2006 - Segundas reflexões sobre a nova lei do agravo

June 23, 2017 | Autor: Heitor Sica | Categoria: Agravo de instrumento
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SEGUNDAS REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI DO AGRAVO Heitor Vitor Mendonça Sica 1

SUMÁRIO – 1. Considerações gerais sobre a Lei n. 11.187/2005 – 2. O recorrente continua escolhendo a forma do agravo – 3. Hipóteses expressas de cabimento exclusivo de agravo de instrumento – 4. Hipóteses tácitas de cabimento exclusivo de agravo de instrumento – 5. Graus de risco de lesão de difícil reparação: o agravo, se for de instrumento, sempre terá efeito suspensivo? – 6. Remédios contra a conversão do agravo de instrumento – 7. Atuação do relator no recebimento do agravo de instrumento – 8. Algumas considerações sobre o agravo retido oral obrigatório (CPC, art.523, Par.3º) – 9. Questões de direito intertemporal – 10. Conclusão.

1.

Considerações gerais sobre a Lei n. 11.187/2005

Desde nossas primeiras reflexões sobre o novo regime do recurso de agravo – consignadas no texto intitulado “O agravo e o ‘mito de Prometeu’ – considerações sobre a Lei n. 11.187/2005”2 – muitas outras dúvidas nos ocorreram, provocando-nos a retomar a análise desse diploma legal. Se a temática recursal já é, de modo geral, riquíssima, com relação ao recurso de agravo, as indagações despontam particularmente numerosas e tormentosas. E boa parte dos problemas decorrentes da Lei n. 11.187/2005 vem sendo enfrentada com bastante profundidade pela vasta literatura já produzida de outubro de 2005 em diante. Em linhas gerais, os pontos da nova legislação que chamaram mais a atenção da doutrina podem ser assim sintetizados:

(i)

A lei vem claramente orientada ao propósito de reduzir o âmbito de incidência do agravo de instrumento, tornando-se excepcional face ao agravo retido, e cabível apenas “quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida” (art.522, caput);

1

Mestre e doutorando em Direito Processual pela Universidade de São Paulo, advogado em São Paulo. In NELSON NERY JR; e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT, 2006. p.193-219 (Série Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v. 9). 2

2

(ii)

Muito embora a forma retida tenha sido eleita pelo legislador como regra para o recurso de agravo, sendo a forma instrumental mera exceção, a análise do conteúdo das decisões interlocutórias acaba conduzindo à conclusão de que a exceção é mais ampla do que a regra. Vale dizer: os casos em que decisão interlocutória sujeita a parte a perigo de dano de difícil reparação são bem mais comuns do que os casos em que esse risco inexiste;

(iii)

Se a parte interpuser o agravo de instrumento, quando a forma correta seria a retida, o relator sorteado na instância ad quem forçosamente converterá o recurso, determinando a baixa dos autos ao Juízo a quo (art.527, II). Aqui, o legislador eliminou qualquer dúvida que, antes, sob vigência da Lei n. 10.352/2001, se colocavam se a conversão era faculdade do relator, ou um poder-dever seu.

(iv)

A decisão que determina a conversão do agravo de instrumento em retido tornou-se irrecorrível, bem como a decisão que atribuir ao agravo de instrumento efeito suspensivo ou “deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal”. Dito de outra forma, não cabe mais agravo interno, pois esse tipo de decisão do relator “somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar” (art.527, Par. único).

(v)

As decisões monocráticas referidas no art.527, Par. único, embora não possam ser mais desafiadas pelo agravo interno, são passíveis de ataque, pelo menos, por meio de embargos de declaração (se houver omissão, obscuridade ou contradição, como, de resto, ocorre com qualquer tipo de decisão, conforme reiterado entendimento jurisprudencial); pedido de reconsideração sem forma ou figura de juízo (como deixa aberto o próprio art.527, Par. único), e o mandado de segurança (que se assenta em bases constitucionais e entra em cena sempre que o sistema recursal não garante ao litigante remédio adequado contra atos ilegais de qualquer autoridade, inclusive jurisdicional).

A partir desses pontos conceituais, muitas outras indagações práticas podem ser feitas, em alguma medida aprofundando constatações que já havíamos feito no estudo anterior já referido. Essa é a empreitada a que nos propomos a partir de agora.

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2.

O recorrente continua escolhendo a forma do agravo

A primeira impressão que a Lei n. 11.187/2005 deixa é a de que o recorrente não poderia mais escolher a forma do agravo no ato de sua interposição: se retido ou de instrumento. Esse pensamento, corrente na doutrina que já comentou a nova legislação3, contou com nossa adesão no ensaio anteriormente referido4. Todavia, após melhor pensar sobre a implementação prática dessa reforma processual, somos forçados a rever nossa posição a respeito. De fato, a primeira ressalva que pode ser levantada a essa premissa é a de que, rigorosamente, o recorrente, na maior parte dos casos, continua escolhendo a forma de agravo (retido ou de instrumento), tal como antes da Lei n. 11.187/2005. As únicas exceções estão catalogadas nos itens 3 e 4, infra, em que o agravo de instrumento será a única forma cabível. A diferença introduzida pela lei repousa no fato de que a escolha do recorrente não vincula necessariamente o órgão judicante. Vale dizer: se a parte optar pela forma instrumental, o Tribunal pode entender ser incorreta essa opção e determinar a retenção do recurso. Apesar disso, veja-se bem, a elegibilidade permanece intacta, e o litigante não sofre outro ônus pela escolha incorreta, além da conversão do recurso. Essa constatação pode parecer, numa primeira vista, inútil, mas em realidade revela o “calcanhar de Aquiles” da reforma em exame. Isso porque os litigantes não se sujeitam a risco algum em “arriscar” a interposição de agravo de instrumento. Afinal, o que de pior pode acontecer ao agravante que usa a forma instrumental equivocadamente é a determinação de conversão do recurso. Disso decorre, induvidosamente, que a lei não conseguiu incentivar os litigantes a interpor o agravo retido, desestimulando o de instrumento5.

3

Cfr., e.g., LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, Evoluções e involuções do agravo, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v.9, p.302. 4 O agravo e o “mito de Prometeu” cit., p.196 e ss. 5 Talvez os únicos incentivos claros que o litigante tem para optar pelo agravo retido sejam: a isenção de preparo e a dispensa de fazer cópias de peças dos autos. Por isso, em trabalho anterior já havíamos pontuado que o agravo de instrumento é sempre preferível “pois o Tribunal, ao julgá-lo, não tem a considerar o risco de jogar por terra a sentença e, eventualmente, grande quantidade de atividade processual desempenhada pelo juízo singular.”, como ocorre quando se aprecia o agravo retido preliminarmente à análise da apelação (Recorribilidade das interlocutórias e reformas processuais: novos horizontes do agravo retido, In: NELSON NERY JR.; TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT, 2005. p. 200. (Série Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v. 8).

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Ora, mesmo que o agravo de instrumento seja convertido, o Tribunal tem o trabalho de autuar, processar e analisar a questão versada no recurso. Ademais, o relator, depois de determinar a conversão, expõe-se a meios sucedâneos de impugnação a decisões judiciais, conforme se disse acima. Em suma: se a finalidade dessa reforma era reduzir a quantidade de agravos de instrumento nos Tribunais, não é exagero dizer que esse intento dificilmente será alcançado. Quando muito, pode se considerar que o trabalho dos Tribunais, na apreciação dos agravos de instrumento interpostos, tenderá a ser menor. A fórmula encontrada pelo legislador teria melhores condições de surtir o efeito desejado (reduzir o número de agravos de instrumento nos Tribunais) se tivesse sido implementada no regime recursal vigente antes da Lei n. 9.139/1995 (na qual a interposição do agravo, em ambas as formas, era feita perante o juízo singular). Nessa hipótese, caberia ao juiz a quo verificar a existência de risco de dano irreparável no caso concreto e, se não se convencesse dessa circunstância, poderia determinar, ele mesmo, a retenção do recurso, a despeito do agravante ter pedido a formação de instrumento para subida imediata. Aí sim, se limitaria efetivamente a elegibilidade da modalidade do agravo (ainda que essa formatação do sistema abrisse margem para o mandado de segurança, como ocorria corriqueiramente antes da Lei n. 9.139/1995). Resulta de tudo isso que a pedra de toque dessa nova disciplina legal recairá sobre o poder argumentativo do advogado que subscrever as razões recursais. Terá ele a missão de explorar os fatos da causa à lume do conceito altamente impreciso de “lesão grave e de difícil reparação” contido no texto legal. E temos de convir que, diante da própria natureza das questões resolvidas incidentalmente no processo6, não é difícil demonstrar ao Tribunal, pelo menos, que a eventual reforma da decisão agravada quando do julgamento da apelação contra a sentença final pode levar à decretação de nulidade de uma série de atos subseqüentes (nos limites dos artigos 248 e 249 do CPC e demais diretrizes que regem o sistema de invalidades processuais, como o princípio do prejuízo, da finalidade etc.).

No nosso ensaio anterior, já várias vezes referido (O agravo e o “mito de Prometeu” cit., p.207), lembramos a lição de TOMÁS PARÁ FILHO, para quem as decisões interlocutórias servem para “viabilizar a marcha do processo” e para remover “os obstáculos opostos a essa meta” (A recorribilidade das decisões interlocutórias no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 2, n. 5, jan.-mar. 1977, p. 24). 6

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3.

Hipóteses expressas de cabimento exclusivo de agravo de instrumento

Se, de um lado, o legislador procurou estabelecer que o agravo retido deveria ser a regra e o de instrumento, exceção, por outro reconheceu expressamente que em determinados casos a forma retida simplesmente não é cabível. Os artigos 522 e 527, II, enunciam expressamente duas situações: “nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”. Ademais, a Lei n.11.232/2005, promulgada pouco mais de dois meses depois da Lei n.11.187, indica, em duas outras hipóteses, o cabimento expresso do agravo de instrumento: é o que ocorre com a decisão que resolve a liquidação de sentença (art.475-H) e com a que rejeita a impugnação do devedor na fase de cumprimento de sentença (art.475-M, Par.3º). Nesses casos, parece óbvio, o agravante não tem de demonstrar estar sujeito a risco de dano de difícil reparação. São exceções expressas à regra geral, nas quais nem se pode cogitar de conversão estipulada pelo art.527, II, do CPC. O espírito que norteia essas hipóteses não é outro senão reconhecer, de antemão, que a forma retida seria inviável pela falta de interesse recursal. Afinal, se a apelação interposta for inadmitida, o agravo contra essa decisão não terá jamais como ser apreciado se não for de instrumento. O mesmo ocorre com decisão acerca dos efeitos da apelação: o agravo retido seria inútil contra decisão que recebesse apelação no efeito meramente devolutivo (viabilizadora de imediato cumprimento provisório), ou que a recebesse no duplo efeito (trancando o cumprimento da sentença até julgamento do apelo, que pode demorar anos e anos). Do mesmo modo, na fase de cumprimento da sentença, só existe uma chance do processo subir à instância superior por força de uma apelação (e levar consigo agravos retidos), e é justamente na hipótese de extinção da execução. Até que esse tipo de decisão extintiva (não raro remoto) surja no processo, é possível que o juiz tenha enfrentado uma quantidade enorme de questões que exigem reapreciação imediata (especialmente aquelas atinentes a medidas de agressão patrimonial e de coerção para cumprimento da sentença).

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Não é de se espantar, portanto, que o legislador, também aqui, tenha eleito de antemão o agravo de instrumento, eliminando qualquer dúvida sobre a existência concreta e efetiva de risco de lesão de difícil reparação.

4.

Hipóteses tácitas de cabimento exclusivo de agravo de instrumento

Seguindo a mesma ótica que pautou a análise dos casos tratados no item anterior, podemos localizar inúmeras outras situações em que o agravo de instrumento será inafastável, pois a interposição do agravo retido padece de falta de interesse recursal. O mais claro desses exemplos é o agravo tirado de decisão que concede ou nega liminar (antecipatória ou acautelatória, tanto faz, conforme o art.273, Par. 7º, do CPC). Ora, se o recorrente opta pela forma retida diante de tal situação, não restará alternativa ao juízo singular, senão inadmitir in limine o recurso por falta de interesse processual. Diante disso, não é aceitável que o relator tenha o poder de converter o agravo de instrumento em uma forma para a qual o recorrente esteja desprovido de interesse recursal. Tratar-se-ia de indevida negativa de tutela jurisdicional, que afronta a garantia da inafastabilidade da jurisdição (art.5º, XXXV, da Constituição Federal). Vê-se, pois, que a falta de interesse recursal para o agravo retido, nessa situação, emerge como elemento muito mais relevante do ponto de vista processual do que o próprio risco de lesão de difícil reparação. É dizer: nesses casos, o “esforço argumentativo” do advogado do recorrente, para demonstrar o cabimento do agravo de instrumento, será consideravelmente menor. Na mesma linha de argumentação, todo e qualquer ato tomado no curso das fases de liquidação e de cumprimento de sentença (não só os casos dos artigos 457-H e 475-M, Par.3º), será, sempre, atacado por meio de agravo de instrumento7. O mesmo ocorre na execução de título extrajudicial (que continua regrada pelo Livro II do CPC, a despeito da Lei n. 11.232/2005).

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É o que defendeu enfaticamente CASSIO SCARPINELLA BUENO (A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – Comentários sistemáticos às Leis n. 11.187, de 19-10-2005 e 11.232, de 22-12-2005, São Paulo: Saraiva, 2006, p.207).

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A conclusão, aqui, decorre das mesmas premissas antes assentadas: no processo de execução de título extrajudicial e na fase de cumprimento de sentença, as decisões incidentais hão de ser atacadas por recurso de efeito devolutivo imediato, porque a única chance do agravo retido subir surgiria apenas com o proferimento de sentença extintiva da ação ou da fase executiva. Afigura-se claro também que, na imensa maioria dos casos, caberá agravo de instrumento de decisões tomadas após a sentença, mesmo que não estejam referidas nas exceções dos artigos 522 e 527, II. E tal afirmação ganha ainda maior força à vista do fato de que o Par.4º do art.523 (que estabelecia a obrigatoriedade de agravo retido das decisões após a sentença) acabou revogado pela Lei n. 11.187/2005. Pense-se, por exemplo, na decisão que decreta hipoteca judiciária ou que reputa intempestivas as contra razões de apelação, mandando desentranhá-las dos autos8. São decisões que só tem sentido se reanalisadas de imediato, carecendo o prejudicado de interesse recursal para interposição de agravo retido. Esses exemplos vêm a demonstrar de modo cabal que a conversão do agravo de instrumento jamais poderá ser determinada se o recorrente carecer de interesse recursal para a forma retida. O risco de dano de difícil reparação emerge como elemento secundário nesses casos, pois se apresenta in re ipsa.

5.

Graus de risco de lesão de difícil reparação: o agravo, se for de instrumento, sempre terá efeito suspensivo?

Outra indagação de ordem prática que decorre da exegese da lei é a seguinte: se o recorrente provar que a decisão agravada lhe gera risco de difícil reparação, necessariamente o relator haverá de atribuir ao recurso o efeito suspensivo ou ativo (conforme o caso)? A resposta que se impõe é a negativa. Apesar dos artigos 522 e 558 empregarem a mesma expressão (“lesão grave e de difícil reparação”), estamos diante de situações diversas. 8

Os dois exemplos foram dados por JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, bem antes da Lei n. 11.187/2005, nos seus Lineamentos da nova reforma do CPC, São Paulo: RT, 2002, p.67. E. em ambos os casos demonstrou o autor, com amparo inclusive na jurisprudência, que o agravo de instrumento seria cabível, não se podendo cogitar do retido.

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O risco de dano que autoriza a interposição de agravo de instrumento é menos imediato do que o risco de dano que impõe a concessão de efeito suspensivo ou ativo a esse recurso. Para que o agravo seja de instrumento, basta a demonstração de que a reanálise da questão não pode esperar o proferimento de sentença e a eventual subida de um recurso de apelação. Para que o agravo de instrumento receba efeito suspensivo ou ativo, é imperiosa a prova de que o recorrente não pode esperar até o julgamento colegiado. A urgência, para isso, há de ser muito maior. Portanto, apesar de o legislador ter usado formas idênticas para regrar as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento e a antecipação de tutela nesse tipo de recurso, as situações são distintas. Nada impede que o agravo seja processado na forma de instrumento, sem efeito suspensivo ou ativo.

6.

Remédios contra a conversão do agravo de instrumento

Em nosso estudo anterior sobre o mesmo tema9, havíamos levantado quais seriam os possíveis meios processuais para revisão da decisão monocrática do relator que converte o agravo de instrumento em retido, e para a decisão que antecipa a tutela recursal (atribuindo ao agravo efeito suspensivo ou ativo). E um deles foi justamente o “pedido de reconsideração”, sem forma ou figura de juízo, com, base, inclusive, no permissivo constante do art.527, Par. único, reformado. O curioso, quanto a isso, é que a reconsideração é possível até “o momento do julgamento do agravo”, o que implica a possibilidade de que o relator reveja a decisão de conversão do agravo de instrumento em retido mesmo depois de ter baixado os autos para a instância de origem. Essa exegese dá ao agravante uma perspectiva muito interessante: se seu agravo de instrumento for convertido em retido, e posteriormente sobrevierem fatos ou razões que passem a gerar “risco de dano de difícil reparação”, nada impediria que o recorrente pedisse ao relator, por petição avulsa, a reconsideração da decisão de conversão. Não fosse assim, teria muito pouco sentido a possibilidade de reconsideração 9

O agravo e o “mito de Prometeu” cit., p.209-213.

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dessa decisão, que seria cabível apenas entre o curtíssimo intervalo entre a determinação de conversão e a efetiva baixa dos autos do agravo à instância de origem. Ainda no tocante aos meios de impugnação da decisão que determina indevidamente a conversão do agravo de instrumento, não conseguimos enxergar óbice no art. 105, III, “a”, da Constituição da República. para o cabimento de recurso especial, sob alegação de violação do art. 522 do CPC. Afinal, a decisão que decreta a conversão do agravo não deixa de resolver “causa” (na ampla acepção do termo) em última instância, em sede de Tribunal. O fato de ser decisão monocrática não traz implicação direta, porque a Constituição não restringe expressamente o cabimento de recurso especial às decisões colegiadas e, de resto, o relator do agravo não deixa de fazer parte do Tribunal. Note-se, por oportuno, que a jurisprudência do STJ não admite recurso especial de decisão monocrática dos relatores por uma única razão, qual seja, a de que cabe, primeiro, agravo interno para o colegiado.10 Contudo, como a decisão que decreta a conversão do agravo de instrumento em retido é irrecorrível (art.527, Par. Único, do CPC), seria impossível exigir que se esgotasse a instância ordinária para que fosse interposto o recurso especial. Não resta dúvida, ressalte-se, que o recorrente terá que observar todos os requisitos atinentes a qualquer recurso especial, em especial o atinente ao prequestionamento. Além disso, o recorrente terá de enfrentar uma dupla dificuldade para que o recurso seja admitido e processado: a primeira consiste no obstáculo representado pelo art.542, Par. 3º, do CPC (que, como cediço, determina a retenção de recursos especiais em processos de conhecimento, cautelar e de embargos à execução) e a segunda repousa no óbice da Súmula n. 7 do STJ, que veda o reexame fático probatório em sede de recurso especial. Mas se o recorrente conseguir a proeza de superar esses obstáculos, não há como se negar o cabimento do recurso especial contra a decisão monocrática que converte o agravo de instrumento, por negativa de vigência ao artigo 522 do CPC.

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V.g., RSTJ 147/178; 149/396; REsp 284.152 / RN, Min. Felix Fischer; AgRg no; REsp 336.845/ DF, Min. Menezes Direito.

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7.

Atuação do relator no recebimento do agravo de instrumento

Outra questão prática que nos ocorreu, numa segunda leitura da Lei n.11.187/2005, consiste em saber se o relator, ao receber o agravo de instrumento, fará um juízo de admissibilidade completo, ou limitar-se-á a converter o recurso em retido se não houver risco de difícil reparação? Imagine-se, como exemplo, a interposição de agravo de instrumento fora do decêndio legal e desprovido de preparo. E que, além de tudo isso, o recurso tenha sido tirado de decisão não passível de gerar dano de incerta reparação. Estamos inclinados a opinar pela obrigatoriedade do relator inadmitir o recurso, pelos vícios formais, antes de determinar a sua conversão. Se por um lado essa decisão monocrática ainda é, em tese, recorrível, por outro é medida de inegável economia processual “liquidar” de vez o agravo formalmente inadequado, do que deixá-lo para ser conhecido como preliminar de eventual apelação, tempos depois. Aliás, sob o prisma unicamente prático, terá o relator muito menos trabalho para fundamentar a inadmissibilidade do agravo por aspectos formais, do que para convertê-lo em retido. Também nos ocorreu a hipótese de agravo de instrumento contra decisão interlocutória complexa, dividida em vários capítulos, cada qual resolvendo uma questão diversa. Se da solução de uma dessas questões advier risco de prejuízo de difícil reparação, mas todas forem objeto de um único agravo de instrumento, não é aceitável a conversão do recurso, nem mesmo em parte. Ora, já que o Tribunal efetivamente processará o recurso, a conversão parcial não representaria ganho algum em termos de economia processual, não se justificando nem mesmo diante do próprio espírito que norteia a Lei n. 11.187/2005.

8.

Algumas considerações sobre o agravo retido oral obrigatório (art.523, Par.3º).

Salta também aos olhos a nova redação que deu a Lei n. 11.187/2005 ao Par.3º do art.523 do CPC. Segundo a nova redação dada a esse dispositivo, das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, caberá necessariamente o agravo retido a ser interposto na forma oral, imediatamente.

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A imposição da forma retida, em si, não destoa do caput do art.522 e do inciso II do art.527. O que chama a atenção é a imposição da forma oral e a obrigatoriedade de interposição imediata (antes da Lei n. 11.187/2005, é bom lembrar, a interposição oral era possível, mas não forçosa). Ao impor a forma oral, o legislador, em princípio, não dá margem para que o juiz a substitua pela peça escrita (tal como ocorre com as alegações finais, que ao invés de serem tomadas oralmente em audiência, podem ser apresentadas por escrito, na forma de memoriais, mercê do art.454, Par.3º, do CPC). Resta também saber qual o alcance que se deve dar ao advérbio de modo “imediatamente” contido no dispositivo em exame. Não nos parece razoável levá-lo a extremos, a ponto de reputar precluso o direito a recorrer se a audiência prossegue sem a interposição oral do agravo logo após proferida determinada decisão. Parece-nos que a interpretação mais razoável para essa situação está em reconhecer que o agravo de uma decisão proferida em audiência pode ser interposto até o encerramento do ato11. Se as alegações finais forem tomadas oralmente, esse parece ser o momento mais adequado para interposição do recurso, inclusive por razões de economia processual. Afinal, o transcorrer da audiência pode ser seriamente tumultuado se, a cada indeferimento de repergunta à testemunha, o advogado da parte interponha um agravo retido oralmente. A concentração de um único agravo contra todas as decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento é medida que se impõe. Ultrapassada a fase de alegações finais orais, e iniciado o proferimento da sentença, aí sim estará precluso o direito ao agravo. Até que isso ocorra, o agravo contra tudo o que se passou em audiência parece ser perfeitamente possível. Superada a questão formal que a nova redação do art.523, Par. 3º, suscita, é de se questionar se as decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, e que causem dano de difícil reparação à parte, podem ou não ser desafiadas por agravo de instrumento. Se por um lado a sistemática dos arts.522 e 527, II, induz necessariamente ao cabimento do agravo de instrumento sempre que houver risco de dano, o art.523, Par. 3º, acrescenta um novo ingrediente ao problema, consistente justamente no aspecto formal do recurso, nessa específica situação.

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É nesse sentido a lição de SCARPINELLA BUENO, A nova etapa..., cit., p.213.

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Vale dizer: o prazo do agravo, aqui e excepcionalmente, não é de dez dias, mas coincide com o final da audiência. E sua forma de interposição obrigatória é a oral. Ou seja, não se pode descartar, sem maiores investigações, a possibilidade de se reconhecer intempestivo e formalmente inadequado o agravo de instrumento tirado de decisão proferida em audiência, muito embora fosse ele cabível à luz dos artigos 522 e 527, II do Código. Queremos crer que essas situações são absolutamente excepcionais, haja vista ser raro, em audiências de instrução e julgamento, o proferimento de decisões passíveis de gerar dano de difícil reparação á parte (nessas situações, os provimentos judiciais acabam limitando-se ao desenrolar da prova e, dessarte, geram dano meramente potencial às partes). Mas num caso extremo, não se pode descartar a hipótese de decisão proferida em audiência gerar risco de lesão grava. E, se assim for, a doutrina tem se inclinado a admitir o agravo de instrumento, interposto por escrito, no prazo de dez dias, ainda que ao arrepio do texto da lei12.

9.

Questões de direito intertemporal

As pesquisas sobre direito intertemporal decorrentes de um novo diploma legal costumam despertar muito interesse logo que esse entra em vigor, desaparecendo por completo muito pouco tempo depois. Raros são os estudos sobre esse importantíssimo tema que têm período de “sobrevivência” maior do que os primeiros meses de transição entre uma lei velha e outra nova. Talvez o melhor exemplo dessa exceção seja a obra de GALENO LACERDA publicada no primeiro ano de vigência do Código de 1973, intitulada O novo direito processual civil e os feitos pendentes, que traz diretrizes utilíssimas que não se aplicam somente aos problemas decorrentes da aplicação do novo diploma naquele

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Cfr., v.g., TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. rev. , ampl. e atual. São Paulo: RT, 2005, p.587-588 e SCARPINELLA BUENO, A nova etapa..., cit., p.210-211.

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momento histórico, mas fornecem material perene e seguro para qualquer investigação em torno do tema. Assim, mesmo correndo o risco de que o presente item caia completamente no vazio, pouquíssimos meses após sua elaboração, não custa nada pensar em problemas que podem ocorrer durante o período de transição da disciplina do agravo anterior e posterior à Lei n. 11.187/2005. E para tanto, podemos perfeitamente partir das lições ainda atuais de GALENO LACERDA. Segundo o mestre gaúcho13, a regra geral que emerge do art. 1211 do CPC, é a de que o direito processual novo se aplica aos feitos pendentes. Essa regra, a rigor, gera mais problemas do que soluciona. Seria muito mais simples se nosso legislador tivesse escolhido norma parecida com a ditada pelo art.192 da nova lei de falências e recuperação de empresas (Lei n. 11.101/2005): “esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.” Seja como for, no tocante aos recursos, GALENO LACERDA14 começa por distinguir duas situações: a primeira do recurso interposto sob vigência da lei velha, e a segunda do recurso oferecido já sob o império da lei nova. No primeiro caso, a solução é bem tranqüila, não tendo a doutrina e a jurisprudência dificuldade de enxergar na interposição do recurso um ato consumado, o qual a lei nova não pode atingir retroativamente.15 Se um dado recurso era cabível e, depois de interposto, sobrevém uma lei nova que o exclui, o recorrente não será prejudicado, sob pena de se ferir o preceito constitucional que protege o direito adquirido. Isso soluciona os casos de agravos de instrumentos e agravos internos já interpostos e que deixaram de ser cabíveis no momento em que a nova redação dos artigos 522, 527, II e Par. único, passou a viger. A dificuldade é um pouco maior se o recurso é interposto já sob a égide da lei nova. Novamente duas situações diversas se colocam: (i) a decisão recorrida poder ter sido prolatada e publicada ainda sob vigor da lei velha, ou (ii) embora a decisão date dos tempos de vigência da lei velha, as partes são intimadas depois do início de vigor da lei nova.

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O novo direito processual civil e os feitos pendentes, Brasília: Forense INL, 1974, p.10 e ss.. O novo direito processual civil e os feitos pendentes, cit., p.57 e ss.. 15 No STJ, confira-se, à guisa de exemplo, REsp 99051 / BA, Min. Humberto Gomes de Barros. 14

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Resolvendo-se a dúvida sob a ótica do direito adquirido, em ambas as situações o resultado é o mesmo: o recurso deverá observar os ditames da lei velha. Se era cabível sob a lei velha, e deixou de sê-lo depois, a lei não prejudicará o direito adquirido do recorrente. Essa solução passa pela constatação de que o simples proferimento da decisão – independentemente da intimação – já confere às partes o direito de recorrer. A intimação apenas inaugura o prazo recursal, mas não obsta que a parte, dando-se por ciente da decisão, antecipe-se para dela recorrer16. Em síntese: com o simples proferimento da decisão, a parte sucumbente adquire o direito ao recurso segundo a lei vigente naquele momento.17 Assim, se o agravo de instrumento era perfeitamente cabível antes do início de vigência da Lei n. 11.187/2005 e, depois, passou a não mais ser (porque, por exemplo, volta-se contra decisão que não gera risco de incerta reparação), está preservado o direito do agravante em interpor o recurso na forma instrumental. O mesmo se diz com relação ao agravo interno das decisões que determinam conversão do agravo de instrumento em retido ou antecipam tutela recursal.

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Conclusões

Essas despretensiosas linhas não tiveram outra finalidade senão prospectar novas implicações práticas da nova lei do agravo. Não nos deixamos, em momento algum, seduzir pela ilusão de ter mapeado todos os problemas que do diploma advirão, pois a gama de conseqüências práticas é vastíssima, sendo impossível esgotá-la em ensaio apertado como esse. Certamente que a prática diária – como sói ocorrer em qualquer seara do direito – surpreenderá os estudiosos com uma infinidade de outros problemas atinentes à nova disciplina do agravo. E, se o caso, não nos acanharíamos de, no futuro, fazer terceiras ou quartas reflexões sobre esse tema, que é realmente fascinante.

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Cfr. pontuou com ênfase CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Tempestividade dos recursos, Revista dialética de direito processual, v.16, 2004, p.9 e ss.. 17 Contrariamente, contudo, posicionou-se o STJ, ao decidir que “os recursos são regidos pelas regras em vigor ao tempo da publicação da decisão causadora da insatisfação” (REsp 140862 / RS, Min. Adhemar Maciel).

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