2005 - O agravo e o Mito de Prometeu

July 15, 2017 | Autor: Heitor Sica | Categoria: Agravo, Novo CPC
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O AGRAVO E O “MITO DE PROMETEU”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI N. 11.187/2005 Heitor Vitor Mendonça Sica1

SUMÁRIO – 1. Introdução – 2. Agravo retido como regra, agravo de instrumento como exceção: Novidade? – 3. A exceção é mais ampla que a regra – 4. Extinção do agravo interno nos casos do art.527, II e III do CPC – 5. Conclusão – 6. Bibliografia.

1.

Introdução

Mais uma vez o recurso de agravo sofre investida do legislador reformista. Não bastasse sua disciplina ter sido profundamente alterada nas duas ondas de reforma do CPC já operadas (a primeira, de 1994-1995, por meio de Lei n. 9139/1995 e a segunda, de 2001-2002, pela Lei n. 10.352/2001), a terceira onda de reformas processuais se inicia justamente com novas alterações nos artigos 522 a 527 do Código de Processo Civil2. É bem conhecido o motivo que leva a essa enorme inquietação, qual seja, o excessivo número de agravos de instrumento interpostos nos Tribunais. E ninguém mais duvida de que esse fenômeno deve-se, primeiramente, à generalização da antecipação de tutela, decorrente dos artigos 273 e 461, parágrafo 3º, ambos do CPC reformado, ao sensível aumento da eficácia desse recurso (pela possibilidade de concessão de efeito suspensivo e “efeito ativo” pelo relator) e à substancial simplificação que o procedimento desse recurso sofreu por força da reforma operada em 1995. Ou seja: é muito fácil e eficiente agravar de instrumento, o que torna sua interposição sempre preferível à do agravo retido3. Fica claro que a reforma de 1995 procurou ampliar o acesso do agravante à segunda instância, e o legislador agora se dá conta de que a porta ficou indesejavelmente escancarada, de modo que o julgamento dos recursos de agravo consome quase toda energia e tempo dos Tribunais. 1

Mestre e doutorando em Direito Processual pela Universidade de São Paulo, advogado em São Paulo. Fala-se em “terceira onda” de reformas, porque a Lei n. 11.187/2005 é o primeiro de mais de vinte projetos que tramitam no Congresso Nacional, carregando propostas de alteração no CPC. 3 Em trabalho anterior já havíamos pontuado que “a prática profissional da advocacia nos ensina que o agravo de instrumento é muito mais eficaz que o retido, pois o Tribunal, ao julgá-lo, não tem a considerar o risco de jogar por terra a sentença e, eventualmente, grande quantidade de atividade processual desempenhada pelo juízo singular.” (Recorribilidade das interlocutórias e reformas processuais: novos horizontes do agravo retido, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v.8, p.200). 2



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Em 2001 iniciou-se verdadeira “contra-reforma”, visando a restringir a utilização do agravo de instrumento. A inovação trazida pela Lei n. 10.352 mostrou-se tímida, com a introdução de dois casos em que o direito da parte em optar pela forma de agravo foi tolhido. Ou seja, o parágrafo 4º do artigo 523 passou a determinar que as decisões tomadas em audiência de instrução fossem desafiadas necessariamente por agravo retido, e o artigo 527, inciso II, passou a prever a possibilidade de o relator converter o agravo de instrumento em retido. O resultado da Lei n. 10.352/2001 foi decepcionante, já que os dispositivos reformados encontraram escassa aplicação. O primeiro, pela falta de hábito dos juízes em proferir decisões em audiência (exceto no tocante a indeferimento de reperguntas de advogados a testemunhas e à parte adversa que depõe pessoalmente, o que, claramente, tem importância secundária no contexto geral do processo). O segundo, porque, em nosso entender, mostrou-se mais fácil ao relator processar o agravo de instrumento e mandá-lo à mesa de uma vez, do que se sujeitar ao agravo interno (previsto no próprio dispositivo), que implica novo relatório e designação de sessão para julgamento. Agora, ao que parece, o legislador adotou posição mais clara e firme sobre essa questão, e pretendeu – não há dúvida – dar um duro golpe no agravo de instrumento, procurando torná-lo meramente residual. Quais são as perspectivas desses objetivos serem alcançados? É sobre isso que nos propomos a refletir. Em realidade, o presente estudo se revela uma continuação de artigo que tivemos oportunidade de publicar no oitavo volume da série “Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis”, intitulado “Recorribilidade das interlocutórias e reformas processuais: novos horizontes do agravo retido”. Não por outra razão, as remissões àquele escrito são razoavelmente numerosas, assim como algumas idéias lá expostas aqui aparecem novamente, mesmo que com outro enfoque, no contexto das novas reflexões a que a Lei n. 11.187/2005 nos convidou.

2.

Agravo retido como regra, agravo de instrumento como exceção : Novidade?



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Como se sabe, desde o advento do Código de Processo Civil de 1973, à parte era dada plena liberdade para escolher a forma de interposição do seu agravo. A única limitação a esse direito se encontrava nas regras que regiam o interesse recursal, já que a forma retida não caberia, por exemplo, contra liminares em geral (eis que o reexame de tais decisões só interessaria ao litigante prejudicado antes da sentença definitiva) e no curso de processo de execução (em que não haveria recurso contra a sentença que pudesse provocar o conhecimento do agravo em segundo grau4). Na “primeira onda” de reformas processuais, já se havia mitigado essa elegibilidade, como, primeiramente, no procedimento sumário, no qual todas as interlocutórias proferidas em audiência ou que versassem sobre prova só podiam ser agravadas sob a forma retida (CPC, artigo 280, III5). Igualmente impôs-se a forma retida aos recursos interpostos após a sentença, exceto no caso de não recebimento da apelação (artigo 523, parágrafo 4º6). Na “segunda onda”, essa liberdade dada ao agravante reduziu-se ainda mais face à possibilidade do relator converter o agravo de instrumento em retido. Diante dessa alteração, já havia quem defendesse que a modalidade retida havia se tornado a regra, e a de instrumento a exceção7. Essa corrente doutrinária podia se sustentar no ponderável argumento de que o juiz, no processo civil, não tem faculdades, de tal sorte que o vocábulo “poderá” constante do artigo 527, II, do CPC, com redação dada pela Lei n. 10.352/2001 indicaria um (poder-)dever do juiz, que sempre haveria de determinar a conversão quando não houvesse risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, esses estudiosos certamente haverão de reconhecer que a nova redação do artigo 522 do CPC novidade alguma trouxe. Sem adentrar na espinhosa controvérsia

em torno do tema

“discricionariedade do juiz no processo civil”, a prática forense desmentiu clamorosamente a conclusão que esses estudiosos tiraram desse dispositivo legal. Mesmo depois do advento da Lei n. 10.352/2001, continuou sendo de livre escolha do recorrente a modalidade de agravo a interpor, a qual era derrogada apenas nas raríssimas vezes em que a conversão era determinada pelo relator sorteado. 4

Cfr. FLÁVIO CHEIM JORGE, A nova reforma processual, p.177 e FREDIE DIDIER JR., Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais), Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v.7., p.285. 5 Com redação dada pela Lei n. 9245/1995. 6 Com redação dada pela Lei n. 9139/1995.



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Agora, não. Ao invés de dispor que o relator “poderá converter” o agravo de instrumento, o artigo 527, II, do CPC determina que esse “converterá” o recurso em retido. Mesmo que a interpretação literal da lei seja, de regra, insuficiente para sua aplicação, não há dúvidas de que a alteração do texto carrega enorme significado. Se havia quem defendesse a discricionariedade judicial para determinar essa conversão, agora, sob império da Lei n. 11.187/2005, não há mais como fazê-lo. Pode-se afirmar, assim, que representa uma novidade a redação que a Lei n. 11.187/2005 deu ao artigo 522 do CPC. A rigor, hoje, fica claro que o agravo retido é a regra, sendo a modalidade de instrumento meramente excepcional. Curioso é observar que a possibilidade de “lesão grave e de difícil reparação” passa a integrar o rol de requisitos de admissibilidade do agravo de instrumento, o que é inusitado, pois impõe ao julgador a missão de efetivamente adentrar nas razões recursais para verificar se ele pode ser processado sem a conversão. Mutatis mutandi, transferiu-se para o agravo de instrumento o mesmo problema que se coloca quanto ao requisito do prequestionamento para os recursos especial e extraordinário, o qual, apesar de necessário ao juízo de admissibilidade recursal, liga-se inequivocamente ao mérito da pretensão do recorrente, cuja análise concreta torna-se imperiosa para que se dê seguimento ao recurso. A diferença, aqui, fica por conta do fato de que a ausência desse novo requisito de admissibilidade do agravo de instrumento não enseja a sua inadmissibilidade, mas sim sua conversão à forma retida. Resta, porém, diante da vagueza do critério agora adotado pela lei, delimitar o campo de cabimento das duas modalidades de agravo.

3.

A exceção é mais ampla que a regra

Descendo à letra do artigo 522 do Código de Processo Civil, percebemos que o legislador se valeu da mesma expressão do artigo 558, ou seja, “lesão grave e de difícil reparação”, e não simplesmente em lesão “irreparável ou de difícil reparação” (como o artigo 273, inciso I, por exemplo). Usando-se da interpretação literal, poder-se-ia entender que as lesões que não fossem “graves” não seriam merecedoras de tutela pela via do agravo de instrumento.

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V.g., FREDIE DIDIER JR., Questões controvertidas sobre o agravo cit., p.280.



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Parece-nos, contudo, ser inviável essa interpretação, por conduzir a situações absurdas. Imagine-se exemplo de ação de reparação de danos decorrente de acidente de trânsito movida contra uma grande empresa multinacional, cuja inicial alega incapacidade laboral decorrente do sinistro, mas não traz nenhum elemento probatório ou da verossimilhança da alegação do autor, e, ainda assim, é deferida a antecipação dos efeitos da tutela, garantindo-se-lhe a fruição, desde logo, de uma pensão mensal equivalente a um salário mínimo. Se reputássemos que a “gravidade” do dano seria requisito para interposição do agravo de instrumento, a empresa-ré estaria desprovida de meio eficaz de veicular sua pretensão recursal, sob o argumento de que o valor da pensão mensal arbitrada liminarmente apresenta valor insignificante face ao seu faturamento. O dano seria de pouca gravidade, do ponto de vista pecuniário. Ora, as liminares inaudita altera parte só se justificam do ponto de vista constitucional porque não eliminam o exercício do contraditório, apenas o diferem8. Tolher a possibilidade de o demandado, desde logo, recorrer dessa decisão antecipatória claramente mutila o contraditório, o qual ficaria limitado à possibilidade de retratação do prolator da decisão liminar. Desse modo, não seria exagero reputar contrário ao texto constitucional semelhante entendimento. A leitura que se deve fazer do artigo 522 do CPC agora reformado é a de que o dano irreparável ou de difícil reparação enseja a interposição do agravo de instrumento, independentemente do seu grau de “gravidade”. Seja como for, poderíamos classificar em duas categorias distintas as decisões interlocutórias, sob o prisma da possibilidade de causar dano à parte: aquelas que geram prejuízo meramente potencial, que pode ser integralmente afastado pela sentença de 1º grau, e aquelas que geram prejuízo imediato, não passível de ser afastado eficazmente nem pela sentença, nem por eventual acórdão que julgar recurso de apelação contra ela dirigido. Segundo a leitura que ora fazemos da nova legislação em comento, é somente quanto a essa segunda categoria que caberia o agravo de instrumento. Ou seja, em nosso entender, melhor teria andado o legislador se tivesse adotado o critério de “dano não passível de reparação pela sentença” fórmula essa que, apesar de remontar às

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Cfr., dentre muitos outros, NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil comentado, p.648.



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Ordenações Afonsinas9, seguramente se afigura parâmetro mais seguro e menos vago do que o efetivamente adotado pela Lei n. 11.187/200510. Nessa primeira categoria estão, claramente, as decisões interlocutórias em matéria probatória. A parte que pede a realização de determinada prova, e tem seu pedido indeferido, poderá não sofrer prejuízo algum se a sentença lhe for favorável. Ou, ao contrário, somente na sentença desfavorável é que se materializará o efetivo prejuízo, antes inocorrente. O mesmo raciocínio é perfeitamente aplicável para as decisões do juiz atinentes ao modo como a prova deve se realizar (por exemplo, o indeferimento de quesitos, de reperguntas a testemunhas etc.). Aqui se justifica a imposição da forma retida do agravo, como, aliás, já defendemos em artigo anterior11. O prejuízo emergente de decisão no terreno probatório é meramente potencial, e poderá ser sentido apenas na sentença, dependendo do resultado da demanda12. Exceção deve ser feita, obviamente, aos casos de risco de perecimento de uma prova, que eventualmente tenha sido indeferida pelo juiz13. Aqui estaria presente o risco de dano não passível de ser reparado na sentença, de modo a afastar o agravo retido, e abrir para caminho para o de instrumento. Na mesma categoria de decisões da qual emerge risco de dano passível de reparação pela sentença estão todas aquelas que rejeitam questões preliminares, dando pela regularidade do processo quanto às condições da ação e pressupostos processuais. Como não existe, quanto a elas, preclusão (segundo doutrina larga e longamente dominante14), e o juiz pode voltar a apreciá-las, inclusive ex officio, o agravo retido emerge, sem dúvida, preferível. Não se vislumbra, aqui, prejuízo irreparável ao réu, exceto a própria perpetuação do processo de conhecimento por maior tempo (a qual, de resto, não pode ser 9

Ord. Af., 3.72, conforme esmiuçado no nosso Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.220-221. Era o que defendíamos no nosso artigo Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.206-210 e 213-215. 11 Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.206-210. Antes de nós, já havia lecionado nesse sentido FREDIE DIDIER JR., Questões controvertidas sobre o agravo, cit., p.283 12 Mas pelas regras que regem a preclusão dirigida aos poderes das partes, e o rigor com que a jurisprudência as aplica, fica claro que se a parte se mantiver inerte contra decisão que, no campo probatório, lhe foi desfavorável, não poderá invocar, no recurso de apelação, a invalidade da sentença por cerceamento de defesa. À guisa de exemplo, confira-se julgado que acolheu essa idéia no extinto 2º TAC/SP assim ementado: “Cerceamento de defesa – Prova oral – Indeferimento – Inércia do litigante – Preclusão caracterizada – Não reconhecimento. Não há que se falar em cerceamento de defesa, por preclusão da questão, se da sentença que dispensou a produção de prova oral não foi interposto nenhum recurso” (Ap. s/ Rev. 711.197-00/3, 10.ª Câm., rel. Juiz Nestor Duarte, j. 03.09.2003). 13 Exemplo lembrado por JEFFERSON CARÚS GUEDES, Recursos retidos e a „aplicação‟ dos subprincípios da oralidade, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.3, p.312. 14 Tão claramente dominante é essa corrente doutrinária, que podemos nos ater a citar apenas alguns poucos exemplos, tais como a clássica obra de GALENO LACERDA (Despacho saneador, p.57) e a recente e precisa síntese de HUMBERTO THEODORO JR. (A preclusão no processo civil, Revista Jurídica, n. 273, p.5–23). 10



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fonte de embaraços, como aqueles causados pela pendência de processo de execução, face às medidas de agressão patrimonial nele presentes). Pense-se, por exemplo, na parte que alega sua ilegitimidade passiva, e o juiz rejeita essa matéria ao sanear o processo. A ausência de preclusão quanto a essa questão permite que o juiz, na sentença, volte a enfrentá-la, eventualmente acolhendo o que antes rejeitara. Além disso, a demanda pode ser julgada improcedente, contemplando o réu com uma sentença de mérito, passível de ser coberta pela coisa julgada material. O prejuízo pode, aqui também, ser considerado potencial. Afora esses casos, parece-nos que todas as demais interlocutórias são passíveis de gerar risco de difícil reparação de imediato, em maior ou menor grau. E a jurisprudência nos oferece eloqüentes elementos para fazer essa afirmação. Com efeito, após o advento da Lei n. 9756/1998, a qual instituiu o parágrafo 3º no artigo 542 do CPC, a jurisprudência dos Tribunais Superiores passou a reconhecer, em variados casos, a inviabilidade de se reterem recursos especiais e extraordinários face ao risco do recorrente suportar risco de dano de incerta reparação. A situação gerada pelo vigente artigo 542, parágrafo 3º, do CPC, e aquela decorrente do novo artigo 522 do mesmo diploma são inegavelmente similares. Em ambas o legislador quis criar condições para que o processo chegasse a seu ponto culminante (a efetiva decisão quanto ao meritum litis), procurando eliminar, para tanto, o obstáculo representado por recursos contra decisões interlocutórias. Enquanto o primeiro dispositivo citado visa impedir que cheguem aos Tribunais Superiores discussões atinentes a decisões interlocutórias tomadas nos processos de conhecimento, cautelar e de embargos do devedor, o segundo é orientado ao propósito de impedir que cheguem aos Tribunais de 2º grau questões incidentes que não gerem dano de difícil reparação ao recorrente. Trocando em miúdos, o primeiro artigo prestigia os chamados “acórdãos interlocutórios”15, e o segundo as decisões interlocutórias de 1º grau de jurisdição, de modo que ambos limitam a possibilidade de revisão por recurso de efeito devolutivo imediato. A primeira diferença entre as hipóteses está no fato de que, no primeiro caso (retenção de recurso especial e extraordinário contra acórdão que julga agravo de instrumento), a lei, em princípio, não abre exceções para os casos de risco de dano de difícil reparação (coube à jurisprudência flexibilizar a letra fria do comando processual), 15

Rectius: aqueles que, julgando agravos de instrumento, versam sobre questões incidentes.



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ao passo que no segundo (retenção de agravo no juízo monocrático), a lei de antemão exclui a retenção para os casos em que a decisão interlocutória gere ao recorrente dano de incerta reparação. A segunda diferença é que o artigo 542, parágrafo 3º, se aplica apenas nos processos de conhecimento, cautelar e nos embargos à execução, ao passo que o artigo 522 incide sobre os agravos tirados de decisões proferidas em qualquer tipo de processo e de procedimento. Essas diferenças, contudo, não impedem que a análise da jurisprudência formada em torno da flexibilização do artigo 542, parágrafo 3º, do CPC sirva de seguro ponto de partida para reflexões acerca da nova sistemática do agravo, imposta pela Lei n. 11.187/2005. Anote-se que, no Superior Tribunal de Justiça essa corrente jurisprudencial que flexibiliza os casos de retenção recursal se mostra muito mais expressiva do que no Supremo Tribunal Federal16, razão porque é sobre os acórdãos lá proferidos que centraremos nossa atenção. Como tais acórdãos apresentam-se dispersos, convém aqui traçar algumas diretrizes para que possamos catalogá-los de maneira minimamente sistemática, permitindo se extraírem algumas diretrizes que não tornem a análise exclusivamente casuísta. E aqui cabe fazer a distinção entre os casos de prejuízos à esfera jurídica da parte no âmbito do direito material e no âmbito do direito processual17. A primeira hipótese claramente ocorre nos casos de provimentos de urgência, que antecipam efeitos da tutela jurisdicional. A esfera jurídica da parte é

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Realmente o Superior Tribunal de Justiça tem-se mostrado muito mais liberal quanto à possibilidade de se “destrancar” recurso especial que deveria ficar retido (bem como para atribuir-lhe efeito suspensivo), do que o Supremo Tribunal Federal, relativamente ao recurso extraordinário. De início, quanto ao remédio cabível para esse “destrancamento”, o STJ tem autorizado admitindo o agravo de instrumento (AgRg no Ag 436704 / SP, Min. Castro Meira e AgRg no Ag 426684, Min. Antônio de Pádua Ribeiro), ou mesmo simples petição, sem figura de juízo (Rcl 781 / SP, Min. Ari Pargendler; Rcl 727 / SP, Min. Barros Monteiro; AgRg na Pet 1755 / SP, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; AgRg no Ag 282734 / GO, Min. Ari Pargendler). A mesma flexibilidade se verifica no tocante à atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial. Muito embora não seja esse o objeto de nosso interesse aqui, registre-se apenas que todas as Turmas têm expressamente alargado o âmbito de incidência da medida cautelar com essa finalidade, inclusive para os casos em que recurso especial sequer ainda submetido ao crivo de admissibilidade no Tribunal a quo, o que destoa completa e confessadamente do entendimento sumulado no STF (Súmulas 634 e 635). Confiram-se, à guisa de exemplo, AgRg na MC 4071 / RS; Min. Laurita Vaz; AgRg na MC 10260 / SP, Min. Teori Albino Zavascki; AgRg no AgRg na MC 5813 / RJ, Min. Eliana Calmon; AgRg na MC 7328 / RJ, Min. João Otávio de Noronha. 17 Nesse sentido, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela lei 10.352/2001 e outras questões, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v.6, p.353, contando com noss adesão no já aludido Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.189.



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imediatamente atingida, sendo inaceitável que se obste o acesso imediato à instância superior, máxime pelas razões explicitadas no início do presente capítulo (isto é, a pronta veiculação da pretensão recursal constitui-se ferramenta indispensável e inerente ao exercício do contraditório). Aqui, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite ampla e pacificamente a subida de recurso especial que, em última análise, volta-se contra decisão concessiva de tutela de urgência18, de modo que dúvida alguma haverá quanto ao cabimento de agravo de instrumento contra decisões dessa natureza sob o regime da Lei n. 11.187/2005. O mesmo se aplica na situação inversa, em que a tutela de urgência pretendida é negada e a parte que a requereu passe a sofrer prejuízos. A segunda categoria acima referida traz os casos de prejuízo que se situa no terreno processual, e comporta duas espécies distintas. De fato, há casos em que o prejuízo emergente de uma decisão interlocutória no plano processual é sentido preponderantemente pela parte, em si considerada, ao passo que em outros casos essa decisão pode afetar a relação jurídica processual como um todo. Para confirmação dessa assertiva, vejamos os seguintes exemplos. Pensemos no caso em que o réu, citado, suscita incidente de exceção de incompetência relativa, a qual é rejeitada. A manutenção do processo perante o juiz territorialmente incompetente gera prejuízo apenas à parte excipiente (ainda que esse dano possa ser considerado de palpável gravidade, já que a dificuldade de locomoção pode dificultar o exercício da ampla defesa). Nessa linha, o STJ já reconheceu em várias oportunidades a necessidade de se destrancar recurso especial atinente às questões de competência19, já que, depois de proferida a sentença de mérito, dificilmente o Tribunal decretaria a nulidade do processo em razão da incompetência relativa, a menos que houvesse exuberante prova de que o excipiente sofreu prejuízo daí decorrente20.

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Confiram-se, exemplificativamente, os seguintes julgados: AgRg no AG 448241 / PR, Min. Francisco Falcão; MC n. 2411-RJ, Min. Waldemar Zveiter; MC n° 2129-DF; Min. Gilson Dipp; MC n° 2186-RJ, Min. Waldemar Zveiter; EDcl no AgRg na MC n° 9355-GO, Min. Nancy Andrighi; MC n° 2647-RS, Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n° 661145-ES, Min. Jorge Scartezzini. 19 Vide, por exemplo, REsp 227787 / CE, Min. Menezes Direito e MC 2906 / RN, Min. Waldemar Zveiter; 20 O STJ já chegou a reconhecer que agravo retido interposto contra decisão em matéria de exceção de incompetência relativa poderia até mesmo deixar de ser conhecido depois de proferida a sentença de mérito. Veja-se a ementa do julgado: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AGRAVO RETIDO. VIOLAÇÃO AO ART. 522 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. PECULIARIDADE. A ação principal foi ajuizada há mais de 16 anos e o agravo retido foi ajuizado na exceção de competência que, se existente, seria relativa. O acórdão guerreado, ao decidir pelo não conhecimento daquele agravo, não violou o art. 522 do CPC. Recurso desprovido.” (STJ; 5ª Turma; Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, REsp 298371 / PR; j.: 08/10/2002). Entendemos evidente a hipótese de falta de interesse recursal.



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Outro exemplo estaria no recurso especial que se volta contra decisão concernente à fixação do valor da causa. Em várias oportunidades o STJ21 assentou o entendimento de que, nesse caso, afasta-se a retenção determinada expressamente pelo artigo 542, parágrafo 3º, do CPC. Argumentos para esse entendimento não faltam. É sobre o valor da causa que são calculadas diversas penalidades aplicáveis no curso do processo22 (algumas delas desde logo exigíveis). Esse valor também serve de base, comumente, para cálculo do preparo da apelação, de sorte que se for fixado pelo autor em patamar exagerado, pode dificultar o acesso do réu ao segundo grau de jurisdição23. Esses casos, entretanto, não se confundem com aqueles em que a eventual reforma de uma decisão interlocutória atacada por recurso retido pode pôr em risco toda a atividade jurisdicional desenvolvida até então. Pense-se no caso de determinada decisão que, v.g. indefere a denunciação à lide ou o chamamento ao processo. A possibilidade de tais decisões virem a ser reformadas traz consigo o risco de que todo o processo seja anulado, para que o denunciado à lide ou o chamado ao processo integrem a relação processual. Tudo, a partir da decisão agravada, restará nulo no caso de futuro provimento do agravo retido. O prejuízo, necessário para a decretação da nulidade, se acha in re ipsa. Em consideração a esse último aspecto – possibilidade de a decisão atacada por recurso retido vir a ser reformada adiante e provocar a invalidade de grande quantidade de atos processuais – a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido bastante tolerante em admitir o processamento de recurso especial que, a rigor, encontraria óbice na letra expressa do artigo 542, parágrafo 3º, do CPC. São variados e eloqüentes os exemplos que roboram essa afirmação24. 21

“A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a regra que determina a retenção do recurso especial comporta exceções, entre elas, a interlocutória que aprecie a fixação do valor da causa, que não se inclui nas hipóteses previstas no art. 542, § 3º, do CPC.” (3ª Turma – Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro – AgRg no Ag 426684 /SP – 15/08/2002 – DJ 23.09.2002 p. 360). No corpo do voto condutor são invocados os seguintes arestos no mesmo sentido: Ag. 435.966/RJ, Min. Nancy Andrighi e RESP n. 194540/DF, Min. Waldemar Sveiter) 22 V.g., artigos 14, parágrafo único, 18, caput e parágrafo 2º, 538, parágrafo único, 557, parágrafo 2º, etc., todos do CPC. 23 A prática forense nos ensina que essa hipótese é bastante comum, sobretudo quanto o autor é beneficiário de gratuidade de justiça, e requer indenização por dano moral em montante estratosférico, com reflexos no valor da causa. Se o réu não pode gozar do mesmo benefício, esse exagero dificultará que esse efetue o preparo da apelação. Chamando a atenção para o problema, PEDRO DA SILVA DINAMARCO (Código de Processo Civil Interpretado, Antonio Carlos Marcato (coord.), p.732). 24 Fiquemos, aqui, com 3 exemplos. O primeiro se trata do julgamento nos autos do REsp 661145 / ES, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, que adentrou em questão de fundo (aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor ao caso sub judice), para fins de determinação de competência ratione materia, entre as Varas da comarca de Vitória/ES, deslocando-a da Vara de Defesa do Consumidor a uma das Varas Cíveis. Em outro caso, nos autos do REsp 435848 / DF, sob relatoria do Ministro Castro Filho, afirmou-se o descabimento da retenção do recurso especial relativamente à questão da limitação do número de



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Parece-nos que na imensa maioria dos casos, as decisões interlocutórias versam questões que, reformadas a posteriori, implicarão declaração de nulidade de muitos atos processuais praticados após seu proferimento, dentro, evidentemente, dos limites postos pelos artigos 248 e 249 do CPC. Diante disso, parece-nos que o único modo para que o artigo 522 do CPC possa surtir algum efeito prático, é englobar, na análise da admissibilidade do agravo de instrumento, a consideração à plausibilidade da pretensão recursal. E, na prática, é lógico e razoável que isso aconteça (ainda que não haja previsão legal nesse sentido). Ou seja, se houver razoável probabilidade da decisão recorrida vir a ser reformada, o relator acabará processando o recurso na forma instrumental, mesmo que não haja, própria e diretamente, risco de dano irreparável. O elemento que, no final das contas, será decisivo para aplicação da hipótese de conversão será o grau de risco de dano, e não propriamente a possibilidade de reparação. Se esse risco for baixo, ainda que o dano possa ser irreparável, provavelmente o julgador de 2º grau não se furtará de determinar a conversão. Se esse risco for, ao contrário, alto, é provável que o magistrado processe o agravo de instrumento, mesmo que o dano não seja propriamente de difícil reparação assim. Outra enorme dificuldade para aplicar a nova disposição legal está na consideração do interesse recursal. De fato, além dos casos acima citados (agravo retido contra decisão que outorga tutela de urgência, ou em processo de execução), em muitos outros faltará ao recorrente interesse processual para a interposição do agravo retido. A assertiva se demonstra mais facilmente à vista de exemplos. Imaginese, por exemplo, que o juiz admite, indevidamente, uma denunciação à lide pleiteada pelo réu, e o autor não se conforma com a decisão, entendendo que a medida não encontra amparo legal e que tumultuará o andamento do feito. Nesse exemplo, a rigor, o agravo retido haverá de ser inadmitido por falta de interesse recursal (o remédio é inadequado para que o recorrente alcance seus objetivos), de modo que o Tribunal haverá de processar o agravo de instrumento, não porque haja, propriamente, risco de dano irreparável (apenas o processo demorará um pouco mais do que deveria), mas porque a adoção da forma recursal legalmente adequada importará em falta de interesse recursal 25. litisconsortes facultativos ativos. Houve ainda julgado nos autos da MC 2129 / DF, com voto condutor do Ministro Gilson Dipp, em que foi afrouxada a regra do artigo 542, parágrafo 3º, do CPC, relativamente a ação coletiva proposta por Associação, em que se discutia a necessidade de autorização de seus associados. 25 Nesse sentido, se pronunciaram NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil comentado, p.877; FLÁVIO CHEIM JORGE, A nova reforma processual, p.176 e FREDIE DIDIER JR., Questões controvertidas sobre o agravo, cit., p.281.



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Ou seja, aqui se está cogitando do risco inverso. Nos exemplos acima, o Tribunal ver-se-á constrangido a permitir o trânsito de recurso que, a rigor, deveria ficar retido para evitar que uma nulidade ficasse “plantada”, com chances de pôr a perder tudo o que tiver nele sido feito após o ato inválido. Nessa segunda ordem de exemplos, o Tribunal será forçado a permitir o agravo de instrumento já que falecerá interesse recursal para a forma retida do recurso. Em suma, as decisões que gerarem risco de dano (em maior ou menor grau, não só para a parte sucumbente em si, mas para toda a atividade jurisdicional), certamente haverão de ser desafiadas por agravo de instrumento, do mesmo modo que essa deverá ser a forma recursal quando ao recorrente faltar interesse para a interposição do agravo na forma retida. A exceção, assim, apresenta-se mais ampla que a própria regra. Tal constatação serve, de plano, para descartar quaisquer propostas26 de se alterar o regime preclusivo do processo, com vistas a solucionar o tormentoso problema da recorribilidade das interlocutórias27. A mudança seria drástica demais, sem visível benefício. A verdade é que o legislador não pode fugir da natureza das coisas. As decisões interlocutórias, em essência, servem para “viabilizar a marcha do processo” e para remover “os obstáculos opostos a essa meta”.28 Deixar a solução definitiva de tais questões para momento posterior pode inviabilizar a marcha processual, ressuscitando em 2º grau obstáculos que foram apenas provisoriamente removidos na 1ª instância. Além disso, toda essa dificuldade de implementação prática de restrições ao agravo de instrumento está também no fato de que a reforma legislativa em

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V.g., TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (O novo regime do agravo, p.153) e BARBOSA MOREIRA, (Reformas do CPC em matéria de recursos, Revista Forense, n. 354, p.182). 27 No referido artigo de nossa autoria (Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.188-190) havíamos chegado à mesma conclusão: “Dada a plêade de decisões interlocutórias que, em maior ou menor grau, atentam de imediato contra o direito da parte, parece realmente muito pouco compensador pôr em cheque uma das características mais marcantes do procedimento, qual seja, a preclusividade das questões, apenas para eliminar-se o agravo em uns poucos casos. Para a mirrada lista de decisões interlocutórias não passíveis de gerar dano imediato à parte, não nos parece adequado afrouxar o regime de preclusão, haja vista a existência de soluções menos drásticas e igualmente eficientes”. 28 TOMÁS PARÁ FILHO, A recorribilidade das decisões interlocutórias no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 5, p. 24.



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exame veio embasada em um conceito juridicamente indeterminado29, o qual poderá admitir as mais diversas interpretações, mais ou menos ampliativas30. Poderíamos aqui lembrar a precisa crítica que CLITO FORNACXIARI JR. já havia feito à Lei n. 10.352/2001, nesse particular, acrescentando outra dificuldade decorrente dessa opção legislativa de reter agravos se não houver risco de daNO: “[a]valiar a potencialidade de riscos de lesão ou dano é tarefa difícil, mormente para quem, como é o caso do juiz do agravo, não conhece a causa em sua integridade., de vez que dela recebe pequenos fragmentos.”31 Tal como havíamos concluído em nosso estudo anterior sobre a recorribilidade das interlocutórias, seria muito mais adequado que fossem eleitas antecipada e taxativamente as matérias decididas por interlocutória das quais não caberia agravo de instrumento. Assim seria possível excluir, de antemão, os casos em que sabidamente faltaria interesse recursal para o agravo retido. Além disso, semelhante construção legislativa sinalizaria a todos os magistrados e jurisdicionados a opção política do sistema por assumir o risco de todo o processo ser anulado caso o agravo retido seja futuramente provido, ao invés de processar imediatamente o recurso na forma de instrumento. Fôssemos utilizar uma figura bíblica32 para analisar a Lei n. 11.187/2005, poderíamos dizer que o legislador foi imprudente ao fazer sua construção sobre um terreno arenoso (consistente em um conceito juridicamente indeterminado), e não sobre a rocha (consistente em rol taxativo de hipóteses), expondo-a, assim, às enchentes e ventanias que o seu implemento prático trará. Só o tempo dirá se a inovação legislativa sobreviverá a essas intempéries. Tudo indica que não.

4.

Extinção do agravo interno nos casos do art.527, II e III do CPC

Se, até agora, alguns estudiosos podem não ter reconhecido novidade alguma na Lei n. 11.187/2005, não poderão negar que no parágrafo único do artigo 527

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Para valermo-nos da expressão empregada por BARBOSA MOREIRA, Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados, Estudos jurídicos em homenagem ao Prof. Orlando Gomes, p. 610. 30 Ainda que juridicamente possa se considerar apenas uma decisão justa, Como sustenta TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, no profundo trabalho monográfico intitulado Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. 31 Processo civil: verso e reverso, p.140. 32 Mateus 7, 24-27



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reside efetiva inovação: nos casos dos incisos II e III do mesmo dispositivo foi proibida expressamente a interposição do “agravo interno” (ou regimental, ou inominado, como preferem alguns). Tão vincada foi essa opção, que o legislador não se contentou em suprimir a previsão do recurso contra a decisão atinente à conversão (existente na parte final do artigo 527, II, do CPC, antes da Lei n. 11.187/2005). Ao contrário, determinou expressamente a sua irrecorribilidade33. Indubitavelmente, a intenção, aqui, foi excluir por completo, nessas duas hipóteses, o cabimento do agravo “regimental”, assim chamado aquele que, a despeito de não estar previsto na legislação processual, encontra previsão em regimentos internos de Tribunais34 e acaba sendo admitido. O primeiro caso (inciso II) é justamente o da decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido. Hoje, proíbe-se o recurso dessa decisão, diferentemente do que antes previa o artigo 527, II, do CPC, com redação dada pela Lei n. 10.352/2001. O segundo caso (inciso III) é o deferimento do efeito suspensivo ou a antecipação, parcial ou total, dos efeitos da tutela recursal (o antes chamado “efeito ativo”)35. Calou o legislador sobre a situação inversa, ou seja, a denegação da antecipação de tutela recursal, autorizando o entendimento de que, aqui, o agravo “regimental” permanece cabível36, a despeito de opiniões contrárias37.

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Assim dispõe o parágrafo único do artigo 527 reformado: “A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar”. 34 Veja-se, por exemplo, o que dispõe o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo (vigente ao menos até 07.11.2005, última data em que consultamos o portal da Corte na internet): “Art. 858. Ressalvadas as hipóteses do art. 504 do Código de Processo Civil e a de despachos em matéria administrativa, caberá agravo regimental, sem efeito suspensivo, contra decisão que causar prejuízo ao direito da parte, proferida pelo Presidente, pelos vice-presidentes, pelo Corregedor Geral da Justiça ou pelos relatores dos feitos”. 35 Note-se que a concessão de efeito suspensivo também pode ser considerada uma antecipação de tutela recursal. Assim o já haviam reconhecido LUIZ RODRIGUES WAMBIER E TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil, p.170). 36 ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (Recurso especial, agravos e agravo interno, p. 212) afirma expressamente a possibilidade de regimentos internos dos Tribunais preverem agravos contra decisões monocráticas dos relatores, sem que, com isso, invadam a competência exclusiva da União para legislar em matéria processual (conforme o artigo 22, I, da Carta Constitucional). Entende o doutrinador que o agravo, nesse caso, “apresenta-se, a rigor, não como um recurso, mas sim como um pedido de „integração‟ da vontade do órgão legalmente competente para apreciar a matéria.” Em diferentes termos, mas com resultado semelhante, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (Lineamentos da nova reforma do CPC, p.117) lembra ser esse recurso da tradição do direito luso-brasileiro, pois a atividade decisória do relator “delineia-se vice sacra, vale dizer, delegada pelo colegiado, que é o órgão jurisdicional natural no sistema do duplo grau”. 37 A propósito, há vários julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, como e.g., os publicados em JTJ 202/288 e 203/229.



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A primeira impressão que se tem é a de que os ganhos efetivos com essa alteração serão muito modestos, mormente quanto à segunda hipótese do parágrafo único do artigo 527. O cotidiano forense nos ensina que os magistrados de segundo grau, ao receberem agravos internos contra decisões concessivas ou denegatórias de tutela antecipada recursal, ou reconsideravam-nas, ou punham em julgamento colegiado ambos os recursos (agravo de instrumento e agravo interno) conjuntamente, de tal sorte que o segundo restasse prejudicado. Essa estratégia era (e continuará sendo) muito facilitada pela natureza dos prazos impostos à autoridade judicante38 e, apesar de pouco louvável do ponto de vista jurídico, efetivamente reduz o impacto do agravo interno no trabalho do Tribunal, pois ambos os agravos são objeto de um só relatório e entram conjuntamente nas pautas das sessões de julgamento. Assim, a grande finalidade do agravo interno acabava se resumindo à possibilidade de retratação do relator, no tocante à concessão ou denegação de antecipação de tutela recursal. Nesse passo, impera esclarecer que a extinção do agravo interno nessas duas hipóteses não importará na eliminação da possibilidade de reconsideração das decisões monocráticas dos relatores, mesmo porque expressamente assegurada pelo parágrafo único do artigo 527 reformado. Mesmo que a possibilidade de reconsideração não estivesse expressa no texto legal, ainda assim a eliminação do agravo interno deixaria ao litigante a possibilidade de pedir a reconsideração ao relator do recurso. Sempre foi assim em nosso sistema, já que lhe negar também essa possibilidade representaria escancarada violação ao princípio do contraditório, por razões tão óbvias que é completamente ocioso enunciá-las. Ao lado do pedido de reconsideração, sem forma ou figura do juízo, haverá ensejo para embargos de declaração (desde que presente omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada), já que seu cabimento contra qualquer interlocutória tem sido, pacificamente, reconhecido, e não o deixará de o ser nesse caso39. Além do pedido de reconsideração e dos embargos declaratórios, permanecerão abertos ao interessado outros meios de impugnação das decisões judiciais, 38

Ou seja, os chamados “prazos impróprios”, cujo descumprimento não gera nenhuma conseqüência de ordem processual. 39 Apenas para registro, reportamo-nos a importante precedente da Corte Especial do STJ, relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, nos autos dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 159317-DF (07.10.1998)



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notadamente o mandado de segurança40. Esse efeito colateral é bastante conhecido: todas as vezes em que o legislador restringe a recorribilidade de determinadas decisões, entram em cena os assim chamados “meios sucedâneos de impugnação”, dentre os quais está, além do wirt, a vetusta correição parcial. Tomando-se, primeiramente, a decisão que converte o agravo de instrumento em retido, tem-se que será cabível o mandado de segurança, tanto em face da própria decisão interlocutória singular, quanto da decisão que determinou a conversão conforme artigo 527, II, do CPC, por simples aplicação dos preceitos constitucionais insculpidos nos incisos XXXV e LXIX do artigo 5º da Carta Magna41. O cabimento do mandado de segurança se apresenta particularmente evidente contra a decisão que concede antecipação de efeitos da tutela recursal. Como vimos acima, as decisões concessivas de tutelas de urgência são lançadas, de regra, sem oitiva da parte contrária, de tal sorte que a sua recorribilidade mostra-se como elemento fundamental para o efetivo exercício do contraditório. Mas não se pode negar também o cabimento do mandado de segurança nos casos em de indevida conversão do agravo de instrumento em retido eis que, como visto acima, a regra geral será a decisão interlocutória causadora de dano de incerta reparação. Ainda no tocante à hipótese de indevida conversão do agravo de instrumento em retido, é de se reconhecer plenamente cabível o mandado de segurança voltado diretamente contra a decisão interlocutória tomada em primeira instância, a despeito do artigo 5º, II, da Lei n. 1533/1951 e do Enunciado da Súmula n. 267 do Supremo Tribunal Federal (ambos proibindo o mandado de segurança contra ato judicial do qual cabe recurso processual). Isso porque a jurisprudência, há décadas, reconheceu

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Era exatamente o que ocorria na vigência do Código de 1939, isto é, o extenso rol residual de decisões interlocutórias irrecorríveis abria margem para numerosos mandados de segurança. Assim testemunham enfaticamente FREDERICO MARQUES (Instituições de direito processual civil, v.4, p.380 e ss.) e, recentemente, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (O novo regime do agravo, p.68). O legislador parece ter se olvidado dessa óbvia constatação, a qual foi feita por ninguém menos do que o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, destacado artífice das reformas processuais operadas a partir de 1994, em seu artigo O prosseguimento da reforma processual, in Revista de processo, n. 95, p.10. 41 Cfr., por todos, CASSIO SCARPINELLA BUENO “Em suma: toda vez que se puder evitar a consumação da lesão ou da ameaça pelo próprio sistema recursal e pela dinâmica do efeito suspensivo dos recursos, descabe o mandado de segurança à míngua de interesse jurídico na impetração. Inversamente, toda vez que o sistema recursal não tiver aptidão para evitar a consumação da lesão ou ameaça à esfera jurídica do recorrente, o mandado de segurança contra ato judicial tem pleno cabimento”, in Mandado de segurança (Mandado de segurança – comentários às Leis n.1.533/51, 4.348.64 e 5.021/66, e outros estudos sobre mandado de segurança, p.108).



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que o recurso sem efeito suspensivo (e, portanto, inapto a obstar de imediato, o ato impugnado) equivaleria à ausência de qualquer recurso.42 Contra a decisão que determina a conversão, nem mesmo esse obstáculo poderia ser levantado, eis que sua irrecorribilidade está expressamente estatuída na lei43, tornando inequívoco o cabimento do wirt, na esteira do artigo 5º, II, da Lei n. 1533/195144.

5.

Conclusão

O estudo da história do recurso de agravo, desde suas origens no Direito lusitano reinol, até a recente reforma processual, nos invoca a figura de Prometeu, conhecido personagem da mitologia grega e protagonista da clássica obra teatral de Ésquilo intitulada “Prometeu Acorrentado”. Assim como Prometeu – que, segundo o mito grego, desafiou a tirania de Zeus e tomou a ousadia de roubar do Olimpo o fogo monopolizado pelos deuses, trazendo-o para uso dos mortais – o surgimento do agravo em Portugal, entre os séculos XIII e XIV, foi fruto da rebeldia e do inconformismo dos litigantes diante da lei régia que proibia apelação contra grande parte das interlocutórias45. Surgido como remédio

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Essa tese ganhou força depois de acórdão do Supremo Tribunal Federal publicado na RTJ 70/504, e tornou-se totalmente prevalecente na jurisprudência e na doutrina. Para completa referência a respeito, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Mandado de segurança contra ato judicial, Revista do Advogado, n. 64, p.98. 43 Aliás, nesse ponto, o parágrafo único do artigo 527 agora reformado traz outra enorme novidade do ponto de vista técnico, pois elenca expressamente duas hipóteses de irrecorribilidade de provimentos que ostentam nítido conteúdo decisório, o que antes não ocorria no sistema processual brasileiro (ao menos de modo textual). 44 Impera esclarecer que a afirmação acerca do cabimento do mandado de segurança limita-se ao aspecto processual do fenômeno, atinente à adequação da via processual para a situação concreta, sem qualquer consideração sobre o mérito da pretensão do impetrante. Nos casos em que a conversão for determinada adequadamente, e não gerar risco de dano irreparável ao agravante, a segurança haverá de ser denegada. 45 De fato, em estudo anterior (Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.165) havíamos lembrado que a história do recurso de agravo remonta ao Século XIII. D.Afonso III, Rei do então recém criado Estado Português, havia baixado lei instituindo a apelabilidade de todas as sentenças, definitivas ou interlocutórias. Anos depois, já no início do Século XIV, D. Afonso IV, sob o fundamento de que as partes valiam-se maliciosamente das apelações para embaraçar os processos, proibiu a recorribilidade das interlocutórias, exceto daquelas que implicavam o término do processo (hoje por nós chamadas terminativas) e daquelas que poderiam causar dano não passível de reparação pela sentença definitiva. Ambas as leis acham-se reproduzidas no Livro 3 das Ordenações Afonsinas, respectivamente nos Títulos 71 e 72. A partir daí plantou-se a semente para a gênese do agravo. Nessa hipótese, incabível a apelação e ante a recusa de retratação pelo juiz prolator, impunham as Ordenações Afonsinas (3.67.5) que deveria ser extraído o “Extormento de agravo” ou a “Carta testemunhável”, que eram os meios pelos quais o agravado (litigante que sofrera agravo ou prejuízo emergente da decisão interlocutória) levava à Corte queixa sem forma ou figura de juízo. Pouco a pouco, o nome agravo passou, então, a designar o remédio que se voltava contra o



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excepcional e sem figura de juízo, acabou se ordinarizando, e ficou impregnado em nossa cultura processual, não tendo jamais deixado de figurar entre os recursos, seja em terras brasileiras46, seja em terras lusitanas47, até hoje. Ainda segundo a lenda, a audácia de Prometeu atraiu a ira de Zeus, que então lhe impôs como castigo ficar, por todo o sempre, acorrentado a uma montanha (o Monte Cáucaso), onde um abutre diariamente devoraria partes do seu fígado, sem matálo, dada a capacidade regenerativa desse órgão. Com o agravo não foi diferente: o legislador jamais tencionou exterminá-lo (e nem poderia), mas há mais de um século envia-lhe abutres para enfraquecê-lo (em forma de novos códigos processuais ou de reformas nos diplomas já existentes48). Esse longínquo atrevimento dos súditos do reino lusitano, ao forçarem a criação do agravo, gerou essa condenação eterna. Mas o agravo sempre encontra a incrível capacidade de se regenerar (distorcendo, na prática, as restrições “tirânicas” do sistema ou, quando não, travestindo-se em outros meios de impugnação sucedâneos, como o mandado de segurança e a correição parcial). Não temos dúvidas de que o agravo permanecerá vivo e saudável, sempre se regenerando, de uma forma ou de outra, após cada investida legislativa orientada a mitigá-lo, o que nos conduz a um problema aparentemente insolúvel. Mesmo na vigência da Lei n. 11.187/2005, todo e qualquer advogado certamente arriscará o uso do agravo de instrumento, inobstante a previsão do texto legal reformado. Terão como trabalho adicional, apenas, sustentar a existência de risco de dano de difícil ou incerta reparação a seu constituinte, o que, como vimos, não é tarefa difícil, dada a própria natureza das questões incidentais.

prejuízo surgido da interlocutória inapelável, até que, nas Ordenações Manuelinas, editadas definitivamente em 1521, o agravo apareceu como recurso ordinário, em suas variadas formas. 46 Desde as Ordenações Manuelinas (em que o agravo surge como recurso ordinário e formalmente estruturado), passando-se pelo Código Sebastiânico, as Ordenações Filipinas, o Regulamento 737/1850, os Códigos Estaduais e o Código Nacional, de 1939, em todos o agravo aparece como recurso ordinário, apenas variando as suas formas (a propósito, nosso Recorribilidade das interlocutórias, cit., p.165 a 169). 47 Depois das Ordenações Filipinas, que vigeram no Brasil e em Portugal, a legislação lusitana também jamais deixou de prever o agravo, como recurso ordinário, e distinto da apelação.No Código de Processo Civil vigente, o artigo 733 dispõe que de todas as decisão inapeláveis cabe o recurso de agravo. Todavia, alguns recursos tem previsão legal de “subida imediata” (conforme artigo 734 e assemelham-se a nosso agravo de instrumento); outras tem “subida diferida” (consoante o artigo 735, de modo similar ao agravo retido brasileiro). 48 Para ficarmos com os três mais eloqüentes exemplo, veja-se o CPC de 1939, que estatuía rols taxativos de casos para interposição do agravo de instrumento e do agravo no auto do processo (arts.842 e 851), e, evidentemente, as duas últimas leis reformadoras desse recurso (Leis n. 10.352/2001 e 11.187/2005). Por outro lado, o próprio CPC de 1973 pode ser considerado marco de uma ampliação do âmbito de incidência do agravo (o qual era cabível, na forma escolhida livremente pelo litigante, contra qualquer interlocutória).



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Na pior das hipóteses, a conversão do agravo de instrumento em retido, deixará livre o caminho para embargos de declaração, pedidos de reconsideração e nada mais nada menos do que dois mandados de segurança, tendo por objeto decisões distintas: um em face da decisão interlocutória singular agravada, outro contra a decisão que determinou a conversão. E o pior de tudo: à exceção dos embargos declaratórios (que estão sujeitos a prazo exíguo, de cinco dias), o mandado de segurança pode ser impetrado a qualquer momento (dentro do prazo decadencial de 120 dias) e o pedido de reconsideração pode ser apresentado e reiterado a qualquer tempo, haja vista não ter figura ou forma de juízo. Os mesmos remédios se põem à disposição do litigante que tem contra si deferida antecipação de tutela recursal, ou seja, os embargos declaratórios, um ou mais pedidos de reconsideração e o mandado de segurança. A esperança de sucesso da reforma, nesse particular, é que haja litigantes que não estejam dispostos a lançar mão do writ como sucedâneo recursal na maioria dos casos. Mas mesmo assim, seguramente haverá uma notável proliferação dos embargos declaratórios e, sobretudo, dos pedidos de reconsideração. Havíamos sustentado no nosso já referido escrito sobre o mesmo problema aqui enfocado, e aqui reiteramos, que possível solução para parte do problema estaria na fixação de um rol taxativo de casos em que, em razão do conteúdo da questão decidida, o agravo cabível seria necessariamente o retido (na oportunidade, alvitramos, de lege ferenda, que esse rol fosse composto de decisões em matéria probatória e de decisões que afastam argüições de falta de condições da ação e de pressupostos processuais). A essa altura, porém, nem mesmo essa solução nos parece ser de grande utilidade, em face dessa notável “capacidade regenerativa” do agravo, e sua capacidade de transmudar-se em outros meios de impugnação. Tantas forem as decisões interlocutórias tomadas no processo, tantos serão os meios de impugnação apresentados pela parte, sempre sob o argumento de que há risco de difícil ou incerta reparação. E, como regra, efetivamente o estarão. Diante dessa constatação, surge-nos como alternativa reduzir o número de interlocutórias tomadas no curso do processo, concentrando ao máximo a decisão de questões incidentais, de maneira que a impugnação a elas se faça de uma única vez, ou na menor quantidade de oportunidades possível. Outra exceção está na Lei n. 9.139/95, que fortaleceu consideravelmente o agravo, mas da qual nosso legislador parece estar amargamente arrependido.



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Veja-se que não se trataria apenas de relegar para momento oportuno a recorribilidade de todas as interlocutórias proferidas em momento anterior, pois aí se deixa a porta aberta para que os litigantes se antecipem em impugná-las, sempre sob o argumento do risco imediato de dano. Tratar-se-ia, isso sim, de decidir a maior quantidade de questões incidentais em um só momento processual. E para tanto, o processo haveria, necessariamente, de alargar o campo do (hoje quase inexistente) princípio da oralidade, que traz necessariamente a seu reboque o sub-princípio da concentração, segundo clássica lição de CHIOVENDA. E aqui saímos de um problema, para cair em outro, consistente nas enormes (e antigas) dificuldades práticas de efetiva aplicação do princípio da oralidade, que incluem desde questões geográficas (dadas as dimensões continentais do Brasil) e físicas (atinentes à precariedade da estrutura do Judiciário), até, sobretudo, culturais49. Diante desse quadro, no mínimo desolador, cabe bem aqui, para encerrar, breve passagem da já citada peça teatral de Ésquilo. Nela, a personagem “o Poder”, encarregada de cobrar de Vulcano o cumprimento da condenação imposta por Zeus, constata, referindo-se a Prometeu: “[d]e que serve lamentar a sorte deste criminoso, uma vez que não há remédio possível para seu mal? Não te canses, pois, na busca de um socorro inútil.”50.

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BARBOSA MOREIRA (Processo civil brasileiro e o procedimento por audiências, Temas de direito processual – sexta série, p. 95-106) faz uma preciosa síntese das dificuldades de implementação de um processo efetivamente oral no Brasil. 50 Versão de Elza de Andrade, Interpalco, 2005.



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Bibliografia

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