2008. Lutando e Cantando: Música e política dos trabalhadores rurais de Pernambuco

September 30, 2017 | Autor: Edmundo Pereira | Categoria: Cultura Popular, Etnomusicologia
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Música e política dos trabalhadores rurais de Pernambuco

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a memória camponesa em música Lutar e cantar são atividades historicamente constitutivas das mobilizações camponesas, e o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais não foge ao padrão, como depreendemos desse CD. Em seus eventos, estão previstos momentos de cantoria, de brincadeiras, de dinâmicas e descontração, seja como forma de integração de grupos, seja como instrumento de conscientização. Mas além de serem parte da programação, música e poesia surgem muitas vezes espontaneamente, para recompor a memória de um passado de dificuldades, resistência e luta, ou para narrar um cotidiano marcado simultaneamente pelo sofrimento e pela esperança. A música e a poesia são, em certos momentos, as formas adequadas para expressar a intensidade das experiências vividas. Assim, ao contrário do que pretende certo senso comum, o lúdico, o poético e o político sempre estiveram integrados nas lutas do campesinato. Há nesse CD toda uma poética da política que os ouvintes poderão apreciar. “Lutando e Cantando” é um dos frutos do projeto “Memória Camponesa e Cultura Popular”. Este projeto, sediado no Núcleo de Antropologia da Política do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/ UFRJ, tem como objetivos apoiar e promover a preservação da memória do campesinato, o registro das lutas do campo em nosso país, bem como a documentação de manifestações lúdicas e simbólicas dos trabalhadores rurais, com o foco nos anos 1960 a 1980, enfatizando a resistência à ditadura. E cantar faz parte dessa memória. Na gravação deste primeiro CD, para o qual contamos com verbas de um convênio entre o Nead/ IICA e a Associação de Estudos e Pesquisas em

Antropologia, Pernambuco nos pareceu um lugar estratégico, por sua relevância nas mobilizações do campo, pelo envolvimento de pesquisadores do PPGAS com a região e pela variedade musical e poética característica do estado. Para isso tivemos a colaboração da Federação do Trabalhadores da Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), organização sindical convidada a participar conosco nessa empreitada. Cabe destacar a importância de realizar um CD como esse na coleção “Documentos Sonoros do Museu Nacional”, voltada ao registro da musicalidade do/no Brasil. Isso se tornou possível pela interseção de dois grupos de pesquisa do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, o LACED – Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento, que abriga a Coleção “Documentos Sonoros”, e o NuAP, responsável pelo projeto “Memória Camponesa e cultura popular”. O estabelecimento de parcerias desse tipo, que potencializam sobremaneira a amplitude de nosso trabalho, deve ser comemorado. Ressalte-se ainda que a preocupação com a memória brasileira, presente tanto na coleção, quanto no projeto, é aqui entendida no sentido de um compromisso com o presente (e o futuro) dos grupos que participam desses registros, parceiros na aventura. Esperamos que essa experiência sirva de estímulo a outras.

Renata de Castro Menezes

Nuap :: PPGAS / Museu Nacional / UFRJ

A RETOMADA DAS LUTAS E ORGANIZAÇÃO dos TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS A história do Brasil registra muitas experiências de luta da população rural pela posse e uso da terra, objetivando melhorar suas condições de trabalho e vida. São conhecidos os quilombos, grupos de escravos que fugiam do jugo de seus patrões e se reuniam em terras desabitadas para as cultivarem e se libertarem econômica e politicamente; os Conselhos de Córregos, em Goiás, organizados por posseiros, após o famoso conflito de Trombas e Formoso, para resistirem na terra; arrendatários, em Orizona, Goiás e em Américo Vespúcio, São Paulo, que lutaram contra pagamentos em “meia”, “cambão” ou em foros altos; em Imbé, município de Campos, Rio de Janeiro, posseiros e pequenos proprietários lutaram pela desapropriação de terras devolutas. Houve também o episódio da guerrilha de Porecatu, no Paraná. Tem-se notícia, também, de muitas lutas contra os baixos salários e as precárias condições de vida, algumas em conjunto com os trabalhadores urbanos. Em Ribeirão Preto, São Paulo, camponeses exigiam salário mínimo, pagamento de horas extras, férias e descanso remunerado; em Goiana, Pernambuco, os cortadores de cana pararam reivindicando melhorias para o seu trabalho; na Bahia, trabalhadores agrícolas da cana fizeram o mesmo, exigindo salário mínimo; em Londrina, no Paraná, foi a vez de colonos e peões volantes reclamarem seus direitos. Em Ponte Nova, Minas Gerais, trabalhadores rurais aderiram à greve dos urbanos exigindo salário mínimo e outros direitos. Esses são alguns dos muitos exemplos. No final da década de 1950, entretanto, surgem em Pernambuco duas formas particulares de organização dos Trabalhadores Rurais, que intensifi-

cam suas lutas quer relativas à terra, quer relativas às condições trabalhistas e sociais: as Ligas Camponesas e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais. As Ligas Camponesas, antiga forma de organização dos anos 1940 criada a partir do Partido Comunista, reaparecem por força de um conflito onde estava em jogo a resistência dos trabalhadores, reunidos em uma associação, criada entre 1954 e 1955 contra os altos foros cobrados pelo dono do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão. O caso foi encaminhado ao mesmo tempo à Justiça e ao debate pela Câmara Legislativa do Estado, contando com a ação do advogado Francisco Julião, e a desapropriação do engenho foi executada em favor dos trabalhadores em 1959. A notícia da vitória se estendeu rapidamente. Logo outras associações – que passaram a assumir o nome de “ligas” – foram sendo criadas em Pernambuco e estados vizinhos, especialmente na Paraíba, com a forte Liga Camponesa de Sapé, cujo líder

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João Pedro Teixeira foi assassinado. As Ligas Camponesas eram associações de caráter civil, voluntário, com estatuto registrado em cartório e tendo por objetivo atividades assistenciais jurídicas e médicas, e a mobilização pelos direitos dos trabalhadores. Orientadas por Julião, eram formadas na base, através de delegacias ou núcleos, sendo a sede na capital do estado ou no município de importância mais próximo. Para organizarem-se, usavam vários meios de comunicação: a conversa no pé de pau, na casa de farinha, no meio do caminho, na feira, na missa, no terço, no enterro, na briga de galo, no eito ou na palha da cana e os boletins escritos pelo próprio Julião, em linguagem simples e em tom evangélico, como o “Guia do Camponês”, o “ABC do Camponês” a “Carta de Alforria do Camponês”. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais surgiram com o propósito de serem os legítimos representantes na defesa da categoria formada por foreiros, arrendatários, assalariados, posseiros e pequenos produtores rurais. Antes de 1960, já havia algumas experiências de trabalhadores rurais organizados em Sindicatos reconhecidos pelo Ministério doTrabalho: Belmonte, Ilhéus e Itabuna, na Bahia; Tubarão, em Santa Catarina; Bragança Paulista em São Paulo; Barreiros, Rio Formoso e Serinhaém, em Pernambuco e o Sindicato de Campos, no Rio de Janeiro, o mais antigo, fundado em 1938 e reconhecido em 1946. Com o avanço das Ligas Camponesas, a Igreja, sobretudo a Católica, buscou intensificar, no final da década de 50, a organização dos Trabalhadores Rurais em sindicatos sob sua influência. Partindo da experiência do SAR, Serviço de Assistência Rural, que atuava junto aos trabalhadores rurais no Rio Grande do Norte desde 1949, sob a coordenação da Diocese de Natal, a Igreja colocou a serviço desse objetivo os seus movimentos de ação católica. Um exemplo é o MEB – Movimento de Educação de Base, reconhecido pelo Governo a nível nacional, enquanto contribuição à educação do homem do campo, mas que teve forte atuação na organização dos trabalhadores rurais. Outro exemplo, os

Serviços de Orientação Rural, destacando-se, dentre estes, o SORPE – Serviço de Orientação Rural de Pernambuco que chegou a orientar, também, a criação de cooperativas mistas, cujos associados eram trabalhadores rurais. Evidencia-se também, nas experiências de lutas do campesinato do período pós-50, a atuação do PCB – Partido Comunista Brasileiro. Paralelamente às ações da Igreja e das ligas camponesas - ou nelas inseridos -, comunistas, empunhando a bandeira da Reforma Agrária, se empenharam, em apoiar as lutas para melhorar as condições de vida dos trabalhadores, englobando dentre outros quesitos: a abolição de vales, do cambão, da terça, da meia, dos foros e arrendamentos altos, enfim de todas as formas de exploração do homem do campo. Para fortalecer os trabalhadores em suas lutas, apoiaram sua organização em sindicatos, em ligas, em associaçõese e a criação a nível nacional da ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (1954). Os sindicatos fundados pelo SORPE trataram de criar, em 1962, a sua Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco. Por sua vez, os sindicatos das ligas camponesas e aqueles orientados pelo PCB, posicionaram-se independentes dessa Federação. Mas as divergências, sobretudo de princípios, entre as orientações de ligas, líderes da Igreja e de grupos ou de pessoas integrantes do PCB não impediram que objetivos fossem alcançados em conjunto. Em Pernambuco, ficou consignada essa forma solidária de agir – Federação, Sindicatos e Ligas - por ocasião da grande greve de 1963, que reuniu canavieiros dessas tendências. Os resultados foram além do esperado: aumento de 80% sobre o seu primeiro salário mínimo, assinatura de um acordo com os patrões, contendo a tabela de tarefas e preços, no campo; garantias ao delegado sindical por engenho, eleito pelos próprios trabalhadores; compromissos de assinar Carteira de Trabalho e de pagar 13º salário etc. Outra vitória importante, que estimulou ainda mais a organização dos trabalhadores, foi a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, também em 1963.

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Com o intensivo trabalho desses grupos, Ligas e Sindicatos tornaram-se cada vez mais fortes e atuantes. Em 1964, Pernambuco contava, segundo estatísticas da Fetape, com 70 sindicatos, dos quais a metade era da zona canavieira, sendo os outros distribuídos pelo agreste e sertão. Estas e outras conquistas levaram a Fetape a reconhecer, em um de seus documentos, o período de 1961 a 1964 como o de maior ênfase e estímulo à sindicalização de sua História. Com o golpe militar, no entanto, sua ação ficou bastante prejudicada, com seus líderes sofrendo uma intensa repressão:muitos ficaram impedidos de atuar frente a suas organizações, alguns até foram presos. Vários sindicatos tiveram suas diretorias afastadas pelo Poder Público e passaram a ser administrados por interventores. Ainda assim, houve quem continuasse a luta, resistindo à ditadura e reestrurando a organização dos trabalhadores. Os processos de educação política sem dúvida facilitaram que os trabalhadores se tornassem agentes do seu próprio saber na condução de sua organi-

zação e lutas. No Movimento Sindical, não lhes servia qualquer educação: os conteúdos deveriam estar sintonizados com as necessidades e aspirações dos trabalhadores, para serem instrumento de superação de injustiças sociais. A educação tinha por princípio a transformação da realidade injusta e era trabalhada como processo de conscientização, através de temas de sua vivência. Insere-se nesse processo político-educacional-sindical dos camponeses, o uso do canto. O trabalhador tem o hábito de cantar: o canto em seus mutirões, o canto em suas organizações, exprime a um só tempo suas visões de mundo e formas de cultura. No movimento sindical, o canto passa a ser empregado como importante fator de comunicação. Nos trabalhos de base, sobretudo quando os trabalhadores estão iniciando sua organização, o canto tem um papel significativo para que o trabalhador saia da condição de “inibido” para “desasnar a falar”. O contato com a música leva o trabalhador a reconhecer-se como artista-cantor; a identificar companheiros com qualidades idênticas; a descobrir-se na mensagem da letra e, por tudo isso, associado à melodia e ritmo do cântico, a sentir-se solidário. Esse espírito solidário que extrapola seus momentos de formação e se concretiza na militância de todas as suas lutas, especialmente na greve, trunfo último e mais eficiente para o alcance de suas reivindicações. Na composição deste CD, foram incluídos diferentes enfoques ou temas abordados por esses poetas, que colocaram sua inspiração e seu saber artístico a serviço de sua organização. A Reforma Agrária e temas correlatos, ligados à posse e uso da terra, estão sempre presentes no seu cancioneiro, junto a temas como a política agrícola, o sindicalismo, a educação, a previdência social, a política salarial etc. Abrangem, também, todos os tipos de organização: a dos trabalhadores, a das mulheres, a dos jovens e dos idosos. Na fase inicial da organização dos trabalhadores em sindicatos, em que a prática de cantar era desenvolvida nas atividades educacionais, não se tinha

um repertório próprio. Eram usados os cantos de Igreja com caráter mais missionário, de incentivo à fé, à evangelização, à prática de virtudes ligadas ao social. Quase sempre eram letras enfatizando compromissos com Deus, com a Igreja e com o povo. Daí, partiu-se para os compromissos voltados à mudança de realidades injustas. Eram também cantadas músicas mais populares de autores consagrados, mudando-se a letra (paródias), normalmente exprimindo a realidade dos trabalhadores ou do povo nordestino em geral (como “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, ou “Bananeira Mangará”, de Ruy Mauriti, dentre as mais lembradas). Aos poucos essa prática se estendeu a outras atividades e lutas apoiando a caminhada dos trabalhadores e trabalhadoras. Por outro lado, letras e músicas foram sendo compostas por eles mesmos ou parodiadas em algumas situações, assumindo características específicas de cada atividade ou luta. Há canções que evocam a realidade dos trabalhadores, incentivam suas lutas, reforçam sua resistência nas greves, promovem a conscientização; há as que são de animação e aquelas que enaltecem o sindicalismo como forma de união necessária à conquista de seus objetivos e direitos. As músicas e letras dos trabalhadores rurais são de fácil captação. Sempre há aqueles nos grupos que conhecem canções entoadas pelos seus familiares, que atravessaram gerações. Quem não se lembra do batuque do maracatu, dos movimentos dos caboclinhos, das rodas de ciranda, dos cantos do pastoril, das danças de reisado? Por outro lado, muitos têm em sua memória ladainhas, benditos, hinos de louvor, agradecimentos e adoração a Deus, entoados dentro das igrejas, em celebrações cotidianas, ou fora delas, por ocasião de cultos, festas e procissões. Tudo isso se encontra enraizado na vida do povo de forma tão profunda que em qualquer de suas expressões culturais tende a aflorar.

José Gonçalves da Silva

Ex-Assessor Educacional-Sindical da FETAPE e CONTAG

música e movimento social na zona da mata pernambucana Neste volume da Coleção, nos dedicamos à musicalidade relacionada aos movimentos sociais, quando cantar e compor tornam-se instrumento e expressão de reivindicações políticas. O material registrado representa parte do repertório poético-musical que vem sendo produzido desde os anos 1950, quando das primeiras mobilizações camponesas em torno do engenho Galiléia, até a atualidade, já com os sindicatos e federações de trabalhadores rurais constituídos. Concentra-se, contudo, em particular no período entre as décadas de 1960-1980. Ao longo das marchas e passeatas, reuniões preparatórias e de formação, ou de grandes encontros sindicais, a música assume tanto papel lúdico e agregador, como pedagógico, panfletário e de denúncia. Por conta disso, melodias e ritmos, instrumentações e versos, tendem a ser de estrutura simples, próximas às práticas poéticas e musicais compartilhadas pela maioria do grupo, que lhes servem de molde e meio de expressão. Isso garante que a comunicação seja eficiente, que a compreensão e a reprodução da música e da poesia sejam imediatas. Após umas poucas repetições, todos se tornam aptos a cantar, somando-se à totalidade das vozes, potencializando a união do grupo e a emissão da mensagem. Assim, o que encontramos neste volume compõe-se de gêneros musicais e poéticos populares na zona da mata pernambucana, que em seus versos guardam as principais reivindicações e lemas de luta ao longo de três décadas, bem como as esperanças, tristezas e alegrias que têm marcado esse caminho. Tendo a sanfona, a zabumba e o triângulo como principais instrumentos guias - como é comum na região e nas práticas musicais dos trabalhadores -, somos

apresentados a baiões (faixa 6), xotes (3 e 12), marchas (2, 11, 14, 15 e 20), xaxados (4), forrós (18), frevos (17), sambas (7 e 23) e cantigas (21). Além disso, acompanhados de pequenos depoimentos de alguns de seus protagonistas, somos ainda apresentados a hinos e estribilhos (1 e 9) compostos no início do movimento sindical rural, e a alguns gritos de ordem (8, 13, 16 e 22) entoados desde as primeiras mobilizações. Estes já representam outras influências musicais, advindas do campo de atores sociais envolvidos no movimento de

organização sindical desde seu início (seja de setores progressistas da Igreja, seja de células de partidos de esquerda), de onde provirá a musicalidade dos hinos e a versificação rápida e concisa, em estrutura de chamada e resposta em uníssono, dos gritos de ordem. Suas estruturas poéticas têm nas quadras e sextilhas suas formas elementares, podendo chegar aos gêneros mais desenvolvidos da cantoria, como é o caso dos versos que também compõe esta coletânea (5, 10 e 19), que dão conta de rememorar alguns dos momentos marcantes do processo de organização política dos trabalhadores rurais da zona da mata. Por fim, apesar de ser possível atribuir a autoria de alguns dos cantos aqui reunidos a pessoas concretas envolvidas na “luta”, estes são em geral considerados como patrimônio do grupo, pertencendo “ao movimento”. Em sua maioria, foram compostos ao longo de reuniões preparatórias e de formação sindical, ou mesmo no calor das greves. Com a reunião destes cantos, versos e gritos de ordem, espera-se contribuir com mais este capítulo da história da música brasileira, o da relação entre a música popular e os movimentos sociais. Assim como nas “rebel songs” irlandesas, no “folk” e nas “working and union songs” norte-americanas, ou na “nueva trova” latino-americana, a música está aqui presente em momentos de transformação social, celebrando e reivindicando um mundo novo.

Edmundo Pereira

LACED-MN / UFRJ :: DAN-PPGAS / CCHLA / UFRN

como foi feito este cd O ponto de partida foi encontrar dezenas de livretos e folhetos com letras de música, produzidos pelos trabalhadores e/ou seus assessores para eventos os mais diversos, ao longo de décadas - o mais antigo datava de 1962, o mais recente, de 2005. Através deles, elaboramos uma seleção inicial de repertório, complementada e adaptada numa primeira visita a Recife, realizada de 8 a 12 de janeiro de 2007. Nesta visita, encontramos na Fetape lideranças sindicais, convidadas a recuperar conosco as melodias, identificando as mais significativas e estabelecendo critérios de triagem. Seguindo os princípios da coleção “Documentos Sonoros”, procuramos construir consensos a partir das posições diferenciadas em jogo, tanto entre os próprios trabalhadores e trabalhadoras, como entre eles e os pesquisadores do projeto. Esse processo de “produção coletiva” estendeu-se também à gravação do CD: numa decisão conjunta, optamos por realizar o trabalho em um estúdio, na cidade de Carpina, entre os dias 16 e 18 de março de 2007, com o apoio de músicos profissionais que os próprios trabalhadores chamaram para acompanhá-los. Além de figuras históricas do movimento, participaram também pessoas de gerações mais novas, motivadas pelo prazer de cantar. A negociação tornou-se a palavra de ordem: negociação na tradução da linguagem musical para os desejos de não-músicos, negociação de horários, de versões de letras, de custos de produção, de ritmos mais ou menos acelerados, de expectativas quanto aos resultados do trabalho, mas também negociação de identidades de gênero, de classe, regionais. Como fruto desse processo, esse CD foi se configurando enquanto “memória do presente”. Temos a consciência de que um trabalho sobre música,

memória e movimento sindical poderia ter um formato bastante diferente, ao ser composto, tanto quanto a arranjos, como quanto a gravações, a partir de arquivos. O caminho que escolhemos, no entanto, foi o da evocação: recolher lembranças, recuperar sutilmente, nas entrelinhas das canções as linhagens que deram origem ao movimento sindical (Ligas Camponesas, comunismo, Igreja) e estabelecer em diálogo quais os cantos que nossos companheiros e companheiras consideram hoje representativos de sua trajetória de lutas. Percebemos que, para eles, era importante recuperar o passado apontando para o futuro, produzindo um CD que, mesmo falando do ontem, pudesse, ao ser tocado atualmente, mobilizar as mais diversas audiências. Esse princípio norteou o formato final do trabalho. Uma última observação precisaria ser feita, quanto à rapidez do processo de produção: isso só foi possível por temos podido nos beneficiar de um histórico de relações do PPGAS com o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco. Não apenas pelo conhecimento acumulado em anos de pesquisa, o qual efetivamente facilitou a escolha de caminhos, mas por um capital de relações de confiança e afeto (talvez o bem mais precioso dos antropólogos...) que foram acionadas e que nos circundaram para viabilizar esse trabalho. A todos e todas que participaram do projeto, na certeza de que vivemos uma grande experiência.

Renata de Castro Menezes

Nuap :: PPGAS / Museu Nacional / UFRJ

1

HINO DA REFORMA AGRÁRIA

Camponês, avançai na batalha / Dai o teu contingente sem fim / Teu trabalho, de boa vontade, / Espalhando a reforma agrária // Lutai pra vencer, brasileiros, de toda nação / Lutai sem cessar / A vitória por fim alcançar / Lutai, camponês, / Trabalhai e não desanimai / Lutai, lutai, a vitória ide proclamar // Camponês, que vivemos no campo / E traremos a satisfação / De levar a reforma a todos, / Para a glória de nossa nação // Camponês que trabalha no campo, / Trabalhai para toda a nação / O teu belo futuro brilhante / Vencerás como bom capitão //

2

A HISTÓRIA NÃO FALHA

Agora, nós vamos pra luta / A terra que é nossa ocupar / A terra é de quem trabalha / E a história não falha, nós vamos ganhar / A terra é de quem trabalha / E a história não falha, nós vamos ganhar // Já chega de tanto sofrer / Já chega de tanto esperar / A luta vai ser tão difícil / Na lei ou na marra nós vamos ganhar (bis) // Quem gosta de nós somos nós / E aqueles que vêm nos ajudar / Por isso confia em quem luta / A história não falha, nós vamos ganhar / Por isso confia em quem luta / A história não falha, nós vamos ganhar // Se a gente morrer nesta luta / O sangue será a semente / Justiça vamos conquistar / a história não falha / nós vamos ganhar / Justiça vamos conquistar / a história não falha, nós vamos ganhar //

3

EU SOU ROCEIRO

Eu sou roceiro, vivo de cavar o chão / As minhas mãos são calejadas, meu senhor / Me falta terra, falta casa, falta pão / Vivo bem longe do Brasil, do lavrador // Só tenho enxada e título de eleitor / Para votar em seu fulano educado, / Que nada faz pelo pobre agricultor / Que não tem terra pra fazer o seu roçado // Sou um soldado retirante, sem medalha / Sou estrangeiro quando pego a reclamar / Sou camponês que usa tanga e sandália / Sou brasileiro só na hora de votar // Esse país é do tamanho de um continente / Mas não tem terra para o homem da mão grossa / De norte a sul, de nascente a poente / Vivo à procura de um lugar pra fazer roça // Eu sou comprado com cem gramas de sorriso / Mas sou cismado com um grau de traição / Já vou fugindo dos que têm o rosto liso / Já que o meu é cheio de grutilhão // Estudo o rádio, fico cheio de alegria / Quando se fala que a reforma vai chegar / Espero um ano, espero dois e só se cria / Falsos projetos pra poder nos tapear // Até na igreja tenho encontrado tapia / Às vezes fico sem saber pra onde vai / Mas esse Deus de sombra e água fria / Ou é de todos ou um dia passará //

4

UMA MISSÃO A CUMPRIR :: José Laurentino, líder sindical - PB

Eu venho de longe, eu venho / Eu venho de outro rincão / Embora me custe a vida, Senhor / Mas liberto o meu irmão (bis) // Meu irmão está oprimido / Por jagunço e por grileiro / Mas eu vou falar por ele / Mesmo sem ganhar dinheiro (bis) // Vou convidar os posseiros / O avulso e o bóia-fria / Creio que todos se unindo / Teremos terra um dia (bis) // Por causa destes grileiros / Tanta prostituição / Tanta família sem dono / Tanto sujeito ladrão (bis) // Tanta lei e tanta terra / Tanto ódio e pouco amor / Pois vamos sem fazer guerra / Salvar o trabalhador (bis) //

5

VERSOS 1 :: A HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA

6

EU ACREDITO :: 1980

Eu acredito / que o mundo será melhor / Quando o menor que padece / Acreditar no menor (bis) // Quando os pequenos acreditarem / No seu bem-estar comum / Sentindo a necessidade / que padece cada um / Unidos em Jesus Cristo / nós todos seremos um // Jesus Cristo veio à terra / para ver seu povo unido / Disse até que cada grupo / que luta em si dividido / Com muita facilidade / ele será destruído // Só confiar no dinheiro / é loucura e vaidade / Porque Cristo é a vida / o caminho e a verdade / Quem pensa o contrário disso / nunca terá liberdade // Certo dia um jovem rico / a Jesus apareceu / Perguntando o que fazia / pra entrar no reino seu / Jesus pede a caridade / o rapaz entristeceu // Quem possui noventa e nove / só pensa em completar cem / Nesta cegueira, não sabe / que depois a morte vem / Seu corpo se vira em terra / na terra deixa o que tem // Certo homem colheu tanto / que seu armazém encheu / Pensou que estava seguro / na mesma noite morreu / Levaram só ele à cova / ficou tudo que era seu //

7

NEM EMPREGADO, NEM PATRÃO :: 1972

Ó meu Brasil, que grande tristeza dá / Ver a terra esverdeada / e o povo escravizado a trabalhar (bis) / No fim do ano, nós num teve alegria / Pois devido à carestia / Nós num teve condição / Porque a fome ataca eu e você / Por isso nós num quer ser / empregado nem patrão (bis)

8

GRITO DE ORDEM :: REFORMA AGRÁRIA JÁ

9

A ESPERANÇA

Se a esperança do Brasil / Está no homem do campo / A esperança do homem do campo / Está na reforma agrária do Brasil

10 VERSOS 2 :: DE 1979 ATÉ HOJE 11 O SINDICATO DÁ :: Amarina, do STR de Ipojuca :: 1985 Dá, dá, dá, se você for buscar / A lei está dizendo que o Sindicato dá (bis) // A lei está dizendo que este órgão tem valor / Que é pra dar direito a todo trabalhador // A lei falou bonito, no papel se assentou / A lei falou bem alto e o povo se levantou // Se a gente quer melhor, se queremos mundo novo / Através do Sindicato a gente conquista o povo // Olhando em geral, o Sindicato está amarrado / Mas nós lutamos muito pra ser bem participado //

12 A VOZ DO POVO Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / Eu quero ver todo povo acordar / E descobrir dentro da realidade / Que a semente da verdade está querendo germinar (bis) / Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / Eu quero ver todo o povo como irmão / Eu quero ver todo o povo caminhando / Se libertando do medo que ele tem do tubarão (bis) / Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / Todo povo tem boca pra falar / Ainda tem gente que se faz de muda / Fica no canto calada e não se mexe do lugar (bis) / Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / Ouvi um grito, mas eu não sei de quem foi / Grita sem medo, grita, grita minha gente / Quem morre calado é sapo debaixo do pé do boi (bis) / Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / Eu quero ver todo povo em união / A consciência não se ganha sem esforço / Vamos abrir os olhos pra enxergar a situação (bis) / Eu quero, quero, quero ouvir a voz do povo / O povo não é mais caranguejo / E todo o povo se tornando consciente / Descobrindo que é gente e caminhando para frente (bis)

13 GRITO DE ORDEM :: TRABALHADOR UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO 14 FETAPE COM VOCÊ (REFORMA AGRÁRIA) Sai ou não sai? / Vai sair pra você ver / Sindicato e a FETAPE / Estão na luta com você // Companheiro e companheira / Essa terra é de primeira / Boa de nós trabalhar / Já sofremos até derrota / Mas a gente não importa / Vamos ter que conquistar / Sofri neste acampamento / Ameaça e tormento / Mas é claro está na vista / Entenda como quiser / Mas nós come este filé / Pra provar nossa conquista // Nesta luta pela terra / Sobe morro e desce serra / Só

não vem quem não quiser / Está tudo organizado / Muito bem acompanhado / Homem, menino e mulher / Vou chamar os companheiros / Pra lutar junto comigo / Nesta luta pra valer / Produzindo alimentos / Resistindo nesta terra / Pra mostrar nosso poder //

15 VAMOS COMPANHEIROS, VAMOS LUTAR :: Canavieiros e canavieiras - Beija Flor e Agápito :: 1979 Vamos companheiros, vamos lutar /A vitória é nossa, vamos conquistar (bis) // Dê a mão ao seu companheiro / Vamos juntos a luta abraçar / Como prova de amor verdadeiro / Defender os direitos sem parar // O que se ganha não dá nem pra comer / A carne, o feijão e o fubá / Como é que a gente vai viver / Sem salário e sem terra pra plantar // Eu não sei porque tanta carestia / Que o salário que a gente ganha não dá / As coisas tão subindo todo o dia / E o salário não pode acompanhar // Ninguém pode viver sem ter dinheiro / Porque tudo a gente tem que comprar / A carestia tá matando o brasileiro / E o Governo ainda manda poupar // Vamos lutar pra ganhar o pão da vida / A vida é nossa, temos que zelar / A nossa união é a saída / Para a miséria e a fome se acabar // Tanta gente sem terra e sem comida / E sem ter uma casa pra morar / Sem emprego, mendiga o pão da vida / Mas um dia isso tudo vai mudar // Vamos, companheiras, vamos lutar / A vitória é nossa, vamos conquistar (bis)

16 GRITO DE ORDEM :: TRABALHADOR NA RUA / A LUTA CONTINUA

17 LUTAR, LUTAR, LUTAR Lutar, lutar, lutar / vamos lutar assim / vamos botar pra fora / esse tal de patrão ruim (bis) // Povo unido e organizado / quando faz greve, todo mundo tá parado / agora já, agora já / organizar a greve pro salário aumentar (bis) / Se o patrão não der / o que a gente quer / a gente para, dê no que der / se o patrão fica zangado, ele vai trabalhar e a gente fica parado (bis)

18 NOSSOS DIREITOS VÊM Nossos direitos vêm / Nossos direitos vêm / Se não vêm nossos direitos /O Brasil perde também (bis) // Confiando em Cristo Rei / que nasceu lá em Belém / Que morreu crucificado / porque nos queria bem / Confiando em seu amor / se reclama até o doutor/ Mas nossos direitos vêm // Quem negar nossos direitos / será negado também/ Chega de tanta promessa / sem cumprir para ninguém / Mas com os irmãos unidos / mundo muda de sentido / E nossos direitos vêm // Só porque tens muita terra / E tens gado com fartura / Tu negas o teu irmão / Este pobre sem figura / Cuidado com teu mistério / um dia no cemitério / Nossa carne se mistura // A cova é tua morada / o verme teu companheiro / A vida desaparece / pra lá não serve dinheiro / Quero ver tua defesa / onde está tua riqueza / Que comprava o mundo inteiro? // Tu sabes que a morte é justa / e vem toda de uma vez / Passa um visto nos teus crimes / qual o dia eu não sei / Mas tu pagarás dobrado / não existe advogado / Que te defendas da lei // Pra lá tu não levas nada, / nem dinheiro, nem teu gado / Nem teu carro, nem partido / nem pacote arrumado / Lá tu tiras tua máscara / só leva terra na cara / E taí o resultado // Aqui termino pedindo / ao nosso Pai Soberano / Que faz o céu e a terra / sem cometer um engano / Olha teu santo universo / cheio de coração perverso / Que nega os direitos humanos //

19 VERSOS 3 :: AS NOVAS LUTAS 20 ORGANIZAÇÃO Organização, participação/ Grito de união que vem da terra e sobe ao céu/ … grito de dor, grito de esperança / da mulher da roça Que da luta não se cansa (bis) // Cai sobre a terra injustiça e exploração / A mulher muito trabalha sem direito de ganhar / … a mão-de-obra mais barata que se tem / A mulher não tem salário, nem direitos ela tem // Chegou a hora de erguer a nossa voz / De unir a nossa força pela organização / Grupos de mães, Sindicatos e outras lutas/ São os meios que nós temos pra viver a união // Falando junto, discutindo os problemas / Da família e da casa, roça e comunidade / Cresce a consciência que o trabalho tem valor, / Que ele é grande instrumento de fazer fraternidade.

21 LIBERTAÇÃO (SEREIA) A mulher já se deu conta, sereia / De tanta submissão, sereia / E começa a dar as mãos, sereia / Pra ter a libertação / O silêncio acabou, sereia / A mulher vai avançar, sereia / Do passado que ficou, sereia / A coragem de lutar, sereia / O passado educou, sereia / A mulher pra obedecer, sereia / O presente ensinou, sereia / O combate pra vencer, sereia / Os amantes do poder, sereia / Nos exploram como quer, sereia / Reunidas, eles vão ver, sereia / Toda a força da mulher, sereia / O momento é muito nobre, sereia / Pra mulher se organizar, sereia / E unir o povo pobre, sereia / Pra poder se libertar, sereia / A mulher quer ver seu povo, sereia / Como classe libertada, sereia / Recriando um mundo novo, sereia / Sem ter gente explorada, sereia

22 GRITO DE ORDEM :: MULHER ORGANIZADA, JAMAIS SERÁ PISADA 23 OLÊ, MARIÊ :: Mariquinha e Odete - STR Caruaru Olê, Mariê, olê, Mariá (bis) / Mulher, sai dessa cozinha / Vai ocupar seu lugar (bis) // Mulher frágil era um ditado / para menos se tornar / Mas quem viu revolução / sem mulher funcionar (bis) // Mulher, olha a tua mente / sufocada pra pensar / Vem e solta o pensamento / com o teu jeito de criar (bis) // Ó, mulher, abre esta boca / é preciso temperar / O prato da vida é insosso / sem o sal do teu falar (bis) // A lei velha do machismo / vem, mulher, vem revirar / Se não fazes tua parte, essa lei vai dominar (bis)

24 A BUSCA PELA LIBERDADE A liberdade é coisa tão bela / E mais bonito é seu praticar / A gente sabe que ela é da gente / Quando os outros tomam, / a gente vai buscar (bis)

Peasant Memory in Music “Cantando e Lutando” is one of the products of a research project, “Memória Camponesa e Cultura Popular” (“Peasant Memory and Popular Culture”), undertaken by the Núcleo de Antropologia da Política of the PostGraduate Program on Social Anthropology (PPGAS), Museu Nacional/UFRJ. The project’s aim is to support and promote the maintenance of peasant memory and to record the rural struggles in Brazil as well as to document the ludic and symbolic activities of rural workers, mainly during the resistence against the military dictatorship from the 60s to the 80s. And singing belongs to this memory. Being part of the series “Documentos Sonoros do Museu Nacional” (Audio Documents of the Museu Nacional), this CD focuses on composition and singing as means for the expression of the political claims of the social rural movement. Contrary to common-sense perception, poetics and politics have always been intertwined in peasant struggles. This first CD is the result of a partnership between the Nead/IICA and the Associação de Estudos e Pesquisas em Antropologia (Asepa) of the Museu Nacional; the LACED – Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento where the series “Documentos Sonoros” is being kept; and the NuAP, which has developed the project “Memória Camponesa e Cultura Popular”. Pernambuco was the Brazilian State of choice due to its leading role in rural mobilization combined with the wide range of its musical and poetic manifestations. Moreover, a number of anthropologists from the PPGAS/MN/ UFRJ have been doing research in the State for many years.

Pernambuco Rural Worker’s Struggle and Organization By the end of the 1950s, two particular forms of organization emerged in Pernambuco: The Ligas Camponesas and the Sindicatos de Trabalhadores Rurais (Rural Workers Unions). Both intensified the struggles related to local peasants’ access to land as well as to their social and work conditions. The Ligas Camponesas, an old form of organization from the 1940s created through the Communist Party, resurfaced in the context of a specific conflict in which some rural workers refused to accept the high fees charged by the owner of the Engenho Galiléia, in Vitória de Santo Antão. The Ligas’ lawyer, Fancisco Julião, took the case to the Justice and to the State Legislature. In 1959 the workers won the battle attaining ownership of the land. The news of this triumph spread swiftly. Soon other Ligas began emerging in Pernambuco and in other surrounding states. These were voluntary civil associations, registered with the Public Notary with the main purpose of defending the peasants from abusive work conditions and providing medical and legal assistance. The Rural Workers’ Unions appeared with the aim of being the legitimate representatives in the defense of a wide category of rural workers composed by renters, sharecroppers, squatters, wage earners and small crop growers. With the Ligas Camponesas advancement, the Church, and more purposely the Catholic Church, tried to intensify the unionization of the rural workers. To this aim, the Church involved not only catholic agencies already engaged in grassroots movements but also created others, such as MEB – Movimento de Educação de Base , nationally acknowledged by the Brazilian government – and the Serviços de Orientação Rural , standing out among these the Serviço de Orientação Rural of Pernambuco - SORPE.

Side by side with the work done by the Church and the Ligas Camponesas, or inserted in these and in the Unions, the communists also committed to the peasants’ struggle, carrying the Land Reform banner. Their work assisting peasants’ insertion in the Unions, the Ligas and in other associations, lead in 1954 to the foundation of the national Union ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil). All of these movements came together in the 1963 sugar-cane workers’ strike, achieving excellent results: 80% increase on their first minimum wage, following the promulgation of the rural worker statute; a signed agreement with their employers which specified a table of prices and tasks regarding their work; guarantees to the unions’ commission agent democratically voted by the workers; commitment to signing the workers’ record book and paying the extra monthly salary at the end of the year, so called the 13th wage. With the intensive work these groups put out, by 1964 there were 70 Unions throughout Pernambuco, half of those in the sugar cane region and the others scattered in the Agreste and Sertão regions of the State. Undoubtedly, such programs of political awareness contributed to the empowerment of these workers, who became active agents in their struggle and organization. Singing can be found at the core of these political educational processes. Singing is a routine practice: it expresses at once the workers’ world’s visions and cultural forms. There are always those who know the songs sung by their relatives across generations. On the other hand, many carry the memory of traditional religious hymns, chants, eulogies, praises and adorations to God, sung in the churches, in everyday celebrations, festivities and processions. Music is then employed as an important vehicle of communication. It was used in the foundational work, especially when the peasants began organizing

themselves politically. The contact with the music induces the worker to recognize himself in the lyrics, creating a sense of solidarity. Many themes mentioned above were included in the making of this CD: Land reform and topics associated with land tenure, rural grassroots politics, unionization, education, social welfare, are all recurrent subjects in the peasant’s musical repertoire. When the workers first began organizing themselves in the Unions their musical repertoire was not particularly related to their struggles. Almost all the lyrics depicted themes to do with Good, the Church and the people. From there, themes concerning social injustice and the workers’ commitment to changing their reality were included in the songs. In addition, the lyrics of popular songs from renowned composers were altered (parodies) to express the daily reality of peasants and of the people from the Northeast region in general. Later, the workers composed their own songs and lyrics and adapted them to specific situations, incorporating the characteristics of each struggle or activity.

Music and Social Movement in Pernambuco’s Zona da Mata Music plays a multidimensional role in the protest marches, preparatory gatherings and in the large union meetings; it is ludic and aggregative, it is didactic, promotional and denouncing. Therefore, melodies, rhythms, harmonies and verses usually have a simple structure, based on the musical and poetic practices shared by the group, which facilitates the immediate understanding and reproduction of both poetry and music. After only a couple of sessions, all become apt to sing, supplementing the chorus, impelling the message and increasing the group’s unity.

This volume includes musical and poetic styles from Pernambuco’s Zona da Mata. The main musical instruments are the sanfona (concertina), the zabumba (a large bass drum) and the triangle, which are very common in the region and in the workers’ musical practices. Listeners are introduced to baiões (music 6), xotes (3 and 12), marchas (2,11,14,15 e 20), xaxados (4), forrós (18), frevos (17) sambas (7 e 23) and cantigas (21). Additionally, along with short declarations from some of the protagonists, we listen to hymns and refrains (1 and 9), composed at the rural movement’s inception, and to well-known slogans (8, 13, 16 e 22) shouted since the first mobilizations. These slogans represent the influences exerted by the progressive sectors of the Church, the left-wing parties and the Ligas. Therefore, their musicality corresponds to hymns, their verses are concise and fast and they are intonated, both in calling and responding, following a unison format. Their poetic form is shaped after the more sophisticated one proper to the cantoria, which is the case of the verses included in this compilation (5, 10 e 19). Although it is possible to attribute the authorship of some of the songs gathered here to specific individuals involved in the struggle, they are considered collective patrimony of the group, belonging to the “movement”. Most were composed in the preparatory gatherings and union meetings, or even in the heat of the strikes.

The Making of this CD Our starting point were the booklets produced for specific events throughout the decades (1962-2005) by the workers and/or by their advisors. We selected the preliminary repertoire from these booklets, which was further enhanced and adapted in the context of a first visit to the Fetape, in Recife (8th - 12th

January 2007). We met with union leaders who helped us in recollecting the melodies and selecting those considered the most significant. We tried to reach a consensual agreement among the different interests at play, both among the workers themselves and among them and the project researchers. This process of “collective production” also took place during recording, which was carried out, following a join decision, in a studio in Carpina, a small town in the State of Pernambuco (16th – 18th March 2007). We had the support of professional musicians who had been invited by the workers to accompany them in the songs. Along with the participation of renowned members of the historical movement, many others form a younger generations also joined the project. Gradually, we realized that recovering the past was as important for the workers as pointing to the future, hence this CD has taken the shape of a “memory of the present”. We are fully aware that a work about music, memory and union movements could have had a different format. The path we chose, however, was one of evocation. We collected memories, recovering the lineages which gave birth to the union’s movement (Ligas Camponesas, communism, the Church) from in between the lyrics of the songs, selecting in partnership and dialogue those most representative the historical track of these struggles. Lastly, we also would like to stress that the colors and the fonts selected to compose this insert also follow the same logic of remembrance and partnership. The insert was made as an evocation of the graphic lay-outs of the rural workers union’s movement of Pernambuco.

FICHA TÉCNICA Gravado em Carpina - PE, no Batuk Studio, nos dias 16 a 18 de março de 2007, festa de São José.

PROJETO MEMÓRIA CAMPONESA E CULTURA POPULAR COORDENAÇÃO :: Moacir Palmeira :: COORDENAÇÃO DO CD :: Renata de Castro Menezes

participantes das gravações VOZES :: Elias Dionísio, Euclides Nascimento, Geogina Delmondes dos Reis e Silva,

José Gonçalves da Silva (Gonça), Lúcia Lira (Lucinha)., Rita Rosa, Ronaldo Patrício, Severino Francisco da Luz Filho (Biu da Luz), Valquíria Maria de Oliveira MÚSICOS :: Deivinho (sanfona), Edílson da Zabumba (zabumba e triângulo), Edmundo Pereira (viola caipira e cavaquinho) :: VERSOS :: Biu da Luz

EDITORES :: Edmundo Pereira e Gustavo Pacheco

REALIZAÇÃO

TÉCNICO DE SOM :: Alison Santos :: AUXILIAR :: Júnior Negão (Batuk Stúdio) PESQUISADORES :: José Gonçalves da Silva, Edmundo Pereira e Renata de Castro Menezes PRODUÇÃO :: Renata de Castro Menezes :: assistente de produção :: Maria José Freire ARRANJOS :: Deivinho :: DIREÇÃO MUSICAL :: Edmundo Pereira :: MIXAGEM :: Alison Santos MASTERIZAÇÃO :: Ricardo Calafate e Ricardo Cidade (Estúdio Umuarama) FOTOGRAFIAS :: Arquivo da Fetape, Beto Garcia, Maria José Freire, Ronaldo Patrício e Renata de Castro Menezes :: PROJETO GRÁFICO :: Caco Chagas :: VERSÃO PARA O INGLÊS :: Ângela Torresan

APOIO

AGRADECIMENTOS Discoteca da Fundação Joaquim Nabuco, Enes Paulo Crespo, Gustavo Pacheco, José Francisco da Silva, Josefa Reis, Maestro Geraldo Menucci, Maria Cláudia M. de Mello Pitrez, Maria José Freire, Moacir Palmeira, pessoal da Fetape, Renato Phaelante, Ricardo Calafate, Sérgio Pereira Leite.

www.ppgasmuseu.etc.br :: www.laced.mn.ufrj.br

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