2003 - Recorribilidade das interlocutórias e reformas processuais novos horizontes do agravo retido

June 23, 2017 | Autor: Heitor Sica | Categoria: Agravo de instrumento
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RECORRIBILIDADE DAS INTERLOCUTÓRIAS E REFORMAS PROCESSUAIS : NOVOS HORIZONTES DO AGRAVO RETIDO Heitor Vitor Mendonça Sica

SUMÁRIO – 1. Introdução – 2. Recorribilidade das Interlocutórias: um Antigo Dilema – 3. As Várias Faces do Problema – 3.1. Considerações Iniciais – 3.2. Fundamentos do Regime de Recorribilidade de Interlocutórias Instituída pelo Código de Processo Civil de 1973 – 3.3. Princípio da Oralidade – 3.4. Irrecorribilidade de Interlocutórias e Quebra do Regime de Preclusões – 3.5. Alterações no Sistema Recursal e Meios Sucedâneos de Impugnação – 4. As Reformas do Recurso de Agravo – 5. O Agravo Retido – 5.1. Elogios e Críticas ao Agravo Retido – 5.2. O Procedimento do Agravo Retido – 5.3. O Agravo Retido como Meio de Aceleração da Prestação Jurisdicional em Primeira Instância – 6. Ampliar as Hipóteses de Agravo Retido Obrigatório? – 6.1. Considerações Iniciais – 6.2. O inciso I do art.851 do CPC de 1939 – 6.3. O inciso II, primeira parte, do art.851 do CPC de 1939 – 6.4. O inciso II, segunda parte, do art.851 do CPC de 1939 – 6.5. O inciso III do art.851 do CPC de 1939 – 6.6. O inciso IV, primeira parte, do art.851 do CPC de 1939 – 6.7. O inciso IV, segunda parte, do art.851 do CPC de 1939 – 6.8. Risco de Proliferação de Mandados de Segurança contra Atos Judiciais? – 7. Conclusão – 8. Bibliografia

1. Introdução

Um dos problemas que mais afligem os que buscam o Poder Judiciário na solução de conflitos é, atualmente, o afogamento dos Tribunais, sejam os Estaduais, sejam os de superposição, gerando filas intermináveis de processos aguardando, por anos, julgamento. Muitas são as causas desse quadro desolador: a insuficiência de juízes1, a precariedade da estrutura física do Poder Judiciário, a excessiva litigiosidade do Estado

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Apenas para ilustrar a afirmação, podemos fazer, de modo totalmente despretensioso e atécnico, a comparação entre o número de juízes e de julgamentos havidos no Superior Tribunal de Justiça, e na Corte di Cassazione italiana. O STJ, como se sabe, conta com 33 Ministros, divididos em seis Turmas, às quais cabe o julgamento de questões de Direito Público, Privado e Criminal e, em 2002, julgaram 169.043 processos (dado do site: www.stj.gov.br). Conforme dados citados por ANDREA PROTO PISANI (Lezioni di diritto processuale civile, 3ª ed., p.18-19), a Corte di Cassazione conta com 140 Juízes apenas para as causas cíveis, e afirma (com espanto e indignação) que 15 mil causas foram julgadas em 1995, e que outras 40.000 esperariam julgamento em prazo estimado em 820 dias. BARBOSA MOREIRA (Processo civil brasileiro e o procedimento por audiências, in Temas de direito processual, 6ª série, p.101) afirma que, segundo cálculos, 30% das vagas dos cargos do Poder Judiciário estão vagos. E anota, com lastro em estudo de VESCOVI e RUECO publicado na Revista uruguaya de derecho procesal, que países vizinhos ao nosso encontram-se, nesse aspecto, em situação muito melhor que a nossa (é o caso particularmente do Uruguai que, em 1991, contava com a 3ª melhor média mundial de número de juizes para cada 100.000 habitantes (15,5), atrás apenas de Alemanha (30) e Bélgica (20).

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em suas diversas esferas2 e outras tantas que estão direta ou indiretamente relacionadas aos problemas sócio-econômicos de nosso país. Porém, é evidente que nosso ordenamento processual civil contém imperfeições que contribuem de modo marcante para o estado caótico em que se encontra a administração da Justiça no Brasil. Felizmente nossa doutrina processual já despertou para tal realidade, demonstrando que de nada adianta lamentar os fatores extra-processuais que emperram o Poder Judiciário, sem assumir uma posição pró-ativa de revitalização e aprimoramento do direito processual civil, em consonância com as exigências de efetividade e celeridade na solução de conflitos. E foi da pena de notáveis processualistas pátrios3 que emergiram Anteprojetos que culminaram, de 1992 a 1995, e, posteriormente, de 2001 a 2002, na edição de diversas leis reformadoras do CPC, as quais, sem sombra de dúvida, introduziram avanços significativos em nosso ordenamento processual. Interessa-nos, em consonância com a proposta deste estudo, enfocar nosso sistema de recursos, que é inegavelmente rico em formas e oportunidades de impugnação das decisões judiciais (nesse aspecto, sem par em legislações estrangeiras 4) e, exatamente por isso, alvo de inúmeras críticas5.

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Esse fato, que é bem conhecido, foi recentemenmte destacado pelos Professores JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE e CARLOS ALBERTO CARMONA como uma das causas da crise na adminiostração da Justiça no Brasil (A posição do juiz: tendências atuais, in Revista Forense, nº 394, p.87) 3 A Comissão que deu impulso às reformas processuais a partir de 1992 era composta pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, e pelos Professores Athos Gusmão Carneiro, Ada Pellegrini Grinover, Celso Agrícola Barbi, José Carlos Barbosa Moreira, José Eduardo Carreira Alvim, Humberto Theodoro Jr., Kazuo Watanabe e Sérgio Sabione Fadel. 4 Na Itália, as ordinanze (decisões que se assemelham às nossas decisões interlocutórias) são na sua maioria irrecorríveis (|algumas exceções, para exemplificar, são: a ordinanza di condanna, prevista no art.186quarter do CPC, que é apelável – Cfr. COMOGLIO-FERRI-TARUFFO, Lezioni sul processo civile, p.803-804 – e o caso previsto no art.178, que dispõe sobre o reclamo interposto pela parte contra decisão do juiz instrutor, ao colegiado, em que pese ser discutível sua natureza recursal). Segundo expressa enunciação legal, numerus clausus, várias sentenze não são apeláveis (exemplo é a sentenza resultante de julgamento por eqüidade do giudice de pace – art.113). O recurso à Corte Costituzionale tem contornos muito diferentes do nosso Recurso Extraordinário, e é apresentado com menor freqüência. O CPC francês também estabelece restrições à apelabilidade das interlocutórias, dependendo do assunto de que tratam (arts.543 a 544), além de limitações de apelabilidade das sentenças de valor de alçada inferior a 3.800 euros. Em Portugal, o art.691 fixa o cabimento da apelação, e o art.733 dispõe que de todas as decisão inapeláveis cabe o recurso de agravo. Todavia, alguns recursos tem previsão legal de “subida imediata” (conforme art.734 e assemelham-se a nosso agravo de instrumento); outras tem “subida diferida” (consoante o art.735, de modo similar ao agravo retido brasileiro). 5 Cfr., dentre outros, CARLOS ALBERTO CARMONA, O sistema recursal brasileiro: breve análise crítica, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v3, p.34-51; BARBOSA MOREIRA, Reformas do CPC em matéria de recursos, in Revista Forense, nº 354, p.177-185.

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As reformas legislativas operadas recentemente6 corroboram a impressão de que, de fato, o sistema recursal desponta como fonte de problemas e preocupações para a doutrina processual atual7, donde emergem diversos fatores que conspiram contra a efetiva e célere distribuição da justiça. Feitas tais considerações, procuraremos abordar apenas um dos pontos críticos do regime de recursos, ou seja, aquele relativo ao agravo e ao princípio da ampla recorribilidade em separado das interlocutórias (insculpido no art.522 do CPC), deixando de fora deste despretensioso estudo muitas outras perturbadoras questões freqüentemente enfrentadas pela doutrina. Para tanto, impende analisar as mudanças operadas em nosso sistema recursal civil, desde o Código de 1939, identificar tendências nas recentes alterações legislativas e apresentar sugestões de lege ferenda a fim de fomentar a discussão em torno do problema colocado.

2. Recorribilidade das Interlocutórias – um Antigo Dilema

BARBOSA MOREIRA, em sua magistral obra Comentários ao Código de Processo Civil (v.5, p.479), discorre sobre a existência de um “dilema” comum a todos os ordenamentos processuais : proibir ou permitir a recorribilidade das decisões interlocutórias, e em que medida. Com efeito, a questão da recorribilidade das interlocutórias é um problema não só para os sistemas processuais modernos, mas vem sendo objeto de estudos e reformas legislativas desde o Baixo Império Romano8. Na evolução do Direito luso-brasileiro, a questão sempre suscitou polêmicas e, ao longo da história, recebeu tratamentos bastante distintos. Uma breve

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Veja-se, a propósito, as Leis nºs 8950/94 (que alterou a parte geral dos recursos, recurso de apelação embargos declaratórios etc.), 9139/95 (recurso de agravo), 9756/98 (Recursos Especial e Extraordinário), 10352/2001 (agravo, apelação, embargos infringentes) etc.. 7 BARBOSA MOREIRA (Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.177 e ss.) faz, a propósito, interessante observação, no sentido de que, dos 70 artigos do CPC em matéria de recursos, 30 já sofreram alterações (alguns mais de uma vez). E veja-se que o artigo citado foi publicado antes mesmo da promulgação da Lei nº 10352 de 26.12.2001. 8 JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e LUIZ CARLOS DE AZEVEDO (Lições de história do processo civil romano, p.169-170) mencionam fragmento do Digesto (49.5.2) da época dos Severos, que atesta serem apeláveis as interlocutórias. MOACYR LOBO DA COSTA confirma, com amparo na lição do romanista RICCARDO ORESTANO, que a appellatio contra interlocutórias era cabível no Século III d.C., e que a prática foi

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análise retrospectiva histórica convém para demonstrar a origem do recurso de agravo, entre os Séculos XIV e XVI, e os problemas que daí advieram e com os quais a doutrina processual está às voltas até hoje. No final do Século XIII, D.Afonso III, Rei do então recém criado Estado Português, havia baixado lei instituindo a apelabilidade de todas as sentenças, definitivas ou interlocutórias, inclusive como meio de reforçar seus poderes na administração da justiça em todo o território lusitano. Anos depois, já no início do Século XIV, D. Afonso IV, alegando que as partes valiam-se maliciosamente das apelações para embaraçar os processos, proibiu a recorribilidade das interlocutórias, exceto daquelas que implicavam o término do processo (hoje por nós chamadas terminativas) e daquelas que poderiam causar dano não passível de reparação pela sentença definitiva. Ambas as leis acham-se reproduzidas no Livro 3 das Ordenações Afonsinas, de 1446, respectivamente nos Títulos 71 e 72. A partir de então, as interlocutórias, uma vez proferidas, não podiam jamais ser revogadas, deixando as partes totalmente desamparadas em casos de injustiças. Daí é que o procedimento começou a se flexibilizar, conforme atestam as Ordenações Afonsinas (3.67.2), facultando-se ao juiz revogar a qualquer tempo as interlocutórias simples, de ofício ou por requerimento da parte formulado em até dez dias de sua prolatação. E se o juiz não quisesse revogá-las mesmo após pedido da parte? Exatamente aí está a gênese do recurso de agravo. Nessa hipótese, incabível a apelação e ante a recusa de revogação, impunham as Ordenações Afonsinas (3.67.5) que o juiz deveria extrair o “Extormento de agravo” ou a “Carta testemunhável”, que eram os meios pelos quais o agravado (litigante que sofrera agravo ou prejuízo emergente da decisão interlocutória) levava à Corte queixa sem forma ou figura de juízo9. Pouco a pouco, o nome agravo passou, então, a designar o remédio que se voltava contra o prejuízo surgido da interlocutória inapelável10, até que, nas Ordenações Manuelinas, editadas definitivamente em 1521, o agravo apareceu como recurso ordinário, em variadas formas : de instrumento, de petição (a interposição de um ou de outro se dava em razão da distância que o litigante se localizava da Corte que

posteriormente proibida pelo Código Teodosiano e pelo Código Justinianeu (O agravo no direito lusitano, in Estudos de história do processo – recursos, p.134-135). 9 Cfr. BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.477. 10 Cfr. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao código de processo civil, v.7, p.264..

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julgaria o recurso), no auto do processo11 (originalmente cabível contra “decisões interlocutórias simples dos sobrejuizes, ouvidores, desembargadores ou corregedor e em dois casos específicos: contra a decisão de recebimento da apelação ou da sopricação”12 e que foi criado “para atender à necessidade de possibilitar a reparação do gravame causado às partes pelas interlocutórias simples”13), e, finalmente, o agravo ordinário (anteriormente denominado sopricação14). Com o advento do Código Sebastiânico (ordenamento de menor importância editado entre as Ordenações Manuelinas e as Filipinas), em 1569, criou-se o agravo de ordenação não-guardada (de finalidade estritamente processual15, reputada ancestral remoto da correição parcial). As Ordenações Filipinas, de 1603, mantiveram todas as formas de agravo das Manuelinas16, e vigeram no Brasil até após a proclamação da independência. O Regulamento 737 (editado em 1850 inicialmente para aplicação somente às causas comerciais e, após, estendida para as causas cíveis em geral, por força do Decreto nº 763, de 1890) manteve apenas o agravo de petição e o de instrumento, não recepcionando o no auto do processo17 e o ordinário18. Os Códigos Estaduais acabaram sendo profundamente influenciados pelas Ordenações Filipinas e pelo Regulamento 737, instituindo sistema recursal similar ao de ambos19. Variavam, nesses diplomas, apenas as modalidades do agravo20. Já o Código de Processo Civil brasileiro de 1939 trouxe algumas inovações ao sistema recursal. As decisões interlocutórias simples (i.e., que não punham termo ao processo) poderiam ser, quanto à recorribilidade, de três tipos: as primeiras, constantes de rol taxativo enunciado pelo art.842, eram impugnáveis por agravo de instrumento; doutras, arroladas também taxativamente no art.851, cabia agravo no auto do 11

Registramos haver certa controvérsia doutrinária acerca do diploma que efetivamente criou a figura do “agravo no auto do processo”. PONTES DE MIRANDA (Comentários, cit., v.7, p.265) afirma ter sido por meio de Carta Régia do Rei D. João III, de 1526, mas parecem prevalecer as opiniões de MOACYR LOBO DA COSTA (O agravo no direito lusitano, cit., p.157) e de ALFREDO BUZAID (Do agravo de petição, p.40 e ss.) , no sentido de tratar-se de forma recursal já acolhida pelo legislador manoelino (1.6.2 3.54.8 e 3.77.17). 12 Cfr. JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, Jurisdição e poder, p.168. 13 Cfr. MOACYR LOBO DA COSTA (Origem do agravo no auto do processo, in Estudos de história do processo - recursos, p.189) 14 Cfr. CRUZ E TUCCI, Jurisdição e poder, p.168. 15 Cfr. CRUZ E TUCCI, Jurisdição e poder, p.173. 16 Cfr. CRUZ E TUCCI, Jurisdição e poder, p.174 e ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, Introdução aos recursos cíveis, p.21. . 17 Cfr. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, Introdução aos recursos cíveis, p.38. 18 Cfr. CRUZ E TUCCI, Jurisdição e poder, p.188-189. 19 Cfr. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, Introdução aos recursos cíveis, p.44. 20 Cfr. BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.478.

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processo (reintroduzido no ordenamento, após ter sido esquecido pelo Regulamento 73721) ; e das demais não se permitia recorrer. Para citar alguns exemplos de decisões enumeradas no art.842, vejam-se aquelas que inadmitiam intervenção de terceiros (inc.I), que julgassem exceção de incompetência (inc.II) ou que inadmitiam a apelação (inc.IX); havia outras, como aquelas mencionadas nos incisos VII e VIII que diziam respeito a procedimentos especiais, e as dos incisos XI a XIII aplicáveis apenas a hipóteses do processo de execução. É fácil perceber não haver qualquer rigor técnico ou científico para determinar que decisões seriam agraváveis de instrumento e quais não. O rol era taxativo, e não admitia interpretação extensiva (por exemplo: a decisão que admitisse a intervenção de terceiros não poderia ser agravada com fundamento no art.842, I)22. Já o rol do art.851 era mais restrito e, pode-se dizer, um pouco mais lógico, embora também tecnicamente frágil. No inciso I trazia-se a decisão que rejeita exceção de litispendência e de coisa julgada23; o inciso II mencionava a decisão que indefere prova, ou que importe de qualquer modo em “cerceamento de defesa”; o inciso III inseria a decisão concessiva de “medidas preventivas” no curso da lide, e, por fim, o inciso IV, que incluía a decisão que considerava ou não saneado o processo (exceto nos casos em que o extinguia sem exame de mérito, pois dela caberia agravo de petição, como a parte final desse próprio inciso advertia). Voltaremos a tratar desses casos abaixo. Claro perceber, portanto, a confusão que se causava aos litigantes no momento de interposição de recursos, e daí se explica a importância do art.810 do CPC/39, que insculpia o tão decantado princípio da fungibilidade recursal24. Por isso mesmo, o sistema de recursos do CPC/3925 era muito criticado26. O Código de Processo Civil atual alterou esta sistemática de forma marcante. Além de restabelecer a recorribilidade de todas as interlocutórias, deixou a 21

Cfr. JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de direito processual civil, v.4, p.224 Cfr. FREDERICO MARQUES, Instituições, cit., v.4, p.215 23 As exceções de litispendência e coisa julgada, segundo o art.182, II do mesmo codex, eram instrumentalizadas separadamente à contestação, e autuadas em apenso, como ocorre hoje com as exceções de incompetência, impedimento e suspeição – arts.307 e 312 do CPC/73. 24 NELSON NERY JR. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p.115 e ss.) ressalta, na esteira da genaralidade da doutrina, a importância da norma sob a égide do CPC/39 e leciona que tal princípio, apesar de não estar expresso no CPC/73 ainda pode ser aplicado, em casos isolados, e respeitados os requisitos previstos. 25 Para encerrar esse breve panorama acerca do sistema recursal do CPC/39, cumpre mencionar, apenas para registro, que apenas as decisões definitivas de mérito eram atacadas pela apelação (art.820), ao passo que as terminativas deveriam ser desafiadas pelo agravo de petição (art.846). Havia, ainda, o Recurso Extraordinário, o Recurso de Revista, os Embargos Infringentes, de Nulidade e de Declaração, sobre os quais não nos cabe aqui discorrer. 26 CARMONA, O Sistema recursal brasileiro, cit., p.34. 22

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cargo do recorrente optar pelo agravo de instrumento ou retido (art.522 do CPC). Sobre sua sistemática recursal, nos deteremos nos itens seguintes. Esse panorama histórico-comparativo das legislações luso-brasileiras demonstra que há séculos a questão da recorribilidade das interlocutórias impõe sérias dificuldades aos ordenamentos processuais. O Direito Lusitano Reinol resolveu-o com a introdução do agravo contra qualquer interlocutória simples, e tal criação, genuinamente lusitana, condicionou nosso direito processual de forma brutal27. A solução do dilema a que nos referimos não se limita, simplesmente, a delimitar as hipóteses de recorribilidade das interlocutórias, mas também de que forma o recurso se processará, ou seja, se têm efeito devolutivo imediato ou diferido28 (i.e., se o agravo é de instrumento ou retido) e se suspendem ou não o curso do processo.

3. As Várias Faces do Problema

3.1. Considerações Iniciais

A ampla recorribilidade por recursos de efeito devolutivo imediato certamente garante que eventuais injustiças decorrentes de equivocados pronunciamentos interlocutórios, violando direitos das partes, possam ser prontamente corrigidas. Os recursos, em si, funcionam sempre como veículos de promoção de justiça, ao permitirem que órgão judicial estranho ao prolator de decisão recorrida reveja o conteúdo desta. Por outro lado, como teremos oportunidade de tratar adiante29, o regime de ampla recorribilidade das interlocutórias traz sempre consigo, inafastavelmente, um sistema rígido de preclusões, que estabiliza as decisões tomadas incidentalmente, tornando-as, salvo algumas exceções, irrevogáveis pelo juiz que as proferiu.

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RODRIGO XAVIER LEONARDO, em recente estudo sobre o tema (O recurso de agravo e a nova reforma do código de processo civil, in A Segunda etapa da reforma processual civil, p.265-286) faz uso da feliz expressão “fardo cultural” quando alude a tal condicionamento histórico. 28 Sobre a dicotomia efeito devolutivo imediato ou diferido, DINAMARCO, Efeitos dos recursos, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v.5, p.32 e ss.. 29 Item 3.4, infra

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Além disso, o primado da recorribilidade ampla das interlocutórias, abraçado pelo legislador de 1973, acarreta, sem sombra de dúvida, tumulto no desenvolvimento do processo e solapa as bases para aplicação do chamado princípio da oralidade30. A proibição de recursos em face das interlocutórias tem, contrariamente, a vantagem de permitir a maior concentração dos atos na instância monocrática, e permitiriam, em nosso sistema atualmente vigente, que as já escassas e fracas normas insculpidas no CPC em prol do princípio da oralidade31 tivessem mais condições de surtir efeitos práticos, e pudessem contribuir para um processo mais célere. Entendemos que a recorribilidade das interlocutórias por recurso de efeito devolutivo diferido (rectius, por agravo retido) atenderia de forma equivalente aos mesmos escopos32. A escolha entre esses dois sistemas há que sopesar e (ao menos) tentar conciliar os valores mais importantes na órbita do processo civil, embora conflitantes entre si : a eterna busca pela melhor justiça ao caso concreto, a necessidade de segurança jurídica como postulado inerente ao Estado de Direito, e a cada vez mais premente exigência de celeridade processual.

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CHIOVENDA (Instituiciones de derecho procesal civil, v.3, p.167 e ss.), como se sabe, lançou as bases doutrinárias para definição desse princípio processual, e até hoje suas lições influenciam fortemente processualistas pátrios (v.g., OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Curso de processo civil, v.1, p.66-69; CINTRAGRINOVER-DINAMARCO, Teoria geral do processo, p.329). O Mestre peninsular realça a importância da oralidade no processo, e leciona que sua realização se funda sobre quatro pilares principais: o princípio da imediatidade (pelo qual se estabelecem normas favorecendo o contato pessoal do juiz com as partes, o que se mostra relevante sobretudo na análise das provas); o princípio da identidade física do juiz (que recomenda que o mesmo magistrado que presidir a postulação das partes e a instrução probatória, profira o julgamento final); o princípio da concentração (cuja aplicação implica sejam todos os atos de postulação, instrução e julgamento realizados em única audiência, ou em mais de uma audiência, mas designadas em datas próximas umas das outras, a fim de facilitar a apreciação das provas e o convencimento do juiz acerca dos fatos litigiosos) e, por fim, o princípio da irrecorribilidade das interlocutórias (pois a possibilidade de recorrer-se em separado das interlocutórias atenta, principalmente, contra a concentração e a imediatidade). 31 Podemos elencar, como normas que procuram privilegiar o princípio da oralidade, aquela insculpida no art.331 do CPC (que faz concessão ao princípio da concentração e da imediatidade, e determina se faça o saneamento do processo oralmente, em audiência, exceto nas hipóteses introduzidas pela Lei nº 10444/2002), o art.454 (que determina ao juiz colha os debates orais ao final da audiência de instrução, e prolate a sentença oralmente, mas possibilita a realização de tais atos por escrito); o art.132 (que tenta introduzir em nosso sistema o princípio da identidade física, mas estatui uma gama tão grande de exceções, que, na prática, o princípio tem pouca aplicação) etc.. Não sem razão os autores que afirmam que o princípio da oralidade em nosso ordenamento é mitigado (Cfr. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v.1, p.184; e EDUARDO TALAMINI, A nova disciplina do agravo e os princípios constitucionais do processo, in Revista de processo, nº 80, p.127). 32 Nesse ponto, discordamos de JEFFERSON CARÚS GUEDES (Recursos retidos e a ‘aplicação’ dos subprincípios da oralidade, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.3, p.298–299 e 303), pois, em nosso entender, a irrecorribilidade das interlocutórias e a recorribilidade por agravo retido, representam, substancialmente, fenômenos congruentes. Em ambos nega-se a bipartição da instância, prosseguindo-se o procedimento até sentença. A única diferença, que pouco (ou nada) toca à aplicação do processo oral, é a de que, no primeiro regime, as questões não precluem e podem ser reiteradas na sentença (como ocorre no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis e no Processo do Trabalho – – vide item 3.4, infra); ao passo

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A ampla recorribilidade em separado das interlocutórias atende ao primeiro valor acima elencado, pois fornece às partes meios para provocar o reconhecimento de injustiças eventualmente cometidas no curso do processo. Porém, a ampla possibilidade de recurso contra questões incidentais está intrinsecamente ligada a um forte regime preclusivo. De fato, caso quede irrecorrida determinada decisão interlocutória, ou caso o recurso contra ela interposto seja rejeitado, a decisão torna-se, no mais das vezes, imutável, e imune de ataques das partes e de revogação pelo magistrado que a prolatou. Aqui se está claramente privilegiando o princípio da segurança jurídica. As restrições à recorribilidade das interlocutórias privilegiam, de seu lado, a necessidade de celeridade processual. Mas o risco de existirem invalidades processuais que possam levar muito tempo para serem reconhecidas (em grau de apelação, por exemplo), traz consigo o risco de se tornarem inúteis diversos atos processuais (especialmente de instrução). Além disso, e principalmente, as limitações à impugnabilidade das interlocutórias geram o perigo de danos irreparáveis ou de difícil reparação no curso da relação processual, sem remédio adequado a tutelar os direitos da parte prejudicada. Claro perceber, pois, que qualquer solução para o problema apresenta diversas variáveis, e que estão em jogo os valores mais importantes do sistema. Tentar harmonizá-los é trabalho constante do legislador e dos estudiosos do processo.

3.2. Fundamentos do Regime de Recorribilidade de Interlocutórias Instituída pelo Código de Processo Civil de 1973.

ALFREDO BUZAID, na Exposição de Motivos ao Anteprojeto de Código de Processo Civil, dizia que o regime de ampla recorribilidade em separado das interlocutórias seria o único meio de conviver com “litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso”, que acabavam por “engendrar esdrúxulas formas de impugnação”; a opção por esse regime seria uma medida de conformismo diante da impossibilidade de se “modificar a natureza das coisas” (Capítulo IV, Seção II, item 15). Falava-se, também, que diferenciar hipóteses de cabimento dos recursos pelo conteúdo

que no segundo, é ônus da parte interpor o recurso de efeito devolutivo diferido, sob pena de ver preclusa a questão decidida por interlocutória (que é a regra geral no nosso sistema).

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das decisões, e não pela forma, era, cientificamente, reprovável (Capítulo V, itens 26 a 34). Anote-se, por oportuno, que o anteprojeto abolira a figura do agravo no auto do processo, sob o argumento de que, apesar de ser essa figura recursal compatível com o primado da oralidade processual, o agravo de instrumento apresentar-lhe-ia vantagens : para BUZAID, se ambos os recursos não suspendiam o curso do processo, não haveria razão em se aguardar que o agravo no auto do processo fosse apreciado pelo Tribunal apenas em grau de apelação33. A doutrina levantou-se em defesa da manutenção dessa forma de agravo, conforme a própria Exposição de Motivos menciona34 e, a final, durante a tramitação do Projeto, foi ela mantida em nosso sistema processual35, agora sob a denominação de agravo retido. Instituiu-se, então, regime de ampla recorribilidade das interlocutórias, com livre possibilidade do litigante escolher a forma do agravo (retido ou de instrumento)36. Desde então, a maioria da doutrina processual pátria, liderada por nomes de escol como CÂNDIDO DINAMARCO37 e BARBOSA MOREIRA38, vem se questionando se o remédio ministrado pelo legislador de 1973 foi, realmente, o melhor que havia para enfrentar o problema aludido por BUZAID.

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Exposição de motivos, cit., Capítulo V, item 30. Loc.ult.cit.. 35 ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Recurso especial, agravos e agravo interno, p.96, nota 2) relata ter sido a emenda legislativa, apresentada no Senado da República inspirada em sugestão do Prof. MONIZ DE ARAGÃO. 36 Não é demais registrar a divergência existente anteriormente à Lei nº 9139/95 (que alterou o recurso de agravo) em torno de ser possível ou não ao juiz converter o agravo retido em de instrumento, caso achasse que o recorrente estaria desprovido de interesse recursal, mantida a modalidade por ele escolhida (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso especial, agravos e agravo interno, p.109). As profundas alterações no procedimento de ambas as formas de agravo enterraram essa dúvida, pois essa conversão, obviamente, jamais foi viável (apenas o contrário é, hoje em dia, possível, conforme art.527, II do CPC, com redação dada pela Lei nº 10352/2001). Parece-nos, todavia, que, de certo modo, a elegibilidade da modalidade do recurso não é irrestrita. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (O novo regime do agravo, p.255 e ss.) nos ensina que a liberdade de opção está limitada pela exigência do interesse recursal; em algumas situações, o agravo sob a forma retida não pode ser admitido, pois quando de sua eventual e oportuna apreciação pela instância superior, o dano causado pela decisão agravada pode já ter se consumado e ser irreversível. 37 “Lançou-se contra seríssimo postulado do princípio da oralidade, que é a irrecorribilidade das interlocutórias, e aí está o resultado: agravos interpostos abusivamente, a retardar a marcha dos processos em que tirados, e a afogar os tribunais na medida da progressão geométrica em que se multiplicam dia a dia” (A reforma do código de processo civil, cit., p.181–182). 38 Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.178. 34

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3.3. Princípio da Oralidade

Tomando-se por base as lições de CHIOVENDA, segundo as quais está à base do princípio da oralidade a irrecorribilidade em separado das interlocutórias, propomo-nos, inicialmente, a responder à seguinte pergunta : atualmente, o princípio da oralidade é realmente relevante como ferramenta que conduz a maior rapidez na solução das lides, e como instrumento para melhora de qualidade da atividade jurisdicional? Na mesma esteira impõe-se enfrentar a seguinte indagação : seria conveniente reduzir as possibilidades de recorribilidade em separado das interlocutórias para privilegiar o princípio da oralidade? As questões acima expostas são, por certo, muito tormentosas, e não temos a mínima preocupação de exaurir todos os seus aspectos e de respondê-las em caráter definitivo. Sobretudo porque, conforme já reiteradamente acentuou BARBOSA MOREIRA39, não dispomos de dados estatísticos que possam amparar convenientemente a análise acerca das vantagens e desvantagens de se implementar um procedimento oral. Em que pesem todas essas limitações, achamos conveniente, sim, encaminhar essa discussão e convidar o leitor à reflexão. De início, para ilustrar a profunda ligação entre o tema da recorribilidade das interlocutórias e do princípio da oralidade, convém trazer à colação trecho de artigo da lavra do eminente Professor OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA: “Se fosse praticamente possível a construção de um sistema processual que se submetesse ao princípio da oralidade absoluta e radical – com seu consectário lógico da concentração numa única audiência do inteiro tratamento da causa – as decisões interlocutórias acabariam desaparecendo. A freqüência com que elas aparecem, num determinado sistema processual, aumenta na mesma proporção em que o sistema se afasta da oralidade e da concentração e tende-se a tornar-se ordinário, com predomínio da escritura sobre a comunicação oral” (Decisões interlocutórias e sentenças liminares, in Da sentença liminar à nulidade da sentença, p.3).

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Já há algum tempo, o ilustre professor tem acentuado em diversos artigos doutrinários que os esforços reformistas do CPC podem cair no vazio em face da falta de dados empíricos estatísticos que atestem como os juizes (especialmente os de primeira instância) têm reagido e interpretado as normas processuais, antes e depois das reformas. Baseado em tais ponderações, põe em dúvida a utilidade e eficácia prática de se alterar continuamente a legislação processual (Reformas processuais, in Temas de direito processual, 7ª série, p.2– 8 ; As reformas do código de processo civil: condições de uma análise objetiva, in Temas de Direito processual, 6ª série, p.82–93; Reformas processuais e poderes do juiz, in Revista Jurídica, nº 306, abril/2003, p.17, dentre outros).

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Pois bem. Um estudo ainda que ligeiro das lições de CHIOVENDA nesse mister indica que a maior preocupação do ilustre professor era a de que a instrução probatória fosse marcada pelo signo da oralidade. Mas sustentava também que a introdução da demanda, a resposta do réu e as atividades ordinatórias deveriam ser orais. Ressaltava a simplicidade do procedimento oral (pois as partes concentrariam sua exposições orais nos fatos, deixando de lado elocubrações acadêmicas, e que o juiz teria condições de analisar, não só as razões em si, mas também o modo como as partes se colocavam (ousamos dizer que o mote da exposição girava em torno do dito popular “uma imagem vale mais que mil palavras”). A eloqüência do processualista italiano ao defender as vantagens em se privilegiar a prática de atos orais é, com efeito, bastante sedutora. Todavia, são frágeis as bases empíricas para se afirmar que um processo mais carregado de oralidade se adaptaria à cultura de nossos juízes e advogados e, principalmente, se importaria em decisões mais rápidas e de maior qualidade. A experiência mais próxima a um processo oral chiovendiano houve sob a vigência do Código de Processo Civil de 193940. O modelo defendido pelo insigne professor italiano não foi de todo acatado, mas em comparação com as diplomas que o antecederam41 e com o Código que o sucedeu, o CPC/39 certamente implementava com maior amplitude a oralidade processual (sobretudo ao consagrar a recorribilidade restrita das interlocutórias, conforme vimos acima). Consagrava-se o princípio da concentração (impondo-se a unicidade de audiência – art.270) e o da identidade física do juiz (art.17042).

Na Exposição de Motivos, subscrita por FRANCISCO CAMPOS, dizia-se “recomendei desde o princípio que o futuro Código não poderia deixar de afeiçoar-se ao sistema a que quase todos os Códigos de Processo no mundo se vêem progressivamente conformando, tão uniformemente se fazem sentir por tôda a parte as inconveniências do processo escrito tradicional. Impunha-se uma reforma de fundo do nosso processo. (...) a opção não poderia decidir-se a não ser pelo processo oral, em uso em tôda a Europa, à exceção da Itália, onde, porém, a reforma está iminente”. Adiante, a Exposição abre o título “Críticas e objeções ao processo oral”, destinado exclusivamente a rebatê-las, sob a idéia de que “tais objeções fundam-se, porém, no desconhecimento do sistema e, particularmente, ao nome que lhe foi geralmente atribuído”. Ressaltava-se o chamado “poder das palavras”. 41 JEFFERSON CARÚS GUEDES (O princípio da oralidade – procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro, p.38 e ss.) demonstra, de modo irrepreensível, que o processo civil instituído pelas Ordenações Filipinas e pela legislação que a sucedeu na matéria era estritamente escrito, inclusive no tocante a colheita das prova, ressalvando-se, apenas, pequena evolução com a promulgação do Regulamento 737. 42 As exceções ao princípio restringiam-se, praticamente, ao caso de falecimento do magistrado, incapacidade superveniente ou moléstia grave. 40

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Merece destaque o festejado43 despacho saneador (instituto de indisfarçável inspiração lusitana, a começar pelo nome), que era recorrível apenas sob a forma de agravo no auto do processo (art.851, IV do CPC/39), mas era sempre escrito. Claro, então, que ao institui-lo, o legislador levou a cabo o princípio da concentração, e o da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, mas o fez por meio de um ato “de gabinete”. Apesar dos avanços, o codex não ficou imune a críticas por seu excessivo formalismo e arcaísmo44 (aliás, muito pelo contrário), dificultando a implementação efetiva da oralidade45. JOSÉ FREDERICO MARQUES, ao escrever a primeira edição de suas Instituições de direito processual civil, quase 20 anos depois do início da vigência do CPC de 1939, acrescenta mais um relevante dado que conspirou contra a efetiva disseminação da oralidade processual: a cultura dos operadores do Direito. Pontuou o Mestre, naquela oportunidade, com sincero desânimo, o seguinte : “Infelizmente o foro brasileiro não se acomodou de todo ao sistema oral. O Código é violado, neste particular, com progressivas infrações. A princípio, eram os memoriais escritos apresentados em audiência. Posteriormente, a preguiça ou a complacência de alguns juizes, deixando que as inquirições se fizessem sem sua intervenção efetiva, e tão-só com os advogados das partes. Hoje, quase tudo está postergado, como se o procedimento escrito tivesse sido restaurado” (Instituições de direito processual civil, v. 2, p.130). Depois disso, nossa legislação processual, vigente de 1973 para cá, definitivamente relegou o princípio da oralidade a segundo plano dentro do sistema. A própria Exposição de Motivos46 do Código de 1973 procurava demonstrar alguns inconvenientes da oralidade, e as dificuldades de aplicá-lo à risca em

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Dentre os autores de renome que elogiaram a introdução do instituto, GALENO LACERDA (Despacho saneador, p. 6-10), FREDERICO MARQUES (Instituições de direito processual civil, v.3, p.265 e ss.) e, posteriormente, ALCIDES DE MENDONÇA LIMA (Do saneamento do processo, in Saneamento do processo – Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda, p.59–60). 44 O CPC/73 aboliu a prática de apresentar-se as razões recursais apenas no Tribunal ad quem, e a possibilidade de contestação por negativa geral (exceto nos casos do art.302, §Único) e instituiu a ação declaratória incidental, a preclusão quanto às nulidades relativas, dentre outros avanços melhor explicados por ALCIDES DE MENDONÇA LIMA (Do saneamento do processo, in saneamento do processo, p.60). Até mesmo quando privilegiou a oralidade, o legislador não andou bem, como bem demonstram as críticas doutrinárias à “audiência geral”, que foi suprimida em 1973. 45 Sobretudo porque o procedimento ordinário não era concentrado, e sim pautado por excessiva rigidez, sendo impossível o julgamento antecipado do processo (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v.1, p.277).

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um país com as dimensões territoriais do Brasil, a fim de justificar as diversas normas nele instituídas que atentavam contra esse princípio47. O despacho saneador foi mantido (apesar de ter-se abandonado tal denominação48), entrando na órbita da tão falada sistemática do “julgamento conforme o estado do processo” (arts.327 a 331)49. Continuava a ser lançado por escrito, e contra ele sempre cabia o recurso de agravo, de instrumento ou retido, à escolha do litigante. Considerando, ainda, as novas restrições ao corolário da identidade física (introduzidas pelo art.132 do CPC), e as exceções aos princípios da concentração e imediatidade (§3º do art.454), tem-se configurado sério abalo ao princípio da oralidade. A reforma instituída pela Lei nº 8952/94 procurou dar novo impulso à disseminação da oralidade processual, trazendo a grande inovação da audiência preliminar50, na qual teria lugar a tentativa de conciliação, o proferimento da decisão declaratória de saneamento, e o impulso do processo à fase instrutória. Os defensores da reforma51 diziam que as vantagens seriam: a.) prestigiar a concentração dos atos e o contato do juiz com partes e advogados (imediatidade) em uma fase processual em que antes tal prática não era prevista, ou seja, a fase sanedora; b.) prestigiar a conciliação, que não teria palco para tentativa apenas na abertura da audiência de instrução e julgamento (art.448 do CPC), mas também na oportunidade de se sanear o processo52; e c.) melhorar a instrução processual, com a fixação dos pontos controvertidos do litígio, e, incontinenti, o deferimento apenas das provas necessárias a aclará-los. Alguns autores, entusiasmados com a inovação, defendiam que a audiência preliminar era obrigatória. e que a omissão do juiz em designá-la importava em

Capítulo IV, Seção II, item 13: “O projeto manteve, quanto ao processo oral ,o sistema vigente, mitigando-lhe o rigor, a fim de atender as peculiaridades da extensão territorial do país”. 47 A primeira delas, como avulta claro, é o art.522, que ao prever a ampla recorribilidade em separado das interlocutórias fere de morte um dos corolários do princípio da oralidade. Disso trataremos adiante. Alkém disso, o rol de exceções ao princípio da identidade física foi consideravelmente alargado em comparação ao diploma anterior (art.132 do CPC/73). 48 Cfr. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, A nova terminologia do código de processo civil, in Direito processual civil, p.15. 49 Ressaltando as vantagens dessa sistemática, BUZAID, Linhas fundamentais do sistema do código de processo civil brasileiro, in Estudos e pareceres de direito processual civil, p.40 e ss.. 50 Também chamada erroneamente de audiência de conciliação, no entender do Prof. DINAMARCO (A reforma da reforma, p.108). 51 Como NELSON NERY JR. (Audiência preliminar e saneamento do processo, in Reforma do código de processo civil, p.337) e CÂNDIDO DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p.120 e ss.), dentre outros.. 52 A atenção dada pelo legislador reformista à conciliação também se revela no art.125, IV do CPC, com redação dada pela Lei nº 8952/94. 46

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nulidade absoluta de todos os atos praticados após a dispensa53. Outros sustentavam que a audiência preliminar deveria se realizar mesmo se os direitos em controvérsia fossem indisponíveis54. Levantaram-se vozes, ainda que minoritárias, para defender também que a audiência deveria se realizar mesmo no caso de extinção sem exame de mérito, nos casos do art.269, II a V e julgamento antecipado da lide55. Porém, não levou muito tempo para restar demonstrado que a prática diferiu muito da teoria. Os juizes, assoberbados de trabalho, no mais das vezes não tinham tempo para estudo dos autos antes da realização das audiências preliminares e, assim, geralmente encontravam-se nessas ocasiões despreparados para sanear o feito oralmente. As partes aguardavam durante meses a realização da audiência e, frustrada a conciliação, sequer presenciavam o saneamento oral do feito56. Esse quadro já fora anunciado por BARBOSA MOREIRA, que afirmava ser a introdução da audiência preliminar uma “faca de dois gumes”

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: quando obtida a

conciliação, ganha-se tempo; frustrada a composição amigável, perde-se tempo com a designação da audiência, sem que haja alguma vantagem substancial. Para o ilustre Professor, nem sempre o saneamento “de gabinete” ostenta vantagem substancial em relação ao saneamento em audiência58. O advento da Lei nº 10444/2002, que novamente alterou o art.331 do CPC, roborou a lição de BARBOSA MOREIRA, demonstrando que o legislador elegeu como o objetivo mais importante da audiência preliminar a conciliação (e não o saneamento)59. Isso porque a audiência preliminar foi excluída em processos que envolvam direitos que não admitam transação e quando as circunstâncias da causa indiquem remotas as chances

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V.g., CÂNDIDO DINAMARCO , A reforma do código de processo civil, p.126. V.g., DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p.122) e CARREIRA ALVIM (Código de processo civil reformado, p.158 e ss.) 55 V.g., DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p.120-121) e CLITO FORNACIARI JR. (A reforma processual civil, artigo por artigo, p.66) . 56 BARBOSA MOREIRA já havia assinalado essa e outras variadíssimas dificuldades da efetiva implementação de um procedimento por audiências, como, por exemplo, o despreparo técnico dos magistrados para conduzir a tentativa de conciliação, a imensidão territorial do país e as dificuldades de locomoção, a precariedade dos prédios onde se realizam as audiências, a má distribuição de advogados pelo Brasil etc. (Processo civil brasileiro e o procedimento por audiências, cit., p.95–106). 57 Reformas processuais, cit., p.2. 58 “Pode, se vingar a tentativa, abreviar o feito de modo considerável. No caso contrário, porém, alonga o curso do processo, sem outros ganhos que o da fixação imediata dos pontos controvertidos, o da solução das questões processuais pendentes, o da determinação das provas a serem produzidas e o da designação , se necessário, da audiência de instrução e julgamento (art.331, §2º, fine). Tais ganhos nem sempre serão suficientes para compensar o aumento da duração do pleito; mais valeria, por esse prisma, que o juiz procedesse ao respectivo saneamento pela forma tradicional” (Reformas processuais, cit., p.2). 59 Para BARBOSA MOREIRA (Processo civil brasileiro e o procedimento por audiências, cit., p.104), o saneamento do processo em audiência seria “subproduto” da introdução da audiência preliminar. 54

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de conciliação. Tivesse o legislador considerado a importância ao saneamento oral do processo, teria mantido a audiência ao menos para realização dessas atividades. A introdução dessa segunda hipótese no texto da lei, deixando ao arbítrio dos magistrados a realização da audiência, cria o risco de que o acúmulo de processos nas pautas force a dispensa, mesmo em casos em que a conciliação pudesse se efetivar60. Prejudicada estaria, tanto a oralidade, quanto a atividade conciliatória do juiz61. Em vista de todas essas dificuldades para uma efetiva atuação do princípio da oralidade em nosso sistema processual, especialmente a questão cultural ventilada há quase meio século por FREDERICO MARQUES, ousamos afirmar ser despiciendo perquirir as vantagens e desvantagens de abraçá-lo com mais vigor. Contentamo-nos em dizer que a manutenção da decisão saneadora em nosso CPC é, de fato, uma importante ferramenta em prol da celeridade e efetividade do processo. Mesmo que sua prolatação seja feita por escrito, e não em audiência (como no CPC de 1939, no de 1973 em sua redação original, e nas hipóteses introduzidas no art.331, pela Lei nº 10444/2001), a decisão saneadora propicia um exame concentrado dos requisitos de admissibilidade da demanda, antes do início da instrução probatória, o que pode representar sensível economia de tempo, recursos e energia, com a eliminação de litígios que prescindem de maiores indagações do juiz. E tal fato se confirma de forma veemente com uma análise retrospectiva histórica e de direito comparado, demonstrando que a técnica de saneamento concentrado do processo, por escrito ou em audiência, foi implantada com sucesso em vários países, em diversas épocas62. No mais, a colheita oral das razões iniciais das partes (demanda e contestação), além de ser, na prática, inviável, não é da tradição do nosso Direito, e a instituição de norma obrigando sejam orais tais manifestações fatalmente seria 60

Advertência, em linhas gerais, similar é feita por DINAMARCO (A reforma da reforma, p.109–110). A preocupação com a conciliação, contudo, permanece viva e inspirou anteprojetos de lei que pretendem instituir a mediação obrigatória como etapa do processo civil de conhecimento. 62 CARREIRA ALVIM (op.cit., p.154) anota, como antecedentes remotos do instituto, a audiência preliminar instituída nos Códigos de Processo Civil alemão e austríaco. BUZAID, (Do despacho saneador, in Revista de direito processual civil, n.2, 1960, p.82 e ss.) cita, também o summons for directions do Direito inglês e escocês e o pre trial norte-americano. DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p. 116) leciona ser tendência da doutrina processual latino-americana a adoção da audiência preliminar. NERY JR. (Audiência preliminar, cit. p.336) lembra, finalmente, também das disposições pertinentes no Código-tipo de Processo Civil para a América Latina. Face a esses eloqüentes testemunhos, arriscamos discordar de BARBOSA MOREIRA, para quem a menção a experiências alienígenas não é argumento suficiente a justificar a importância do saneamento concentrado do processo, sobretudo em audiência, sem que haja dados estatísticos para demonstrá-la empiricamente (Reformas processuais, cit., p.2). 61

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inobservada. Resta, pois, a colheita de prova oral que, como se sabe, não é comum a todos o processos. De outro lado, e afinado com os objetivos desse breve estudo, podemos afirmar, sem titubear, que o alargamento do princípio da oralidade certamente não possui força suficiente para, enquanto argumento técnico-científico, sustentar proposição de restrição à recorribilidade das interlocutórias. Os demais obstáculos para a implementação de um sistema oral (como a questão cultural, e o acúmulo de processos) são tão grandes, que não parece lógico pôr em xeque a ampla recorribilidade das interlocutórias apenas em concessão a esse princípio.

3.4. Irrecorribilidade de Interlocutórias e Quebra do Regime de Preclusões

Ante ao caótico estado de afogamento dos Tribunais, começam-se a levantar autores que defendem a instituição da irrecorribilidade de algumas interlocutórias63, eliminando-se o recurso de agravo. Tomemos em análise tal sugestão. Entendemos haver dois meios de implementá-la : o primeiro, mais simplista, seria apenas retirar o recurso de agravo contra algumas interlocutórias; o segundo, implicaria afrouxar o regime de preclusões do nosso sistema processual. A diferença entre ambas as soluções é sensível: pela primeira, uma vez decidida determinada questão incidental pelo Juízo singular, a parte não mais poderia discuti-la; pela segunda, dadas questões resolvidas por decisões interlocutórias simples não precluiriam, tal como ocorre nos Juizados Especiais Cíveis64 e no Processo do Trabalho65, e, portanto, poderiam ser ventiladas no recurso contra a sentença definitiva.

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V.g., TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (O novo regime do agravo, p.153), que inclusive critica as legislações reformadoras do CPC por não trazer tal inovação. Cfr. também BARBOSA MOREIRA, Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.182. 64 “Essa característica do processo especial, de não admitir recurso contra decisão interlocutória, não quer dizer que fica vedada, de modo absoluto, a repropositura de questões junto ao órgão recursal. Uma vez proferida a sentença, o recurso contra ela interposto será eficaz para o reexame de todas as questões que foram objeto de decisões interlocutória” (DEMÓCRITO REINALDO FILHO, Juizados especiais cíveis, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p.193). No mesmo sentido, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Recurso especial, agravos e agravo interno, p.105), com esteio na lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI e CÂNDIDO DINAMARCO. 65 Conforme o art.893, §1º da CLT. Diz o Prof. AMAURI MASCARO NASCIMENTO (Curso de direito processual do trabalho, p.288) tratar-se de concessão ao princípio da oralidade. Porém, o que se vê na prática destoa, e muito, dessa construção. VALENTIN CARRION, em sua conhecida obra Comentários à consolidação às leis do trabalho (p.748) anota que o TST entende ser necessária a apresentação de protesto contra a decisão interlocutória, sob pena de se reputar ter havido “concordância tácita” e conseqüente “preclusão”. Com o devido respeito aos que defendem tal opinião, parece-nos ser ela esdrúxula e ilegal, para se dizer o menos. Se da decisão interlocutória não cabe recurso previsto no ordenamento, a omissão da

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A primeira hipótese é chocante. Tratar-se-ia de uma ruptura abrupta com a tradição do nosso direito e um avanço, irresponsável e sem precedentes, na tendência, já verificada, de ampliação dos poderes conferidos ao juízo singular66. Ora, como se sabe, nosso processo civil é marcado por um forte signo preclusivo67, ao qual está condicionada tanto a atividade das partes – autor e réu estão sujeitos ao princípio da eventualidade, sendo obrigados a deduzir, respectivamente na petição inicial e na contestação, todos os meios de ataque e defesa de que dispuserem, ainda que de modo contraditório68 – quanto a do juiz – o processo é estruturado em fases, razoavelmente rígidas e estanques, que reservam momento oportuno para definição das questões processuais e incidentais69 e, no mais das vezes, ao juiz não é facultado rever decisões que já tenha tomado anteriormente70, a menos que pela via do juízo de retratação provocado pelo recurso de agravo.

parte não pode ser caracterizada como aquiescência, pois a letra expressa da lei afirma que a possibilidade de impugná-la permanece aberta pela via do recurso ordinário. 66 Essa tendência tem se verificado sobretudo na possibilidade de antecipação de tutela, e na criação de mecanismos coercitivos para cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e de dar coisa certa (arts.273, 461 e 461-A do CPC), como disserta JOSÉ CARLOS BAPTISTA PUOLI, na sua obra Os poderes do juiz e a reforma do processo civil (especialmente p.149-177 e 213-217). Mas, em todos esses casos, o controle de tais poderes é eficazmente realizado pela via do agravo. 67 Cfr., por todos, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (A causa petendi no processo civil, p.151) 68 Como ensina CRUZ E TUCCI (A causa petendi no processo civil, p.148) o princípio da eventualidade, tradição do processo brasileiro, é herança do direito comum medieval, como, aliás, vários outros institutos destacados por LIEBMAN no estudo Istituti del diritto comune nel processo civile brasiliano, in. Studi in onore di Enrico Redenti, v.1, p.581-607. 69 Cfr. DINAMARCO, Instituições, cit., v.2, p.454 70 É longo o embate doutrinário em torno do problema de se saber se a preclusão, inicialmente delineada por CHIOVENDA como instituto voltado às faculdades das partes, se aplicaria também ao juiz (haja vista que este não tem, dentro do processo, faculdades, mas sim poderes-deveres, Cfr.DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v.2, n.509, p.228). Vários autores preferiram manter a designação de preclusão para ambos os fenômenos (V.g. MONIZ DE ARAGÃO, Preclusão (processo civil), in Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda, p.158; CELSO AGRÍCOLA BARBI, Da preclusão processual civil, in Revista forense, nº 158, p.69 e ss.) Porém, atualmente, há forte corrente doutrinária no Brasil que adota o conceito de “preclusão pro iudicato” – originalmente cunhado por ENRICO REDENTI no âmbito das sentenças dos processos de execução e de ingiunzione italianos – para designar o fenômeno que importa na impossibilidade do juiz voltar atrás em decisões que tomou no curso do feito, sem que tenha sido provocado pelo juízo de retratação, no âmbito do recurso de agravo. Assim, JOSÉ FREDERICO MARQUES, Manual de direito processual civil, v.2, p.170; HUMBERTO THEODORO JR., A preclusão no processo civil, in Revista Jurídica, nº 273, p.5-23; TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, O novo regime do agravo, p.296 e ss.; JOÃO BATISTA LOPES, Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional, in Revista de Processo, nº35, p.33; dentre outros. DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, na recente dissertação Preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil brasileiro (p.16-19), por sua vez, sugere que o fenômeno que opera a imutabilidade das decisões incidentais tomadas no curso do processo de conhecimento seja chamada de preclusão judicial, reservando-se a expressão “preclusão pro iudicato” apenas para o sentido original desenvolvido por REDENTI. Registre-se, por fim, que é comum na doutrina italiana referir-se à preclusão sobre questões incidentais como “giudicato interno”, em contraposição à coisa julgada (“giudicato esterno”). V.g. PROTO PISANI, Lezioni, cit., p.85 e ss..

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É intrínseco a esse regime preclusivo, portanto, justamente a possibilidade de recurso contra as interlocutórias71 : uma vez irecorridas, tornam-se imutáveis72. Vê-se, pois, que a manutenção da preclusividade das questões decididas incidentalmente, sem recurso processual previsto, tolhe por completo qualquer medida de revisão das decisões interlocutórias, conferindo ao processo rigidez só vista no direito romano da ordo iudiciorum privatorum73 e no direito germânico medieval74.

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Cfr. ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Comentários ao código de processo civil, v.4, p.308-309. As exceções comumente invocadas a esse princípio são, como é curial, as matérias referidas pelos arts.267, §3º e 301, §4º, ambos do CPC (vide item 6.6). Vários autores têm defendido que em matéria probatória não há preclusão para o juiz (ver item 6.3, infra). Na seara das liminares (tanto no âmbito cautelar, quanto no da antecipação de tutela), a doutrina pacificou o entendimento de que, apesar de sua natureza intrinsecamente provisória e precária, a revogação da liminar concedida, ou a concessão da liminar antes indeferida, só pode ocorrer quando houver uma mudança no estado dos fatos objeto do litígio, ou quando o aprofundamento da cognição apontar situação diversa daquela que embasou a decisão concessiva ou denegatória anterior (Cfr., por todos, TEORI ALBINO ZAVASCKI, Antecipação da tutela, p.114). 73 Como é curial, o processo civil romano é convencionalmente dividido pela doutrina em três períodos: o das ações da lei, o processo formular, e o processo cognitio extraordinaria (CRUZ E TUCCI-AZEVEDO, Lições, cit., p.39 e ss.). Os dois primeiros compõem a chamada ordo iudiciorum privatorum (ordem dos juízos privados), que abrange o período compreendido entre a fundação de Roma (presumivelmente 754 a.C) e a época do Imperador Docleciano (285 a 305 d.C.), quando, já decadente e pouco utilizada, é legalmente extinta. Neste período, o processo civil tem forte signo privado, estando estruturado em duas fases distintas : a primeira, (in iure) desenrolava-se diante do pretor, funcionário estatal encarregado de analisar os requisitos de admissibilidade da demanda, e preparar o processo para efetiva instrução e julgamento; a segunda (apud iudicem) desenrolava-se perante cidadão romano que era escolhido pelas partes (livremente ou por indicação do pretor) como espécie de árbitro para analisar provas e proferir sentença (era o udex privatus). Muito embora não se possa falar, nesse período, da distinção entre sentenças definitivas e interlocutórias (essa dicotomia surge apenas no período da cognitio extraordinaria, como atesta MOACYR LOBO DA COSTA, O agravo no direito lusitano, cit., p.133), ao pretor cabia, na fase in iure, decidir sobre a admissibilidade da demanda (dando ou denegando a actio reclamada pelo autor) e utilizar os chamados “meios complementares de tutela pretoriana”(como os interditos), e que se baseavam no seu poder de imperium (que tinha natureza muito mais administrativo do que propriamente jurisdicional, pois nada tinha a ver com a aplicação do direito em concreto – Cfr. CRUZ E TUCCI-AZEVEDO, op.cit., p.111). Por essa razão, eram tais decisões irrecorríveis (Cfr. BUZAID, Do agravo de petição, p.20, invocando as lições de CHIOVENDA, PONTES DE MIRANDA e WENGER). Já na fase apud iudicem, restava ao iudex apenas sentenciar o feito, dizendo se o autor ou o réu tinha razão. Não se exigia nem mesmo motivação e, como o iudex era cidadão que não estava inserido em estrutura judiciária hierarquizada, e julgava em nome do provo romano, sua decisão era soberana, e dela não cabia recurso (Cfr. AZEVEDO, Origem e introdução da apelação no direito lusitano, in Estudos de história do processo – recursos, p.30). 74 O processo dos povos medievais de origem germânica, com poucas variações, desenrolava-se perante a assembléia dos homens bons, sempre oralmente e tinha caráter extremamente formalista (JAMES GOLDSCHMIDT, Derecho procesal civil, p.14-15). A posição da autoridade jurisdicional limitava-se a definir, de acordo com regras formais e místicas preestabelecidas, que provas seriam produzidas (as quais normalmente consistiam em juramentos, ordálias e, em menor grau, testemunhos) e a quem incumbiria o ônus de fazê-lo (GIUSEPPE SALVIOLI, Storia del diritto italiano, p.751-752), proferindo decisão chamada de “sentença probatória” por JOSÉ DE MOURA ROCHA (Da preclusão e da atividade processual das partes, p.44). O único modo de questionar-se essa decisão, era, em geral, por meio de duelo entre a parte interessada e o juiz, exceto entre os francos, que admitiam o recurso ao Rei (JOSÉ DE MOURA ROCHA, op.cit., p.45).Se assim a parte não procedesse, operava-se a imutabilidade. É aqui que CHIOVENDA identifica o, assim chamado, “princípio preclusivo”, que impõe que o processo seja estruturado em fases estanques, sempre encerradas por sentença que, se não atacada, se torna imutável (Romanesimo e germanesimo, in Saggi di diritto processuale civile, v.1, p.201). Superada tal fase, seguia-se a colheita da prova, acerca da 72

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E isso tudo sem se falar que o regime assim estruturado abriria caminho, evidentemente, para outros meios de impugnação às decisões interloucutórias, sobre os quais voltaremos nossos olhos adiante, em item próprio. Por tudo isso, descartamos desde já essa solução, por entendê-la inadequada e totalmente inapta a resolver o problema ora em exame. Resta analisar, pois, o segundo meio de implementar a irrecorribilidade das interlocutórias, isto é, alterar-se a preclusividade das questões decididas incidentalmente no processo. Como é cediço, a preclusão começou a ser estudada por CHIOVENDA75, e, desde então, vem merecido destacada atenção de variados estudos doutrinários, os quais são praticamente unânimes em afirmar tratar-se de instituto que assume notável importância na dinâmica da marcha procedimental, evitando retrocessos e coibindo a chicana e a deslealdade processual76. Excluir a preclusividade de questões representaria abandonar todo o avanço científico decorrente dos estudos aludidos. E parece lógico que, com a quebra do regime preclusivo, deveria se franquear ao Juízo singular a possibilidade de rever a qualquer momento as suas decisões. Isso abriria caminho para maiores embaraços ainda causados pela inevitável proliferação

qual a autoridade judicante era mera espectadora, pois se limitava a, no final, proclamar o vencedor de acordo com o resultado da prova (SALVIOLI, op.cit., p.756). 75 Em diversos estudos, como Principi, p.906 e ss.; Sobre la cosa juzgada, Cosa juzgada e competeneza, Cosa juzgada e preclusión, insertos em Ensayos de derecho procesal civil, v.3, p.193 e ss.; dentre outros. Definiu o autor três espécies de preclusão: a temporal (escoado o tempo previsto para a prática do ato, a preclusão extinguiria o direito de fazê-lo); a lógica (a prática de um ato processual incompatível com a realização de outro, impede a prática desse posterior) e a consumativa (o mesmo ato não pode ser praticado duas vezes). 76 “A preclusão é o imperativo de que decorre a necessidade de todos os atos e faculdades serem exercitados no momento e pela forma adequados, de modo a imperar a ordem e a lógica processuais (...) Deve haver, no processo, algo que fixe esse conjunto de direitos e deveres e, ao mesmo tempo, corporifique o ideal, por ele, processo perseguido: simplicidade, brevidade e economia” (ANTÔNIO ALBERTO ALVES BARBOSA, Da preclusão processual civil, p.233-234). “A ordem processual implica uma marcha à frente. Infringe-a todo e qualquer ato do juiz que nem só a desrespeite como lhe imponha um retorcesso, uma paralisação, uma dilatação, ou uma mudança de rumo” (MONIZ DE ARAGÃO, Preclusão (processo civil), cit., p.155).. “O processo, para atingir a sua finalidade de atuação da vontade concreta da lei, deve Ter um desenvolvimento ordenado, coerente e regular, assegurando a certeza das situações processuais, e também a estabilidade das mesmas, sob pena de retrocessos e contramarchas desnecessárias e onerosas, que colocariam em risco não só os interesses das partes em litígio mas, principalmente, a majestade da atividade jurisdicional a ele voltada” (ANTÔNIO CARLOS MARCATO, Preclusões: limitações ao contradoitório?, in Revista de processo, nº 17, p.105-106). Veja-se, por fim, MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO (A preclusão no direito processual civil, p.28-30), com farta e robusta referência doutrinária (CALMON DE PASSOS, ANTUNES VARELLA, MORTARA, REDENTI, BETTI e CALAMANDREI).

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dos abomináveis pedidos de reconsideração77. Ou seja: todo o sentido da modificação do processo – aceleração dos feitos diante do Juízo singular – teria caído por terra. Outrossim,

é imperioso

observar que a

preclusão não está

completamente regulada em nosso CPC78, pois decorre dos princípios gerais que se manifestam em diversas normas dispersas e que regem o sistema processual. O trabalho de exclusão, para que fosse tecnicamente adequado, provavelmente careceria de prévia reforma que definisse de forma completa as características do instituto para, a seguir, abrir exceções à sua incidência. Será que esse é o espírito das recentes reformas processuais?

A

doutrina indica a resposta negativa. DINAMARCO (A reforma da reforma, p.35) sintetiza com sua agudeza peculiar os objetivos das reformas processuais operadas na última década : ”não interferir na estrutura geral do Código nem propor aprimoramentos conceituais ou sistemáticos; sempre no método de guerrilhas, limitaram-se a buscar pontos sensíveis e identificar focos de retardamento na produção da tutela jurisdicional, propondo soluções simplificadoras, aceleradoras e, portanto, propícias à integridade e efetividade deste”. Percebe-se com solar clareza que não se pretende, com esses movimentos reformadores, instituir uma nova sistemática processual79.

77

Assim já dizia PONTES DE MIRANDA (Comentários ao código de processo civil, v.5, p.191. DINAMARCO faz essa mesma observação nas suas Instituições (v.2, p.455-456). Com efeito, a tal preclusão ‘pro iudicato”, ou preclusão judicial, acha-se regulada pelo art.473 do CPC, o qual oferece grandes dificuldades de interpretação, sobretudo porque cada autor, a seu sabor, amplia ou restringe o rol de matérias a salvo do efeito preclusivo (v.g o próprio Prof. DINAMARCO – Instituições, cit., v.2, p.457-458 – defende que esse regime preclusivo deve ser atenuado pelo juiz sempre que reputar conveniente, inclusive fora dos casos normalmente apontados pela doutrina, como, por exemplo, as questões relacionadas no art.267, §3º do CPC). . E no que tange às preclusões de faculdades e ônus processuais das partes, FREDERICO MARQUES (Manual, cit., p.170) ressalta que apenas a preclusão temporal está expressamente prevista em nosso ordenamento (art.183 do CPC), ao passo que a preclusão lógica apenas vem exemplificada no caput do art.117 do CPC (“Não pode suscitar conflito de competência a parte que, no processo, ofereceu exceção de incompetência”). Outro exemplo de preclusão lógica (dado por NELSON NERY JR.e ROSA MARIA ANDRADE NERY, Código de processo civil comentado e legislação processual extravagante em vigor, p.465). está no art.503 do CPC (“A parte que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer. Parágrafo único: Considera-se aceitação tácita e prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer”). Mas não há exemplo claro de norma processual que preveja a preclusão consumativa. 79 Diferentemente do que propunha BUZAID, que trazia como epígrafe à Exposição de Motivos ao Anteprojeto do Código de 1973 frase de CHIOVENDA – “Convien decidersi a una riforma fndamentale o rinunciare alla speranza di un serio progresso” – e, de forma impactante e até um pouco passional, defendia a substituição do Código de 1939) Porém, não podemos deixar de registrar haver processualistas que clamam por um novo Código de Processo Civil. CALMON DE PASSOS, em palestra proferida nas IV Jornadas Brasileiras de Direito Processual, realizadas em Fortaleza-CE em agosto de 2001, preconizou a edição de um novo Código, argumentando, em tom jocoso, que o diploma atual mais parecia uma “velha” que se submetera a tantas cirurgias plásticas, que já estaria desfigurada. 78

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Mas ainda que se admitisse que o legislador pretendesse desnaturar o caráter preclusivo de nosso procedimento, perguntamos: essa solução adiantaria? Somos forçados a, de novo, responder negativamente. Se o princípio da oralidade e da concentração fossem, de fato, levados a sério pelo nosso Código Processual e na prática do foro, e o processo fosse debatido, instruído e julgado em uma única audiência, é possível que essa sugestão pudesse reunir condições de vingar, pois o número de decisões interlocutórias seria reduzido, e não haveria tempo para recurso das interlocutórias antes da sentença. Mas em um procedimento dilatado em muitas fases, e que pode assumir um nível de dificuldade crescente, à medida da complexidade do litígio, há lugar para muitas decisões interlocutórias que, mesmo modificáveis a posteriori, causariam gravame imediato à parte, algumas na esfera do direito material (como as decisões na seara das tutelas de urgência), outras no campo meramente processual (as que dizem respeito aos ônus, direitos e faculdades processuais que assistem às partes)80. Quanto às primeiras, de nada vale o direito do litigante protestar contra a antecipação de tutela concedida no curso do feito apenas quando apelar da sentença. A possibilidade de reiterar, na apelação, o pedido de antecipação de tutela anteriormente indeferido também seria, por razões óbvias, praticamente inútil. Quanto às segundas, também seria inviável, do ponto de vista prático, impedir agravo de instrumento, por exemplo, contra decisões que tratem de intervenção de terceiros (v.g. a que indefere a denunciação à lide81, ou do chamamento ao processo, haja vista que o dano que emerge de tais decisões é presente e atual, e a reiteração do pedido denegado gera o risco de que todo o processo seja anulado, ab initio). E vários são os exemplos (decisão sobre impugnação ao valor da causa, sobre exceção de incompetência etc.).

Mas não faltam elementos para demonstrar que, dessa vez, o eminente professor baiano não está com a razão. A começar pelas dificuldades de aprovação de uma nova codificação (seja ela em que ramo do Direito for), já que o Congresso Nacional está, há tempos, às voltas com as reformas estruturais defendidas pelo Poder Executivo (e possivelmente ainda ficará por algum tempo). Não é por acaso que o Código Civil tramitou por mais de duas décadas e que as últimas reformas processuais se fizeram presentes fragmentadas em diversos projetos de lei. 80 Sobre essa dicotomia de direitos atingidos por comandos interlocutórios, confira-se JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA (A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela lei 10352/2001 e outras questões, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.6, p.353).. 81 No caso de denunciação à lide prevista no inciso I do art.70 do CPC (evicção), por ser obrigatória sob pena de perda do direito de regresso (cfr. art.456 do CC de 2002), o prejuízo decorrente de seu indeferimento repercute, tanto na esfera do direito material, quanto na do direito processual.

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Ora, sabemos muito bem que, sempre que o sistema restringe recursos, sobretudo quanto às interlocutórias, emergem outros meios sucedâneos de impugnação (vide item 3.5, infra). Considerado tal aspecto, que será melhor abordado no item próprio, mostra-se totalmente inútil tolher a preclusividade das questões nos casos em que o gravame é imediato (e, como vimos acima, os exemplos são muitos). Dada a plêade de decisões interlocutórias que, em maior ou menor grau, atentam de imediato contra o direito da parte, parece realmente muito pouco compensador pôr em cheque uma das características mais marcantes do procedimento, qual seja, a preclusividade das questões, apenas para eliminar-se o agravo em uns poucos casos. Para a mirrada lista de decisões interlocutórias não passíveis de gerar dano imediato à parte, não nos parece adequado afrouxar o regime de preclusão, haja vista a existência de soluções menos drásticas e igualmente eficientes, sobre as quais discorreremos adiante. Ademais, quebrar o regime preclusivo atualmente existente, e tão fortemente arraigado, representaria não só uma drástica quebra de paradigmas técnicodogmáticos, mas também com flagrante distanciamento da cultura do advogado brasileiro, que recorre de todas as interlocutórias para evitar a preclusão82. Assim, por todas essas razões, avulta induvidoso ser inviável questionar o regime preclusivo de nosso CPC.

3.5. Alterações no Sistema Recursal e Meios Sucedâneos de Impugnação

BARBOSA MOREIRA já teve oportunidade de destacar, com sua costumeira habilidade, as dificuldades que se colocariam se o legislador se propusesse a reduzir o número de recursos em nosso ordenamento: “Convenhamos, de resto, que não seria medida fácil de tomar. Basta examinar o rol dos recursos constantes do art.496 do CPC. Três são de matriz constitucional – o recurso ordinário (inciso V), o recurso especial (inciso VI) e o recurso extraordinário (Inciso VI) – e, pois, imunes à tesoura da lei. A apelação (inciso I) terá garantido seu lugar enquanto não se renuncie ao duplo grau de jurisdição; o agravo (inciso II), enquanto não se resolver tornar irrecorríveis em separado todas as interlocutórias – e nada disso se afigura possível nesse momento. Quanto aos embargos de declaração (inciso IV), o máximo que se pode fazer é dar-lhes

82

Esse fato é notório, e foi recentemente apontado como um a das várias causas da atual de crise do Poder Judiciário por BEDAQUE e CARMONA, no já aludido artigo A posição do juiz: tendências atuais, p.86.

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feição diversa, retirando-os do campo recursal, mas algum remédio será imprescindível manter para hipóteses de obscuridade, omissão ou contradição nas decisões” (Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.182), e acaba por concluir, na esteira de CARLOS ALBERTO CARMONA83, que o único recurso que, sem tantas dificuldades, poderia ser extirpado, seriam os embargos infringentes (ao menos por ora, seu espectro de incidência já foi consideravelmente reduzido em razão da Lei nº 10352/2001). A dificuldade de se extinguir recurso, ou do reduzir seu espectro de incidência é, no campo das decisões interlocutórias, particularmente sentido, haja vista sempre virem à tona os meios sucedâneos de impugnação às decisões judiciais, notadamente as correições parciais e os mandados de segurança.. Esse primeiro remédio, que foi muito comum apesar das ferozes críticas que sempre lhe foram dirigidas84, restringe-se a casos esparsos, seja porque o sistema recursal hoje guarnece os litigantes de meios para, pronta e efetivamente, reparar-lhes prejuízos decorrentes de decisões interlocutórias, seja porque em nossos dias é absolutamente prevalecente a concepção de que seu cabimento – enquanto remédio administrativo e disciplinar previsto apenas por legislações estaduais 85 – deve ser absolutamente excepcional, servindo, se muito, em casos de omissão do juiz. É o segundo meio de impugnação citado que, sem sombra de dúvidas, suscita as maiores reflexões. A doutrina86 é unânime em apontar que, em sua origem, o mandado de segurança voltava-se contra atos da Administração Pública, mas que, ao longo do tempo, seu âmbito de aplicação passou a alcançar os atos jurisdicionais. A evolução desse pensamento, rica e sinuosa, é muito bem abordada pela Profª TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, em sucinto, mas lapidar estudo sobre o mandado de segurança contra ato judicial87.

83

Op.cit., p.37-40. V.g., FREDERICO MARQUES (Instituições, cit., p.381) classificava as correições parciais de “espúrias”, e defendia veementemente sua abolição. ARAKEN DE ASSIS (Introdução aos sucedâneos recursais, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.6, p.33) também anota opiniões de MOACYR AMARAL SANTOS e PONTES DE MIRANDA no mesmo sentido. 85 Inclusive em face disso costuma-se sustentar a inconstitucionalidade do remédio, porquanto o art.22, I da Constituição Federal reserva à União a competência legislativa em matéria processual (ARAKEN DE ASSIS, Introdução aos sucedâneos, cit., p.33 e CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Mandado de segurança. – comentários às Leis n.1.533/51, 4.348.64 e 5.021/66, e outros estudos sobre mandado de segurança, p.4950). 86 V.g. CELSO AGRÍCOLA BARBI, Do mandado de segurança, p.81 e LUIS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL, Do mandado de segurança, p.53. 87 Mandado de segurança contra ato judicial, in Revista do Advogado, nº 64, p.97. 84

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Anteriormente à edição da Lei nº 1533/51, discutia-se amplamente na doutrina se o mandado de segurança – que era previsto, mas não regulamentado pelas Constituições de 1934 e 1946 – servia para atacar atos judiciais88. Com o advento do diploma que regulamentou o procedimento do mandado de segurança, o inciso II de seu art.5º praticamente encerrou a controvérsia afirmando o cabimento do remédio contra ato judicial, à exceção de minoritárias opiniões discordantes89. O texto da lei passou a ser claro, no sentido de que, quando não houvesse recurso processual (ou correicional) previsto, o mandado de segurança seria cabível. Em 1962, o texto da lei foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, quando editou a Súmula nº 267 (“não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”). Foi então sob a vigência do CPC/39 que se generalizou o uso de mandado de segurança contra as decisões interlocutórias irrecorríveis90 que, como vimos, eram mais comuns e numerosas que as atacáveis pelo recurso de agravo de instrumento ou no auto do processo. Mas já naquela época, e a despeito da Súmula nº 267 do STF, se iniciava a construção doutrinária que defendia a admissibilidade do mandamus quando o recurso processual previsto não fosse dotado de efeito suspensivo91. Sustentava-se que a ausência de recurso com efeito suspensivo (e que, portanto, pudesse obstar de imediato, o ato impugnado) equivaleria à falta do recurso. Como se sabe, após o advento do Código de 1973, o âmbito de incidência do mandado de segurança contra ato judicial reduziu-se face ao regime de ampla recorribilidade das decisões interlocutórias.

88

Como anota CELSO AGRÍCOLA BARBI (Do mandado de segurança, p.82-83) nenhuma das mencionadas Cartas Constitucionais resolvia a dúvida expressamente, pois limitavam-se a dispor que o mandamus seria cabível contra ato de qualquer autoridade, dando azo às reiteradas tentativas dos advogados em ver acolhido o remédio contra ato judicial. Porém, já em 1936 o STF concedera segurança contra determinação judicial de penhora de rendas do Estado de Minas Gerais, por meio de Acórdão que ficou famoso (publicado na Revista Forense 70/481), e deu impulso à corrente doutrinária que aceitava que o juiz fosse considerado “autoridade” para fins de incidência dos dispositivos constitucionais sobre o writ. 89 Os autores de maior renome que perfilhavam tal entendimento eram, sem dúvida, BUENO VIDIGAL (Do mandado de segurança, esp. p.108-120) e CELSO AGRÍCOLA BARBI (Do mandado de segurança, p.81), que afirmavam que a admissibilidade do mandado de segurança contra ato judicial desfiguraria o sistema processual, em prejuízo do contraditório, gerando grande insegurança jurídica e o surgimento de novo processo de cognição superposto ao processo presidido pela “autoridade coatora”. À base de todo esse raciocínio, estava a idéia de que a figura e as funções do administrador público não podiam se confundir com as da autoridade jurisdicional. 90 Cfr. FREDERICO MARQUES (Instituições, v.2, p.380 e ss.) 91 Cfr. CELSO AGRÍCOLA BARBI (Do mandado de segurança, p.84) cita, como adeptos dessa corrente, CASTRO NUNES, ARNOLDO WALD e, com destaque, J. J. CALMON DE PASSOS.

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Em compensação, a corrente que defendia o cabimento do remédio quando o recurso processual não tivesse efeito suspensivo ganhou força, lastreada por famoso Acórdão do Supremo Tribunal Federal, proferido em 05 de dezembro de 1973 (dias antes do termo final da vacatio legis do novo CPC, portanto) e publicado na RTJ 70/50492, que abrandou o rigor da Súmula 267 já aludida. Desde então, essa concepção tornou-se totalmente prevalecente na jurisprudência e na doutrina93. Essa retrospectiva demonstra o acerto da posição do Ministro SÁLVIO DE

FIGUEIREDO TEIXEIRA94, que afirmou de nada adiantar eliminar recursos do

ordenamento, sobretudo os contra as decisões interlocutórias. E nem poderíamos cogitar alteração legislativa que tornasse mais abrangente a restrição imposta pelo art.5º, II da Lei nº 1533/51, por dois principais motivos. Primeiro, porque a medida certamente seria reputada inconstitucional, eis que incompatível com o inciso LXIX do art.5º da Carta da República. Segundo, porque qualquer restrição ao mandado de segurança contra ato judicial seria inútil, haja vista que a criatividade dos advogados em inventarem meios processuais para defesa do interesse de seus clientes parece não encontrar limites. Maior prova disso reside na prática de ajuizar medidas cautelares junto ao STJ para conferir efeito suspensivo a Recurso Especial95. Cientes de que aquela Corte Superior não tem competência constitucional para julgar mandados de segurança contra atos de Tribunais de Justiça dos Estados ou Tribunais Regionais Federais – e que, portanto, o expediente utilizado anteriormente a 1995 para o recurso de agravo não seria cabível – passaram a valer-se, com sucesso96, de medidas cautelares97.

92

Como anota TERESA WAMBIER, Mandado de segurança contra ato judicial, cit., p.98. Cfr., por todos, CÁSSIO SCARPINELLA BUENO “Em suma: toda vez que se puder evitar a consumação da lesão ou da ameaça pelo próprio sistema recursal e pela dinâmica do efeito suspensivo dos recursos, descabe o mandado de segurança à míngua de interesse jurídico na impetração. Inversamente, toda vez que o sistema recursal não tiver aptidão para evitar a consumação da lesão ou ameaça à esfera jurídica Dom recorrente, o mandado de segurança contra ato judicial tem pleno cabimento”, in Mandado de segurança cit., p.108) 94 O prosseguimento da reforma processual, in Revista de processo, nº 95, p.10. 95 No STF aparentemente ainda não encontrou guarida essa prática. 96 Confira-se um dos primeiros Acórdãos nesse sentido, relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e publicado no RSTJ 13/215. 97 E, como anotam LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART (Manual do processo de conhecimento, p.639 a 645), a tendência no STJ é de, paulatinamente, ampliar o âmbito de cabimento deste tipo de cautelar, não apenas para o caso em que o Recurso Especial já tenha sido admitido pelo Tribunal a quo, mas também quando o juízo de admissibilidade sequer tenha sido feito ou, até mesmo, quando a subida do recurso tenha sido denegado, e esteja pendente agravo de instrumento. 93

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Quando se analisam tais conseqüências, o ânimo de propor alterações no regime de recorribilidade das interlocutórias compreensivelmente se abala. Mas como passaremos a expor, o legislador tem sinalizado, nas últimas reformas processuais, como pretende enfrentar a questão.

4. As Reformas do Recurso de Agravo

Com efeito as tendências verificadas nas últimas reformas legislativas demonstram cabalmente como o legislador tem procurado lidar com o problema sub examine. Muito embora o legislador tenha mantido o amplo regime de recorribilidade das interlocutórias desde o início de vigência do atual CPC, as reformas do recurso de agravo introduziram ingredientes interessantes à discussão aqui proposta e, por isso, dignas de destaque. Conforme vimos acima, a principal justificativa invocada por BUZAID para instituir a ampla recorribilidade das interlocutórias era a de evitar remédios escusos de impugnação às decisões judiciais (notadamente as correições parciais e os mandados de segurança). Mas adiante, a Exposição de Motivos atenua o discurso, dizendo que o recurso de agravo não teria efeito suspensivo, o que supostamente aliviaria o tumulto causado pela sua interposição. Sabemos que o argumento se revelou falacioso por dois motivos. Primeiro porque o recurso era interposto na instância a quo, e nela se colhia a resposta do interessado e se formava o instrumento (art.522 e ss. do CPC de 1973, em sua redação original). Mesmo sem ordem expressa de suspensão do curso do feito de origem, o simples procedimento do recurso impedia o processo de ter um caminhar normal98.

98

Cfr. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Novos contornos do recurso de agravo, in Reforma do código de processo civil, p.593; BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.481

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Segundo pois, como já vimos, os mandados de segurança passaram a ser admitidos como remédio sucedâneo ao recurso de agravo, com a finalidade de conferirlhe o efeito suspensivo que a lei negava. Nem mesmo a já comentada inserção do agravo retido contribuiu para minorar os malefícios provenientes do regime de ampla recorribilidade das interlocutórias, haja vista que se deixava à cargo exclusivo da parte optar pelo agravo de instrumento ou retido (art.522). É nesse quadro que vêm a lume as leis reformadoras do CPC (especialmente a Lei nº 9139/1995). O recurso de agravo de instrumento teve sua disciplina alterada por completo, especialmente no tocante a seu procedimento e efeitos: a formação do instrumento ficava à cargo do recorrente, a interposição haveria de ser feita diretamente ao Tribunal e o Relator poderia lhe atribuir efeito suspensivo (respectivamente arts.525, I e II, 525, caput, 527, II e 558, todos do CPC). O agravo retido também sofreu profundas modificações: poderia ser interposto oralmente (art.523, §3º)99, seria obrigatório contra decisões tomadas sobre matéria probatória ou em audiência do procedimento sumário (art.280, III100) e contra decisões tomadas depois da sentença (art.523, §4º do CPC). Como se vê, pela primeira vez desde 1973, introduziu-se em nosso sistema regra excepcionando o regime de ampla recorribilidade em separado das interlocutórias. A simplificação do procedimento do agravo de instrumento e o incremento em sua eficácia, com a possibilidade de concessão de efeito suspensivo pelo Relator, contribuíram para uma notável proliferação do recurso em nossos Tribunais101. Também contribuíram para esse quadro a generalização das tutelas de urgência, notadamente em face da introdução do art.273 do CPC102. E não podemos esquecer que, com toda essa carga extra de trabalho em 2º grau de jurisdição, veio, também, o aumento das atribuições do Relator no processamento do recurso, conforme o art.527103. Não se pode negar, todavia, que o procedimento de interposição do agravo de instrumento, tal qual estruturado pela Lei nº 9139/95, realmente representa 99

Sepultando longa divergência doutrinária e jurisprudencial, amplamente analisada por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Agravo de instrumento, 1ª ed., 2ª tir, p.111 e ss. 100 Com redação dada pela Lei nº 9245/95. 101 Cfr. também entende CARMONA (O Sistema recursal brasileiro, cit.., p.41). 102 Cfr. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, O prosseguimento da reforma processual, cit., p.10. 103 Cfr. BARBOSA MOREIRA, Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.178.

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tumulto menor ao andamento do feito de origem, pois se tornou extraprocessual a formação do instrumento, e passou-se à instância ad quem a incumbência de verificar os pressupostos de admissibilidade. Porém, ainda assim, na prática, esse embaraço ocorre104, mesmo quando não há concessão de efeito suspensivo, pois os juízes singulares, na prática, aguardam decisão do Tribunal acerca do agravo, para dar prosseguimento ao feito (particularmente quando a decisão interlocutória agravada foi proferida na fase instrutória, pois assim evitam que o trabalho empreendido no proferimento da sentença possa ser em vão). Isso sem se falar nos pequenos atrasos causados pela juntada de petições informando interposição do recurso (art.526), envio de informações do Juízo a quo à instância ad quem etc. que, somados, certamente interferem no bom prosseguimento do processo na instância de origem. Ademais, se por um lado a incidência de mandados de segurança como sucedâneos ao agravo de instrumento para conseguir-lhe efeito suspensivo reduziu-se105, por outro o sistema passou a contar com uma série de “agravos internos”. Trocou-se, assim, um mal por outro (menor, decerto, dada a menor complexidade de trâmite conferido ao agravo interno comparativamente ao writ, mas ainda assim sem dúvida um mal)106. Por fim, cumpre notar que de pouco adiantava a previsão do agravo retido oral (art.523, §3º do CPC), se continuava a ser faculdade do litigante interpô-lo desta forma e, ademais, se o excesso de feitos e a cultura dos magistrados tornavam raras as decisões preferidas em audiência. Percebe-se, pois, com clareza, porque a experiência dessa sistemática não rendeu os resultados esperados e porque o legislador voltou a reformar o regime do agravo, pela Lei nº 10352/2001. Procurou-se aprimorar a reforma instituída em 1995107, e acabou por aprofundar-se uma tendência já anteriormente timidamente iniciada : a de ampliação dos casos de agravo retido. 104

ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Anotações sobre o procedimento sumário na reforma do código de processo civil, in Reforma da código de processo civil, p.418) também reconhece que, mesmo sob a sistemática da Lei nº 9139/95, aperfeiçoada e menos burocrática, o agravo de instrumento gera percalços ao processo. 105 Como testemunha BARBOSA MOREIRA, com base em estatísticas, no artigo Reformas do CPC em matéria de recursos, cit.., p.177, nota 2. 106 Em diversas palestras que profere, e em passagem da obra A reforma da reforma (p.183), o Prof. DINAMARCO tem afirmado que o número de agravos internos tem sido modesto, sobretudo nos Tribunais Superiores, a justificar que se continue a incentivar o incremento dos poderes do Relator em decidir monocraticamente recursos. 107 Conforme enfaticamente reiterado por DINAMARCO (A reforma da reforma, p.16–18).

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Além da alteração do §4º do art.523 – que implica sejam as decisões tomadas em audiência de instrução desafiadas necessariamente por agravo retido108 – o legislador introduziu, de modo inovador, a possibilidade do Relator converter o agravo de instrumento em agravo retido (art.527, II). Analisadas as reformas instituídas pelas Leis nº 9139/95 e 10352/2001 em conjunto com a Lei nº 9756/98, tem-se maior certeza que a ampliação do rol de casos de recursos retidos obrigatórios é uma tendência de nossa legislação processual109. E, para tanto, voltou o legislador a adotar critério vigente no CPC/39 – severamente criticado por BUZAID110 e outros autores111 – de diferenciar, de modo casuístico e com base no conteúdo, não na forma das decisões, as hipóteses de cabimento de um recurso ou de outro. Tomaremos essa tendência em análise, no capítulo seguinte. Em suma, as reformas adotam uma posição intermediária entre duas vertentes : não se alterou o regime preclusivo do nosso processo, mas também não se excluiu a recorribilidade das interlocutórias. Limitou-se, apenas a alguns casos, o efeito devolutivo imediato do recurso de agravo, impondo-se a forma retida.

5. O Agravo Retido

5.1. Elogios e Críticas ao Agravo Retido

Consideradas as supra aludidas dificuldades de se extirpar recursos do ordenamento, e de se afrouxar as regras de preclusão, passemos a tratar dessa figura recursal que, depois de anos largada às traças, volta à tona.

108

Detalhe interessante é que, no procedimento sumário, essa tendência de privilegiar o agravo retido sofreu uma retração, devida à reforma do art.280, e a supressão de seu inciso III. Pela atual redação do Código, vige para o sumário a regra geral instituída pelo art.523, §4º, isto é, de que das decisões tomadas em audiência de instrução cabe agravo retido. Anteriormente `s reforma operada em 2001, as decisões tomadas em qualquer audiência só eram atacáveis pelo agravo retido. 109 Como reconhece o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Prosseguimento da reforma processual, cit., p.10) e também observam vários autores que se debruçaram sobre o estudo da mais recente reforma processual (como JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela lei 10352/2001 e outras questões, cit., p.353-354; e FABIANO CARVALHO, Os agravos e a reforma do código de processo civil, in A nova etapa da reforma do código de processo civil, p.288–289, dentre outros). 110 Exposição de Motivos, Capítulo V, item 26. 111 CARMONA, O Sistema recursal brasileiro, cit., p.34.

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Como já dissemos, ALFREDO BUZAID deixou-o de lado ao elaborar o Anteprojeto de Código de Processo Civil e, ante a grita de parte da doutrina, o recurso, sob denominação diversa do diploma revogado, foi mantido. Todos os argumentos em prol do agravo no auto do processo do CPC/39112 e da inclusão do agravo retido no anteprojeto do CPC/73 persistem. Como anota PONTES

DE

MIRANDA113 o recurso, desde sua origem no

direito lusitano reinol, atendeu à exigência de celeridade do processo, postergando a apreciação de questões incidentais para a sentença. Ademais, o agravo retido é uma prova de crédito dada pelo legislador ao juiz de primeiro grau, tendência que, como já vimos, vem se intensificando nas últimas reformas processuais (e que mais dia. menos dia – fazemos votos – culminará na tão aguardada e defendida exclusão do efeito suspensivo do recurso de apelação). De outro lado, o agravo retido harmoniza-se com o regime preclusivo de nosso sistema processual, e com a cultura imperante na advocacia de se recorrer de todas as interlocutórias para evitar-se a preclusão. Por fim, não é demais lembrar que o recurso privilegia o princípio da oralidade que, apesar de ter sido relegado pelo legislador a segundo plano na última onda reformadora do Código, continua a ser ressaltado pela doutrina como um importante instrumento da busca por celeridade e efetividade processual114. Não se pode negar, contudo que o processo que tramita carregando agravos retidos vive sob o risco de ser anulado em grau de apelação, caso algum deles venha a ser provido. Nessa mesma esteira, é digno de nota que o agravo retido não se presta a diversas situações, como contra decisões em matéria de tutelas de urgência ou contra algumas decisões posteriores à sentença (não é por acaso que a Lei nº 10352/2001, na esteira da maciça jurisprudência, corrigiu a norma contida no art.523, §4º do CPC, com redação dada pela Lei nº 9139/95)115. Outrossim, quase ocioso falar que o agravo retido não tem cabimento no processo de execução.

112

A doutrina da época era quase que unânime em exaltar as vantagens do agravo retido (V.g., por todos, JORGE BELTRÂO, Do agravo no auto do processo, esp. p.163-170). 113 Comentários, cit., v.7, p.273 114 Cfr. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v.2, p.453 e EDUARDO TALAMINI, A nova disciplina do agravo e os princípios constitucionais do processo, cit., p.128 . 115 Assim ressaltou CRUZ E TUCCI, nos seus Lineamentos da nova reforma do CPC, p.6

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Além disso, a prática profissional da advocacia nos ensina que o agravo de instrumento é muito mais eficaz que o retido, pois o Tribunal, ao julgá-lo, não tem a considerar o risco de jogar por terra a sentença e, eventualmente, grande quantidade de atividade processual desempenhada pelo juízo singular.

5.2. O Procedimento do Agravo Retido

No que concerne o procedimento do agravo retido, também impende tecer algumas críticas e elogios. De início, é preciso derrubar o mito de que a interposição do agravo retido não causa tumulto. Com efeito, mesmo aprimorado o procedimento do recurso, relativamente ao agravo no auto do processo, do Código de 39116, e superadas as dúvidas acerca do procedimento do agravo retido com o advento da Lei nº 9139/95117, o art.523, §2º do CPC passou a instituir de modo claro um procedimento, relativamente complexo, para o agravo retido : recebido, é colhida resposta da parte adversa, e o juiz tem oportunidade de retratar-se. Ou seja: algum tumulto, o recurso certamente causa. O que fazer para atenuar-lhe esses males? Parece-nos intocável o regime de retratação, por se tratar de algo intrínseco ao recurso de agravo118, desde suas remotas origens no Direito Lusitano medieval119. Ademais, as recentes reformas processuais têm alargado o rol de possibilidades de retratação (art.296 do CPC, com redação dada pela Lei nº 8952/94, e o art.518, §Único, introduzido pela Lei nº 8950/94), em franca homenagem ao princípio da celeridade e da economia processual120.

116

A doutrina da época levantava diversos defeitos na sistemática dessa forma recursal no CPC/39. A propósito, ARI A. FRANCO (Dos recursos, in Revista Forense, out/1947, p.25–26) posiciona-se em torno de polêmicas quanto à possibilidade do recorrido requerer apreciação de agravo no auto do processo em sede de agravo de petição ou de apelação, ou quanto à possibilidade do juiz prolator da decisão agravada retratarse no momento em que recebe o agravo no auto do processo. E as mesmas polêmicas ecoavam na jurisprudência (confira-se, apenas a título ilustrativo, Acórdãos do STF e do extinto TASP, citados por FRANCISCO DE OLIVEIRA SILVA, na coletânea Direito civil e processual civil: apelação, agravo de petição, agravo de instrumento, agravo no auto do processo, p. 137 a 140 e 143 a 144. 117 Analisando a redação original do art.523, §2º do CPC, a doutrina debatia se havia ou não juízo de retratação no agravo retido. Para profunda análise dessa celeuma, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIE, Agravo de instrumento, cit., p.245 e ss. 118 Cfr. dentre outros, BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.504. 119 Cfr. Item 2, supra. 120 Assim defendia, já anteriormente a 1995, BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.455 e interpretou DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p.80-81 e 169-170.

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A dispensa de colheita de resposta do agravado, antes de ter lugar o juízo de retratação, pode suscitar questionamentos acerca de eventual violação ao princípio do contraditório, a exemplo do que se diz do agravo interno121. Talvez seja razoável a seguinte interpretação (ventilada por SÉRGIO BERMUDES, nas entrelinhas de sua obra sobre a reforma processual122): se o juiz não pretender, de todo modo, se retratar, deixa de colher a resposta do agravado e dá prosseguimento ao feito. Depois, se e quando for reiterado o agravo retido, o Tribunal abriria prazo para contra-minuta. Assim, com pequenos ajustes, parece-nos que o agravo retido pode se configurar como um instrumento potencialmente ainda mais forte para aceleração dos feitos em 1ª instância.

5.3. O Agravo Retido como Meio de Aceleração da Entrega da Prestação Jurisdicional em Primeira Instância

Para que esse instituto efetivamente milite em, prol da celeridade processual, não basta a arcabouço normativo atualmente existente, tampouco qualquer aprimoramento de seu procedimento. De nada valerá o refinado apuro técnico de um instrumento processual, se os litigantes puderem optar em não utilizá-lo e houver razões para que assim o façam (vide item 5.1, supra). Assim, como já vimos, as únicas exceções à ampla liberdade do recorrente em escolher a forma de interposição do agravo (art.522 do CPC) se encontram hoje no art.523, §4º (decisões tomadas em audiência de instrução e decisões lançadas após sentença, exceto nos casos nele especificados) e o art.527, II (conversão do agravo de instrumento em retido, por decisão do Relator), ambos com redação dada pela Lei nº 10352/2001. Até o advento da Lei nº 10444/2002, havia, também o art.280, III do CPC (com redação dada pela Lei nº 9245/95).

121

BARBOSA MOREIRA (Reformas do CPC em matéria de recursos, cit., p.182) questiona a constitucionalidade do agravo interno contra decisão monocrática do Relator que dá provimento a recurso pelo mérito. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Recurso especial, agravos e agravo interno, p.215–216) afirma que a ausência de oitiva do agravado é aceitável, haja vista que o contraditório se desenvolveu quando da interposição do recurso julgado monocraticamente, e traça paralelo com os embargos declaratórios (sobretudo os com efeito infringente), que também não se desenvolvem sob o signo do contraditório. 122 A reforma do código de processo civil, p.82.

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As hipóteses insculpidas no primeiro dispositivo são parcas e de difícil aplicação. Consoante exposição supra, o excesso de trabalho e a falta de cultura contribuem para a raridade das decisões lançadas em audiência. E, por razões lógicas e procedimentais, o rol de matérias que pode ser apreciada pelo juízo singular após proferimento de sentença é muito estreito. Excluídas as decisões que inadmitem apelação ou a respeito dos efeitos em que recebida (que por expressa determinação legal são agraváveis de instrumento), bem como as decisões que admitem a apelação (que como entende a doutrina e a jurisprudência são irrecorríveis123), sobram casos muito raros e peculiares – como decisões que determinam hipoteca judiciária (art.466 de CPC), ou decisões que reputam intempestivas contra-razões de apelação e determinam seu desentranhamento124. Ou seja. nenhuma contribuição a norma traz à celeridade processual e ao desafogamento dos Tribunais. Quanto ao art.527, II do CPC, é possível afirmar, à vista da prática forense e mesmo sem nenhuma estatística, que sua aplicação tem sido muito escassa, já passado algum tempo desde o início de vigência da Lei nº 10352/2001 125. As razões para tanto são plenamente compreensíveis : como da decisão que determina a tal conversão cabe recurso ao colegiado (art.527, II, fine), é mais fácil ao Relator processar o agravo de instrumento e mandá-lo à mesa de uma vez, do que se sujeitar ao agravo interno, que implica novo relatório, e designação de sessão para julgamento (o Relator teria de relatar

123

Na doutrina, confira-se BARBOSA MOREIRA, Comentários, cit., p.455; NELSON NERY JR. e ROSA MARIA ANDRADE NERY, Código de processo civil comentado, p.750, nota 7. Na jurisprudência, apenas para exemplificar, RT 606/95, 596/92, JSTF 14/154, RJTJSP 107/198, dentre vários citados pelos Profs. NELSON NERY JR. e ROSA MARIA ANDRADE NERY (op. e loc. cit.). Atualmente, contudo, é bastante discutível se o apelado estaria, realmente, desprovido de interesse para recorrer da decisão do juízo singular que indevidamente recebe apelação (especialmente na maioria dos casos em que, por força da regra geral do art.520 do CPC, o recurso tem efeito suspensivo). Ora, tendo-se em vista o tempo necessário para que um recurso de apelação seja distribuído e julgado em alguns Estados da Federação (nos três Tribunais do Estado de São Paulo que julgam processos na área cível, esse prazo varia de 3 a 5 anos!), é evidente que o equivocado juízo positivo de admissibilidade em 1ª instância, impedindo o cumprimento da sentença favorável ao autor, causa-lhe severo prejuízo. E, havendo prejuízo efetivo, irrompe inabalável o interesse recursal. 124 Os dois exemplos foram dados por JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, nos seus Lineamentos da nova reforma do CPC, p.67, e. em ambos os casos demonstrou o autor, com amparo inclusive na jurisprudência, que o agravo de instrumento seria cabível 125 A despeito do entusiasmo de alguns doutrinadores com a inovação, defendendo que, a partir de agora, a regra do CPC era de que os agravos fossem retidos e que os de instrumento seriam axceção (Cfr. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela lei 10352/2001 e outras questões, cit., p.355).

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dois recursos, ao invés de um só126). Estamos, pois, diante de um instrumento fraco e inapto a tingir os efeitos pretendidos pelo legislador reformista. Tivessem se confirmado os votos que fez o Prof. DINAMARCO, ao comentar a reforma processual de 1995 – “Espera-se, no entanto, que a partir de agora os litigantes se conscientizem da pouca (ou em alguns casos da nenhuma) de optarem pelo agravo na modalidade de instrumento, passando a valer-se dele somente quando o retido não for capaz de evitar males irreversíveis e ele o for. Espera-se que se refreiem os ímpetos irracionais pelo agravo na modalidade de instrumento” (A reforma do código de processo civil, p.182) – o legislador não precisaria estar, hoje, instituindo, paulatinamente, casos de interposição obrigatória do recurso retido. Pelo exposto, o único meio de fazer bom uso do agravo retido seria dar mais um passo nas reformas, e aumentar as hipóteses de interposição obrigatória. È disso que trata o capítulo seguinte.

6. Ampliar as Hipóteses de Agravo Retido Obrigatório?

6.1. Considerações Iniciais

A tarefa aqui proposta – sugerir alargamento de hipóteses de interposição de agravo retido – não é das mais fáceis. Poderíamos seguir o conselho que já dava FREDERICO MARQUES, há mais de quatro décadas, de “admitir-se agravo de instrumento contra os despachos interlocutórios que provoquem dano irreparável” (Instituições, cit.,v.4, p.381). Porém, dois obstáculos antepõem-se a tanto. O primeiro deles diz respeito JOÃO MONTEIRO (citado pelo próprio FREDERICO MARQUES, Instituições, v.4, cit., p.381), já apontava no início do Século XX a dificuldade de se precisar o conceito de “dano irreparável”, com o qual a doutrina que comenta os arts.273, I, e 558 do atual CPC ainda se depara : “O que seja dano irreparável, será difícil senão impossível firmar de modo peremptório, vista a incrível 126

Assim notou também o Prof. ARRUDA ALVIM (Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.6,, p.94).

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coleção de vareiguadas decisões que neste assunto abrilhanta o opulento museu da jurisprudência nacional”. A vagueza da expressão, em terreno tão delicado quanto o sistema recursal, pode ser fator decisivo para insucesso da empreitada. Porém, esse é o menor dos obstáculos. Sob a égide do CPC/39, ou mesmo sob o império do CPC/73 em sua redação original, ambas as formas de agravo eram interpostas perante a instância a quo. Nesses tempos, seria aceitável que se instituísse norma autorizando o Juízo recorrido a ponderar se o caso era de dano irreparável ou não, determinando se o recurso deveria ou não ficar retido. Todavia, pautado o procedimento do agravo pela Lei nº 9139/95, continuaria ao alvédrio da parte ponderar se seu direito está sujeito a dano irreparável ou não e optar pelo agravo de instrumento ou retido. O controle do cabimento do agravo de instrumento só poderia ser feito, então, diretamente pelo Tribunal. Ora, é exatamente a hipótese do atual inciso II do art.527 do CPC (com redação dada pela Lei nº 10352/2001), que, como já vimos, não tem sido muito aplicado. Dadas as dificuldades de introduzir norma com disposição assim genérica, não resta alternativa senão cogitar a diferenciação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento ou retido de modo casuísta, baseado no conteúdo da decisão. Para tanto, reputamos conveniente, como convite à reflexão, propor o seguinte exercício : transplantar as hipóteses de cabimento do agravo no auto do processo, segundo o CPC/39, para nosso atual ordenamento, e tecer breves considerações sobre sua viabilidade ou não. Evidentemente que não nos deixamos seduzir pela idéia de que esse exercício esgotaria o assunto, pois decerto uma análise mais profunda permitiria encontrar outros casos em que o agravo retido seria recomendável. Mas estas modestas linhas não tem pretensão maior do que suscitar a discussão em torno do problema sub examine.

6.2. O inciso I do art.851 do CPC de 1939

Tomemos, de início, o inciso I (decisão que rejeita exceção de litispendência e de coisa julgada).

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Sabe-se que tais exceções não são mais instrumentalizadas em apartado (como ditava o art.182, II do CPC/39), mas devem ser argüidas no bojo da contestação (art.301 V e VI do CPC/73) o que, por si só, dificultaria o “transplante” alvitrado. Além disso, tais matérias foram alçadas à categoria de normas de ordem pública expressamente127 (arts.267, §3º e 301, §4º do CPC/73), e são resolvidas na decisão saneadora128. Por isso trataremos dessa hipótese quando da análise do inciso IV do art.851 do C´PC/39. Pensemos, apenas para encerrar este item, nas decisões acerca das demais exceções instrumentais previstas no CPC/73. Apenas a decisão que rejeita a exceção de incompetência é agravável129 ; nas demais (suspeição e impedimento), se o juiz não as acolher de plano e enviar os autos a seu substituto, tomará as providências indicadas pelo art.313 e enviará a exceção para julgamento pelo Tribunal. E mesmo quanto à exceção de incompetência – apesar de atuar em favor exclusivo da parte excipiente – o agravo retido não convém. O desenvolvimento do processo perante foro relativamente incompetente pode dificultar, por razões geográficas, o acesso da parte ao processo, afigurando-se afronta à garantia constitucional à ampla defesa. Demais disto, a retenção do agravo pode gerar o risco de que toda a atividade processual desenvolvida até a sentença se perca caso o Tribunal dê provimento ao recurso retido antes do julgamento da apelação. Pesando-se vantagens e desvantagens dessa sugestão, não nos parece ser ela recomendável. O prejuízo, aqui, não é reparável pela sentença, mas sim apenas eventualmente pelo Tribunal, se e quando, for julgar recurso de apelação.

6.3. O inciso II, primeira parte, do art.851 do CPC de 1939

O inciso II do art.851 do CPC/39 dispunha ser recorrível sob a forma de agravo no auto do processo a decisão que indeferisse prova, ou que importasse de

127

A doutrina comentadora do Código de 1939 já entendia que a não oposição dessas exceções ou sua rejeição não impediam que o juiz as acolhesse em momento posterior (sobretudo no despacho saneador), ex officio ou a requerimento da parte (Cfr. GABRIEL REZENDE FILHO, Curso de direito processual civil, v.2, p.163; JORGE AMERICANO, Comentários ao código de processo civil do Brasil, v.1, p.268). 128 Cfr., v.g., FREDERICO MARQUES, Manual, cit., v.2, p.127-129. 129 Cfr. nos lembra BARBOSA MOREIRA, O novo processo civil brasileiro, p.43.

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qualquer modo em “cerceamento de defesa”. Analisaremos as duas hipóteses separadamente. A primeira hipótese trazida pelo dispositivo (indeferimento de prova) é de fácil compreensão e parece ser perfeitamente implantável em nosso atual ordenamento. Aliás, a hipótese não é estranha ao nosso Código, e de certo modo foi acolhida, por força da Lei nº 9245/95, no procedimento sumário. Cuida-se da primeira parte do inciso III do art.280 do CPC (“das decisões sobre matéria probatória, ou proferidas em audiência, o agravo será sempre retido”). Veja-se que a norma, ao falar genericamente de “decisões sobre matéria probatória”, abarca tanto as decisões que indeferem, quanto as que deferem provas e tudo que for a elas relacionado. E, ao falar indistintamente de decisões “proferidas em audiência”, evidentemente que aí estavam incluídas as tomadas, tanto na audiência preliminar (art.277), quanto na de instrução (artr.278, §2º). Mas o dispositivo não recebeu muita atenção da doutrina pátria, e acabou sendo suprimido pela Lei nº 10444/2002. Substituiu-a a norma do art.523, §4º (introduzida pela Lei nº 10352/2001) que, como pouco se comentou, é muito menos abrangente : apesar de aplicável a todo procedimento, não só ao sumário, a norma deixa de fora as decisões “em matéria probatória”, bem como as decisões tomadas em audiência preliminar, limitando-se às “decisões tomadas em audiência de instrução e julgamento”. Apesar do legislador ter desperdiçado excelente inovação130, e malgrado a falta de estatísticas a respeito da incidência de agravos de instrumento em questões probatórias, parece-nos que dispositivo que os vedasse em qualquer todo tipo de procedimento certamente representaria alguma redução da quantidade desses recursos, sem os “efeitos colaterais” já abordados, e em harmonia com o sistema e com a cultura dos litigantes e advogados. E as razões que impuseram, em 1995, a introdução do inciso III ao art.280131, não se aplicam somente ao procedimento sumário, pois a exigência de celeridade processual é constante, para todo e qualquer procedimento.

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Como assim foi reputada também pelo Prof. DINAMARCO (A reforma da reforma, p.178). “Buscando a elisão dos percalços que o agravo de instrumento geralmente acarreta (...) a Lei nº 9245/95, que ora comentamos, prevê a aplicação, embora atenuada, de um dos postulados teóricos do princípio da oralidade: a supressão ou restrição ao uso do recurso em separado contra as decisões interlocutórias.” (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Anotações sobre o procedimento sumário na reforma do código de processo civil, cit., p.418) 131

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Imagine-se o exemplo do litigante que pleiteia ao magistrado a designação de perícia, e sua pretensão é rejeitada. No atual ordenamento, cabe dessa decisão agravo sob a forma que o interessado escolher (retido ou de instrumento). Todavia, como é curial, para que haja interesse recursal, indispensável que o recorrente mostre-se como sucumbente, isto é, que a decisão recorrida lhe cause gravame ou prejuízo e que o recurso seja o meio necessário e adequado para repará-lo132. Ora, como sustentar-se que o litigante tenha sofrido prejuízo se o processo poderá ser sentenciado em seu favor? A necessidade ou não da prova requerida só se revela na sentença e o prejuízo, in casu, seria meramente potencial, e não atual. NERY JR. afirma que só haverá interesse recursal se o litigante “puder obter a vantagem sem a interposição do recurso” (Princípios fundamentais, cit., p.261). A posição de vantagem processual que a produção da prova geraria ao litigante pode vir a revelar-se absolutamente desnecessária à vista do resultado do processo. Além disso, é amplamente reconhecida, hoje, a iniciativa probatória do juiz133, em caráter suplementar ao das partes, ex vi do art.130 do CPC, o que implica dizer que o juiz que tenha indeferido produção de determinada prova pode, a posteriori, reconsiderar sua decisão134. E mesmo na hipótese inversa (ou seja, deferida a produção de determinada prova, o juiz retrata-se para indeferi-la por já estar convencido acerca do litígio) : em que pesem as opiniões contrárias135, entendemos que o juiz pode assim proceder136, e o litigante cuja prova foi em tais circunstâncias indeferida também teria prejuízo meramente potencial.

Para BARBOSA MOREIRA, o interesse de recorrer “resulta da conjugação de dois fatores: de um lado, é preciso que o recorrente possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida; de outro lado, que lhe seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (Comentáriosl, cit., p.495). 133 Cfr., por todos, JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, na primorosa monografia Poderes instrutórios do juiz. 134 Assim tem se pronunciado a doutrina (v.g., MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, A preclusão no direito processual civil, p.90–91). 135 Como DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES (Preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil brasileiro, p.255–258), que argumenta que a prova não é dirigida apenas ao juiz de 1º grau, mas também à segunda instância e que, por isso, a referida decisão de indeferimento importaria em injusto e indevido cerceamento de defesa. 136 Essa possibilidade já era admitida pelos doutrinadores que estudaram o art.851, II do CPC/39: “Não admitir a prova requerida é expressão usada em sentido lato. Cabe assim o recurso, não só quando o juiz inicialmente a não admite, como ainda quando a admitiu, mas ulteriormente impede a parte de a produzir” (FREDERICO MARQUES, Instituições, cit., v.4, p.229, com amparo em lição de ALFREDO BUZAID). Hoje, à vista do incremento dos poderes do juiz na direção do processo, com muito mais razão soa-anos lógico admitir essa possibilidade. Mesmo porque o art.130 do CPC dá poderes ao juiz para indeferir diligências 132

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Face a isso, perguntamos: o agravante, nessa situação, tem ou não interesse de recorrer? Apóiam a resposta positiva dois fortes argumentos: o direito da parte à prova (considerado como ínsito à garantia ao contraditório e à ampla defesa137) e o princípio da economia processual (por se entender que seria um contra-senso deixar-se o processo caminhar sob o risco de se verificar, depois, a necessidade da realização da prova, tornando, eventualmente, inútil a sentença). Por esses motivos, não ousamos dizer que o recorrente está totalmente desprovido de interesse recursal nessas circunstâncias. Mas certamente este requisito de admissibilidade recursal se mostra inegavelmente tênue a enfraquecido. Face a tal constatação, não seria aceitável que o efeito devolutivo de agravo nesta seara seja obrigatoriamente diferido? Os argumentos acima conduzem inafastavelmente à resposta positiva. O que temos em mãos de concreto e efetivo, hoje em dia, para coibir desnecessários agravos de instrumento em matéria probatória é, apenas, o dispositivo que permite ao Relator convertê-lo em agravo retido (art.527, II, com redação dada pela Lei nº 10352/2001). E parece evidente que a fase instrutória seria o palco mais apropriado para aplicação dessa inovação, por não se vislumbrar, como se disse, “perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação”. Contudo, como vimos, o dispositivo inovador não apresenta eficácia minimamente consistente, sobretudo para aliviar a carga de trabalho dos Tribunais. A opção legislativa clara, determinando a obrigatoriedade de agravo retido de todas as decisões em matéria probatória, em qualquer processo, seria, portanto, muito bem vinda, e militaria em prol da tão desejada celeridade processual. Ademais, e para que se espanque qualquer dúvida acerca da utilidade do expediente aqui proposto, não é demais lembrar ser perfeitamente possível na hipótese de provimento a agravo retido em matéria probatória a “conversão do julgamento em diligência”, prevista no art.560, §Único do CPC. Com efeito, o chamado “cerceamento de defesa” em razão de indeferimento de prova provoca a nulidade da sentença138, mas se trata de nulidade apenas relativa, pois a parte tem de levantar-se contra a restrição na primeira oportunidade que tiver, sob pena de preclusão (art.245 do CPC). Do mesmo modo, se a prova faltante for relevante e necessária, pode ser colhida antes do Tribunal

inúteis, e a inutilidade de uma determinada prova pode ser superveniente a seu deferimento quando, por outro meio, o juiz já tenha se convencido do fato incontroverso probando. 137 Cfr. CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, Teoria geral do processo, p.55–56.

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julgar o mérito da apelação, sanando-se a invalidade. Este dispositivo, se usado com maior freqüência, pode representar importante ferramenta do princípio da economia e da celeridade processuais. Ressalte-se, por oportuno, que a conversão do julgamento em diligência nessa hipótese era muito comum sob a vigência do Código de 1939 (conforme art.877, §Único de redação muito semelhante à do art.560, §Único do CPC/73), em virtude justamente do disposto no art.851, II139. Contudo, não nos iludimos em acreditar que essa sugestão não fosse posta em dúvida por incômodas exceções. Uma é lembrada por JEFFERSON CRÚS GUEDES140, qual seja, a decisão que indefere prova que esteja sob o risco de se perder. O prejuízo emergente de decisão de indeferimento é, de fato, iminente, e a devolução imediata da matéria é medida que se impõe141. Um outro exemplo pode ser encontrado na decisão que determina prova que viole ilegalmente os direitos de intimidade e personalidade do litigante (como por exemplo a que quebra sigilo bancário ou telefônico sem fundamento bastante para tanto)142. Mas nem mesmo esses exemplos anulam o quanto aqui ficou dito. Não é em razão de casos peculiares como os acima colocados, que se negaria toda a validade da aplicação do agravo retido em matéria probatória. Para a teratologia, o sistema guarnece o litigante de meios alternativos, notadamente o da via do mandado de segurança, que ficaria assim reservado para hipóteses extremas e, por isso, incomuns. Voltaremos a tratar desse aspecto no item 6.8, infra.

6.4. O inciso II, segunda parte, do art.851 do CPC de 1939

Já quanto à segunda parte do inciso II do art.851 do CPC/39, temos de opor restrições a seu “transplante”, mormente em razão da vagueza e atecnicidade da

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Cfr. J.J.CALMON DE PASSOS, Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, p.156-157. 139 Confira-se, a respeito, JORGE AMERICANO, Comentários, cit., v.4, p.97 140 Recursos retidos e a ‘aplicação’ dos subprincípios da oralidade, cit., p.312. 141 O citado autor arremata o exemplo fazendo observação de cunho pragmático muito interessante : nesta situação, nem mesmo a cautelar de produção antecipada de prova (arts.846 a 851 do CPC) seria apta a reparar-lhe o prejuízo, pois o mesmo magistrado que proferira a decisão denegando prova, seria competente para tal medida incidental (art.800). 142 Estes são dois exemplos que ilustram que os danos emergentes das decisões interlocutórias podem atentar, tanto ao direito material da parte, quanto ao seu direito processual (Cfr. nota 80, supra).

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expressão “cerceamento de defesa”. Para entendê-la, prudente socorrermo-nos da doutrina que estudou o CPC de 1939. Segundo lições de FREDERICO MARQUES (Instituições, cit., v.4, p.229 e 230) a expressão “cerceamento de defesa” há de ser entendida em sentido amplo, designando não só a atividade do réu no processo, mas também do autor, e ocorre “sempre que o juiz impeça, injusta e ilegalmente, a prática de ato processual, requerido por uma das partes para melhor tutelar seus direitos”. O Mestre ainda ensina que o indeferimento de prova constitui, sem dúvida, um cerceamento de defesa mas o legislador preferiu destacar a recorribilidade de tal ato, para realçar-lhe a importância e impor limites ao poder outorgado ao juiz pelo art.117 do CPC/39 para indeferir provas inúteis e protelatórias. JORGE AMERICANO (Comentários, cit., v.4, p.70) cita, de forma pouquíssimo técnica, alguns exemplos: “a.) o despacho que não admite a contestação ou a reconvenção; b.) o despacho que manda juntar ou separar processos; o despacho que nega ingresso à petição inicial de qualquer incidente processável nos próprios autos, quando a lei não lhe der recurso próprio; d.) o despacho que nega admissão ao assistente”. A imprecisão da expressão em tela decerto dificulta, nesse mister, sua eventual aplicação em nosso atual ordenamento. Na esteira dos exemplos acima invocados, praticamente todos os atos processuais requeridos ou praticados pela parte e indeferidos ou inadmitidos pelo juiz gerariam o tal “cerceamento de defesa”, desde as diversas modalidades de intervenção de terceiros, passando por decisões sobre conexão e continência entre processos, ou acerca do ingresso de litisconsortes necessários etc.. Enfim, não conseguimos vislumbrar decisões que, ao contrário daquelas de indeferimento de provas, causariam gravame prontamente reparável pela sentença. Para ilustrar a idéia da dificuldade de aplicação desse preceito, basta pensarmos no seguinte exemplo : o litigante que tem a revelia decretada, em razão da intempestividade da contestação (não raro se vê a interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que determina o desentranhamento da contestação, antes do proferimento da sentença143). Apesar da ocorrência de revelia não implicar, necessariamente, julgamento desfavorável ao réu – já que a presunção de veracidade dos

Colhemos meramente do acaso o seguinte julgado: TJSP – 1ª Câm.; Ag. de Instr. nº 244.306-1-São Paulo; Rel. Des. Álvaro Lazzarini; j. 18.04.1995; v.u. – BAASP, 1913/273-j, de 23.08.1995. 143

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fatos alegados pelo autor é meramente relativa144 (art.319 do CPC), incumbindo ao juiz analisar se as conseqüências jurídicas pretendidas pelo autor são realmente cabíveis em face dos fatos presumidos verdadeiros145 e verificar de ofício matérias de ordem pública (art.267, §3º do CPC)146 – a prática demonstra que haveria grande probabilidade de ser esse o resultado do processo. Segundo nossos parâmetros práticos atuais, a aplicação da hipótese do art.851, II do CPC/39 foge do razoável, e o dano não seria, nesse caso, reparado pela sentença monocrática, mas sim num momento muito posterior, quando do julgamento de eventual apelação. A situação não se equipara à retratada no item 6.3, supra, em que o prejuízo emergente da interlocutória pode perfeitamente ser afastado com a sentença singular. Quanto ao indeferimento, por exemplo, de uma intervenção de terceiro, desafiada por agravo retido, seu futuro acolhimento pelo Tribunal importaria em nulidade de todo o processo, em frontal violência ao princípio da economia processual147. E nem se cogite, nos dois exemplos dados acima, da aplicação da “conversão do julgamento em diligência”, pois a nulidade, aqui, seria insuprível – até mesmo por razões pragmáticas, pois seria ilógico ter de se repetir todo o contraditório olvidado na instância a quo, particularmente na fase instrutória.

6.5. O inciso III do art.851 do CPC de 1939

Passamos agora ao inciso III que, por seu turno, inseria a decisão concessiva de “medidas preventivas” no curso da lide. Entendemos que essa hipótese também não teria acolhida no nosso sistema, por variadas razões. Primeiramente, anote-se que o CPC/73 aprimorou, em muito, a tutela preventiva, ao instituir o processo cautelar, autônomo148 e regrado por norma próprias

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Conforme farta jurisprudência citada por THEOTONIO NEGRÃO (Código de processo civil e legislação processual em vigor, p.400, notas 6a, 6b, 7 e 8 ao art.319). 145 Trata-se, também, de possibilidade plenamente aceita pela jurisprudência, e que foi expressamente reconhecida no procedimento sumário (art.277, §2º do CPC, com redação dada pela Lie nº 9245/95) e no âmbito dos Juizados Especiais (conforme art.20 da Lei nº 9099/95) . 146 Assim entende a jurisprudência citada por THEOTONIO NEGRÃO (Código de processo civil e legislação processual em vigor, p.399–400, notas 5a, 5b, 6 e 6a ao art.319). 147 Cfr. lecionou CLITO FORNACIARI, Reforma processual civil, cit., p.108–109. 148 Cfr.clássica lição de OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, As ações cautelares e o novo processo civil, p.17 e ss.

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reunidas em seu Livro III149, e para o qual o regime recursal é aplicável em sua inteireza (ou seja, das interlocutórias prolatadas na cautelar cabe agravo, e da sentença, apelação). Além disso, difícil imaginar medidas preventivas concedidas no curso da lide que não interferem, de imediato, na esfera jurídica da parte adversa. Basta pensar em algumas medidas cautelares nominadas em nosso atual CPC, como o arresto, seqüestro, caução, busca e apreensão, arrolamento de bens etc. O mesmo se diga de qualquer outra medida de urgência, preventiva ou não. Em todos esses casos, seria, a um só tempo, temerário e inútil, proibir o recurso de devolução imediata, por abertas que ficariam, evidentemente, outras vias impugnativas, especialmente a do mandado de segurança.

6.6. O inciso IV, primeira parte, do art.851 do CPC de 1939

Finalmente, o inciso IV, que incluía a decisão que considerava ou não saneado o processo (exceto nos casos em que o extinguia sem exame de mérito, pois dela caberia agravo de petição, como a parte final desse próprio inciso ressalva). Separemos o dispositivo, novamente, em duas partes: a decisão que declara saneado o feito, e a decisão que não o faz. Segundo clássicas lições de LIEBMAN150 e de GALENO LACERDA151, o objeto precípuo do despacho saneador é a verificação das condições da ação e pressupostos processuais152. Todas as matérias objeto do saneador, em geral, podem ser conhecidas de ofício, a qualquer tempo, e não geram nenhuma preclusão, conforme bem atestam os

“Passando, agora, ao Livro III, que cuida do processo cautelar, merece desde logo ser acentuada a nítida a contestatável superioridade do novo Código sobre oi Código de 1939, no tratamento da matéria. A disciplina anteriormente dada às chamadas ‘medidas preventivas’ é bastante assimétrica, quase diria caótica, e elas se acham perdidas no arquipélago revolto dos processoa acessórios,sem o destaque, sem a autonomia a que o processo cautelar, na moderna dogmática processual, faz jus. Em boa hora o legislador esmerou-se no tratamento das medidas preventivas, denominação que ele abandonou em favor dessa outra, ‘procesdso cautelar’” BARBOSA MOREIRA, A estrutura do novo código de processo civil, in Revista Forense, nº 246, p.38. 150 Estudos sobre o processo civil brasileiro, p.86. 151 Despacho saneador, p.57. 152 Essas duas ordens de questões formam, juntamente com o mérito do processo, o trinômio que constitui o substrato da cognição do juiz no processo, cfr. lecionou o Mestre KAZUO WATANABE na sua renomada monografia Da cognição no processo civil, p.71 e ss.. 149

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arts.267, §3º e 301, §4º do CPC, e já afirmou, há tempos, a mais autorizada doutrina processual153 e a torrencial jurisprudência de nossos Tribunais154. Assim, se o juiz, ao sanear o processo, rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo réu, nada o impede de vir a mudar de idéia depois, mesmo que não tenha sido interposto o competente recurso de agravo. Da mesma sorte, o magistrado pode reputar infundada preliminar de incompetência absoluta, rechaçando-a por ocasião do saneamento, e mesmo sem ter havido impugnação recursal poderá, a posteriori, rever seu posicionamento, e determinar a remessa do feito ao juiz que entender competente. Em suma, as decisões que afastam preliminar de carência de ação ou de falta de pressupostos processuais, não são, de modo algum, definitivas : o juiz poderá, a qualquer momento, e a requerimento da parte, revê-las, até a sentença. E o próprio Tribunal deve delas conhecer de ofício, independentemente da parte tê-las reiterado ao interporem apelação155. Ora, caímos em situação similar à retratada quanto da análise da primeira parte do inciso II do art.851, II do CPC/39 (conquanto ainda mais evidente) : por que se deve franquear ao litigante o direito de recorrer, em separado, da decisão declaratória de saneamento, se o reconhecimento da regularidade das condições da ação e dos pressupostos processuais poderá ser revisto a qualquer tempo? O único argumento comumente invocado para defender imediata recorribilidade dessa decisão é o de que a mera existência do processo de conhecimento pode causar gravame “de difícil ou incerta reparação” ao réu. Com o devido respeito aos que o defendem, o argumento não se apresenta minimamente sustentável. No processo de execução, sim, a mera existência do processo pode causar gravame, emergente dos atos de expropriação patrimonial que nela se realizam, justificando-se, assim, a objeção de pré-executividade apresentada antes da garantia do juízo. As situações, à evidência, não se equiparam. 153

Confira-se, por todos, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, Sobre a eficácia preclusiva da decisão declaratória de saneamento, in Saneamento do processo – Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda, p.275– 290. 154 Confira-se a infinidade de Acórdãos citados por THEOTONIO NEGRÃO (Código de processo civil e legislação processual em vigor, p.341, notas 54, 54a, 55, 55a, 56 e 57 ao art.267, §3º. 155 NELSON NERY JR. (Princípios gerais, cit., p.409–415), dentre outros, denomina esse fenômeno de efeito translativo. Outra corrente doutrinária, capiteneada por KAZUO WATANABE (Da cognição no processo civil), e difundida por DINAMARCO (Efeitos dos recursos, cit., p.39–43) entende estar que o Tribunal está autorizado a conhecer de tais questões porque a devolução recursal é limitada apenas horizontalmente à matéria objeto do recurso, mas não verticalmente; todas as questões preliminares ao mérito da matéria impugnada são, também e automaticamente, levadas ao Tribunal pelo recurso interposto.

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Admitir a recorribilidade em separado da decisão que reconhece regularidade das condições da ação e dos pressupostos processuais, seria, mutatis mutandis, como admitir agravo de instrumento contra decisão do juízo singular que recebe apelação e determina sua subida ao Tribunal. Como assentou a generalidade da doutrina e da jurisprudência156, esta decisão é irrecorrível, pois o Tribunal não está vinculado ao juízo de admissibilidade feito pela instância a quo, e o apelado pode suscitar a causa de não conhecimento no bojo das contra-razões. Esse exemplo reforça a idéia por nós aqui defendida: se o litigante pode consignar e reiterar sua irresignação contra tal decisório por várias outras formas mais simples, e, por expressa determinação legal, a matéria haverá de ser revista posteriormente, um sistema judiciário assoberbado como o nosso não pode ser obrigado a analisar tais questões pela via do agravo de instrumento.

6.7. O inciso IV, segunda parte, do art.851 do CPC de 1939

O que restou dito no item anterior, para a primeira parte do indigitado dispositivo, não se aplica quanto à segunda, isto é, quanto à decisão que não declara saneado o processo. Cotejando-se a sistemática do despacho saneador instituída pelo CPC/39, com o nosso atual sistema, as situações em que juiz não declara o feito saneado ocorrem nas hipóteses do art.327 (determinação de correção de irregularidades), 329 (extinção sem exame de mérito ou em razão de algum dos incisos do art.269) e 330 (julgamento antecipado da lide). Para os dois últimos casos, o recurso cabível é sempre o de apelação, por tratarem-se de decisões que põem fim ao processo (art.162, §1º do CPC de 73). Apenas a decisão tomada com base no art.327 do CPC é interlocutória. Nesse caso, é inviável que o agravo seja retido. Com efeito, imaginemos que o juiz tenha, de modo equivocado, determinado que o autor, ou o réu, regularize sua representação processual. Se a parte não levar, imediatamente, ao Tribunal a sua irresignação, a providência determinada na instância a quo restará desatendida, acarretando-se, conforme o caso, a extinção do feito sem exame de mérito157, ou a revelia 156

Cfr. nota 123, supra, com as ressalvas ali, por nós, introduzidas. Já pontuamos em trabalho anterior (Contribuição ao Estudo da Teoria das Nulidades – Comparação entre o Sistema de Invalidades no Novo Código Civil e no Direito Processual Civil, ainda não publicado ao tempo de elaboração deste estudo), ser equívoca a redação do art.13, I do CPC. A regularidade da 157

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(art.13, II do CPC). Trata-se, pois, de prejuízo iminente, cuja reparação não poderia ocorrer na sentença. O mesmo se aplica à decisão que reconhece incompetência absoluta. Trata-se de interlocutória que, se não for imediatamente atacada, impõe a remessa dos autos ao juiz que foi reconhecido competente, deixando o processo sob o risco de ser inteiramente anulado, caso a indigitada decisão interlocutória venha, posteriormente, a ser reputada desacertada.

6.8. Risco de Proliferação de Mandados de Segurança contra Atos Judiciais ?

Conforme já exaustivamente enfatizado no item 3.4, supra, a maior dificuldade que se coloca às reformas do sistema recursal é a subsistência de formas anômalas de impugnação, dentre as quais tem maior destaque o mandado de segurança. Depois de desenharmos o quadro supra, com sugestões de lege ferenda (itens 6.3 e 6.6), não podemos nos furtar de questionar : com a revisitação a técnicas do sistema recursal do Código de 1939 – sob cuja vigência era useiro e vezeiro o mandado de segurança contra ato judicial, segundo afirma BUZAID, na Exposição de Motivos do Código de 1973 (Capítulo IV, item 15, já citado) – retornaria o risco de se multiplicarem os mandados de segurança contra atos judiciais ? Parece-nos ser negativa a resposta a essa indagação. Com o devido respeito à saudosa memória do Professor BUZAID, a análise por ele empreendida na Exposição de Motivos foi equivocada. Desde já é importante ressaltar testemunhos eloqüentes no sentido de que os mandados de segurança eram, à época do Código de 1939, em sua maioria, impetrados contra as decisões irrecorríveis. FREDERICO MARQUES (Instituições, cit., p.380 e ss.) apresenta justamente esta constatação : “E foi porque o Cód. de Proc. Civil não atentou para os fenômenos apontados, que se procurou uma válvula escapatória, para ventilar o a

representação processual do autor é considerada pressuposto de desenvolvimento regular do processo, cuja falta enseja a extinção sem exame de mérito, ou seja, a inadmissibilidade da demanda, e não, propriamente nulidade do processo. (Nesse sentido, confira-se NERY JR. e ROSA NERY, Código de processo civil comentado, cit., notas 1 e 8 ao art.13, com farta referência jurisprudencial, p.282/283). Até porque, o que aconteceria após a anulação de todos os atos processuais praticados? Abrir-se-ia novo prazo para o autor

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sufocante atmosfera oriunda do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, nos sucedâneos recursais”. E prossegue, afirmar que “não é de admirar, por isso, que as correições parciais, os procedimentos disciplinares de reclamação e o mandado de segurança viessem a suprir, embora oblíqua e inadequadamente, a falha e o erro do legislador”. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (O novo regime do agravo, p.68), citando MARCOS AFONSO BORGES (Comentários ao código de processo civil, v.2, p.248) também registra que “inúmeras outras decisões, que podiam ter como efeito dano irreparável, ou de dificílima reparação, ao direito das partes ou influenciar o teor da sentença final, ficavam, teoricamente imunes a ataques recursais”, e conclui que “foi precisamente esta circunstância a que fez com que os advogados acabassem por se valer de outros meios, que não recursais, com o fito de tentar modificar essas decisões”. No atual sistema, alargadas as hipóteses de cabimento obrigatório de agravo retido, não haveria restrição de recorribilidade, pois todas elas seriam recorríveis (algumas com efeito devolutivo imediato, outras com diferido). Ou seja: numa primeira vista, o mandado de segurança estaria descartado, pois o ordenamento preveria, como hoje, recurso para todas as decisões interlocutórias. Mas como já tivemos oportunidade de lembrar, a doutrina e a jurisprudência, após longa evolução, têm hoje presente que o writ é cabível nos casos em que o recurso processual não evita dano irreparável ou de incerta reparação tempestiva e eficazmente, porquanto desprovido de efeito suspensivo. Não nos parece que as hipóteses referidas no item 6.3 e 6.6, supra, importem em dano imediato – trata-se de dano passível de reparação pela sentença, o que afasta a necessidade do efeito suspensivo. Há que se ver ainda que a doutrina atual é muito mais madura no trato da espécie, e já se apercebeu que, anteriormente à reforma do recurso de agravo, em 1995, houve abuso e banalização158 do mandado segurança, reduzindo-se tão importante remédio de matriz constitucional a sucedâneo do recurso de agravo.

regularizar sua representação? Certamente que não, pois, escoado o prazo inicialmente concedido, opera-se a preclusão do direito do autor em praticar o ato, outra alternativa não há senão extinguir o processo. 158 Essas são exatamente as palavras utilizadas, tanto por TERESA WAMBIER (Mandado de segurança contra ato judicial, cit., p.98), quanto por BARBOSA MOREIRA (Comentários, cit., p.645). CÁSSIO SCARPINELLA BUENO (Mandado de segurança, cit., p.49) ainda utilizou a palavra “proomíscuo”, dando dimensão do repúdio que existe ao uso indiscriminado do mandamus contra decisões judiciais.

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Com efeito, a disseminação do mandado de segurança contra decisões interlocutórias na vigência do CPC de 1973 provocou, após algum tempo, reações enérgicas de reprovação por toda a doutrina, a ponto de hoje haver um sentimento generalizado de repúdio a essa prática159. A experiência amarga vivida anteriormente a 1995 certamente deixou sua lição. Finalmente tem-se assentado que o mandamus contra ato judicial é excepcional e visa suprir as lacunas do ordenamento160, e repreender a teratologia judicial161. Trata-se de uma “válvula de escape” do sistema, mas para que a parte dela se valha, todas as demais alternativas endoprocessuais devem ter se esgotado ou se mostrado ineficientes, e, ademais, deverá o impetrante preencher todos os requisitos previstos na Carta Constitucional e na Lei (ou seja, ser titular de direito líquido e certo, demonstrado por prova documental pré-constituída, que esteja sujeito a risco de lesão irreparável ou de reparação incerta, em razão de abuso de poder ou ilegalidade cometida pela autoridade impetrada162). Portanto, para os exemplos de teratologia judicial (como aqueles referidos no item 6.3, fine, supra), o remédio, portanto, fatalmente haveria de ser aceito. Mas, como se viu, os exemplos são isolados, a demonstrar que a adoção da via mandamental teria caráter de excepcionalidade e não se banalizaria.

7. Conclusão

Procuramos neste estudo – que tentou, sem muito sucesso, ser breve – ater-nos à importante advertência feita pelo Prof. JOSÉ ROBERTO DOSA SANTOS BEDAQUE, no sentido de que “todo trabalho científico deve ser elaborado em função de duas

Assim se pronunciou BARBOSA MOREIRA, na esteira da doutrina largamente dominante: “O agravante, de resto, valia-se do mandado de segurança para pleitear (com a complacência de muitos tribunais) providência gritantemente ilegal, consistente em dar ao recurso em efeito preexcluído expressis verbis pela lei: melancólico papel atribuído a instrumento processual que nasceu com o destino de combater (e não de provocar) atos ilegais...” (Comentários, cit., p.646). 160 Cfr. TERESA WAMBIER (Mandado de segurança contra ato judicial, cit., p.98) 161 CARLOS ALBERTO DE SALLES, apesar de vigoroso defensor do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial, inclusive se passado em julgado (combate, portanto a Súmula 268 do STF), reconhece que sua utilização é “excepcional”, e reservada a “situações extremas” (Mandado de segurança contra atos judiciais: as Súmulas 267 e 268 do STF revisitadas, in Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança, 51 anos depois, p.123):. 162 Assim enfatiza TERESA WAMBIER (O novo regime do agravo, p.220). 159

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premissas básicas: visão crítica da situação e projeto de reforma” (Direito e processo, p.12). Temos convicção de termos cumprido a primeira premissa, ainda que dentro das limitações impostas em um trabalho desta natureza. As reformas processuais, entre acertos e erros – os quais tentamos pôr em relevo, com amparo em ampla gama dos mais recentes e autorizados artigos e estudos doutrinários publicados – têm tido o mérito de suscitar aos olhos dos estudiosos diversos dilemas com os quais todos os ordenamentos processuais do mundo, e de todas as eras, tiveram de lidar. E a análise crítica desse fenômeno é ferramenta indispensável para o avanço do nosso processo civil. E também temos a consciência tranqüila de termos nos desincumbido da tarefa de apresentar – ainda que apenas para provocar a discussão – proposições de lege ferenda. Pois estamos certos de que não basta lamentar o regime de recorribilidade das interlocutórias, e reprovar o legislador reformista por mantê-lo, sem apresentar sugestões concretas e viáveis para enfrentar os problemas que dele decorrem. O caminho que nos levou a formulá-las passou pela constatação de que é praticamente impossível eliminar o recurso de agravo, seja porque o sistema deixa às mãos dos litigantes outros meios escusos de impugnação às decisões judiciais, seja porque a quebra do regime preclusivo importaria em uma completa desnaturação e desfiguração do sistema sem que houvesse vantagens significativas em troca de guinada tão radical. Surge, pois o agravo retido como alternativa intermediária e equilibrada entre o regime atualmente existente e o propugnado sistema de irrecorribilidade das interlocutórias. E o legislador definitivamente escolheu abraçar esta vertente, ao paulatinamente impor aos jurisdicionados restrições à elegibilidade da modalidade de agravo. Porém, a gravidade da situação da distribuição de justiça no Brasil requer medidas menos tímidas do que as até agora tomadas. O incremento das hipóteses obrigatórias de agravo retido é medida que se impõe. Sempre que a decisão agravada causar gravame potencial, que só poderá ser sentido ou sanado pela sentença, não há sentido em se permitir o agravo de instrumento. Por incrível que pareça, depois de quase seis séculos de avanços científicos do direito processual, achamos nas vetustas Ordenações Afonsinas, de 1446, fórmula que muito bem se adapta ao nosso atual ordenamento : em 3.72.6, admitia-se a apelabilidade apenas de decisões interlocutórias causadoras de dano “que não se podia cobrar pela

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definitiva”. Os casos em que recomendamos o agravo retido (itens 3.3 e 3.6, supra) tratam, exatamente, de pronunciamentos interlocutórios que causam prejuízo potencial, e aferível apenas na sentença. Porém, procuramos demonstrar que a enunciação de fórmula assim genérica está fadada ao fracasso. Defendemos, sim, um rol taxativo e expresso, do qual constariam apenas determinadas matérias, como decisões em matéria probatória (seja qual for tipo de procedimento do processo de conhecimento) e decisões que indeferem preliminares de carência de ação e de falta de pressupostos processuais. Nesse casos, pode-se dizer que a “lesão irreparável” não passa de um “mito”, para fazermos uso das palavras do Prof. DINAMARCO (A reforma do código de processo civil, p.181). Contudo, também seria uma tolice achar que a simples imposição legal da forma retida obrigatória, afastaria, por completo, a interposição do agravo de instrumento. Temos o exemplo empírico das dificuldade de se implantar o regime de retenção obrigatória do agravo pelo art.523, §4º do CPC, com a redação que lhe havia dado a Lei nº 9139/95. Lá se determinava fossem retidos todos os agravos posteriores à sentença, mas a jurisprudência sistematicamente ignorou a norma, reputando impossível sua aplicação em vários casos, como quanto às decisões que tratam da apelação e seus efeitos163. E, daí, passou a receber os agravos de instrumento e processá-los normalmente. As sugestões aqui apresentadas (itens 6.3 e 6.6, supra) parecem não oferecer a mesma dificuldade, e o uso indevido do agravo de instrumento ao invés do retido poderia ser eficazmente coibido com a instituição de algumas penalidades. O legislador poderia incluir norma ditando que, se o agravo de instrumento fosse interposto no lugar do retido, seria reputado formalmente inadequado, e, portanto, inadmitido. Diante de tal penalidade, ao menos em matéria probatória, os litigantes pensariam duas vezes antes de agravar de instrumento, pois com a negativa de seguimento, viria a preclusão. Poderia se cogitar ainda, como faz o Prof. CÂNDIDO DINAMARCO164, da aplicação de multa, baseada na responsabilidade objetiva, para o litigante que utilizasse indevidamente do agravo de instrumento expressamente excluído por lei (a exemplo do art.557, §2º do CPC, com redação dada pela Lei nº 9756/98). Também não é demais deixar registrado o notável amadurecimento da doutrina e da jurisprudência com respeito ao mandado de segurança contra ato judicial, o 163

Vide nota 124, supra.

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que permite intuir que o uso indevido desse remédio contra atos judiciais não encontraria calorosa acolhida nos Tribunais. O remédio (chamado por alguns de heróico) atacaria as patologias do ordenamento, cumprindo o papel, que lhe reservou a doutrina, de veia de escape do sistema recursal, servindo apenas para os casos teratológicos (como nos exemplos dados acima – item 6.3, por exemplo)). Aliás, como anota, com notável precisão, CARLOS ALBERTO SALLES, “A necessidade da via mandamental surge da inexistência ou da falta de eficácia de instrumento nas normas gerais do processo – geralmente recursos – que sejam capazes de evitar a consumação de uma lesão aos interesses das partes” (Mandado de segurança contra atos judiciais: as súmulas 267 e 268 do STF revisitadas, p.122). Ou seja: quanto melhor tecnicamente for o sistema recursal, menor será a incidência do writ. E nosso sistema recursal é, hoje, infinitamente superior, do ponto de vista técnico, do que em tempos passados. As sugestões aqui alvitradas, parece-nos, contribuiriam para esse aprimoramento. Alguns poderiam se espantar com a sugestão, contida nessas despretensiosas linhas, de revisitarmos a sistemática do Código de 1939. Mas é bom lembrar que essa movimento de retorno a conceitos do diploma revogado já há muito se iniciou, não só pela diferenciação casuísta de hipóteses de cabimento de agravo 165, mas também na nova sistemática dos embargos infringentes166, dentre outros exemplos. Mas a propugnada volta ao Código de 1939 certamente se aproveita de todos os aprimoramentos técnicos desde então verificados, a começar pela sistemática do “julgamento conforme o estado do processo” instituída em 1973 (que permite maior flexibilização do procedimento e mais eficiência no saneamento do processo) e pelo procedimento do agravo de instrumento (aperfeiçoado pela Lei nº 9139/95) até, principalmente, os avanços verificados quanto à disciplina do próprio agravo retido (que é muito mais eficiente que o vetusto agravo no auto do processo, seja quanto ao procedimento167, seja porque se eliminou a rigidez imposta pelo art.851 do CPC/39168). Acresça-se ao que foi dito o fato de que, tanto o Código de 39, quanto o de 73 foram, cada um deles, experimentados por aproximadamente trinta anos e, em que pesem as mudanças sociais, econômicas e políticas operadas em nosso país de um período 164

A reforma do código de processo civil, p.178. Art.523, §4º, conforme Lei nº 10352/2001 166 Conforme a Lei nº 10352/2001 que, como aponta CARLOS ALBERTO CARMONA (O Sistema recursal brasileiro, cit., p.40) trouxe versão “que remonta ao sistema original do Código de 1939”. 167 Cfr. nota 116, supra. 168 Como argutamente observa CARMONA (O Sistema recursal brasileiro, cit., p.42). 165

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para o outro, o cotejo da experiência prática dos dois diplomas permite que se tirem lições importantes, e idéias para futuros aprimoramentos. Não termos estatísticas para dizer se as propostas aqui apresentadas implicariam algum alívio significativo para a carga de trabalho dos Tribunais. Para que pudéssemos responder a essa questão com segurança, precisaríamos ter em mãos um levantamento profundo, que mapeasse percentualmente quantos agravos referem-se a questões probatórias e quantos a rejeição de preliminares de carência de ação ou falta de pressupostos processuais. Ora, se não dispomos ainda hoje de estudos estatísticos mais simplórios – como, por exemplo, qual a percentagem de agravos providos e improvidos dentro de um mesmo Tribunal – é bem provável que fiquemos desprovidos de dados sólidos para orientar reformas por um bom tempo. Seria, então, uma temeridade amarrar o encaminhamento de quaisquer sugestões de reformas à existência de sólidas estruturas para colheita de dados estatísticos, pois não se pode fazer previsão alguma de quando estará ela disponível. A falta de estatísticas, contudo, não ofusca por completo a experiência de mais de trinta anos de vigência do Código de 1939 e, ainda que haja uma redução modesta no número de agravos de instrumento, o reflorescimento do agravo retido já terá valido a pena. Terminamos nossa exposição citando pensamento de GABRIEL REZENDE FILHO sobre o agravo no auto do processo, a qual, apesar de permanecer atual, não merece nossa concordância : “Esse recurso vem representando na legislação pátria – em volteios funambulescos de dança macabra – a figura lúgubre de uma entidade jurídica dotada da prosperidade de morrer e renascer de tempos em tempos da própria cinza” (Curso de direito processual civil, v.3, p.143). Ao contrário do que refletiu o autor, entendemos que esse instituto de quase cinco séculos ainda tem muito a servir ao direito processual civil e é hora de impulsionar-lhe o reflorescimento.

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