuncenhas, ou seja, no início do século XVIII, momento em que bandeirantes descobriram ouro no vale dos rios Coxipó e Cuiabá, os Guató do baixo São Lourenço tiveram sua população drasticamente reduzida por conta dos ataques feitos pelos paulistas. Contudo, percebendo que haviam enfraquecido a barreira que esses canoeiros mantinham contra povos chaquenhos vindos do sul, os conquistadores de São Paulo valeram-se das rivalidades interétnicas locais e consolidaram uma estratégica aliança com os Guató, através da qual puderam combater os Payaguá e Guaikuru, dois grandes obstáculos na expansão dos domínios de Portugal pelo alto Paraguai (vide Quiroga, 1838; A. Campos, 1862; Caldas, 1887; Alincourt, 1857, 1975; Barbosa de Sá, 1975; Chaves, 1968; Corrêa Filho, 1969; Bastos, 1972; Póvoas, 1995; M. Costa, 1999; Esselin, 2000; dentre outros). O episódio mais conhecido sobre essa questão ocorreu em 1725, quando a expedição de canoas comandada por Diogo de Souza foi atacada pelos Payaguá na barra do São Lourenço, ocasião em que morreram seiscentas pessoas e sobreviveram apenas dois homens, um branco e um negro. Segundo escreveu um cronista em 1775, durante o ataque esses canoeiros teriam dito que

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[...] eram Payaguás, gentio de corso que não tinham morada certa, viviam sobre as águas sustentando-se de montaria pelo Paraguai e pantanais, gente que já em outro tempo fora aldeada pelos padres missionários da Província do Paraguai, de onde haviam fugido rebelando-se contra os padres que os doutrinavam, e que enquanto os Guatós tiveram forças, não fizeram os Payaguás aventuras por serem deles acossados e que como os brancos destruíram os Guatós, fossem também destruir os Payaguás (Barbosa de Sá, 1975:18).

Outrossim, dos apelativos que constam na relação de povos indígenas elaborada por Antônio Pires de Campos, bandeirante que esteve nas minas de Cuiabá entre 1718 e 1723, alguns não necessariamente correspondem a diferentes etnias, mas a agrupamentos dos Guató nos rios Paraguai, São Lourenço e lagos Gaíva e Uberaba, dos Guaxarapo no Paraguai, acima do rio Miranda até o Taquari, e talvez dos Bororo no alto São Lourenço e Perigara. Está claro, contudo, que o Guató era o primeiro povo a habitar o antigo rio dos Porrudos, logo após a confluência com o Paraguai: Cursam os Payaguás até o rio Porrudos e dali para cima pelo dito rio Peraguás [Perigara] habitam muitos lotes de gentio, chamado o primeiro lote Guattos, outro Caracará, outro Guacharapos, outro Surucuba, Guacamão e outros Cuvaqua e Tuque; este todos vivem embarcadiços, gente de corso e sem aldeias. Vivem de montarias, o seu maior sustento é do muito arroz que colhem no seu tempo em forma que lhe chega para passarem o ano, e o mais sustento é do rio pelo muito peixe que pescam e capivaras que matam que são os porcos d’água, jacarés e sucuris que são umas cobras de estranha grandeza, e todas as mais imundícias que deu nos pantanais, nos quais cria Deus o arroz sem mais cultura que a da natureza, e são estes pantanais tudo terra alagada, que fará grandes rios que se vem ajuntar no rio Paraguai, represam as águas de sorte que faz um mar oceano, e se não conhecem as madres de tão caudalosos rios no tempo de seis meses, que dura a sua enchente, fazendo-se deste tempo a navegação para as minas de Cuiabá com mais gosto e brevidade, havendo bons práticos, e no tempo de enchente se colhe o arroz crescendo a sua palha à medida das enchentes enquanto não amadurece (A. Campos, 1862:441-442).

Provavelmente entre fins do século XVIII e primeira metade do XIX, os Guató ainda travaram muitas batalhas contra os Bororo ocidentais em franca expansão na região setentrional do Pantanal, passando por Descalvado, atingindo a confluência do Paraguai com o antigo rio dos Porrudos e dali até o alto São Lourenço e Perigara (Susnik, 1972, 1978; Wüst, 1990; Migliacio, 2000a, 2000b). Posteriormente, na segunda metade do século XIX, quando os conflitos interétnicos haviam minimizados no Pantanal e a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870) chegado ao fim, houve a propagação de fazendas de gado no vale dos rios São Lourenço e Paraguai, dentre outros, fazendo com que os Guató perdessem parte de seu território tradicional, ali mantido desde tempos pré-históricos.

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Com efeito, em 1910, ano em que Max Schmidt (1914) passou pelo baixo curso do rio São Lourenço em direção ao vale do Caracará ou Mojikum’maguato literalmente rio dos Guató, havia a sede de uma fazenda exatamente no local onde nos dias de hoje residem Júlia, a filha mais velha de Caetano, seu filho Vicente e seu irmão Veridiano, quem após a morte de José, no segundo semestre de 2000, foi morar com eles naquela localidade conhecida na cartografia como Porto do Caracará (Figuras 72, 73 e 74; Folha SE.21-V-D-VI, 1977)26. No século XIX, por exemplo, muitas famílias Guató foram vistas por aquelas redondezas, conforme registrado em relatos de viajantes como Hercules Florence, analisados no capítulo anterior. Desde o século XIX até as primeiras décadas do XX, o rio Caracará, um braço do Cuiabá, era uma espécie de refúgio seguro para os Guató, uma área ainda não transformada em fazendas de gado e relativamente distante dos viajantes não-índios que percorriam o São Lourenço, às vezes durante as revoluções, assim chamados os conflitos armados entre as oligarquias políticas do antigo Mato Grosso. Anos depois, grande parte de sua extensão passou a ser um latifúndio conhecido como fazenda Caracará, propriedade de um empresário por nome João Borges. A partir desse momento, provavelmente por conta de alguns desentendimentos mantidos com o fazendeiro, algumas famílias Guató tiveram de deixar o rio Caracará e partir para outras regiões do Pantanal, em uma verdadeira diáspora. Uma dessas famílias foi a de Domingos Maciel de Amorim, um Guató com uns oitenta anos de idade que nasceu no rio Caracará e de lá saiu para outros pontos do São Lourenço e Cuiabá. Hoje dia, depois de ter vivido com seus pais em vários locais, inclusive no Aterradinho do Bananal entre as décadas de 1920 e 1940, quase sempre expulsos pelos fazendeiros, constituiu uma extensa família em um assentamento localizado à margem direita do rio Perigara, no alto São Lourenço (557489E e 8120370N ou 16º59’59.1”S e 56º27’35.8”W). Em fins de 2000, o mesmo Domingos possuía mais de cinqüenta descendentes que viviam no interior do Pantanal, inclusive alguns parentes morando no Aterradinho do Bananal e nas cidades de Poconé e Barão do Melgaço, em Mato Grosso. Até os primeiros anos da década de 1970, o vale do Caracará e seu entorno era uma área bastante propícia para a criação extensiva de bovinos, haja vista a existência de grandes pastagens nativas. Porém, em 1974 houve uma grande enchente que modificou o regime 26

Hoje em dia, os moradores da região chamam de Porto do Caracará um lugar quase defronte à sede do IBAMA no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense.

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hídrico regional, marcado pela longa estiagem de 1962 a 1973, e anunciou a chegada de um período plurianual de cheias maiores, transformando antigos campos em banhados e baías. Esta nova realidade ambiental inviabilizou a atividade pecuária em regime de rotação, dessa forma praticada na propriedade de João Borges. Como naquela época estava crescendo a preocupação com a preservação do Pantanal, o governo federal foi pressionado pela sociedade organizada para adquirir a fazenda Caracará e transformá-la no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, doravante citado pela sigla PARNA, unidade de conservação criada através do Decreto-Lei nº. 86.392, de 24 de setembro de 1981. Este parque possui cerca de 135.000 ha de área total, correspondentes ao tamanho da antiga fazenda Caracará, grosso modo localizado entre os paralelos de 17º26’ a 17º52’S e os meridianos de 57º10’ a 57º41’W, sob jurisdição do IBAMA (Couto et al., 1975; Campello,1994; Röper, 1997, 1998, 1999). Entretanto, durante a criação do PARNA praticamente foi ignorada a longa presença de índios Guató na região, embora tenha sido aviltada a possibilidade dos painéis com arte rupestre do morro do Caracará, pertencente ao estilo Alto Paraguai, servir como atrativo para a vinda de turistas ao parque. Ainda no início da década de 1970, no local onde atualmente moram Júlia, Vicente e Veridiano funcionava a sede de uma fazenda de gado pertencente a Henrique Gattass. A propriedade também contava com uma pista de pouso para pequenas aeronaves e um provável estabelecimento comercial para a venda mercadorias a peões, pescadores, índios e outros moradores das proximidades. No tempo em que as caçadas não eram coibidas pelos governos, sobretudo até fins da década de 1960, ali deve ter funcionado um ponto de compra de peles de onças, jacarés e outros animais silvestres, às vezes adquiridas dos próprios Guató do rio Caracará. Atualmente, entretanto, quase toda a localidade permanece coberta pelas águas durante as cheias, o que a inviabilizou para a bovinocultura, ao menos da forma como tradicionalmente é praticada no Pantanal. Assim que Henrique Gattass deixou o local, foram para lá morar Júlia e seus filhos Vicente e Félix; este último, o mais jovem, acabou optando por sair do baixo São Lourenço, na década de 1980, para ir trabalhar como peão em uma fazenda de gado distante dali. Henrique Gattass, por sua vez, é parente de Miguel Abdala Gattass Orro, imigrante de origem libanesa ligado à fazenda Bela Vista do Norte, localizada na Ilha Ínsua, na fronteira do Brasil com a Bolívia, onde sua família parece ter tido relações conflituosas com os Guató que ali viviam muito antes de sua chegada. Seus herdeiros ainda hoje mantêm uma longa disputa

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judicial com o Exército Brasileiro, o qual construiu naquela área o destacamento militar de Porto Índio. Atualmente, parte da ilha foi definitivamente declarada como área indígena tradicional dos Guató, transformada em reserva indígena no ano de 1996 (M. Ribeiro, 2001). No entanto, uma parte da Ínsua permanece em litígio judicial entre o Exército Brasileiro e Mauro Gattass Pessoa, neto de Miguel Gattass. Outro antigo local de compra de peles de animais existiu na fazenda Acurizal, cuja sede foi erguida nas proximidades da serra do Amolar, denominada pelos Guató de Tchataí, propriedade que na década de 1990 foi transformada em área de preservação ambiental pertencente à Ecotrópica, uma ONG com escritório em Cuiabá. Antes de existir aquela fazenda, no entanto, o local também foi ocupado por algumas famílias Guató, as quais posteriormente chegaram a trabalhar para o pecuarista que passou a ser seu dono. Na fazenda foi encontrado um grande sítio arqueológico, à margem do rio Paraguai, onde ocorrem fragmentos de uma cerâmica que lembra a da tradição Pantanal. O sítio está situado entre as coordenadas 441481E e 8028464N ou 17º49’82.6”S e 57º33’13.3”W e parte dos cacos de vasilhas cerâmicas existente na superfície do sítio pode ser dos antigos Guató, ali vistos desde tempos coloniais. Outra vez, portanto, a criação de uma reserva ambiental não levou em conta a presença dos Guató na região, o que tem sido comum em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Segundo pude saber entre os índios do baixo São Lourenço e da Ilha Ínsua, parece que a última família Guató residente na fazenda Acurizal teve de deixá-la quando a Ecotrópica comprou a propriedade. A bem da verdade, muitas fazendas de gado no Pantanal Matogrossense ocuparam antigos territórios indígenas, especialmente as que surgiram das sesmarias do século XVIII (C. Silva & J. Silva, 1995), embora esta seja uma questão praticamente desconhecida no âmbito da historiografia regional, talvez por tratar-se de um tema polêmico que envolve questões políticas delicadas. Quando Max Schmidt esteve visitando a família Caetano, ela morava em um ponto localizado às margens do rio Caracará. Anos depois, mudou-se para outro lugar rio abaixo, onde nasceram Júlia e José. Foi naquele estabelecimento que veio a falecer o cacique Caetano, talvez entre fins da década de 1950 e meados da de 1960. Naquela época, sua família possuía um assentamento central às margens do rio, ocupado durante toda a seca, período denominado majapo’dijekum. Durante o tempo das águas, episódio de cheia chamado matchum’hogum, Caetano e sua família permaneciam em um aterro (marabohó) ou em algum

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dique fluvial existentes nas proximidades de seu assentamento central, onde residiam até as águas baixarem e eles poderem regressar para as margens do rio dos Guató (Quadro 8). Preferiam os aterros por considerá-los os melhores locais de moradia durante as enchentes. Como naquela época eram os últimos argonautas da região, puderam desfrutar de todos os aterrados e das plantações de acuri ali existentes, ao contrário do que acontecia antes da criação da fazenda Caracará, quando a área era ocupada por outras famílias. Alguns desses assentamentos foram averiguados in loco e outros avistados de perto, porém localizados os pontos de observação com auxílio de um aparelho GPS (Sistema de Posicionamento Global), o que possibilitou seu reconhecimento em fotografias aéreas e sua indicação em mapas recentes. Todos os aterrados encontrados por Schmidt (1914) foram igualmente apontados em um mapa atualizado da região pantaneira (Figura 72; Quadro 8). Em campo, todavia, não pude atingir os conhecidos marabohó, pois a vegetação aquática em muito dificultou o acesso do barco aos pontos exatos onde foram construídos. Cheguei até uns 100 m de distância dessas estruturas monticulares, o suficiente para identificá-las em fotografias aéreas, pois uma única viagem foi feita até o vale do Caracará, planejada com vistas à execução de futuras pesquisas arqueológicas. Ocorre que para realizar trabalhos de campo naquele braço do Cuiabá é preciso contar com barco a motor, guia conhecedor da área somente Veridiano e um antigo funcionário do IBAMA a conhecem em detalhes e condições para uma equipe permanecer acampada por algumas semanas. Torna-se difícil e dispendioso, por exemplo, um grupo de pesquisadores ficarem baseado na sede do PARNA e viajar de barco todos os dias ao amanhecer até a área de pesquisa, executar os trabalhos de campo e retornar ao entardecer. João Caetano, nome completo de Jagüitoga, também chamado de João Casado, foi marido de sinhá Inácia ou Tchigubé, assim conhecida, com quem teve vários filhos, dentre eles Júlia ou Mijiritu, Veridiano ou Jojotoga, José ou Joaki’kiingua, Sebastião ou Jó’ká e Artur, os três últimos já falecidos. Sebastião foi assassinado durante uma briga com um indivíduo conhecido como Santana, provavelmente de origem Guató, talvez em fins da década de 1960. Santana é pai de Ramão Santana e Silvério Santana, dois dos três responsáveis pelo assassinato de Celso Alves Ribeiro, filho de Josefina Ribeiro, irmã de dona Negrinha, ocorrido em 20/2/1982 na região do Amolar. Celso foi a grande liderança dos Guató durante os anos iniciais da disputa pela Ilha Ínsua e colaborador de Adair P. Palácio em suas viagens pelo Pantanal. Sua morte foi conseqüência de desavenças pessoais com alguns

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indivíduos e não a mando de fazendeiros locais, como a imprensa chegou a especular na época (vide Autos de Ação Penal..., 1985; M. Ribeiro, 2001). Artur, o primeiro filho adulto a falecer, morreu após sofrer um grave ferimento feito por uma capivara durante uma caçada. Alguns dos filhos de Caetano e sinhá Inácia, porém, vieram a óbito pouco tempo depois do nascimento e, ao que pude constatar, a morte de um ou mais filhos recém-nascidos ou com pouco tempo de vida era freqüente entre os Guató, ao menos durante grande parte do século XX. Também soube que Caetano e filhos trabalharam para João Borges, em geral caçando animais para vender as peles a ele ou fazendo changas (serviços temporários), sem conflitos abertos com o fazendeiro. Sinhá Inácia também trabalhou em serviços domésticos na fazenda. Com esses trabalhos conseguiam algum dinheiro para a compra de mercadorias que necessitavam: aguardente, ferramentas diversas, tecidos etc. Em alguns momentos de cheia, a família Caetano ficou estabelecida no morro do Caracará, local onde nasceu Veridiano entre fins da década de 1920 e meados da de 1930; também residiu em alguns pontos às margens do São Lourenço no tempo das águas. Júlia, José, Sebastião e Artur nasceram às margens do rio Caracará, os dois primeiros por volta da década de 1920, sendo Júlia a filha mais velha. Toda esta mobilidade foi motivada por vários fatores, dentre os quais os seguintes: procura por assentamentos seguros para residirem durante as enchentes; circulação periódica por vários assentamentos estacionais, sistematicamente ocupados quando da crescente das águas; necessidade de caçar animais para o comércio de peles; adquirir mercadorias de pequenos comerciantes ambulantes em suas embarcações, localmente conhecidos como mascates; visita a famílias de parentes e amigos afins; manutenção do próprio ethos canoeiro; e controle e reconhecimento de determinados locais. Em parte estes fatores corroboram os argumentos discutidos no capítulo anterior. Após a morte de Caetano, sua esposa e filhos foram morar em um lugar às margens do São Lourenço, onde mais tarde faleceu e foi sepultada sinhá Inácia27. Dali, finalmente, José e Veridiano foram se estabelecer no morro do Caracará, por volta do ano de 1974, onde já tinham residido anteriormente e possuíam vínculos históricos e socioculturais.

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A localização exata dessa residência não foi plotada com GPS, atendendo ao pedido feito por José e Veridiano para que não fosse divulgado o local exato onde sua mãe foi sepultada. Por isso, o que consta na Tabela 3 é um ponto próximo do antigo assentamento.

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Os poucos funcionários do IBAMA que atuavam na base do PARNA, especialmente o senhor Benjamim Dias da Silva, o mais antigo fiscal daquela unidade de conservação, mantinham relações de amizade com José e Veridiano, às vezes dando-lhes alguns produtos que necessitavam (arroz, erva-mate, pilhas, roupas, sabão etc.), além de prestarem ajuda em momentos de enfermidade. Em contrapartida, como gesto de reciprocidade e não como forma de escambo ou imposição pré-estabelecida recebiam cachos de bananas ou raízes de mandioca cultivadas no morro do Caracará. Ainda quando muito jovem, Júlia casou-se com Mané Vicente ou Joiaká e com ele foi morar em um outro assentamento distante do estabelecimento de seu pai e próximo da residência de seus sogros, também às margens do Caracará, seguindo a regra da patrilocalidade. Quando seu filho Vicente ou Joguapa era muito jovem, por volta de uns onze anos de idade, ou pouco mais, e Félix menor ainda, Mané Vicente veio a falecer e ela mudouse com seus filhos para o São Lourenço. De acordo ainda com as informações orais recolhidas, Joguapa deve ter nascido em fins na década de 1940 e, desde jovem, também trabalhou como caçador e vendedor de peles de animais até esta atividade ser coibida pelos governos. Hoje em dia, no entanto, esporadicamente presta algum serviço a turistas, em geral vendendo algum pescado. Júlia, sua mãe, há anos está completamente cega por conta de uma avançada catarata e ele é o responsável por cuidá-la. Desde que se estabeleceram no São Lourenço, quando das grandes cheias os dois vão morar no morro do Caracará, a exemplo do que aconteceu na máxima das enchentes de 1988 e 1995, a primeira a maior registrada no século XX. Tudo leva a crer que entre os membros da família Caetano, a morte de um parente foi o principal motivo para a mudança de assentamento, às vezes coincidindo com eventos de grandes cheias e fatores históricos específicos decorrentes do contato com a sociedade envolvente. Não se sabe ao certo se esta era uma prática comum entre os Guató, como aliás tem sido observado entre famílias Guarani/Kaiowá de Mato Grosso do Sul. Via de regra, no entanto, seus deslocamentos territoriais ocorreram dentro de um espaço há muito por eles conhecido. Depois de 1974, os descendentes de Caetano não regressaram para o vale do Caracará por vários motivos, especialmente porque ali havia uma situação de grande insegurança, resultado dos muitos conflitos armados entre fiscais da antiga INAMB (Instituto Nacional do Meio Ambiente) e posteriormente das polícias florestais e caçadores clandestinos

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conhecidos como coureiros. Esses conflitos pareciam uma guerra de guerrilhas em pleno Pantanal Matogrossense. E mais: alguns locais em que coureiros montavam seus acampamentos provisórios estavam dentro da área historicamente ocupada pela família Caetano. Um desses lugares está localizado entre as coordenadas UTM 478339E e 8043796N, onde foram encontrados arames de aço, chaira, panelas de alumínio, pratos e copos de metal esmaltado, colheres de metal e outros objetos abandonados durante um confronto com fiscais da INAMB, ocorrido por volta de 1980. Em suma, nota-se uma continuidade da presença Guató no baixo São Lourenço por, no mínimo, cinco séculos, tendo havido algumas interrupções motivadas por guerras interétnicas e relações conflituosas com a sociedade envolvente. Dos grupos domésticos que residiam na região até a primeira metade do século XX, apenas três descendentes do cacique Caetano permanecem na região. Daí, também, a importância das pesquisas etnoistóricas e etnoarqueológicas realizadas.

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QUADRO 8: ASSENTAMENTOS GUATÓ NO BAIXO SÃO LOURENÇO E RIO CARACARÁ. ASSENTAMENTO Aterro Guató levantado em campo, identificado em fotografia aérea e localizado em mapa da área (rio Caracará). Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910, identificado em fotografia aérea e localizado em mapa da área (rio Caracará). Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910, identificado em fotografia aérea e localizado em mapa da área (rio Caracará). Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910, identificado em fotografia aérea e localizado em mapa da área (rio Caracará).

LOCALIZAÇÃO (UTM) 470000E e 8042900N

Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910 e localizado em mapa da área (rio Caracará). Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910 e localizado em mapa da área (rio Caracará). Assentamento da família Caetano no ano de 1910, segundo por Max Schmidt, localizado em mapa da área (margem do rio Caracará). Aterro ocupado pela família Caetano em época de cheia, localizado em mapa da área (rio Caracará).

473200E e 8047800N (localização aproximada) 477200E e 8047800N (localização aproximada) 475300E e 8047800N (localização aproximada)

Assentamento estacional da família Caetano em tempos de cheia, possivelmente um dique fluvial, averiguado in loco (rio Caracará). Último assentamento central da família Caetano à margem do rio Caracará, averiguado in loco (até a morte de Caetano). Último assentamento central da família Caetano à margem do São Lourenço (até a morte de sinhá Inácia). Assentamento no lado norte do morro do Caracará (estabelecimento de José e Veridiano). Assentamento à margem esquerda do São Lourenço (estabelecimento de Júlia e Vicente).

471000E e 8041500N

472600E e 8042300N

474300E e 8040700N

479050E e 8043870N 478250E e 8043850N (localização de dois pontos próximos) 478250E e 8043850N

475780E e 8043680N

457500E 8026400N*

453025E e 8026008N (casa) 453036E e 8026007 (roça desativada) 452945E e 8026184N (roça ativada) 454305E e 8024954N

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7.2. OS DOIS ÚLTIMOS ASSENTAMENTOS Até o início do segundo semestre de 1999, apenas Júlia e Vicente moravam na margem esquerda do rio São Lourenço, lugar doravante citado como assentamento 1. José e Veridiano, seus parentes, residiam no lado norte da encosta do morro do Caracará, defronte à baía homônima, adiante mencionado como assentamento 2. Tendo em vista a realidade sociocultural observada etnograficamente, marcada por mudanças decorrentes do processo de contato com a sociedade envolvente, ambos os locais podem ser classificados como estabelecimentos permanentes, haja vista a existência de um maior grau de sedentarismo do que houve no passado, época em que os Guató do rio Caracará possuíam assentamentos centrais em momentos de seca e assentamentos periféricos ou estacionais durante a cheia. Ambos os locais estão distantes entre si cerca de 2 km em linha reta e uns 3 km por águas fluviais e lacustres. A diminuição na estratégia de mobilidade espacial, portanto, teve como conseqüência a não ocupação sistemática de assentamentos sazonais durante a crescente das águas. Apenas o morro do Caracará servia de ponto seguro para Júlia e Vicente em momentos da máxima de grandes inundações. Significa dizer, portanto, que no presente etnográfico não encontrei e jamais pensei que pudesse encontrar os mesmos corpos fluviais que navegaram no passado, como diria João Pacheco de Oliveira (1999:106). Essa situação pode ser averiguada através das estruturas e equipamentos existentes nos dois assentamentos, resultado de um acúmulo de artefatos e objetos variados em lugares continuamente ocupados por mais de duas décadas, em observância aos aportes de Kent (1991). Alguns desses artefatos, sobretudo os de metal utilizados na construção de casas e na fabricação de canoas, remos, gamelas, colheres de pau, violas-de-cocho etc., foram herdados de parentes falecidos: enxós, formões, limas, machados etc. Outros foram adquiridos de moradores locais ou comprados de mascates. De todo modo, algumas ferramentas foram transformadas em outros artefatos usados no dia-a-dia. Exemplos: uma foice que não mais servia para a roçada foi transformada em uma ponta de zagaia, arma bastante usada em caçadas de capivaras e jacarés; uma faca sem cabo doada por um turista foi recuperada ao receber um novo encabamento de madeira; garrafas de vidro vazias, com capacidade para cinco litros, serviam para armazenar água e gordura animal, assim substituindo as antigas bilhas d’água; latas de extrato de tomate e de bebidas foram utilizadas como copos no lugar das cuias de cabaça-redonda; e assim por diante. Dessa maneira, em ambos os assentamentos

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os homens estavam envolvidos em um contínuo processo de transformação de objetos variados encontrados no entorno das estruturas de habitação e no interior das casas, associados a artefatos tradicionais conhecidos etnograficamente (Quadro 11). Júlia, a única mulher Guató na região, apesar de estar cega, idosa e com a saúde debilitada, ainda participava da limpeza de peixes e da lavagem das roupas. No passado, quando sua visão não havia sido afetada pela catarata, participou ativamente de atividades econômicas ligadas à pesca, caça, coleta e cultivo, além da produção de vasilhas cerâmicas, abanos de fogo feitos de palmas de acuri e outros materiais tradicionais da cultura material descritos em Schmidt (1942a) e J. Oliveira (1996a). José faleceu na cidade de Corumbá, em fins de 1999, quando para lá havia viajado com a intenção de sacar o primeiro salário de uma aposentadoria recebida do governo federal, obtida por intermédio da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). A morte de Joaki’kiingua, como era chamado em seu idioma, ocorreu em um contexto adverso e até certo ponto polêmico, havendo informações de que ele veio a óbito por não ter recebido atendimento médico em tempo. Seu corpo foi transladado para o Pantanal e sepultado no morro do Caracará. Aquela talvez tenha sido sua primeira e certamente última viagem para Corumbá. Por esse motivo, como explicado anteriormente, hoje em dia Júlia, Vicente e Veridiano estão morando no assentamento 1, pois o assentamento 2 foi abandonado após a morte de José, permanecendo apenas como sítio arqueológico. Por outro lado, esta situação demonstra o quanto os laços de parentesco e a solidariedade são importantes na organização social tradicional dos Guató, uma vez que neste caso continua sendo regra uma família receber e cuidar de um parente solitário em sua velhice, como, aliás, registraram alguns viajantes e etnógrafos ao longo dos séculos XIX e XX. O assentamento 1 foi implantado sobre a sede de uma antiga fazenda de gado desativada com a grande cheia de 1974. Um pouco antes, porém, no local foram depositados sedimentos do fundo rio, extraídos com auxílio de uma draga mecânica, e posteriormente erguida uma estrutura de alicerce, construída com rochas calcárias retiradas do morro do Caracará, tijolos maciços e cimento fabricados em Corumbá. Sobre o alicerce seria erguida uma imponente edificação de alvenaria, a qual não chegou a ser iniciada. No mesmo lugar há duas sólidas estruturas, construídas de maneira semelhante a do referido alicerce, onde outrora funcionaram um chiqueiro e um mangueiro, termo regional usado para designar pequeno

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curral. Talvez o processo de aterramento daquela antiga sede de fazenda, com vistas a torná-la mais elevada e assim protegida das inundações anuais, possa ter encoberto evidências arqueológicas da ocupação indígena mais antiga naquele trecho do São Lourenço, uma área onde a mata ciliar original foi derrubada e as mangueiras de longe podem ser avistadas. Logo que Júlia e Vicente foram para morar naquela localidade, inicialmente residiram em uma antiga casa de madeira coberta com telhas francesas, lugar em que funcionava o pequeno estabelecimento comercial da fazenda. Eles reformaram a casa utilizando troncos de tucum (Bactris glaucescens) para consertar parte do revestimento parietal que havia deteriorado com o tempo. Alguns anos depois, com os materiais desta casa e outros que ali tinham sido deixados, além de placas de madeira compensada adquiridas de moradores nãoíndios das proximidades, iniciaram a construção de uma residência maior, com dois cômodos, sobre a área mais elevada do assentamento, aquela que serviria de base para a planejada edificação de alvenaria. Ao lado da estrutura de alicerce mantinham uma pequena roça estacional, utilizada para o cultivo de mandioca (Manihot esculenta), plantada na vazante, assim que as águas renovam a fertilidade do solo com a deposição de matéria orgânica (Figuras 72, 74 e 75). Este tipo de agricultura sazonal lembra a forma de plantio estacional registrada desde os tempos de Cabeza de Vaca (1987) para alguns povos canoeiros, conforme tratado no Capítulo 5. O assentamento 2, por seu turno, foi implantado sobre o grande sítio arqueológico multicomponencial MT-PO-03, para o qual foi obtida uma data radiocarbônica de 820±60 AP (Beta-118269), referente ao nível 60-80 cm das camadas culturais, resultado das pesquisas arqueológicas em andamento no baixo São Lourenço. Esta data pode estar associada à presença dos Guató no Pantanal séculos antes do início da Conquista Ibérica. Há, porém, a possibilidade de haver datas ainda mais recuadas, pois o primeiro momento da ocupação préhistórica do sítio está a 2 m de profundidade, nível em que ocorre o mesmo estilo cerâmico encontrado nas camadas superiores, pertencente à tradição Pantanal. Curiosamente, o início da ocupação do local está associado ao surgimento de um solo mais fértil, graças à deposição de matéria orgânica, fato este que favoreceu o crescimento de uma cobertura vegetal na área e tornou o terreno mais apto para o cultivo. Tendo em vista as datações absolutas obtidas para a presença de grupos ceramistas em alguns aterros estudados por Migliacio (2000a) no pantanal de Cáceres, mais ao norte, faz

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sentido pensar que o início da ocupação indígena do morro do Caracará possa ter acontecido entre 2.000 e 1.500 AP. O estabelecimento está localizado na encosta norte de um morro isolado, ponto protegido das inundações, estratégico para o controle da região e inserido entre uma densa vegetação arbórea. Até o ano de 1998, no assentamento 2 também havia uma roça de mandioca (Manihot esculenta) plantada por José e Veridiano, além de uma pequena área desativada para a agricultura, cujo solo estava descansando por uns três anos para ser novamente trabalhado, exemplo de cultivo rotativo semelhante ao dos Tukâno (Chernela, 1997). Diferentemente das margens do São Lourenço, onde o plantio é sazonal, no morro do Caracará a agricultura raramente sofria interrupções por causa das cheias e a mandioca ou mamá, o único cultivo na época das pesquisas, era considerada o pão da terra, como muitas vezes José e Veridiano se referiram à planta pelo fato de poderem consumi-la durante todo o ano. Até 1996, porém, chegaram a cultivar milho (Zea mays) na roça desativada, mas a plantação geralmente necessitava de maiores cuidados, o que era custoso diante da idade avançada dos dois irmãos. A limpeza dos terrenos era feita por meio da técnica de corte-equeima, conhecida como coivara, também muito recorrida na Amazônia para o cultivo da espécie Manihot esculenta (Morán, 1990:208). O procedimento utilizado é o seguinte: derrubada, amontoamento, secagem por dias e finalmente queima da vegetação; uso de enxada para afofar a terra fazer as covas onde são plantadas as ramas de mandioca. Isto posto, avalio que em um passado não muito distante, sobretudo o conhecido historicamente, duas formas de agricultura eram praticadas pelos Guató: o cultivo sazonal em assentamentos periodicamente inundados e o cultivo rotativo em pontos protegidos dos alagamentos, o que sugere distintos graus de sedentarismo e padrões de mobilidade espacial. Sobre a raiz mandioca, foi observado que era mais apreciada cozida, embora dela fizessem uma farinha chamada mati. O primeiro passo do processo de fabricação da farinha consiste em retirar as cascas e ralar as raízes em raladores (matché’kumam) feitos de finas chapas de telhas de zinco, desamassadas, furadas com prego e fixadas em uma madeira retangular. O segundo passo resumi-se em torrar a mandioca ralada em grandes assadeiras (matchagá’tahaki) de formato retangular, feitas de antigas telhas de alumínio desamassadas, cortadas e dobradas. O produto final é uma farinha grossa, rica em amido, ligeiramente torrada e mais apreciada com carne assada ou frita de jacaré e capivara, em separado e não

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misturada. Na literatura etnoistórica e etnológica do século XVI ao XIX, nada consta sobre o uso de farinha de mandioca entre os Guató, o que sugere ter sido uma adaptação resultante de um conjunto de fatores, dentre os quais a perda de grande parte de seu território tradicional e o conseqüente impacto ambiental nele registrado, impossibilitando a coleta de espécies ricas em amido como arroz-do-pantanal (Oryza latifolia) e sementes de vitória-régia (Victoria amazonica), sobretudo o primeiro, cujos grãos eram facilmente estocados (vide J. Oliveira, 1996a). José e Veridiano explicaram que no passado coletavam arroz-do-pantanal em baías e banhados da região, o suficiente para meses ou para o ano inteiro, espécie esta que não mais ocorre como antes naquelas redondezas, inclusive por conta das conseqüências da criação de gado nas antigas fazendas da região. Além disso, sementes de vitória-régia também eram coletadas em tempos de cheia (Quadro 9). Nos dois estabelecimentos, a estrutura habitacional era e continua sendo para o assentamento 1 o principal ponto de referência para a distribuição espacial das demais estruturas, assim como também para as lixeiras, havendo em seu entorno várias espécies florísticas, dentre elas muitas árvores frutíferas e algumas plantas medicinais (Figuras 75 e 76; Quadro 9). No caso do assentamento 1, em específico, a arquitetura da casa destoa um pouco da tradicional movir, principalmente por conta dos materiais com que foi erguida, assim construída para durar mais tempo. Segue, porém, o conhecido padrão de planta baixa retangular, baixa altura e cobertura do tipo duas águas (Schmidt, 1914, 1942a). Ali não tive explícita autorização para averiguar os detalhes de seu interior e por isso não consta neste trabalho um desenho detalhado dessa estrutura de habitação. No assentamento 2, porém, a habitação seguia o padrão arquitetônico conhecido etnograficamente, embora tivesse havido a substituição da cobertura original de folhas de acuri por telhas de zinco e alumínio doadas por um funcionário do PARNA, bem como a presença de um revestimento parietal. Em 1998, a casa estava em precário estado de conservação, sobretudo as paredes laterais, havendo madeiras soltas e com cupins. A situação tinha chegado a este nível por conta da idade avançada e as conseqüentes debilidades da saúde dos dois irmãos: José constantemente queixava-se de dor de cadeira e Veridiano há algum tempo estava sofrendo de um provável mal de Parkinson.

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As amarrações em caibros, esteios, frechais e cumeeira haviam sido feitas através de encaixes em forquilhas, enlaçamentos com arames e cipós (vermelho e tripa-de-galinha), havendo ainda o uso de pregos. Várias madeiras foram empregadas na construção: aroeira (Astronium urundeuva) e gonçalo (Astronium fraxinifolium) para os esteios centrais, enterrados em buracos entre 50 e 70 cm de profundidade; angico (Anadenanthera colubrina), aroeira, cabrito ou cabriteira (Rhamnidium elaeocarpum), canela-preta (Ocotea suaveolens) e gonçalo para os esteios periféricos, enterrados em buracos de igual profundidade em relação aos esteios centrais; cambará (Vochysia divergens) para a cumeeira; fruta-banana e ingá (Inga urugüensis) para os frechais; marmelada (Alibertia sessilis) para os caibros; pindaíva (Xylopia aromatica) e fruta-banana para as ripas; e mulateiro (Albizia niopioides), carandá (Copernicia Alba) e outras espécies para os esteiros umbrais e o revestimento parietal (Quadro 9)28. Na maior parte do dia eles permaneciam do lado de fora da residência, exceto durante as chuvas. À noite dormiam sobre um estrado de madeira ou uma antiga pele de cervo (Blastocerus dichotomus), colocados diretamente sobre o chão, próximo dos quais haviam pequenos esteios para amarrar mosquiteiros não-tradicionais. Alguns cães também dormiam dentro da casa, em uma pequena depressão do terreno com uns 5 cm de profundidade. Próximas à porta haviam pedras delimitadoras (mapana), isto é, rochas calcárias que levavam para dentro da habitação quando chovia, servindo para o fogão (mahetá), estrutura onde colocavam lenha e faziam fogo (matá) para preparar a comida (Figura 81). Esse fogão, porém, era mais usado para esquentar água (madum) para o mate, bebida feita com erva-mate ou morajetae (Ilex paraguaiensis) utilizada para tereré, comprada de mascates ou doada por funcionários do PARNA, na época servida em guampas (matogakam) e no passado também em cuias (motchiguetum), tomada através de uma bomba ou matchekam (canudo de metal). O mate geralmente era servido pela manhã, por volta das 8 horas, e às vezes ao anoitecer, em torno das 18 horas, momentos de longas conservas29. Depois do último mate, fumavam tabaco em cachimbos cerâmicos feitos por eles próprio e depois deitavam para dormir por volta das 20 horas. Em algumas ocasiões, todavia, o fogão era acesso sem 28

Os termos utilizados para explicar a arquitetura das casas Guató foram padronizados em M. H. Costa & Malhano (1997) e Malhano (1997). O nome científico de algumas plantas citadas neste trabalho foi obtido do livro Plantas do Pantanal (A. Pott & V. Pott, 1994) e do relatório final do projeto Diagnóstico sócio-ambiental da área indígena Guató – Ilha Ínsua (Araújo, 1998), do qual participei. 29

Como essa bebida tornou-se um hábito diário, às vezes não tendo erva-mate suficiente para algumas semanas, era comum usarem a mesma erva duas ou três vezes. Para isso, espalhavam a erva usada em assadeiras por eles feitas de telhas de alumínio, também utilizadas para torrar a farinha de mandioca, expondo-a ao sol para secar e ser novamente utilizada.

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pedras delimitadores, apenas com achas de lenha dispostas radialmente, as quais apoiavam uma chaleira (mago’vaí) de alumínio. Sobre a fabricação de cachimbos ou maté’gui é uma atividade tanto masculina quanto feminina, cujo processo de confecção envolve os seguintes passos: 1º) coleta de um barro de tonalidade vermelho escuro e com a menor quantidade possível de areia, encontrado nas proximidades dos assentamentos (em janeiro de 1998, José distanciou-se aproximadamente 200 m da casa para coletar barro na margem da lagoa); 2º) retirar do barro todo tipo de impurezas como folhas e raízes; 3º) moldar a argila, sem adicionar tempero algum, até adquirir a pré-forma desejada para o produto final; 4º) deixar secar por umas vinte e quatro horas à sombra, no interior da casa, e em seguida por umas duas horas ao sol; 5º) esculpir o barro interna e externamente (paredes laterais, fornilho e chaminé) com um auxílio de uma pequena faca pontiaguda até o acabamento final, fazendo o orifício interno da chaminé com a própria ponta da lâmina; 6º) preencher a parte interna (fornilho e chaminé) com cinzas (matoratá) e colocar o cachimbo no centro do fogão principal, cobrindo-o com cinzas, brasas e lenha, o que pode acontecer pouco antes do preparo da refeição, sempre tomando cuidado para evitar a entrada de ar; e 7º) deixar a queima durar por umas quatro horas ou pouco mais, dependendo do artesão. Depois de pronto, o cachimbo adquiri coloração avermelhada, mais clara que o barro original; com o tempo de uso o cachimbo tende a ficar cinza escuro. Feito isto, como piteira não procuravam a madeira de uma árvore específica, servindo-se daquela que estiver mais próxima, desde que o miolo interno possa ser extraído com um arame. É provável que cachimbos Guató tenham existido desde a pré-história, indício do cultivo de fumo ou de sua aquisição através de trocas com outros grupos, porém morfologicamente distintos das formas agora conhecidas, semelhantes aos produzidos por comunidades tradicionais como a dos morroquianos da serra das Araras, Mato Grosso (J. F. Costa, 1997). Estes aportes, todavia, podem contribuir para uma melhor compreensão do registro arqueológico, a exemplo do que propuseram Garlet & Soares (1995, 1998) para o estudo dos cachimbos Guarani, tendo como exemplo os confeccionados pelos atuais MbyáGuarani do Rio Grande do Sul. Outrossim, com qualquer tipo de barro, sem maiores cuidados com as impurezas, faziam ainda pelotas (padogopinu) que eram secadas ao sol e serviam para caçar pássaros com bodoque (madogopinu), quando as aves pousavam em árvores próximas da estrutura de habitação. No caso do barro encontrado para sua confecção ser muito mole, acrescentavam

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cinzas como tempero. Mas na época das pesquisas a caça de pássaros não era uma atividade de grande importância para a subsistência dos Guató no baixo São Lourenço, sendo uma atividade poucas vezes bem sucedida diante da idade avançada daqueles argonautas. Em nenhum momento observei Vicente derrubando algum pássaro, embora quase que diariamente tentava abater alguma ave que pousava nas mangueiras do assentamento 1. Retomando a descrição da casa de José e Veridiano, dentro dela, amarrado nos frechais, havia cordas que serviam de pequenos varais para pendurar roupas e prender sacos plásticos com seus pertencentes. Cada um tinha seu próprio varal. No tempo das águas, quando a quantidade de mosquitos é surpreendente, utilizavam ainda o fogão para queimar cupinzeiros e assim afugentar os insetos. Apenas a parte dos fundos da casa estava protegida com folhas de acuri, palmeira muito abundante no assentamento 1. Tábuas também estavam encaixadas nos frechais, servindo de estantes suspensas para guardar objetos variados. Um pequeno estrato suspenso por estacas com forquilhas, de baixa altura em relação ao nível do solo, servia ainda de depósito para alimentos (arroz, farinha de mandioca, sal e outros) e utensílios diversos. Ainda no interior da casa havia um pequeno altar de madeira com imagens de santos católicos, herdadas de sinhá Inácia, quem por sua vez as recebeu da esposa de João Borges. Em cima do altar havia uma lata com fumo comprado de mascates e uma lamparina à querosene que acendiam ao anoitecer. Aparentemente os santos simbolizavam uma proteção da casa contra uma espécie de demônio, chamado Kinikinim, personagem sobrenatural que diziam caminhar à noite pelo morro, apesar de não gostarem de falar muito a seu respeito. Próximo à porta, do lado de fora da casa, havia um jirau (madaja) que servia de mesa (maji’jarô) para guardar garrafas d’água com capacidade para 2 e 5 litros, facas e outros objetos. O piso da casa estava compactado por conta do pisoteio e apresentava-se levemente acima do nível do terreno em volta, entre 5 e 10 cm de altura, por raramente sofrer alguma ação de águas pluviais (Figura 81). No assentamento 1 também havia um fogão com pedras delimitadoras no interior da estrutura de habitação, estrados para dormir e muitos outros objetos pessoais. Via de regra, em cada assentamento havia um fogão principal fora da casa, com rochas calcárias que serviam de pedras delimitadoras, onde colocavam achas de lenha, às vezes em posição radial. Nesses fogões, as panelas maiores eram apoiadas nas pedras e as menores colocadas diretamente sobre a lenha. Ao redor do fogão principal haviam bancos de madeira (mikô’badá), sempre posicionados de acordo com a sombra das árvores; os maiores do

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assentamento 1 também serviam para o descanso da sesta. Quando acumulava muita cinza nos fogões, esta era jogada nas lixeiras. Em uma pintura de Hercules Florence (1948) e nos registros fotográficos e descrições etnográficas de Max Schmidt (1912, 1914, 1942a), apresentados anteriormente, não aparecem pedras delimitadoras em fogões, talvez porque esta forma de estrutura de combustão fosse pouco usual em assentamentos distantes de morros isolados e áreas serranas. O mais comum eram fogueiras com achas de lenhas dispostas radialmente para apoiar as panelas cerâmicas. Permanece, contudo, a preocupação em manter o fogo aceso diuturnamente, pois é ao redor dele que os parentes se reúnem para tomar o mate e fazer sua principal refeição, o almoço, em geral realizada entre às 13 e 14 horas. Manter o fogo acesso, portanto, também significa manter unido e coeso o grupo doméstico. Durante o almoço, ossos de animais eram lançados para os cães (mavê), a uma distância de até uns 2 m em relação à posição do banco, e estes animais de estimação causavam grande impacto negativo sobre os restos faunísticos, como conhecido na Arqueologia (vide Hudson, 1993). Ossos de bugios (Alouatta caraya), capivaras (Hidrochaeris hidrochaeris) e jacarés (Caiman crocodilus yacare), encontrados no assentamento 1, estavam distribuídos aleatoriamente no espaço, levados pelos cachorros, excetos os varridos para a lixeira. Os ossos maiores apresentam nítidas marcas de mastigação na parte das cartilagens e nas epífises; os menores (metacarpos, metatarsos etc.) foram completamente triturados durante a mastigação. No assentamento 2, ossos de capivaras e jacarés também foram encontrados nas mesmas condições. No assentamento 1, grande quantidade de ossos de peixes, principalmente de piranha (Pygocentrus nattereri), a principal fonte de proteína animal para os Guató do baixo São Lourenço e da Ilha Ínsua, bem como para a subsistência de pescadores do pantanal de Poconé (R. D. Oliveira & Nogueira, 2000), era completamente mastigada pelos cães, permanecendo no solo algumas costelas, pequenos ossos da parte lateral crânio e muito raramente alguma vértebra. Nenhum otólito, osso importante na identificação de espécies de peixes em estudos arqueozoológicos, foi visto na superfície do terreno. Nas fezes desses animais domésticos, contudo, apareciam pequenos ossos triturados, porém sua dispersão geralmente se dava fora da área central dos assentamentos, por entre a vegetação arbórea e o bananal, ou nas lixeiras. Ademais, de um dia para outro diminua significativamente a quantidade de ossos de peixes

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existente no chão, pois formigas transportavam parte deles para o interior do solo, associandoos a evidências materiais da ocupação pré-histórica do morro do Caracará. Cabe esclarecer que as lixeiras são pontos específicos para a deposição de material descartado (artefatos de madeira inutilizados, cápsulas vazias de projéteis calibre 22, garrafas plásticas, latas de alimento, pilhas usadas em lanternas, sacos plásticos, embalagens de papel etc.), além de ossos de animais que serviram de alimento, galhos, folhas e sementes de árvores do próprio lugar, grânulos de carvão e cinzas dos fogões, além de fezes dos animais domésticos, dentre outras coisas para lá varridas. No caso do assentamento 2, por ter sido implantado sobre um sítio arqueológico, para as lixeiras também eram varridos cacos de vasilhas cerâmicas, artefatos líticos e sedimentos da camada superficial, às vezes formando pequenas elevações com uma altura que atingia até uns 50 cm. Periodicamente, ateavam fogo nesses locais e por isso parte dos ossos lá encontrados apresentava marca de queima pósdescarte. Para os Guató, os cachorros são de grande importância para a proteção dos assentamentos, pois era comum escutá-los à noite alarmando sobre a presença de algum animal silvestre, principalmente capivaras e onças-pintadas, estas últimas com uma expressiva população no baixo São Lourenço e principalmente no vale do Caracará, regiões onde o homem pouco atua como seu maior predador. Os cães também eram usados em caçadas de capivaras, geralmente nas matas ciliares do São Lourenço e margens lacustres da lagoa do Caracará. Nessas empreitadas, algumas vezes um dos cães sofria ferimentos devido ao ataque desses roedores, quando acuados, podendo vir a morrer. Na literatura etnoistórica, a presença de cães entre os Guató foi retratada desde a primeira metade do século XIX (vide Florence, 1948), porém a introdução desses animais deve ter sido intensificada um pouco antes, a partir do século XVIII, a partir dos primeiros os contatos mantidos com os conquistadores de São Paulo. Significa dizer, por exemplo, que em muitos sítios arqueológicos existentes no vale do rio Caracará, sobretudo nos níveis referentes à ocupação Guató mais recente, a dos últimos três séculos, poderá haver uma desproporcionalidade entre restos faunísticos, decorrente da presença de cães domésticos naqueles assentamentos. Em 1997, observei que Júlia e Vicente possuíam cinco cachorros (mavê), dois gatos (marotcha) e um pato doméstico (mochá), este último criado como animal de estimação e não para fins de alimentação, embora dissessem haver alguns outros gatos dispersos pela mata

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ciliar. José e Veridiano, por sua vez, tinham quatro cães e um gato. Felinos domésticos também são importantes para os Guató porque evitam que ratos possam se instalar nas casas. Mais recentemente, em abril de 2002, uma equipe de ambientalistas passou pelo assentamento 1 e constatou a presença de cinco cachorros e cerca de quarenta gatos, incluindo os animais que Veridiano deve ter levado consigo quando foi morar com Júlia e Vicente (Ishy, 2002). Talvez este seja um número superestimado para os felinos, pois implicaria em terem de capturar mais peixes para alimentar uma grande quantidade de animais. No assentamento 1, peixes cozidos eram dados aos cães em couraças ou barrigadas de jacarés (mibe’ku) que lembram gamelas; no assentamento 2 eram servidos em vasilhas plásticas e de alumínio, algumas improvisadas a partir de velhos capacetes usados em construção civil. Portanto, quanto mais animais domésticos houver, mais peixes terão de ser pescados para sua alimentação. Com efeito, se algum arqueólogo desconhecedor dessa realidade etnográfica for analisar os restos faunísticos existentes na superfície do assentamento 2, em princípio poderá ter a falsa impressão de que José e Veridiano se alimentavam mais de jacarés e capivaras do que de peixes. Além disso, como era comum atearem fogo nas lixeiras, por conta do acúmulo de folhas secas e materiais descartados, ossos de animais ali aparecerão calcinados, resultado da queima pós-descarte e não da queima durante o preparado dos alimentos, pois eles preferiam alimentos ensopados a que alimentos fritos ou assados. Das outras estruturas correlatas verificadas nos dois assentamentos, destacam-se os jiraus, feitos de troncos de árvores e tábuas, que serviam de mesas, situados nas proximidades das estruturas de habitação e combustão, seguidos de plataformas (magaho) construídas da mesma forma, posicionadas à beira d’água, sobre as quais lavavam roupas e limpavam peixes. A plataforma construída por José e Veridiano estava suspensa sobre quatro esteios com forquilhas e a de Júlia e Vicente estava apoiada na estrutura de alicerce, ambas mudando de lugar de acordo com o nível das águas. Jiraus, aliás, são estruturas comuns em muitos estabelecimentos de populações indígenas e comunidades tradicionais (Velthem, 1987; J. F. Costa, 1997). No assentamento 1, uma espécie de plataforma tinha sido improvisada com duas velhas canoas, sobre as quais havia uma porta; em cima dela Júlia permanecia sentada durante várias horas do dia.

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Árvores de grande porte ao entorno das estruturas de habitação nos dois assentamentos também serviam de locais para guardar objetos variados: caniços (varas de pescar com linha e anzol), machados, mãos-de-pilão, pedras para afiar lâminas (rochas areníticas), quedracoquinhos (bigorna de arenito), rastilhos, remos, zagaias, zingas e outros (Quadro 11). A respeito das árvores, quando Júlia e Vicente instalaram-se no assentamento 1, havia pequenas mangueiras (Mangifera indica) no local. Outras cresceram por conta da dispersão de sementes em alguns pontos do estabelecimento. No caso do assentamento 2, além de mangueiras, outras espécies frutíferas, exóticas ou não, haviam sido plantadas no lugar pelos seus antepassados ou por empregados que trabalharam na antiga fazenda Caracará. Em ambos os casos, observei que sementes eram propositalmente varridas para as lixeiras, onde algumas delas a exemplo das descartadas após o consumo da poupa do fruto acabavam germinado. Esta é a explicação para a presença de pequenas palmeiras acuris encontradas em pontos de deposição de lixo, mais uma variável a ser considerada no estudo das espécies florísticas existentes em antigos assentamentos Guató, inclusive em aterros, conforme tratado por Schmidt (1951) e J. Oliveira (2001d). Quanto ao bananal do morro do Caracará, uma parte foi plantada na década de 1970 por um funcionário do PARNA e outra por José e Veridiano. Três variedades foram cultivadas: banana-maçã, banana mariquita e banana d’água, predominando a primeira; a terceira variedade, bastante apreciada em ensopados de peixes, tinha sido cultivada pelos dois irmãos (Figuras 76, 79 e 80; Quadro 9). Em termos de consumo de proteína animal, a subsistência desses argonautas continua fortemente ligada à pesca, principalmente de piranha (Pygocentrus nattereri), a espécie mais capturada no curso inferior do São Lourenço e na lagoa do Caracará, assim como também em grande parte do Pantanal. O pacu (Piaractus mesopotamicus), no entanto, segue sendo o peixe mais preterido. Esta situação em grande parte decorre do impacto negativo causado pela pesca profissional e pelo turismo predatório na região. No caso do curso inferior do São Lourenço, em épocas de temporada de pesca o local passa a ter um grande movimento de barcos a motor, localmente conhecidos como voadeiras. São embarcações pilotadas por pantaneiros experientes que levam turistas de vários partes do Brasil e do exterior a locais favoráveis para a captura de peixes nobres, principalmente cacharas (Pseudoplatystoma fasciatum), dourados (Salminus maxillosus), pacus (Piaractus mesopotamicus)

e

surubins

(Pseudoplatystoma

corruscans),

às

vezes

pescados

clandestinamente na área do PARNA. Acontece que naquela unidade de conservação os

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funcionários do IBAMA vêm tendo grande dificuldade em coibir este tipo de contravenção, principalmente pela falta de mais pessoal e infra-estrutura para fiscalizar uma área de considerável extensão. Além disso, toda essa movimentação de barcos acaba por afugentar certas espécies de peixes e prejudicar a pesca dos Guató, assim como também acontece na lagoa Uberaba e no canal Dom Pedro II com os índios da Ilha Ínsua. O mesmo ocorre com capivaras (Hidrochaeris hidrochaeris) e jacarés (Caiman crocodilus yacare) que acabam ficando mais ariscos, como se diz regionalmente, durante esse período, tornando mais difícil e dispendioso as caçadas (Quadro 10). Ao acompanhá-los em várias pescarias e localizar os pontos mais freqüentados para a captura de peixes, constatei que José e Veridiano em geral não se distanciavam por mais de 2 km de seu assentamento, da mesma forma quando raramente saíam para caçar durante a noite. Vicente, por sua vez, geralmente afastava-se até 4 km rio acima e de lá descia pescando de um lado a outro do rio; em algumas noites chegava a percorrer uma distância aproximada em busca de jacarés e capivaras, rio abaixo. Ele, porém, preferia não pescar na lagoa do Caracará, às vezes chegando até a boca da baía, ponto da entrada pelo São Lourenço. Na verdade, considerava a lagoa a área de captação de recursos de seus tios, o que exemplifica a existência de uma regra referente ao reconhecimento do território de outros indivíduos vizinhos, ainda que aparentados por laços de consangüinidade, evitando assim eventuais conflitos internos. Nas ocasiões em que se visitavam, cerca de uma vez a cada dois meses, exceto em casos de doença, sempre levavam consigo algo para dar aos seus parentes: ramas de mandioca e cachos de bananas de suas plantações, erva-mate e fumo comprados de mascates, dentre outras coisas, mantendo assim fortes laços de reciprocidade e solidariedade entre eles. Quando Vicente saía para pescar, quase sempre levava em sua canoa o seguinte equipamento: arpão (mabun’jê), caniço (madaki) com linha (machatchaki) e anzol (maki), carabina calibre 22 (matê), cuia de cabaça (michi’guepê), faca (maché’vaí) com chaira (metchai’vevô) e bainha de couro, facão (matoché’vaí), porrete (maragüê) para matar peixes, remo (makum), zagaia (majê) e zinga (motchô’adá). Seus momentos de pescaria também serviam para recolher lenha na mata ciliar, preferencialmente ingá. Inicialmente usava como isca um pedaço de carne frita de capivara ou de um peixe pescado no dia anterior, para então poder capturar uma primeira piranha e cortá-la em pequenos pedaços, obtendo assim mais iscas. No assentamento 2 era usado o mesmo equipamento durante as pescarias, exceto o

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machado porque a lenha era obtida na encosta do morro, nas proximidades da estrutura de habitação. Quando José saía para pescar, Veridiano permanecia em terra para depois ajudá-lo na limpeza dos peixes, e vice-versa: retiravam as escamas de piranhas, pirambevas e pacus com um ralador (lata de sardinha com furos de prego), depois cortavam as nadadeiras e abriam a barriga para a tirada de vísceras e guelra, separando a gordura e as ovas; em seguida retalhavam os peixes com finos cortes de uns 3 mm acompanhando o sentido das costelas e dividiam as piranhas em três postas de uns 5 cm de largura, não desperdiçando as cabeças para os ensopados. Aquele que pescava não preparava a comida, uma forma de divisão das tarefas domésticas. A gordura de peixe era derretida na panela antes de refogar as postas para depois ensopá-las. As ovas eram cozidas com as outras partes dos peixes e apreciadas como iguarias. As demais partes das vísceras eram dadas aos cães durante a limpeza dos peixes. Quando precisavam de adesivo para madeira, separavam bexigas natatórias de piranhas, abrindo-as ao avesso e esfregando-as com as mãos; depois deixavam cozinhar com um pouco d’água até formar a conhecida cola de peixe ou matchá’hengaho, muito usada na fabricação de violas de cocho, instrumento de provável origem jesuíta muito popular em Mato Grosso. A comida dos animais domésticos era preparada em separado, geralmente piranhas de médio tamanho e pirambevas, apenas sem escamas e víceras. A limpeza dos peixes continua sendo feita com auxílio de uma faca afiada e pontiaguda e uma lata de sardinha com vários furos de prego, usada para escamar pacus, piranhas, pirambevas e algum outro peixe. Após retirarem as escamas, abriam a barriga e retiram as vísceras, separando as ovas e dando aos cães o restante; corta-se as nadadeiras . O peixe era rapidamente refogado na panela, depois acrescendo sal e água até cobri-los. O arroz era apenas cozido com sal. Nos dois assentamentos, em média oito piranhas de 500 gramas era suficiente para dois dias, o que poderia corresponder a dois pacus de 2 quilos cada. Por outro lado, em média a mesma quantidade em peso era destinada aos cães e gatos. Chega a ser surpreendente o fato deles terem uma única refeição por dia, a do almoço, quando consomem uma considerável quantidade de comida, embora os dados apresentados na Tabela 3 correspondam ao peso bruto, não tendo descontado o caldo e os ossos de peixes descartados. E ainda quando há frutas maduras nos assentamentos, como manga e fruta-banana, estas são mais consumidas à tarde, horas após a refeição principal.

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A pesca geralmente é uma atividade diária que leva umas duas horas, na maioria das vezes no período das 10 às 12 horas, de acordo com o planejamento das atividades diárias, mais feita com caniço do que com linha de mão. Mas ao contrário do que possa sugerir à primeira vista, este não é apenas um momento de ação do homem predador; é também uma ocasião para investigar o ambiente, observar o comportamento de alguns animais a serem caçados, especialmente capivaras, jacarés e bugios, pensar sobre as atividades a serem realizadas posteriormente e tomar ciência sobre a eventual presença de indivíduos estranhos na área. Também nessas ocasiões, em períodos de cheia, principalmente no início, coletam ovos de jacarés (majo’tá) e uma espécie de caramujo chamada mahá (Pomacea canaliculata) que servem de alimentos por poucos dias, mais como uma forma de complementar a alimentação. No caso de Vicente, antes da pescaria ele sempre apanhava lenha na mata ciliar, principalmente galhos e troncos de ingá (Inga urugüensis), atividade que poderia levar até cerca de uma hora. Quase todos os anzóis (maki) usados são feitos por eles próprios a partir de molas de cama e arames grossos que são colocados diretamente ao fogo, depois batido, moldado até adquirir o tamanho e forma desejada, fazendo a farpa com uma pequena lima retorná-lo ao fogo para posteriormente ser temperado em água fria. Este tipo de anzol artesanal é conhecido regionalmente como anzol volteado e bastante popular entre pescadores profissionais. Ao acompanhá-los em várias pescarias e localizar os pontos mais freqüentados para a captura de peixes, constatei que José e Veridiano em geral não se distanciavam por mais de 2 km de seu assentamento, da mesma forma quando raramente saíam para caçar durante a noite. Vicente, por sua vez, afastava-se até 4 km rio acima e de lá descia pescando; em algumas noites chegava a percorrer uma distância aproximada em busca de capivaras e jacarés, rio abaixo. Ele, porém, preferia não entrar na lagoa do Caracará por considerá-la a área de captação de recursos de seus tios, o que exemplifica a existência de uma regra referente ao reconhecimento do território de outros indivíduos vizinhos, ainda que aparentados por laços de consangüinidade. Das vezes em que se visitavam, cerca de uma vez a cada dois meses, exceto em casos de doença, sempre levavam consigo algo para dar aos seus parentes: ramas de mandioca e cachos de banana de suas plantações, erva-mate e fumo comprados de mascates, dentre outras coisas, mantendo assim fortes laços de reciprocidade e solidariedade entre eles.

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Quando Vicente saía para pescar, levava em sua canoa o seguinte equipamento: arpão (mabun’jê), caniço (madaki) com linha (machatchaki) e anzol (maki), carabina calibre 22 (matê), cuia de cabaça (michi’guepê), faca (maché’vaí) com chaira (metchai’vevô) e bainha de couro, facão (matoché’vaí), porrete (maragüê), remo (makum), zagaia (majê) e zinga (motchô’adá). O momento da pescaria também era ocasião de coleta de lenha, na mata ciliar, preferencialmente ingá, embora na época houve um grande tronco de caiá usado para este fim. Usava como isca um pedaço de carne frita de capivara para pegar uma piranha e fazê-la de isca. A limpeza dos peixes é feita com uma faca e um escamador feito de lata furada com prego; retiram-se as escamas, abre-se a barriga e retiram-se as víceras e guelra, separando as ovas e dando aos cães o restante; corta-se as nadadeiras. O peixe era rapidamente refogado na panela, depois acrescendo sal e água até cobri-los. O arroz era apenas cozido com sal. Em dezembro de 2000, quanto o cineasta Joel Pizzini Filho este novamente no baixo São Lourenço depois de julho de 1998, um dos locais das filmagens da película 500 Almas, perguntou a Vicente porque ele e seus parentes não tinham ido morar na Ilha Ínsua, a única reserva indígena Guató no Pantanal. A resposta teria sido enfática: “Não sou bugio pra viver em bando!”. Sua fala denota claramente a ligação que eles possuem com aquela região, pois nunca fizeram parte do grupo da Ínsua e não desejavam morar muito próximos de outras famílias, como ocorre na reserva. Nas vezes em que também fiz a mesma pergunta, todos eles explicaram ainda que assim preferiam por não conhecerem a região, não terem parentes por lá e para evitar eventuais conflitos com os indivíduos ali residentes. A lógica da argumentação revela, também, a nítida preocupação em evitar o estresse ambiental em certos nichos ecológicos e explicita a regra de não adentrar ao território alheio, inclusive, como freqüentemente apontaram, para que seus cães não causassem danos ao estabelecimento de outras famílias. Embora o baixo São Lourenço continue sendo uma região com abundância de recursos bióticos, apesar dos impactos negativos causados pela sociedade envolvente, sobretudo pela pesca profissional e pelo turismo predatório vale a pena frisar amiúde, a subsistência dos últimos Guató naquela área depende mais da pesca do que da caça, coleta e agricultura. Faz parte de sua alimentação diária algum arroz comprado de mascates, adquirido de funcionários do IBAMA ou enviado em cestas básicas de alimentos da FUNAI, as quais esporadicamente chegam até eles. Por isso, apesar de não ter convivido com eles por um ano inteiro, o que talvez teria sido o ideal para colocar em números esta questão, avalio que entre 80 a 90% de

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sua dieta esteja baseada em arroz, mandioca e peixe (Tabela 3). Na época em que José e Veridiano moravam no morro do Caracará, o consumo de mandioca era diário e durante todo o ano, ao passo que para Júlia e Vicente era mais freqüente durante a cheia

QUADRO 9: ALGUMAS ESPÉCIES FLORÍSTICAS UTILIZADAS PELOS GUATÓ.

ESPÉCIE Abóbora ou mitó (Cucurbita pepo) Acuri ou mijí* (Sheelea phalerata)

Água-pomba ou mapô (Melicoccus lepidopetalus) Algodão ou mutchê* (Gossypium barbadense)

Angico* (Piptadenia peregrina) Angico-preto (Anadenanthera macrocarpa) Aroeira* (Astronium urundeuva) Arroz-do-pantanal ou matcha’mo (Oryza latifolia) Ata/pinha ou maô’botum* (Annona squamosa) Bacupari* (Rheedia brasiliensis) Banana ou maguajá* (Musa spp.) Batata-doce ou moká (Ipomoea batatas)

USO MAIS FREQÜENTE Alimentação (frutos). Medicinal (sementes torradas são usadas para combater verminoses). Cobertura de estruturas de habitação. Fabricação de abanos contra mosquitos, chamados mapara, feitos do “caule” dos cachos, e abanos de fogo e esteiras de dormir das palmas. Alimentação (amêndoa e polpa dos frutos, palmito, seiva para produção da bebida muku’da). Isca para pescar pacus (frutos). Isca para pescar peixes pequenos que são usados de isca para capturar peixes maiores (massa feita da polpa do frutos que é assado diretamente nas brasas). Medicinal (o líquido dos frutos verdes serve como colírio e o chá do broto das folhas para banho de assento contra hemorróidas). Proteção dos aterros contra a ação das águas. Alimentação (frutos). Fabricação de abanos contra mosquitos e ligaduras de pulso. Medicinal (o chá da casca é abortífero e usado na recuperação pós-parto). Construção de estruturas de habitação. Curtimento de couros (a casca contém tanino). Construção de estruturas de habitação. Curtimento de couros (a casca contém tanino). Construção de estruturas de habitação. Fabricação de mãos-de-pilão. Alimentação (grãos). Alimentação (frutos). Alimentação (frutos). Isca para pescar pacus (frutos). Alimentação (frutos). Esta é uma espécie exótica. Alimentação (raiz). Esta é uma espécie domesticada.

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Bocaiúva ou majegüi* (Acrocomia balansae) Cabaça-redonda ou michi’guepê* (Lagenaria vulgaris) Cabaça-de-pescoço ou matchê’kum (Lagenaria vulgaris?) Cabrito ou cabriteira* (Rhaminidium elaeocarpum) Cará ou majá (Dioscorea trifida) Caraguatá (Bromelia interior) Carandá ou jatô (Copernicia Alba)

Caiá ou matchum* (Spondias lútea) Cajú ou matogüetá* (Anacardium occidentale) Cambará ou marogu’vaí (Vochysia divergens) Cana-de-açúcar ou magu’udá* (Saccharum officinarum) Canafístula ou michiguidá (Cassia grandis) Canaúva ou madá’api (Gramineae) Canela-branca ou madetchum (Ocotea velloziana) Canela-preta ou madejum (Ocotea suaveolens) Capim-cidreira ou magô* (Cymbopogon citratus) Cebolinha ou madó’ro* (Allium fistulosum) Cedro-branco ou manu’kom (Colophyllum brasiliense?) Cipó-imbê (Philodendron imbe) Cipó-rasteiro* (Bignoniaceae?) Cipó tripa-de-galinha* (Bauhinia glabra) Cipó-buta (Aristolochia esperanzae)

Alimentação (polpa do frutos, amêndoa e larva que cresce no interior do coquinho). Pelota para caçar pássaros com bodoque (coquinho). Fabricação de cuias para beber líquidos e retirar água das canoas. Recipiente para armazenar líquidos. Construção de estruturas de habitação. Fabricação de cabo de ferramentas. Alimentação (raiz). Esta é uma espécie domesticada. Alimentação (frutos). Fabricação de cordas (talvez). Alimentação (frutos). Construção de estruturas de habitação. Fabricação de arcos (madeira). Isca para pescar pacus (frutos). Alimentação (frutos). Alimentação (frutos). Fabricação de canoas (manum) e gamelas (michá’adá). Alimentação (colmos). Esta é uma espécie exótica. Medicinal (o chá da casca é abortífero e usado na recuperação pós-parto). Fabricação de flechas. Fabricação de arpões, zagaias e cabo de ferramentas. Construção de estruturas de habitação. Fabricação de remos e zingas. Medicinal (o chá é calmante). Alimentação (tempero para o ensopado de peixes). O termo madó’ro também é usado para alho e cebola, duas outras espécies exóticas. Fabricação de remos e cabo de ferramentas. Amarração em estruturas de habitação. Amarração em estruturas de habitação. Amarração em estruturas de habitação. Medicinal (o chá das folhas é abortífero e usado na recuperação pós-parto).

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Embaúva ou mamá’abá* (Cecropia pachystachya) Fedegoso ou mabê’tchê (Senna occidentalis) Feijão ou maroka (Phaseolus vulgaris) Figueira ou miká* (Fícus sp.) Fruta-banana ou maguá’djá* (Pouteria ramiflora?) Fumo ou mabó (Nicotiana tabacum) Gonçalo ou machá’adá* (Astronium fraxinifolium) Goiaba ou magu’já* (Psidium guayava) Goiabinha-do-mato ou miguá (Myrcia spp.) Guiné ou maviafô* (Petiveria tetranda) Ingá ou mikam* (Inga urugüensis)

Jatobá ou nuku (Hymenaea courbaril) Jenipapo ou mató (Genipa americana) Laranja-lima ou matchiá’adá* (Citrus sinensis) Laranjinha-do-mato (Pouteria glomerata) Leiterinho ou mapá’adá* (Bonafousia siphilitica) Louro ou mijé’tum (Cordia glabrata) Mamão ou mamão* (Carica papaya) Mandioca ou mamá* (Manihot esculenta) Manduvi ou maguaguatum (Steculia sp.) Manga ou machiopá* (Mangifera indica)

Medicinal (o chá da casca é abortífero e usado na recuperação pós-parto). Medicinal (a raiz amassada e misturada com água serve para dores espasmódicas e diarréia). Alimentação (grãos). Esta é uma espécie domesticada. Alimentação (frutos). Fabricação de gamelas. Alimentação (frutos). Fumar (folhas). Esta é uma espécie domesticada. Construção de estruturas de habitação. Fabricação de canoas. Curtimento de couros (a casca contém tanino). Alimentação (frutos). Fabricação de bodoques (madeira). Alimentação (frutos). Medicinal (as folhas amassadas servem para luxações). Esta é uma espécie exótica. Alimentação (frutos). Construção de estruturas de habitação. Curtimento de couros (a casca contém tanino). Lenha. Alimentação (frutos). Adesivo (resina). Curtimento de couros (a casca contém tanino). Alimentação (frutos). Isca para pescar pacus (frutos). Alimentação (frutos). Medicinal (o chá das folhas é calmante). Alimentação (frutos). Isca para pescar pacus (frutos). Medicinal (o chá das folhas é usado contra picada de cobras). Fabricação de remos. Alimentação (frutos). Alimentação (raízes). Produção de farinha (raízes). Esta é uma espécie domesticada. Alimentação (frutos). Alimentação (frutos). Esta é uma espécie exótica.

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Marmelada ou maguató (Alibertia sessilis) Milho ou majê’re (Zea mays)

Mulateiro ou madó’to* (Albizia niopioides) Pimenta ou marobojê Pindaíva ou matá’akum (Xylopia aromatica) Quina-do-brejo ou madogüeguatá (Strychnos pseudoquina) Saboneteira ou mabô’iavi (Sapindus saponaria) Saram ou majekó (Sapium haematospermum) Siputá ou matchi (Salacia elliptica) Sucupira (Bowdichia virgilioides) Taboa ou miró (Typha dominguensis) Tamarindo ou matchiá’guá (Tamarindus indica) Taquara ou mitá (Gramineae) Tarumã ou mabó* (Vitex cymosa) Tucum ou magueto* (Bactris glaucescens)

Veludinho ou makariguá* (Zizyphus oblongilofus) Vitória-régia/forno-d’água ou magua’apó (Victoria amazonica) Viveiro* (Ipomoea sp.?) Ximbuva ou manum’ve (Enterolobium contortisiliquum)

Alimentação (frutos). Construção de estruturas de habitação. Alimentação (grãos). Alisamento da superfície de vasilhas cerâmicas (sabugo). Esta é uma espécie domesticada. Construção de estruturas de habitação. Alimentação (frutos). Construção de estruturas de habitação. Fabricação de arpões e zagaias. Medicinal (o chá da casca é usado para dores espasmódicas e diarréia). Limpeza de roupas (os frutos são usados para lavar roupa). Fabricação de violas de cocho. Alimentação (frutos). Fabricação de arpões e zagaias. Fabricação de esteiras de dormir. Alimentação (frutos). Fabricação de caniços. Alimentação (frutos). Fabricação de colheres de pau (madeira). Alimentação e isca para pescar pacus (frutos). Construção de estruturas de habitação. Fabricação de varas para derrubar frutos (tronco), mosquiteiros e cordas (fibras). Alimentação (frutos). Fabricação de bodoques (madeira). Alimentação (a semente é torrada e depois pode acompanhar os ensopados de peixe.) ?

Fabricação de canoas (manum). Lenha. O nome da planta assemelha-se ao da canoa. NOTA: (*) espécie encontrada em um ou nos dois assentamentos.

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QUADRO 10: ALGUMAS ESPÉCIES FAUNÍSTICAS CONHECIDAS PELOS GUATÓ. CLASSE Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Ave Anfíbio Anfíbio Anfíbio Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero

NOME POPULAR E NOME EM GUATÓ Aracuã ou mikaha Arara-azul ou maká’a Arara-canindé ou matô’gua Arara-vermelha ou machá’guá Baitaca ou matchô Biguá ou mitô’iá Biguatinga ou ma’e Carão ou mato Caracará ou make* Caramujeiro ou magô’há* Ema ou matu Frango-d’água ou maguato Garça-branca ou miku Gralha ou mofa Japuíra ou magonum Jaó ou mufahá’hô Juriti ou mabó Maguari ou muguá Marreca ou magüem’pó Mutum ou makam’nara Pato-do-mato ou mibó Papagaio ou mikom Periquito ou mipô Periquito-de-cabeça-preta ou mitá’da Pomba-trocaz ou motô’dikum Rolinha ou mi’tó Saracura ou miká’güi* Socozinho ou matchó Socó-boi ou miku Tucano ou mato’goié Tuiuiú ou mahi Urubu ou mu’gu* Sapo ou mitô’hum* Perereca ou miha’redá* Rã ou maguá’ritê* Anta ou mova Ariranha ou maguá* Bugio ou mokuê Caxinguelê ou makoi’jê* Caititu ou maguá’ripô Capivara ou maku Cervo-do-pantanal ou mikum Cutia ou mitô Gato-do-mato ou marô’tcha*

NOME CIENTÍFICO Ortalis canicollis Anodorhyncus hyacintinus Ara ararauna Ara chloroptera Pionus menstruus Phalacrocorax phalacrocorax Anhinga anhinga Aramus guarauna Polyborus plancus Rosthramus sociabilis Rhea americana Gallinula chloropus Casmerodius albus Cyanocorax cianomelas Psarocolius decumanus Crypturellus undulatus Leptotila verreauxi Ardea cocoi? Dendrocygna spp. Crax fasciolata Cairina moschata Amazona estiva Myopsitta monachus Psittacidae Columba picazuro Columbina spp. Aramides cajanea Butorides striatus Tigrisoma lineatum Ramphastos toco Jabiru mycteria Cathartidae Bufonidae Hylidae Leptodactylus Tapirus terrestris Pteronura brasilensis Alouatta caraya Sciurus Tayassu tajacu Hidrochaeris hydrochaeris Blastocerus dichotomus Dasyprocta spp. Felis spp.

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Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Mamífero Molusco Molusco Molusco Molusco Molusco Molusco Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe Peixe

Gambá ou miguá’apó* Jaguatirica ou maotajá’ho Lobo-guará ou maguá* Lobinho ou mugu’tu* Lontra ou mi’ô* Morcego ou mufá* Onça-parda ou machá’ko Onça-pintada ou mepago Ouriço ou marojá’vi Preá ou meki Quati ou mahá’guahó Queixada ou mapô Rato ou mijaipí* Tatu-bola ou mipi? Tatu-canastra ou muko’jipi Tatu-cascudo ou matchi’guipí Tatu-galinha ou mipi Veado-campeiro ou maguá’vi Veado-mateiro ou mudidê’javi Caramujo (aquático) ou mahá Caramujo (aquático) ou miguhá** Caramujo (terrestre) ou migum’pé* Caramujo (aquático) ou miúri* Caramujo (aquático) ou mipagô’pé* Concha (aquático) ou mupigu’guá Acari ou madô Armau ou mabô Arraia ou maku* Bagre-mandi ou mire Barbado ou maratá’kega Cachara ou main’tchê Cará ou miguá’tchi** Cascudinho ou apó** Cascudo ou matê Catarina ou mogüe’hum** Curimbatá ou mivô Curuvina ou mitchi’votí Dourado ou maku’va Jeripoca ou mokova’güeti Jaú ou moguá’já (de coloração escura é tabu alimentar)* Lambari ou tai’ná** Muçum ou mufá Pacu ou moguá’kuá Pacupeva ou mokuá Palmito ou mitokoi’guá Peixe-banana ou mibo’atchiu**

Didelphis spp. Felis pardalis Chrysocyon brachyurus Speothos venaticus Lutra longicaudis Chiroptera Felis concolor Panthera onca Coendou spinosus Cavea aperea Nasua nasua Tayassu pecari Rodentia Tolypeutes matacus Priodontes giganteus Euphractus sexcintus Dasypus novemcinctus Ozotocerus bezoarticus Mazama americana Pomacea canaliculata Pomacea scalaris Megalobulimus sp. Castalia sp. Marisa cornuarietis Diplodon sp.? Pimelodidae Pimelodidae Potamotrygon spp. Pimelodus sp. Pinirampus sp. e Luciopimelodus sp. Pseudoplatystoma fasciatum Pimelodidae Locaricariidae Loricariidae Characidae Prochilodus lineatus Characidae Salminus maxillosus Hemisorubim platyrhynchos Paulicea luetkeni Characidae Symbranchus marmoratus Piaractus mesopotamicus Characidae Pimelodidae Characidae

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Peixe Peixe-cachorro ou matea’vuru Characidae Peixe Piava ou majê’a** Characidae Peixe Piavuçu ou mahá’jeguati Leporinus macrocephalus Peixe Piquira ou modijê’voti** Characidae Peixe Pirambeva ou mocidekuá Serrasalmus spp. Peixe Piranha ou motê Pygocentrus nattereri Peixe Piraputanga ou matchá’dó Brycon microlepis Peixe Roque-roque ou mitchá’vi* Loricariidae Peixe Sardinha ou moguá’to** Characidae Peixe Sairú ou mi’ó** Characidae Peixe Sauá ou matchi’riuê** Characidae Peixe Surubim ou machê Pseudoplatystoma corruscans Peixe Traíra ou mapi Hoplias malabarrcus Peixe Tuvira ou makô’uga** Characidae Peixe Tuvirinha ou matcheu´ga** Gymnotus fasciatus Réptil Cágado ou mopá’gugá Quelônia Réptil Caninana ou motoga* Squatama Réptil Cascavel ou matchou’gupana* Squatama Réptil Coral ou mijí’agô* Squatama Réptil Jabuti ou mipagüi Testudo tabulata Réptil Jacaré-do-pantanal ou mikô Caiman crocodilus yacare Réptil Jacaré-do-papo-amarelo ou moré’ko Caiman latirostris Réptil Jacaretinga ou mamá’gorikuá? Paleosuchus palpebrosus? Réptil Jibóia ou mibô’há Boa constrictor Réptil Sinimbu ou miguá’u Iguana iguana Réptil Sucuri ou mikuari Eunectes spp. Réptil Víbora-do-pantanal ou maká’ho* Dracaena paraguayensis NOTA: (*) não apreciado para a alimentação ou é tabu alimentar; (**) mais usado como isca para capturar peixes maiores.

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QUADRO 11: ARTEFATOS E ESTRUTURAS OBSERVADOS NO ENTORNO DAS CASAS NOS DOIS ASSENTAMENTOS GUATÓ DO BAIXO SÃO LOURENÇO. ASSENTAMENTO 1 (JÚLIA E VICENTE) 1 abanador de fogo feito de couro de cervídeo.* 2 anzóis de aço não-artesanais. 1 arame de aço para pendurar peixes. 1 arpão de aço para zinga.* 2 assadeiras de alumínio para torrar farinha de mandioca. 1 bainha de couro. 1 balde de metal. 3 bancos de madeira. 1 boné velho de tecido. 1 barra de sabão. 1 bodoque.* 1 bomba de metal para tomar mate.

ASSENTAMENTO 2 (JOSÉ E VERIDIANO) 1 abanador para espantar mosquitos feito de acuri.* 1 alicate de aço. 3 antenas de rádio (pedaços). 1 anzol de aço não-artesanal. 1 anzol artesanal com rabicho. 4 rolos de arame de aço para a fabricação de anzóis. 2 arames de aço para a fabricação de anzóis (pedaços). 3 arpões com ponta de aço* 1 assadeira para torrar farinha de mandioca. 3 bacias velhas de plástico. 1 balde velho de plástico. 1 barra de ferro usada para a fabricação de 3 bancos de madeira. arpões.* 2 barras de aço usadas para a fabricação de 5 barrigadas de jacaré que servem de arpões.* gamelas para dar comida aos cães. 1 barra de aço trabalhada para ser arpão. 2 cabaças-redondas para fazer cuias.* 5 barrigadas de jacarés não usadas como 1 cabo de aço usado para fazer rabicho ou gamelas. empate de anzóis (pedaço). 1 base de garrafa de 5 litros para os cães 1 cabo de foice. beberem água. 1 cabo de enxada. 1 par de botas velhas de borracha. 2 cabos de machado. 1 bota de borracha (pedaço). 1 cabo de vassoura. 1 cabaça outrora usada para armazenar 1 cadeira velha de madeira. água.* 1 camisa velha e rasgada. 1 rolo de cabo de aço usado para fazer 1 canoa de ximbuva em precário estado de rabicho de anzóis. conservação.* 1 cabo para arpão.* 1 cabo de machado. 3 canoas velhas.* 1 cama de madeira (pedaço). 1 cabo de faca. 1 caixa feita de telhas francesas para guardar 3 caniços com linha e anzol. 2 caniços quebrados sem linha e anzol. e maturar bananas. 1 caixa feita de madeira para guardar e 1 casa (estrutura de habitação). 2 cavaletes de madeira. maturar bananas. 1 chaleira velha. 1 caldeirão de alumínio com tampa. 1 chinelo velho de borracha e com tiras. 2 calças ainda em uso. 2 chaira de aço. 3 camisas rasgadas. 1 cocho de cimento. 1 canaleta de zinco. 10 caniços com linha e anzol. 1 cocho de tábuas. 1 canoa de ximbura em bom estado de 5 colheres de metal. conservação. 2 colheres de pau.* 1 concha de alumínio sem cabo usada para 1 pedaço de canoa.* 1 cantil de alumínio de 3 litros. servir feijão. 2 capacetes de segurança que servem de 1 copo de alumínio.

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1 copo de metal esmaltado. 2 copos de vidro. 2 cordas velhas (pedaços). 1 cuia de cabaça.* 5 cuias de coco (Cocos nucifera) outrora usadas para tomar mate. 1 dedal de borracha usado para a pesca com linha de mão. 1 enxada de aço sem cabo. 2 enxadas de aço com cabo. 1 escorredor de alumínio para macarrão. 2 escovas velhas de dente. 1 espátula de madeira.* 5 espetos de aço para assar carne. 5 facas de aço. 1 facão de aço. 2 fogões ativados. 3 fogões desativados. 1 foice de aço com cabo. 1 foice de aço sem cabo. 2 formões de aço. 1 frigideira de alumínio. 1 gaiola velha de arame. 3 gamelas de madeira.* 2 galões plásticos de 20 litros para armazenar água. 4 garfos de metal. 1 gancho para pendurar carne. 1 garrafa plástica vazia de ½ litro. 1 garrafa de vidro vazia de 1 litro. 4 garrafas de vidro vazias de 5 litros. 1 grade de aço usada como grelha. 2 guampas para tomar mate. 2 jiraus. 2 lâminas de machado de aço com cabo. 1 lata vazia de leite em pó. 3 latas vazias de óleo vegetal que serviam de copos. 1 lata de óleo vegetal lacrada. 1 lata vazia de cerveja. 3 latas de sardinha vazias e com furos usadas para escamar peixes. 1 lata de tinta com dedeira, linha de pescar, rabichos, pelotas de barro e caixa com palitos de fósforo. 1 lata de tinta com erva-mate. 1 lata de 20 litros com cebolinha plantada. 2 latas de extrato de tomate que servem de copos.

vasilhas para os cães. 2 cascas de coco (Cocos nucifera). 1 casco de jabuti (resto de alimentação). 1 chaira de aço. 1 chapa de fogão. 4 pares de chinelos de borracha e com tiras 3 colheres de metal. 2 colheres de pau.* 2 chaleiras de ferro sem tampa. 1 chaleira de ferro com tampa. 1 chaleira de alumínio com tampa. 6 colheres de metal. 1 copo feito de lata de refrigerante. 1 copo de metal esmaltado. 1 cuia de cabaça.* 1 cuia de coco. 3 cordas (pedaços). 1 corrente de aço (pedaço). 2 enxadas de aço sem cabo. 4 enxadas de aço com cabo. 1 enxó de aço com cabo. 2 enxós de aço sem cabo. 2 espetos de aço para assar carne. 1 faca sem cabo. 1 faca com cabo. 1 faca com cabo e bainha. 2 facões com cabo. 2 facões sem cabo. 3 fios de cobre (pedaços). 2 canos plásticos (pedaços). 2 fogões ativos. 4 fogões desativados. 1 formão de aço. 1 galão plástico de 5 litros usado para armazenar água. 1 foice de aço sem cabo. 1 foice de aço com cabo. 1 galão plástico de 10 litros cortado ao meio para servir água aos cães. 1 galão plástico de 5 litros vazio. 5 gamelas de madeira.* 2 garfos de metal. 4 garrafas plásticas de 2 litros vazias. 2 garrafas plásticas de 2 litros para armazenar água. 1 garrafa de ½ litro vazia. 7 garrafas plásticas de ½ litro vazias. 1 garrafa plástica de 1 litro vazia. 27 garrafas de vidro de 1 litro vazias.

387

5 garrafas de vidro de 1 litro para armazenar gordura animal. 1 garrafa de vidro de 5 litros vazia. 2 garrafas de vidro de 5 litros para armazenar água. 1 garrafa de vidro de 3 litros vazia. 2 garrafas de vidro de 5 litros para armazenar gordura animal. 1 isqueiro de plástico sem fluído. 1 jarra plástica de 1 litro para tomar água. 2 jiraus de madeira. 2 lâminas de machado de aço sem cabo. 2 lâminas de machado de aço com cabo. Diversos ossos de capivaras, jacarés e peixes.* 1 lâmina de machadinha de aço com cabo. 20 latas de refrigerante e cerveja vazias. 1 lata pequena de manteiga. 1 lata de óleo de vegetal usada como copo. 1 lata de ervilhas vazia. 3 latas de extrato de tomate. 1 lata de 5 kg de legumes em conserva vazia. 7 latas de óleo vegetal vazias e oxidadas. 2 latas de óleo vegetal lacradas. 4 latas de sardinha vazias e com furos usadas para escamar peixes. 1 socador de alho de madeira do tipo mão-de- 1 lata de tinta vazia. pilão. 3 limas de aço. 2 sacos de papel vazios de erva-mate. 1 linha de pesca. 1 saco plástico com coquinhos de bocaiúva. 1 madeira compensada (“folha”). 1 saco plástico com pelotas de barro.* 1 mangueira plástica (pedaço). Diversos sacos plásticos vazios. 1 marreta de aço com o cabo quebrado 1 serrote velho e oxidado. 1 par de óculos protetores de olhos usado em 1 tábua de cortar carne. soldagem. 1 depósito de tábuas. 2 panelas pequenas de ferro. 2 tampas de panela. 4 panelas de alumínio. 1 tampa metálica para lata de lixo. 1 panela de alumínio grande com tampa feita 1 tarrafa velha com chumbadas. de telha de zinco. 1 tela de metal. 2 pás de aço com cabo. 1 depósito de telhas francesas. 1 pá de aço sem cabo. Diversos fragmentos de tijolos sem furo. 1 pá de aço sem cabo (pedaço). 1 vara com gancho para derrubar frutas. 1 pano de prato. 1 vara de tucum para derrubar frutas. 1 parafuso para dormentes. 1 vasilha plástica de 2 litros. 1 pedra de arenito para afiar lâminas.* 1 vassoura de piaçava. 1 pedra de arenito para quebrar coquinhos.* 1 vidro de creolina usado para desinfetar 6 pedras calcárias que servem de peso sobre ferimentos. as tampas de panela. 1 vidro com tampa usado para guardar sal. 1 picareta de aço com cabo. 1 lima de aço. 5 linhas de pesca. 1 mala velha de viagem. 3 mãos-de-pilão de aroeira.* 1 martelo de aço. 1 mesa de madeira. 1 mola de cama usada na fabricação de anzóis. Diversos ossos de bugios, capivaras, jacarés e peixes.* Diversas ramas de mandioca.* 2 panelas de ferro. 5 panelas de alumínio. 1 pano de prato. 1 parafuso grande. 1 pedra de arenito para afiar lâminas.* 1 peso de aço de 1 kg para balança. 1 plataforma de madeira. 2 porretes para matar peixe.* 1 porta velha. 5 pratos de alumínio. 1 prato de plástico. 3 pratos de metal esmaltado. 1 rastilho ou ancinho com cabo. 3 remos de madeira.* 1 rodo de madeira. 1 roda de carreta de boi (pedaço).

388

2 vidros com tampa vazios. 4 pilhas grandes para lanterna. 1 zinga de madeira com arpão de aço na 1 pires de faiança. ponta. 1 plataforma de madeira. 4 pratos de alumínio. 4 pratos de metal esmaltado. 1 prato para suporte de vaso de plantas. 2 raladores de mandioca feitos de telhas de zinco. 2 remos de madeira.* 1 remo de madeira quebrado.* Diversos sacos plásticos vazios. 1 socador de alho de madeira do tipo mãode-pilão. 1 depósito de tábuas e outras madeiras. 1 depósito de lenha. 1 telha de zinco usada para proteger o fogão de ventos (pedaço). 2 tábuas de cortar carne. 1 tampa de caixa de isopor. 1 tampa de garrafa térmica que serve de copo. 1 tampa de plástico que serve de prato. 3 tampas de panelas feitas de latas de óleo vegetal. 1 tampa de panela de alumínio. 1 tarrafa velha sem chumbadas. 1 pedaço de tela plástica que serviu de rede para capturar pequenos peixes (iscas). 1 pedaço de tela metálica usada em cercas. 3 telhas de alumínio. 1 telha de zinco (pedaço). 1 pia de banheiro feita de metal esmaltado. 2 vassouras de galhos de árvore com cabo. 1 valva de bivalve usada para tomar caldo de peixe.* 2 valvas de caramujo mahá (Pomacea canaliculata) que serviu de alimento.* 2 varas para derrubar frutas. 1 vasilha plástica de 1 litro. 1 vasilha plástica de margarina vazia. 1 vasilha plástica de 5 litros para armazenar líquidos. 2 vidros de remédio. 1 frasco plástico de elixir paregórico (30 ml). 1 frasco plástico vazio de hipoclorito de sódio 2,5% (100 ml), usado como desinfetante de água contra o cólera). 1 vidro com tampa usado para guardar sal.

389

1 viola de cocho sem a tampa e com cupins. 3 zingas de madeira com arpão de aço na ponta. NOTA: (*) material anteriormente registrado como tradicional na literatura etnoistórica e etnológica.

390

TABELA 3: ALIMENTAÇÃO DE JOSÉ E VERIANO DE 10 A 20/1/1998. DATA 10/1/1998 11/1/1998

12/1/1998

13/1/1998 14/1/1998 15/1/1998 16/1/1998 17/1/1998 18/1/1998 19/1/1998 20/1/1998

ALIMENTAÇÃO DO DIA Ensopado de peixes (pacus e piranhas) e mandioca; arroz cozido. Ensopado de peixes que sobrou do dia anterior; peixe frito (pacus e piranhas); mandioca cozida; arroz cozido. Devido à chuva intensa não houve pescaria neste dia e por isso a refeição foi apenas de bolachas salgadas do tipo de água e sal. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido. Sobra de ensopado de piranhas do dia anterior; arroz e macarrão cozinhados juntos. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido; farinha de mandioca. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido. Peixe frito (piranhas) e depois ensopados com macarrão; mandioca cozida. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido. Ensopado de piranhas; mandioca cozida; arroz cozido.

JOSÉ 2.100 gramas

VERIDIANO 2.150 gramas

2.000 gramas

1.650 gramas

10 bolachas

10 bolachas

2.600 gramas

2.600 gramas

2.000 gramas

1.900 gramas

950 gramas

950 gramas

2.050 gramas

1.750 gramas

2.000 gramas

2.100 gramas

1.500 gramas

1.400 gramas

2.170 gramas

1.900 gramas

2.100 gramas

1.820 gramas

NOTA: a pesagem dos alimentos foi feita descontando o peso do prato e considerando o peso do caldo e dos ossos de peixe.

391

PANTANAL MATOGROSSENSE 58º

57º

17º

17º

N

Morro do Caracará

Ibama (sede)

Porto Caracará

MT

MS

18º

18º 58º

0

10

20

30

40

50 km

57º

LEGENDA ESCALA GRÁFICA

Assentamento de José e Veridiano Assentamento de Júlia e Vicente Antigo assentamento da família Caetano Aterro localizado por Max Schmidt em 1910 Aterro localizado em 1997

FIGURA 72: MAPA DE PARTE DA ÁREA DO PANTANAL MATOGROSSENSE COM DESTAQUE PARA OS ASSENTAMENTOS GUATÓ DO BAIXO SÃO LOURENÇO. MAPA BÁSICO: FOLHA SE-20/21, RIO DE JANEIRO, IBGE, 1994.

392

FIGURA 73: MAPA DA REGIÃO DO RIO CARACARÁ COM A PLOTAÇÃO DE ATERROS E OUTROS ASSENTAMENTOS GUATÓ IDENTIFICADOS POR MAX SCHMIDT EM 1910 (Schmidt, 1914:252).

393

N

M or

do

C ar ac ar á

Ri o S ã o Loure

r

o r Pa

nço

ra

ola

Ri

r Se

Am do

ro

ag i ua

0

1

2

3

4

5 km

ESCALA GRÁFICA APROXIMADA

FIGURA 74: FOTOGRAFIA AÉREA TIRADA EM 25/6/1965, NA QUAL APARECEM OS DOIS ASSENTAMENTOS GUATÓ DO BAIXO SÃO LOURENÇO.

394

CROQUI DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO À MARGEM ESQUERDA DO RIO SÃO LOURENÇO, PANTANAL MATOGROSSENSE

ÁREA INUNDÁVEL

............ ............... .................. ............... .............. . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .......... ........ANTIGA ....... ..............CASA ........... ...................................... ............ ......... ...... ........ .... ............... ............... ........ ............... ............... ... ............... ............... ............... ............... ........ . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ...... ............... .............. .. ................................................... ......... ...... ........ ... ............... ............... ..... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ............ .... ............... ............... .... .. .. .. .. .. .. .. .. .. ...... ............ ........................................................................ .... ............... ............... ........ ............... ...............

ÁREA INUNDÁVEL ... ............... ............... ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. .. ...... ..... ..... ..... ... ............ .... . ...... ......... ............... ..... ..... ..... ..... ..... ..... . ............. ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ............ .... ......... ............... ............ .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ... ... .... .... .. .. .. ...................... .-----------------------. . . . . . . . . . . . ..... ..... ..... ..... ........................ .... .... .... .. .. .. .. .. .. .. ---------------. . . . . . . . . . . . . .. ....................... . . . . . . ---------------... ............... ............... .CASA . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . . .. .......... .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ---------------. .................................... ............... ............... ...... ... ... ............... ............... ............ -- -- -- -- -- -- -- -... ............... ............... ... . ............... ............... ...... .. .. ... ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . . .. .. . . . . . . . . . .

ANTIGO MANGUEIRO

ROÇA DE MANDIOCA SAZONAL (SECA)

ANTIGO CHIQUEIRO

.. . . . . . .......... . ..

N .. ..... ..... ..... ..... ....... ..... ..... ..... ...... .. .. .. .. .. .. .. .. .. ...... .. ..... ....... .. .. .. .. .. .. ... ..... ..... ..... ..... ...... ..... ..... ..... ........ .. .. .. .. .. .. .. .. .. ....... ..... ..... ..... ....... ..... ..... ..... ..... ...... ...... ..... ..... ...... .. .. .. .. .. .. .. .. .. ....... ...... ..... ..... ....... .. .. .. .. .. .. .. .. .. ...... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .......... .... ...... .... ....... ..... ..... ..... ..... .... ... .... ... 0

2

4

6

8

10 M

RIO SÃO LOURENÇO

RIO SÃO LOURENÇO

LEGENDA MESA

BANCO

TARUMÃ

JIRAU

CADEIRA VELHA

MANGUEIRA

FOGÃO PRINCIPAL

LENHA (XIMBUVA)

EMBAÚVA

CAVALETE

LENHA (CAIÁ OU CAJÁ-MANGA)

ALGODOEIRO

PLATAFORMA

LIXEIRA

VIVIEIRO

TELHAS FRANCESAS

CIPÓ RASTEIRO

PAREDE FEITA DE TUCUM (ANTIGA CASA) COCHO FEITO DE CIMENTO PARTE DO MURO QUE CAIU

..... ............... FRAGMENTOS DE TIJOLOS COCHO FEITO DE TÁBUAS ------------------- PISO DE TIJOLOS ------------ (PRINCIPAL ÁREA DE DESCARTE DE OSSOS)

GOIABEIRA CAPIM-CIDREIRA ACURI CAJUEIRO

PEDRAS (ROCHAS) PORTA VELHA COURAÇAS DE JACARÉS USADAS COMO CHOCHO FOGÃO DESATIVADO PROA DE CANOA RAMAS DE MANDIOCA

LEITERINHO GRAMÍNEAS E VEGETAÇÃO RASTEIRA TÁBUA DEPÓSITO DE TÁBUAS E OUTRAS M ADEIRAS DE CONS TRUÇÃO LATA DE TINTA DE 18 L COM PLANTAÇÃO DE CEBOLINHA

FIGUEIRA TUCUM ÁRVORE DE MÉDIO OU GRANDE PORTE NÃO IDENTIFICADA ÁRVORE ONDE GUARDAM ARTEFATOS DIVERSOS

FIGURA 75: CROQUI DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE (JAN./1998).

395

CROQUI DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE

O M

ZIM

D

O

E UT



AS BU AL

EA

O

VA R

D HA L IN

RR

Á AR AC R A C

ÁREA DE DESCARTE DE OSSOS

330° RÁFICO

JIRAU

ÁREA DE DESCARTE DE OSSOS

CA SA

LE NHA

L RA VA

FLE C

H AL

TRA NSECT DO

POÇO-TESTE

DO R

ME N T

E

240°

ROÇA EM DESCANSO

TRAN SECT DO PER FIL TOPOGRÁ FICO

PER FIL TOPOG

L HA EC FL UA T ÁB

DO RMEN TE

IOCA M AN D

U JIRA

FOGÃO PRINCIPAL ROÇA EM DESCANSO

A DE ROÇ

LEGENDA GRAMÍNEAS E VEGETAÇÃO RASTEIRA CONCENTRAÇÃO DE OSSOS DE PEIXES PEDRAS (ROCHAS) LIXEIRA FOGÃO DESATIVADO PEDRA DE AMOLAR (ARENITO) MACHADO BANCO TÁBUA PARA GUARDAR PRATOS E PANELAS ÁRVORE DE MÉDIO OU GRANDE PORTE NÃO IDENTIFICADA TUCUM ACURI SABONETEIRA BANANEIRA MANGUEIRA VELUDINHO GOIABEIRA

N

BOCAIÚVA FRUTA-BANANA LARANJA-LIMA ATEIRA GUINÉ MULATEIRO MAMOEIRO GONÇALO ÁRVORE ONDE GUARDAM ARTEFATOS DIVERSOS

LAGOA DO CARACARÁ

C ANOA 0

2

4

6

8

10 m PLATAFORMA

FIGURA 76: CROQUI DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO À MARGEM ESQUERDA DO RIO SÃO LOURENÇO, PANTANAL MATOGROSSENSE (JUL./1997).

_ _ _ _ _ _ 15

30

0

5

10

45

15

20

ESCALA HORIZONTAL

25 M

60

0

75

1

2

3

90

4

4 3 2 1

0 5M 10 (SW) _

_

_

_

_

_

_

_

0 (NE)

5

_

LAGOA

6M

EXAGERO VERTICAL: 5 VEZES

MORRO

396

5M

ESCALA VERTICAL

FIGURA 77: PERFIL TOPOGRÁFICO DA ÁREA CENTRAL DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE (NORDESTE-SUDOESTE).

ROÇA DE MANDIOCA

ROÇA EM DESCANSO

LIXEIRA

CASA (FACHADA LATERAL)

EXAGERO VERTICAL: 2 VEZES

397

(NW)

(SE) 0

0,5

1

1,5

2

ESCALA VERTICAL

2,5 M

0

2

4

6

8

10 M

ESCALA HORIZONTAL

FIGURA 78: PERFIL TOPOGRÁFICO DA ÁREA CENTRAL DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTNAL

398

LINHA DE AZIMUTE

ROÇA DE MANDIOCA ROÇA DE MANDIOCA

CASA

CAMINHO

TRILHA

N 0

2

4

6

8

10

LEGENDA ACURI

BOCAIÚVA

MAMOEIRO

ÁRVORE DE MÉDIO OU GRANDE PORTE NÃO IDENTIFICADA

BANANEIRA

CANA-DE-AÇÚCAR

CAIÁ OU CAJÁ

EMBAÚVA

MANDIOCA

FIGURA 79: CROQUI DA ROÇA DE MANDIOCA DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE.

399

CACS A

N

A LIN H

TE ZIMU DE A

TRILHA

2

4

6

8

10 M A ILH TR

0

LEGENDA ACURI

EMBAÚVA

GUINÉ

GRAMÍNEAS E VEGETAÇÃO RASTEIRA

BOCAIÚVA

MANGUEIRA

ÁRVORE DE MÉDIO OU GRANDE PORTE SEM IDENTIFICAÇÃO

FIGURA 80: CROQUI DA ROÇA EM DESCANSO DE UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE.

400

ESTRADO SUSPENSO UTILIZADO COMO DEPÓSITO DE ALIMENTOS E UTENSÍLIOS DIVERSOS

FLECHAL

ESTANTE SUSPENSA

FLECHAL ESTEIO FINCADO NO CHÃO PARA ARMAR MOSQUITEIRO CUMEEIRA

CORDA PARA PENDURAR ROUPAS

ALTAR COM IMAGENS DE SANTOS CATÓLICOS DEPRESSÃO RASA DO TERRENO ONDE DORMEM OS CÃES

ESTRADO PARA DORMIR

FOGÃO COM PEDRAS DELIMITADORAS MAIS USADO EM DIAS CHUVOSOS

ESTEIO

LOCAL ONDE GUARDAM AS PEDRAS DELIMITADORAS QUANDO O FOGÃO NÃO ESTÁ SENDO USADO

PORTA JIRAU QUE SERVE DE MESA

0

1

2

4M

FIGURA 81: PLANTA BAIXA DETALHADA DA CASA EXISTENTE EM UM ASSENTAMENTO GUATÓ LOCALIZADO NO MORRO DO CARACARÁ, PANTANAL MATOGROSSENSE.

401

FIGURA 82: VISTA PANORÂMICA DO RIO SÃO LOURENÇO, ENCOSTA DO MORRO DO CARACARÁ, SERRA DO AMOLAR E BARCO DE MASCATE A PARTIR DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1977).

402

FIGURA 83: VISTA AÉREA DO MORRO DO CARACARÁ E SEU ENTORNO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 84: VISTA DA BAÍA DO CARACARÁ E DO RIO SÃO LOURENÇO A PARTIR DO MORRO DO CARACARÁ (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

403

FIGURA 85: VISTA PANORÂMICA DO ASSENTAMENTO 1 EM TEMPO DE SECA (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 86: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1997).

404

FIGURA 87: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1997).

FIGURA 88: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1997).

405

FIGURA 89: ANTIGA ESTRUTURA DE HABITAÇÃO E PONTO DE COMÉRCIO DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1997).

FIGURA 90: ESTRUTURA DO ANTIGO CHIQUEIRO DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1997).

406

FIGURA 91: JÚLIA NA PARTE CENTRAL DO ASSENTAMENTO 1 LAVANDO UM PRATO APÓS A REFEIÇÃO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 92: VICENTE LIMPANDO PEIXES SOBRE A PLATAFORMA DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

407

FIGURA 93: FOGÃO PRINCIPAL DO ASSENTAMENTO 1 DURANTE O PREPARO DE ARROZ COZIDO E PACU ASSADO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 94: JIRAU PRÓXIMO DO FOGÃO PRINCIPAL DO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

408

FIGURA 95: BODOQUE SOBRE MESA DE MADEIRA NO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 96: MESAS E OBJETOS VARIADOS NO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

409

FIGURA 97: EXTREMIDADE DE ZINGA (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 98: GANCHO PARA DERRUBAR FRUTAS (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 99: PONTA DE ZAGAIA (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

410

FIGURA 100: COURAÇA OU BARRIGADA DE JACARÉ (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 101: RALADOR DE MANDIOCA (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

411

FIGURA 102: GAMELAS DE MADEIRA (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 103: PEDRA PARA AFIAR LÂMINAS (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

412

FIGURA 104: PORRETE DE MATAR PEIXES, CHAIRA E FACAS NO ASSENTAMENTO 1 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

FIGURA 105: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

413

FIGURA 106: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

FIGURA 107: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

414

FIGURA 108: ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

FIGURA 109: INTERIOR DA CASA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

415

FIGURA 110: ALTAR NO INTERIOR DA CASA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

FIGURA 111: VERIDIANO E JOSÉ NA HORA DO MATE (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jan./1998).

416

FIGURA 112: VERIDIANO, JOSÉ E JORGE EREMITES LIMPANDO PEIXES (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

FIGURA 113: VERIDIANO LIMPANDO UM PACU EM CIMA DA PLATAFORMA (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

417

FIGURA 114: JOSÉ PREPARANDO O ALMOÇO (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

FIGURA 115: FOGÃO PRINCIPAL QUANDO DO PREPARO DO ALMOÇO (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

418

FIGURA 116: PANELA COM ENSOPADO DE PIRANHAS (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

FIGURA 117: FOGÃO PRINCIPAL APÓS O PREPARO DO ALMOÇO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

419

FIGURA 118: JOSÉ CONFECCIONANDO UM CACHIMBO (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

420

FIGURA 119: JOSÉ CONFECCIONANDO UM CACHIMBO (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

421

FIGURA 120: CACHIMBOS DE BARROS E PITEIRAS GUATÓ (OS DOIS CACHIMBOS À ESQUERDA FORAM FEITOS POR DONA NEGRINHA E OS OUTROS DOIS À DIREITA POR JOSÉ) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jun./2002)

FIGURA 121: PELOTAS DE BARRO CONFECCIONADAS POR VICENTE (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jun./2002).

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FIGURA 122: JOSÉ EM SUA CANOA DE XIMBUVA (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

FIGURA 123: JIRAU PRÓXIMO AO FOGÃO (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Rafel Bartolomucci, Jan./1998).

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FUGURA 124: GUAMPA E BOMBA PARA TOMAR MATE (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997)

FIGURA 125: BODOQUE CONFECCIONADO POR VERIDIANO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jun./2002).

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FIGURA 126: VIOLA DE COCHO CONFECCIONADA POR VERIDIANO (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jun./2002).

FIGURA: 127: QUEBRA-COQUINHO À ESQUERDA, MARRETA, FACÃO E FORMÃO AO CENTRO, E PEDRA DE AFIAR LÂMIMAS À DIREITA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 128: GARRAFAS DE VIDRO E VASSOURA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 129: PONTA DE ARPÃO APOIADO EM ÁRVORE (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 130: DETALHE DA ESTRUTURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 131: MANDÍBULA DE JACARÉ DESCARTADA EM LIXEIRA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 132: DIVERSOS OBJETOS NO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 133: MACHADO, LENHA, COURAÇAS DE JACARÉ, CRÂNIO DE CAPIVARA E REMO EM LIXEIRA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 134: QUEBRA-COQUINHOS APÓS SER USADO PARA QUEBRAR COCOS DE BOCAIÚVA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 135: ZAGAIA APOIADA NO REVESTIMENTO PARIETAL DA ESTRURA DE HABITAÇÃO DO ASSENTAMENTO 2 (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 136: PANELA COM TAMPA PLÁSTICA, ESPÁTULAS E COLHERES (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 137: CANOA E PLATAFORMA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Rafael Bartolomucci, Jan./1998).

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FIGURA 138: PANELAS E PRATOS USADOS PARA PREPARAR E SERVIR COMIDA AOS ANIMAIS DOMÉSTICOS (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 139: PEDRAS DELIMITADORAS PARA O FOGÃO USADO NO INTERIOR DA CASA (ASSENTAMENTO 2) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

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FIGURA 140: FOGÃO SENDO USADO SEM AS PEDRAS DELIMITADORAS, NO INTERIOR DA CASA, PARA AQUECER ÁGUA PARA TOMAR MATE (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Jul./1998).

FIGURA 141: COLHER E ESPÁTULA DE PAU (ASSENTAMENTO 1) (Foto: Jorge Eremites de Oliveira, Ago./1997).

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CONCLUSÃO: UMA PEQUENA SÍNTESE DAS IDÉIAS

Se fez a tese com gosto, há de querer continuá-la. Comumente, quando se trabalha numa tese só se pensa no momento em que ela estará terminada: sonha-se com as férias que se seguirão. Mas se o trabalho for bem feito, o fenômeno normal, após a tese, é a interrupção de um grande frenesi de trabalho. Quer-se aprofundar todos os pontos que ficaram em suspenso, ir no encalço das idéias que nos vieram à mente mas que se teve de suprimir, ler outros livros, escrever ensaios. E isto é sinal de que a tese ativou o seu metabolismo intelectual, que foi uma experiência positiva. É sinal, também, de que já se é vítima de uma coação no sentido de pesquisar, à maneira de Chaplin em Tempos Modernos, que continuava a apertar parafusos mesmo depois do trabalho: e será preciso um esforço para se refrear (Humberto Eco, 1983:184).

Ao longo desta tese, procurei analisar todo tipo de informação possível, dentro de uma perspectiva interdisciplinar, com o objetivo de contribuir para o conhecimento do transcurso dos povos canoeiros no Pantanal, dos primeiros pescadores-caçadores-coletores aos últimos argonautas Guató que vivem no curso inferior do rio São Lourenço, em Mato Grosso. Para tanto, entendi que não poderia partir do nada, pois antes de mim outros cientistas sociais publicaram os resultados de suas pesquisas arqueológicas, etnológicas ou etnoistóricas a respeito da presença indígena na região. Por isso, na Primeira Parte da monografia apresentei uma exaustiva análise crítica sobre o desenvolvimento da Arqueologia Pantaneira, à luz da História e da Historiografia. Fiz isto por entender que um estudo deste nível seria de suma importância para a compreensão das idéias publicadas sobre a pré-história daquela que é a maior planície de inundação do globo, bem como também para o entendimento da própria Arqueologia praticada no país. Portanto, seguindo o exemplo de muitos colegas da jovem geração de arqueólogos brasileiros, analisei a Arqueologia Pantaneira dentro do contexto histórico da própria sociedade em que vivemos. A partir daí pude melhor compreender como determinados modelos interpretativos foram criados, isto é, os caminhos percorridos para a

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construção de certas representações sobre o passado arqueológico local, a partir de alguns paradigmas que nortearam o pensamento dos arqueólogos. Acredito ter esclarecido que a Arqueologia Pantaneira não é tão jovem como muitos afirmaram. Em verdade, pode-se dizer que seu primeiro momento teve início em 1875, com o militar João Severiano da Fonseca, logo após o término da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), quando o governo brasileiro tratou de definir as fronteiras do país. Daquele ano até a década retrasada, Max Schmidt e Branka Susnik foram os dois etnólogos que mais contribuíram para o conhecimento do passado indígena do Pantanal. Ambos os autores foram influenciados por idéias difusionistas e evolucionistas da época e, embora tenham publicado vários trabalhos, permaneceram pouco conhecidos para a maioria dos arqueólogos brasileiros. Esta situação também contribuiu para que a região do alto Paraguai passasse despercebida aos olhos de muitos estudiosos que propuseram modelos explicativos sobre a pré-história platina e sul-americana. Conforme demonstrei, o início do primeiro momento da Arqueologia regional atesta uma tomada de consciência sobre a antiguidade dos povos indígenas naquela área platina, especialmente dos pescadores-caçadores-coletores que ali construíram estruturas monticulares e produziram painéis com arte rupestre. Significa dizer, portanto, que a Arqueologia Pantaneira surgiu de maneira semelhante às Arqueologias de outras partes do continente, onde desde a época colonial aterros (mounds) vêm despertando a atenção de muitos exploradores e cientistas, a exemplo do que aconteceu no vale do Mississipi, no litoral Atlântico da América do Sul, na região amazônica e na própria bacia do Prata. Mas foi em 1989, com o advento das primeiras pesquisas realizadas no âmbito do Projeto Corumbá, que foi inaugurado o segundo momento da Arqueologia Pantaneira, o que vem até os dias de hoje e também reflete as mudanças de nuance registradas na Arqueologia Brasileira nas duas últimas décadas. Desde então, o Pantanal passou a ser alvo de pesquisas no campo da Arqueologia moderna, quer dizer, de uma Arqueologia desvinculada da procura incerta de objetos isolados, recolhidos para museus nacionais e estrangeiros, e dedicada às pesquisas sistemáticas, contínuas e organizadas. Neste novo momento, as investigações sobre os aterros continuaram sendo o principal objeto de estudo, a menina dos olhos dos pesquisadores, cujos resultados passaram a ser amplamente divulgados.

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Em minha opinião, de todos os projetos desenvolvidos ou em andamento na região, o Projeto Corumbá foi o que deu mais contribuições para a Arqueologia Brasileira, ainda que o tenha criticado por ter seguido um determinismo tecno-ambiental de caráter históricoculturalista. De todo modo, avalio que seu maior legado tenha sido o treinamento contínuo de jovens pesquisadores, os quais concluíram cursos de pós-graduação stricto sensu a partir da década de 1990, alguns deles atualmente estudando novos objetos. Contudo, outros projetos, com menos recursos e menor equipe, também contribuíram para o avanço da Arqueologia regional. Um bom exemplo disso é projeto Ocupação pré-colonial do Pantanal Matogrossense: Cáceres-Taiamã. Além da produção de novos conhecimentos, no cômputo geral todos os projetos, de um modo ou de outro, tiveram sucesso no campo da Arqueologia Pública, principalmente no que se refere à preservação de recursos arqueológicos, não esquecendo aqui das pesquisas executadas na modalidade de Arqueologia por contrato. Apesar das contribuições apontadas, muito ainda está por ser feito considerando as poucas pesquisas desenvolvidas na porção pantaneira da Bolívia e do Paraguai, embora as perspectivas futuras parecem ser animadoras diante da crescente preocupação com a preservação do patrimônio arqueológico em áreas diretamente afetadas por obras de engenharia como gasodutos, hidrovias e termelétricas. Sobre a pré-história das terras baixas do Pantanal, tratada na Segunda Parte da tese, procurei abordar o assunto dentro de uma perspectiva geográfica para além-fronteiras político-territoriais do Brasil. Inicialmente, apontei que as primeiras ocupações indígenas da região podem recuar ao início do holoceno, quando povos pescadores-caçadores-coletores ali se estabeleceram. Também defendi a tese de que não há dados de natureza alguma que possam sustentar a idéia de que o Pantanal teria sido uma área inóspita à instalação de populações humanas, como sugerido em estudos realizados no âmbito do Projeto Corumbá. Pelo contrário, meus argumentos corroboram a proposição de que aquela região do alto Paraguai desde o holoceno possui uma expressiva biodiversidade, oferecendo uma gama de recursos para sociedades adaptadas aos ecossistemas locais. Nesta perspectiva, os dados arqueológicos disponíveis sugerem que a partir do Ótimo Climático, sobretudo desde uns 4.500 anos atrás, houve um significativo aumento demográfico

na

região,

momento

em

que

povos

pescadores-caçadores-coletores

intensificaram a ocupação das terras baixas, ali construindo várias estruturas monticulares.

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Ademais, é provável ainda que a partir do milênio anterior ao início da Era Cristã, tenha iniciado a gradativa formação de um rico mosaico sociocultural no centro da América do Sul. Este mosaico foi constituído pelos povos canoeiros que lá estavam estabelecidos, além de povos agricultores de origem amazônica que migraram para o Pantanal por motivos pouco conhecidos. Outrossim, apresentei hipóteses que indicam uma antiga incorporação, inicialmente diferencial e anterior a 3.000 AP, de elementos cerâmicos relacionados a distintos estilos e etnicidades, pertencentes à chamada tradição Pantanal. Incorporei ainda novos aportes teóricos para a interpretação dos aterros pantaneiros, a exemplo do que vem acontecendo em vários países americanos. Em resumo, argüi que a compreensão dessas estruturas monticulares é mais complexa do que havia sido pensado até pouco tempo. Expliquei, dentre outras coisas, que os aterrados não foram apenas construídos e ocupados como resposta aos fatores ecológicos regionais. Sua construção requereu o uso de conhecimentos arquitetônicos e a organização do trabalho social, além de fatores ideológicos, relações de poder e estratégias de territorialidade. Alguns dos maiores mounds conhecidos em várias regiões do Pantanal, inclusive na República do Paraguai, por exemplo, foram erguidos em pontos estratégicos para o controle de importantes vias fluviais e lagoas, indício das disputas interétnicas por nichos ecológicos com abundantes recursos bióticos. Ademais, ter a posse de aterros provavelmente foi motivo de diferenciação social e talvez da existência de hierarquias entre povos pescadores-caçadores-coletores, o que demonstra que eles não viviam em sociedades frouxas, igualitárias e sem conflitos internos. Em tempos coloniais, para ser mais específico, muitos povos indígenas estavam estabelecidos na região: nas terras altas havia aldeias de povos Arawak e Guarani e nas terras baixas era marcante a presença de povos canoeiros como os Guató, Guaxarapo e Payaguá, dentre outros. Isto posto, finalmente concluí que do ponto de vista etnoistórico há fortes razões para acreditar na existência pretérita de um complexo de sociedades canoeiras. Este complexo emergiu em tempos pré-históricos e foi desestruturado com a Conquista Ibérica, tendo sido marcado por diferenciações sócio-econômicas e políticas. Em seqüência à proposta de analisar e concatenar dados de natureza variada, com vistas à compreensão da História Indígena regional, na Terceira Parte, a última, tratei especificamente dos Guató, povo que há uma década venho estudando.

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Inicialmente, analisei sua organização social dentro de uma perspectiva etnoistórica que privilegiou o sistema de parentesco. Após apresentar e discutir vários dados recolhidos de fontes textuais e da tradição oral, apresentei a tese de que a organização social dos Guató tem sido marcada pela existência de famílias nucleares independentes, ao menos do ponto de vista da subsistência, estruturadas em um complexo sistema de patrilocalidade, o qual por sua vez sugere a predominância de uma descendência patrilinear. As informações analisadas possibilitam pensar que em várias regiões do Pantanal, especialmente em áreas de grandes lagoas como a Gaíva e a Uberaba e rios caudalosos como o Paraguai e o São Lourenço, diversas famílias Guató constituíram parentelas ligadas por laços de consangüinidade, afinidade e reciprocidade, mantendo grande mobilidade espacial como forma de controle do território. Por isso, por séculos conseguiram manter o domínio sobre grandes extensões da região. Além disso, como estratégia de territorialidade eles formaram alianças interétnicas com povos canoeiros vizinhos, a exemplo do Guaxarapo. Esta aliança, articulada por indivíduos capazes de liderar grupos locais, foi constituída em tempos pré-históricos e perdurou até o período colonial, servindo como uma espécie de barreira interétnica contra diversos povos inimigos, destacadamente os Guarani, Mbayá-Guaikuru e Payaguá. Portanto, apesar de não viverem em grandes aldeias, mas dispersos por um território muito bem conhecido e demarcado, mantiveram um mesmo estilo cerâmico, uma mesma língua, uma mesma organização social, enfim, um modus vivendi e uma identidade que marcam o ethos canoeiro desse povo. Logo, esta forma de organização social também está refletiva em sua própria cultura material, a exemplo da capacidade volumétrica das vasilhas cerâmicas conhecidas etnograficamente, cujo tamanho variava de acordo com o número de co-residentes em um assentamento, apresentado semelhanças morfológicas com o vasilhame conhecido para a tradição Pantanal. Contudo, diante da definitiva conquista do alto Paraguai pelos bandeirantes de São Paulo e seus sucessores na região, gradualmente houve uma diminuição da complexidade da organização sócio-política dos Guató, também conseqüência do desmantelamento de muitas parentelas. Por conta disso, várias famílias partiram em sua diáspora rumo a direções distintas, porém dando sua contribuição biológica e sociocultural para a formação da população pantaneira atual.

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Na Terceira Parte, analisei ainda a presença dos Guató no curso inferior do antigo rio dos Porrudos, atual São Lourenço, comprovando a existência um continuum desde o século XVI até os últimos descendentes do conhecido João Casado, ou simplesmente Caetano, o último principal do vale do Caracará com quem Max Schmidt manteve contato em 1910. Até o primeiro semestre de 2001, havia somente três parentes naquela região, divididos em dois assentamentos permanentes, cada qual com dois indivíduos. Nesses locais realizei pesquisas etnoistóricas e etnoarqueológicas, tendo por último dado início a investigações arqueológicas ainda em curso. Tratei basicamente de alguns assuntos relevantes à interpretação do registro arqueológico, inferindo sobre eventuais continuidades e mudanças no modus vivendi, quais sejam: atividades de subsistência, mobilidade espacial, relações com a sociedade envolvente, distribuição no espaço das estruturas existentes nos assentamentos, processos de formação do sítio arqueológico, vida cotidiana, áreas de atividade e cultura material. Por tudo isso, acredito que este trabalho apresenta relevantes contribuições para um (re)pensar contínuo sobre a presença indígena nas terras baixas do Pantanal, especialmente para aqueles pesquisadores ávidos por produzir novos conhecimentos, rever antigos paradigmas e questionar determinados modelos. Além do mais, esta é apenas mais uma etapa das pesquisas no Pantanal. Outros problemas e objetos ainda deverão ser estudados nos próximos anos. Oxalá consiga ter sucesso nessas outras empreitadas.

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