2009, “Associativismo e Transnacionalismo: Organizações Açoriano-Americanas na Nova Inglaterra”, Melo, Daniel & Eduardo Caetano da Silva (eds.), Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 71-96.

June 6, 2017 | Autor: Joao Leal | Categoria: Transnationalism, Voluntary Associations, Migration Studies, Diaspora Studies, Portugal, Azores
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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa Daniel Melo Eduardo Caetano da Silva (organizadores)

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Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 1600-189 Lisboa - Portugal Telef. 21 780 47 00 - Fax 21 794 02 74 www.ics.ul.pt/imprensa [email protected]

Instituto de Ciências Sociais - Catalogação na Publicação Construção da nação e associativismo na emigração portuguesa / organizadores Daniel Melo, Eduardo Caetano da Silva. - Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2009 ISBN 978-972-671-249-7 C D U 061.23 C D U 314.7(469)

Capa: João Segurado Composição e paginação: Ana Cristina Carvalho Revisão: Levi Condinho Impressão e acabamento: Tipografia Guerra - Viseu Depósito legal: 295504/09 1.ª edição: Outubro de 2009

Índice Os autores

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Prefácio Onésimo Teotónio Almeida

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Introdução Daniel Melo e Eduardo Caetano da Silva

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Capítulo 1

Associativismo, emigração e nação: o caso português Daniel Melo e Eduardo Caetano da Silva

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Capítulo 2

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano-americanas na Nova Inglaterra João Leal

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Capítulo 3

Associações portuguesas, integração social e identidades colectivas: o caso do Uruguai Helena Carreiras e Andrés Malamud

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Capítulo 4

«A mesma juventude noutra latitude: lusodescendente do Brasil e da França frente ao projeto nacional das comunidades portuguesas» 125 Eduardo Caetano da Silva e Irène Strijdhorst dos Santos

Capítulo 5

«Para deixar rasto na geografia onde passam os meus passos»: biografia e transmissão na diáspora portuguesa em França ... . 179 Elsa Lechner

Capítulo 6

Portugalidade e regionalidade no associativismo migrante português: o caso da Bélgica 193 Daniel Melo Capítulo 7

Espaços europeus: noções de casa e de pertença dos migrantes portugueses na Alemanha 237 Andrea Klimt Capítulo 8

Entre vítimas e algozes: dilemas da «comunidade portuguesa» na África do Sul pós -apartheid 273 Marcos Toffoli da Silva

Índice de quadros e fotos Quadros 6.1 6.2

Estimativas da população emigrante lusa na Bélgica (1970-2006) Lista de 60 associações lusas da Bélgica (1966-2006)

196 202

Fotos 2.1 2.2 2.3 2.4 3.1

3.2 3.3 4.1

Assistindo à parade (Fall River MA, 2000) Cortejo da coroação (Fall River MA, 2000) Cortejo da coroação (Fall River MA, 2000) Bodo de leite (Fall River MA, 2000) Capa dos estatutos da Sociedade Portugueza de Beneficência Maria Pia (Montevideu, 1880) e da Sociedade Portugueza de Beneficência (Salto, 1882) Reunião de membros da Casa de Portugal de Salto (Uruguai) com os entrevistadores do projecto a 26 de Janeiro de 2005 Mausoléu da Casa de Portugal de Salto (Uruguai), localizado no cemitério local Mapa mundial que destacava as localidades de origem dos participantes do 3.° Encontro Mundial de Jovens Emigrantes e Lusodescendentes, realizado em Maio de 2001, em Portugal. O mapa foi afixado no salão de entrada da Pousada de Almada, onde os participantes ficaram hospedados ....

75 80 85 90

109 111 113

129

4.2

4.3

7.1 7.2

Participantes do 3.° Encontro Mundial de Jovens Emigrantes e Lusodescendentes posam junto ao, então, Primeiro-Ministro António Guterres, acompanhados pelos Secretários de Estado da Juventude e das Comunidades Portuguesas Participantes do Encontro posam com a bandeira portuguesa durante visita ao centro histórico de Coimbra. U m a participante do Brasil veste a camisa da seleção brasileira de futebol e a participante da Suécia, que fora eleita miss Suécia no ano anterior, veste sua faixa de Miss com a inscrição Sweden Invisibilidade relativa: uma associação de imigrantes portugueses em Hamburgo, Alemanha Conexões transnacionais: Beira Alta, Portugal

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143 242 268

Os autores Andrea Klimt, é antropóloga, professora associada de Sociologia e Antropologia do Center for Portuguese Studies and Culture da Universidade do Massachusetts Dartmouth (North Dartmouth, EUA). E doutorada em Antropologia Social pela Stanford University (EUA, 1992). Tem um longo percurso de pesquisa em torno das questões da etnicidade, do transnacionalismo e da identidade nacional em contexto migratório, destacando-se a migração portuguesa na Alemanha e nos EUA. A n d r é s M a l a m u d é politólogo, investigador auxiliar do I C S - U L e professor auxiliar do Departamento de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires (Argentina). E doutorado em Ciências Políticas e Sociais pelo Instituto Universitário Europeu (2003). Tem leccionado em universidades da Argentina, Espanha, México e Portugal, e publicou artigos em livros e revistas académicas da Europa, América Latina e EUA. As suas áreas de investigação incidem sobre integração regional comparada, instituições políticas, partidos políticos, política europeia e latino-americana e migrações transatlânticas. Daniel Melo é historiador, mestre em História dos Séculos XIX-XX ( F C S H - U N L , 1997) e doutor em História Moderna e Contemporânea ( I S C T E - I U L , 2003). Presentemente, é investigador auxiliar no Centro de História da Cultura ( F C S H - U N L ) . Foi investigador associado do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa (ISCTE-IUL) e do I C S - U L . As suas áreas de interesse actuais são: associativismo voluntário; nacionalismo e regionalismo; migrações; identidade e política culturais; leitura pública e bibliotecas. Colaborou em vários projectos científicos, foi autor e editor de vários livros, e publicou artigos em revistas 11

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa académicas nacionais e internacionais. Filiou-se nas seguintes redes científicas: International Society for Third-Sector Research (EUA) e Association des Chercheurs de la Revue Lusotopie (França). Eduardo Caetano da Silva é antropólogo, mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil, 2003). Foi investigador visitante do I C S - U L (2004) e da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales ( E H E S S , 2006). Finaliza actualmente o seu doutoramento em Antropologia Social na Unicamp, com um estudo comparativo sobre migrantes portugueses em São Paulo e Paris. As suas investigações centram-se na área das migrações internacionais, com ênfase em cultura e política, tratando principalmente dos seguintes temas: migração portuguesa; nação e nacionalismo; historicidade, identidades e relações luso-brasileiras. Elsa Lechner é antropóloga, investigadora auxiliar do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sendo doutorada em Antropologia pela E H E S S (2003). Foi visiting scbolar do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia (Berkeley, E U A , 1999-2001) e investigadora associada do I C S - U L e do Centro de Estudos de Antropologia Social do I S C T E - I U L . As suas investigações centram-se no estudo das representações etnográficas e da construção das narrativas individuais e das identidades sociais, especialmente no âmbito migratório. Helena Carreiras é socióloga, professora auxiliar do Departamento de Sociologia do I S C T E - I U L e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do mesmo instituto. É doutorada em Ciências Sociais e Políticas pelo Instituto Universitário Europeu (Florença, Itália, 2004). As suas áreas de interesse e investigação centrais são: Forças Armadas e sociedade; sociologia do género; metodologia e epistemologia das ciências sociais; e, mais recentemente, migrações internacionais. Publicou diversos livros e artigos em revistas especializadas. Irène Strijdhorst dos Santos é antropóloga, mestre em Antropologia Social e Etnologia E H E S S (1998). Finaliza actualmente o seu doutoramento em Antropologia Social pela E H E S S , no Laboratoire d'Anthropologie Sociale - Collège de France. Na sua investigação tem dado especial ênfase aos seguintes temas: migração portuguesa; e identidade, memória e transmissão. Actualmente 12

Autores trabalha ainda no interface de investigação entre Antropologia e Cinema, participando na produção de vídeos de intervenção relacionados com a temática intergeracional entre migrantes portugueses vivendo em França. J o ã o Leal é antropólogo, professor associado com agregação do Departamento de Antropologia da F C S H - U N L e investigador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia ( C R I A ) . É doutorado em Antropologia Social pelo I S C T E - I U L (1992). Tem como áreas de especialidade a etnicidade, transnacionalidade e migrações; identidade nacional; e história da antropologia em Portugal e no Brasil. A sua principal actividade de investigação centra-se nos processos de transnacionalização da açorianidade, nos E U A e no Brasil. Marcos Toffoli da Silva é antropólogo, mestre em Antropologia Social pela Unicamp (2005). É investigador associado do Centro de Estudos de Migrações Internacionais e ultima o seu doutoramento em Antropologia Social na Unicamp. Actualmente participa num grupo de pesquisa, coordenado pela professora Bela Feldman-Bianco, que analisa o processo de implementação das acções afirmativas no Brasil e na Africa do Sul, contando com o apoio financeiro da Fundação Ford e do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro.

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João Leal

Capítulo 2

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano-americanas na Nova Inglaterra Desde finais do século xix que se desenvolveu, nos estados norte-americanos de Massachusetts (MA) e de Rhode Island (RI), uma importante comunidade de origem portuguesa. De acordo com o censo norte-americano de 1990, essa comunidade é composta por um total de 320 000 pessoas de Portuguese ancestry. Tendo sido frequentemente descrita como uma minoria étnica «invisível» (cf. Smith 1978), ela tem entretanto uma presença importante em cidades como Fall River e New Bedford - no Sudeste de Massachusetts - ou East Providence - Rhode Island - onde representa entre 40% a 55% da população total. Chegada aos E U A em duas vagas sucessivas - a primeira situada entre 1870 e 1930, a segunda entre 1960 e 1980 - esta comunidade é originária, em cerca de 90% dos casos, do arquipélago dos Açores. Dada esta sua ascendência açoriana, os imigrantes portugueses nos 1 A pesquisa de que resulta este texto decorreu entre 2000 e 2002 no quadro do projecto «EUA e Brasil: processos de transnacionalização da açorianidade», realizado no âmbito do Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE-IUL) e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). As minhas estadas nos EUA tiveram o apoio do Department of Portuguese and Brazilian Studies da Brown University e beneficiaram em particular da ajuda do seu director, Onésimo Teotónio Almeida, a quem estou particularmente grato. Gostaria também de estender os meus agradecimentos ao Sr. Clemente Anastácio - da comissão das Grandes Festas do Divino Espírito Santo - e ao Eugênio Lacerda - que assistiu comigo às Grandes Festas de 2000 e com quem travei inúmeras e produtivas conversas sobre os festejos.

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa E U A mantêm laços importantes com a cultura do arquipélago, que, como se sabe, ao mesmo tempo que possui bastantes pontes com a cultura portuguesa mais geral, apresenta também inúmeras particularidades. Entre essas particularidades encontram-se as Festas do Espírito Santo. Estas realizam-se em todas as freguesias do arquipélago, ao longo do período de sete a oito semanas que medeia entre o Domingo de Páscoa e os Domingos de Pentecostes e da Trindade, podendo ser definidas como um conjunto de cerimónias em honra e louvor do Espírito Santo centrados na Coroa do Espírito Santo, uma coroa em prata trabalhada, encimada por uma pomba, que constitui a insígnia central de um conjunto de que fazem ainda parte um ceptro e uma salva, ambos também em prata. 2 Na base dos festejos encontram-se muitas vezes irmandades, totalmente independentes da Igreja, que escolhem entre os seus membros o imperador.; designação dada à pessoa que, em cada ano, organiza as Festas. A sequência do ritual é particularmente elaborada e compreende, antes de mais, um conjunto de festejos de características mais marcadamente religiosas, de entre as quais se destaca a coroação. Esta é preparada e seguida por um cortejo específico - o chamado cortejo da coroação - e consiste na imposição da Coroa ao imperador - ou a uma criança por ele escolhida - realizada pelo padre no termo da missa, chamada justamente da coroação. Para além destas cerimónias mais estritamente religiosas, as Festas do Espírito Santo são ainda integradas por um conjunto diversificado de refeições, dádivas, contradádivas e distribuições de alimentos, feitos à base de carne de vaca, pão de trigo, massa sovada (confeccionada com farinha de trigo, açúcar, ovos e manteiga), etc., e que abrangem um número considerável de indivíduos e/ou unidades domésticas. A preparação desses alimentos compete ao imperador ou à irmandade e exige o dispêndio de uma quantidade muito significativa de géneros e/ou dinheiro. Constituindo um aspecto fundamental da cultura açoriana, as Festas do Espírito Santo têm-se tornado num dos instrumentos mais importantes da etnicidade luso-açoriana na N o v a Inglaterra. Essa importância exprime-se na realização de Festas do Espírito Santo na grande maioria das localidades da N o v a Inglaterra onde existem núcleos significativos de imigrantes açorianos. Assim, na 2 Para uma apresentação antropológica das Festas do Espírito Santo nos Açores, ver Leal (1994).

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas actualidade, estima-se que sejam em número de sessenta as Festas do Espírito Santo que têm lugar nos estados de Massachusetts e de Rhode Island, num total de trinta localidades distintas. 3 O carácter segmentar deste movimento de recriação das Festas do Espírito Santo nos E U A deve ser sublinhado. Na maioria dos casos, estas Festas são promovidas por naturais de tal ou tal freguesia - ou de tal ou tal ilha - dos Açores, e a sua sequência ritual organiza-se de acordo com o modelo específico prevalecente nessa freguesia (ou nessa ilha). Entretanto, a par desta orientação segmentar, as Festas do Espírito Santo têm também fornecido uma das principais linguagens a partir da qual a comunidade açoriano-americana se tem conseguido representar como uma comunidade unificada na paisagem multicultural da N o v a Inglaterra. De facto, é sob a invocação do Espírito Santo que tem lugar aquela que pode ser considerada como a grande festa étnica dos açoriano-americanos da América do Norte: as Grandes Festas do Divino Espírito Santo da N o v a Inglaterra. Realizando-se anualmente no último fim-de-semana do mês de Agosto, em Fali River - cidade do Sudeste de Massachusetts que abriga um dos núcleos mais importantes da comunidade luso-americana da N o v a Inglaterra - as Grandes Festas são usualmente consideradas como a maior «festa portuguesa» fora de Portugal. Agregam um conjunto muito significativo de organizações da comunidade açoriano-americana da N o v a Inglaterra e têm um público estimado em mais de 100 000 pessoas, provenientes não apenas dos estados de Rhode Island e Massachusetts, mas também da Califórnia e mesmo do Canadá. Constituem um evento de peregrinação obrigatória tanto para políticos da Região Autónoma dos Açores e do próprio Governo da República como para políticos luso-americanos e norte-americanos, e são também objecto de extensa cobertura mediática, na imprensa étnica da comunidade, na imprensa norte-americana local e, finalmente, nos media do continente português e dos Açores. As Grandes Festas desenrolam-se ao longo de cinco dias, de quinta-feira - dia em que é inaugurado o arraial - à segunda-feira 3 Baseio os meus cálculos acerca do número de irmandades e Festas do Espírito Santo nos estados de Rhode Island e Massachusetts em indicações fornecidas pela direcção das Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra e nas informações sobre o calendário festivo açoriano-americano destes dois estados regularmente inseridas no semanário Portuguese Times.

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa seguinte - dia em que se realiza o banquete de encerramento. O seu centro situa-se no Kennedy Park, na proximidade do distrito central de Fall River, uma das áreas mais emblematicamente luso-americanas da cidade. O recinto da festa é simbolicamente dominado por uma grande Coroa em madeira pintada, que é iluminada à noite e que se situa nas imediações de um pequeno edifício também em madeira pintada - conhecido pela designação de Império onde são guardadas as Coroas do Espírito Santo e outras insígnias religiosas usadas no decurso dos festejos. No relvado envolvente, encontra-se instalado o arraial, com barracas de comes e bebes, pavilhões de venda de artesanato, stands de venda de produtos vários, além de um coreto e de um palco que abrigam a programação musical da festa. A sequência da festa propriamente dita concentra-se na sexta-feira, no sábado e no domingo. Na sexta-feira tem lugar, nas imediações do Império, uma distribuição de pensões. Antecedida de uma largada de pombos, essa distribuição de pensões consiste na distribuição, a 350 famílias de Fall River mais necessitadas - geralmente indicadas pelos serviços competentes de «paróquias portuguesas» - de uma oferta alimentar - designada justamente como pensão - constituída por um pão de trigo, um bolo de massa sovada e uma porção de carne de vaca crua com cerca de cinco libras (sensivelmente dois quilos). No sábado, por seu turno, tem lugar o cortejo etnográfico. Este percorre sucessivamente a Columbia Street, a North Main Street, culminando no Kennedy Park, e constitui um dos pontos altos das Grandes Festas. E integrado por delegações de dezenas de organizações da comunidade açoriano-americana, que se fazem acompanhar de carros alegóricos, ranchos folclóricos, bandas filarmónicas, etc., e, no seu termo, realiza-se uma nova distribuição de alimentos, conhecida pela designação de bodo de leite. C o m o o próprio nome sugere, trata-se de uma distribuição de leite - comprado para a ocasião - e de massa sovada por todos aqueles que o solicitarem. No domingo, finalmente, tem lugar a missa da coroação, que se realiza na Igreja de Santa Ana, localizada em frente ao Kennedy Park. N e s s a missa participam cerca de quarenta irmandades do Espírito Santo provenientes basicamente da N o v a Inglaterra, mas também da Califórnia e do Canadá. A missa é geralmente uma missa solene, concelebrada por diferentes padres - alguns deles vindos expressamente dos Açores ou de Portugal continental - e 74

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas

Foto 1.1 - Assistindo à parade (Fall River MA, 2000).

geralmente presidida pelo bispo de Fall River. No seu termo, todos os membros das irmandades presentes que o desejem são coroados e, uma vez terminada esta coroação colectiva, realiza-se um cortejo - que, à semelhança do cortejo etnográfico de sábado, percorre várias ruas do centro de Fall River - em que participam todas as irmandades do Espírito Santo presentes e ainda numerosas autoridades políticas açorianas, luso-americanas e norte-americanas. Para além deste conjunto de sequências - acompanhadas sempre por uma audiência bastante numerosa - as Grandes Festas envolvem ainda uma programação musical que se desenrola entre a quinta-feira à noite e o domingo à noite e que se centra no palco e no coreto situados no recinto do Kennedy Park. Nessa programação musical, avultam, antes de mais, as actuações de bandas filarmónicas, algumas das quais vindas directamente dos Açores para a ocasião. Simultaneamente, exibem-se ranchos folclóricos e folias do Espírito Santo (grupos encarregados da direcção e acompanhamento musical das festas do Espírito Santo). Finalmente, integram ainda a programação musical das Grandes Festas vários artistas jovens da comunidade luso-americana, com um repertório oscilando entre o folclore português e diversos hits norte-americanos. 75

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa Ao longo dos diferentes dias em que se desenrola a festa, a animação do arraial, que funciona às tardes e noites, é grande. As barracas de comes e bebes propõem tanto comida étnica açoriana como fast food norte-americana. No pavilhão de venda do artesanato, o lugar de destaque é ocupado geralmente por diversos artesãos vindos directamente dos Açores. Finalmente, barracas e roulottes várias propõem toda a gama de produtos étnicos - desde cassetes e CD piratas de música portuguesa e brasileira, a cachecóis e t-shirts dos três principais clubes do futebol português (Sporting, Benfica, Porto) e a placas de automóvel com P de Portugal ou A de Açores. Dada a sua importância, as Grandes Festas fornecem um bom ponto de partida para a caracterização de alguns aspectos das comunidades açoriano-americanas. A partir da sua capacidade de congregação das organizações açoriano-americanas - em particular, como vimos, no cortejo etnográfico e no cortejo da coroação - é, por exemplo, possível proceder a uma caracterização da «sociedade civil» da imigração e das suas principais componentes: irmandades do Espírito Santo, clubes recreativos, organizações vocacionadas para actividades culturais, bandas filarmónicas, hometown associationsf paróquias, escolas portuguesas, e, até, filiais norte-americanas dos três «grandes» do futebol português. Simultaneamente as Grandes Festas fornecem também um bom ponto de partida para a caracterização da etnicidade açoriano-americana, com relevo para o modo como esta assenta em dialécticas culturalmente híbridas de recriação da terra de origem na terra de acolhimento. 5 Entretanto, no quadro deste artigo, gostaria de explorar sobretudo as virtualidades das Grandes Festas para falar do lugar que a transnacionalidade ocupa na comunidade açoriano-americana. N u m primeiro momento, apresentarei o conceito de transnacionalidade - ou transnacionalismo - e referir-me-ei a um dos principais debates que este tem vindo a suscitar: o debate em torno 4 Hometown associations é a designação consagrada na literatura norte-americana sobre etnicidade para designar clubes e associações de imigrantes que agrupam naturais de uma determinada localidade ou concelho e que têm como um dos seus objectivos principais a manutenção de laços entre os imigrantes e essas localidades. Na Nova Inglaterra muitas dessas associações, cujo grau de formalização é variável, são conhecidas pela designação de Amigos (da Ribeira Grande, do Rabo de Peixe, etc.). 5 Tive ocasião de explorar estas dimensões das Grandes Festas num artigo anterior (cf. Leal 2005).

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas do alcance e das formas precisas que o transnacionalismo apresenta em diferentes comunidades migrantes. De seguida, a partir do material empírico fornecido pelas Grandes Festas, tentarei mapear a importância do transnacionalismo entre as organizações açoriano-americanas da N o v a Inglaterra, pondo em evidência o modo como este se distribui de forma irregular e assume mesmo, nalguns casos, formas assimétricas, com a orientação para a terra de acolhimento a prevalecer em relação à orientação para a terra de origem. Na secção final do artigo tentarei adiantar algumas das razões que me parecem explicar as configurações que o transnacionalismo apresenta nas comunidades açoriano-americanas.

Transnacionalismo: aspectos teóricos C o m o se sabe, o conceito de transnacionalidade foi inicialmente proposto nos anos 1990 pelas antropólogas Nina Glick-Schiller, Linda Basch e Cristina Szanton Blanc. Para estas antropólogas, «um novo tipo de populações migrantes tem vindo a emergir, composta por migrantes cujas redes sociais, actividades e padrões de vida envolvem simultaneamente a sua terra de acolhimento e a sua terra de origem. As suas vidas atravessam as fronteiras nacionais e integram sociedades diferentes num só campo social» (1992, 1). N e s t e quadro, o t r a n s n a c i o n a l i s m o definir-se-ia c o m o o conjunto de «processos por intermédio dos quais os imigrantes constroem campos sociais que juntam a sua sociedade de origem e a sua sociedade de acolhimento» {idem, 2), baseados em «múltiplas relações - familiares, económicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas que atravessam as fronteiras» (ibidem)} Tendo vindo nos últimos anos a generalizar-se no quadro dos estudos - antropológicos, sociológicos, históricos - sobre migrações, o conceito de transnacionalismo, tem sido entretanto objecto de aproximações diferenciadas e, mesmo, conflituais. E o que tem sucedido no tocante ao alcance do conceito. Assim, alguns autores têm proposto aquilo que poderíamos classificar como uma aproximação em banda larga ao conceito. Para Destas três autoras, ver também o clássico Nations Unbound (Basch, Glick-Schiller e Szanton Blanc 1994) e Glick-Schiller, Basch e Szanton Blanc (1999). Sobre o mesmo tópico, ver também Levitt (2003). 6

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa esses autores, os processos migratórios contemporâneos seriam estruturalmente transnacionais, e o transnacionalismo, definido de uma forma abrangente, não envolveria necessariamente processos materiais de efectiva incorporação e circulação em (ou entre) dois contextos nacionais diferenciados. Por exemplo, num volume colectivo consagrado ao exame do transnacionalismo entre a segunda geração, alguns autores aplicam o conceito a processos de tipo «emocional» (Wolf 2002) ou «simbólico» (Le Espiritu e Tran 2002) que, embora envolvendo representações sobre a terra de origem, não se encontravam entretanto articulados com efectivas conexões transnacionais. De igual forma, Stephen Castles, ao englobar na sua definição de comunidades transnacionais as «comunidades culturais que procuram manter a herança e a língua do seu país de origem entre o grupo de migrantes que se fixou no país de acolhimento» (2005 [2003], 115) está a confundir transnacionalismo com etnicidade, uma vez que tais actividades podem ocorrer sem que haja necessariamente contactos sustentados e regulares com a terra de origem. 7 A par desta sensibilidade, um outro conjunto de autores tem vindo a desenvolver uma aproximação ao transnacionalismo em banda mais estreita, insistindo nomeadamente na necessidade de uma definição mais rigorosa e delimitada do conceito. Entre esses autores, o mais destacado é sem dúvida Alejandro Portes, para quem «é preferível circunscrever o conceito de transnacionalismo a ocupações e actividades que requerem contactos sociais transfronteiriços regulares e sustentados ao longo do tempo para a sua implementação» (Portes, Garnizo e Landoldt 1999, 219; itálicos dos autores). Para os autores que subscrevem esta aproximação em banda estreita ao transnacionalismo, uma outra ideia é central: o transnacionalismo assim definido constitui em muitos casos uma orientação possível mas não necessariamente dominante entre as comunidades imigrantes. Assim, resumindo as conclusões de um inquérito conduzido entre grupos migrantes em três estados norte-americanos, Portes poude concluir que «o transnacionalismo não constitui o modo de adaptação normativo ou dominante» e «pelo menos no caso de alguns imigrantes ele encontra [-se] quase 7 Acerca da confusão entre transnacionalismo e etnicidade, ver também Kivisto (2001, 561).

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas ausente» (2004 [2003], 84). 8 Na mesma linha, Levitt, DeWind e Vertovec chamaram a atenção para o facto de que «nem todos os imigrantes estão envolvidos em práticas transnacionais e [...] aqueles que o estão, fazem-no com considerável variação no tocante aos sectores, níveis, força e grau de formalização do seu envolvimento» (Levitt, De Wind e Vertovec 2003, 569). Sublinhando justamente o grau de variação que o transnacionalismo apresenta entre grupos diversificados de imigrantes, Itzigsohn e Saucedo distinguiram entre «transnacionalismo estreito» e «transnacionalismo alargado»: «O transnacionalismo estreito refere-se à participação institucionalizada e contínua em actividades e organizações transnacionais; o transnacionalismo alargado refere-se apenas à participação ocasional em ligações transnacionais» (Itzigsohn e Saucedo 2002, 770; itálicos dos autores). 9 Contra as concepções maximalistas que tendem a associar automaticamente imigração e transnacionalismo, todos estes autores, de formas diferentes, acentuam pelo contrário o modo como o transnacionalismo se distribui de forma variável no interior do grupo imigrante, onde pode não representar necessariamente a opção mais representativa. Para todos eles, se quisermos, mais do que um fenómeno uniforme, o transnacionalismo define-se como um fenómeno de geometria variável, que há, em cada caso, que aferir. A partir do contexto empírico fornecido pelas Grandes Festas, o meu propósito é justamente o de averiguar o estatuto de três modalidades precisas de transnacionalismo entre as comunidades açoriano-americanas. U m a dessas modalidades é a do transnacionalismo político, tal como este se expressa no envolvimento dos imigrantes em actividades e projectos políticos na terra de origem. A segunda modalidade tem a ver com o chamado transnacionalismo sociocultural, designação que na literatura sobre transnacionalismo tem sido reservada às actividades e ligações transnacionais das organizações - religiosas, culturais, desportivas, assistenciais - da sociedade civil das comunidades imigrantes (cf. Itzigsohn e Saucedo 2002). 10 Finalmente a terceira modalidade tem a ver com Para uma réplica aos argumentos de Portes, ver Glick-Schiller (2003). Esta distinção faz parte de uma tipologia mais completa do transnacionalismo, em que Itzigsohn e Saucedo distinguem também entre «transnacionalismo linear», «transnacionalismo assente em recursos» e «transnacionalismo reactivo» (2002, 771-773). 10 Este tipo de transnacionalismo é designado por Itzigsohn et ai. como transnacionalismo «civil-societal». O conceito cobre «as práticas comunitárias - na área 8

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa

Foto 2.2 - Cortejo da coroação (Fali River MA, 2000).

o envolvimento transnacional - assente na participação em redes sociais e na manutenção de conexões transnacionais com a terra de origem - dos militantes e activistas étnicos.

Regionalismo à distância As evidências do transnacionalismo político nas Grandes Festas começam por ser aparentemente muito fortes. De facto, a participação de uma delegação do Governo Regional dos Açores, geralmente liderada pelo seu Presidente, é um dos factos mais salientes das Grandes Festas. Em 2000, esta delegação - chefiada por Carlos César e integrada ainda pela Directora Regional das Comunidades, Alzira Silva e pelo ex-Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores Alvaro Monjardino ocupou um lugar central no cortejo etnográfico das Grandes Festas e na pequena cerimónia protocolar que antecedeu o bodo de leite, da religião, do desporto e da ajuda mútua - que não são principalmente políticas nem orientadas para o mercado» (Itzigsohn et al. 1999, 324).

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas na qual Carlos César foi o principal orador. Para além do cortejo etnográfico, a presença destacada do Governo Regional dos Açores reflecte-se noutras sequências das Grandes Festas, como o cortejo da coroação ou o banquete de encerramento. No primeiro, Carlos César e a sua comitiva voltam a ter lugar de grande relevo, e no segundo - em conjunto com Jaime Gama, na altura ministro do Negócios Estrangeiros de Portugal - ocuparam também os lugares de honra. No distrito central de Fali River muitos estabelecimentos comerciais luso-açorianos exibiam também - durante os dias em que as Grandes Festas tiveram lugar - fotografias do Presidente do Governo Regional acompanhadas de uma frase de boas-vindas. Subjacente a esta participação do Governo Regional dos Açores nas Grandes Festas encontra-se uma ideologia de «regionalismo à distância» claramente transnacional. 11 Esta ideologia tende a sublinhar a maneira como os imigrantes açorianos nos E U A se definiriam como membros transnacionais da quase-nação açoriana. Assim, ao transmitir aos imigrantes presentes «um abraço de fraternidade [e] de saudade», a mensagem de Carlos César no quadro da cerimónia protocolar que antecedeu o bodo de leite dava particular relevo a essa cidadania açoriana comum, baseada no sangue e na partilha de um sentimento de pertença comum: «todos os que aqui estão ou que aqui vivem, continuam a sentir os Açores e os açorianos que vivem nas nossas nove ilhas como seus irmãos. [...] Muitos dos que aqui estão têm às vezes tantas saudades dos Açores, mas muitos dos que lá estão têm também às vezes tantas saudades dos seus amigos e parentes açorianos que aqui estão.» Em declarações ao Portuguese Times, Carlos César teve oportunidade de sublinhar a mesma ideia de outra maneira: Fall River e as Grandes Festas do Divino Espírito Santo da N o v a

Inglaterra são o documentário mais impressionante e mais vivo do que

significa a açorianidade [...]. Fall River torna-se nesta altura a capital dos Açores. Normalmente nos Açores temos dificuldade em apontar uma capital, ninguém quer que seja em outra ilha. Esta festa é muito conveniente para todos os açorianos, porque temos uma capital em

que todos estão de acordo, que é Fall River. Como tal o Presidente do Governo não pode nem deve faltar [Portuguese Times, 30 de A g o s t o de 2000, «Especial Grandes Festas», 15; itálicos do autor].

11 Procedo aqui a uma adaptação, para o caso açoriano, do conceito de «long distance nationalism» proposto por Benedict Anderson (1998).

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa O significado deste tipo de declarações não é meramente retórico. De facto, desde o início dos festejos que o Governo Regional dos Açores se encontra activamente implicado no apoio financeiro às Grandes Festas. Esse apoio passa hoje em dia pelo financiamento da totalidade das deslocações e estadas das delegações provenientes dos Açores: bandas convidadas, artesãos, convidados açorianos, etc. Simultaneamente, o G o v e r n o Regional tem desenvolvido, desde a institucionalização da autonomia político-administrativa dos Açores, uma política muito vasta de apoios a organizações e eventos açorianistas realizados nos E U A e noutros contextos da imigração açoriana. Esta política constitui uma das atribuições fundamentais da Direcção Regional das Comunidades ( D R C ) , que sucedeu, a partir de 1998, ao Gabinete de Emigração e Apoio às Comunidades Açorianas (GEACA). 1 2 Um das expressões mais visíveis dessa política tem consistido na promoção de reuniões internacionais de organizações e activistas da diáspora açoriana. Ente essas reuniões ocuparam lugar de relevo, durante os governos de Mota Amaral, os sucessivos Congressos das Comunidades Açorianas (1978; 1986; 1991; 1995), substituídos, mais recentemente, pelas Jornadas Emigração/Comunidades (2002; 2004; 2007). Simultaneamente a D R C desdobra o seu apoio às organizações da diáspora açoriana em três grandes áreas: apoio instrumental, formação e informação e divulgação. No tocante ao apoio instrumental, para além do apoio financeiro directo a iniciativas promovidas por diferentes associações, contam-se o envio de bibliotecas de temática açorianista, de trajes regionais, de partituras musicais de canções populares açorianas, de violas «regionais» e de artesanato vário. A área da formação, pelo seu lado, envolve a realização de seminários e cursos destinados a activistas, com destaque para o curso anual «Açores: à procura das raízes». Finalmente, a área de informação e divulgação compreende acções como o envio de jornais açorianos para as organizações de imigrantes, o apoio à imprensa étnica açoriana, a produção de programas de rádio e televisão para as estações de rádio e canais de televisão étnicos, etc. Simultaneamente ao Governo Regional dos Açores, o próprio Governo da República envolve-se também activamente nos eventos 12 A coordenação destes organismos começou por estar a cargo, durante os governos de Mota Amaral, de Duarte Mendes, passando depois a ser exercida, com os governos de Carlos César, por Alzira Serpa Silva.

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas da diáspora açoriano-americana, por intermédio, por exemplo, da participação regular das autoridades consulares nas actividades mais significativas organizadas por clubes e outras organizações ou, ainda, por intermédio dos apoios dados às comemorações do Dia de Portugal em Rhode Island ou em N e w Bedford. Comparativamente, entretanto, o envolvimento do Governo Regional dos Açores é muito mais efectivo e intenso. E justamente à luz desse envolvimento que pode ser entendido o relevo que a representação do Governo Regional dos Açores tem nas Grandes Festas. N e s s e sentido, poder-se-ia afirmar que o transnacionalismo político - sob a forma do «regionalismo à distância» - constituiria uma tendência importante nas comunidades de origem açoriana dos E U A . Na sequência do que afirmei atrás, as implicações desse transnacionalismo político no funcionamento preciso da comunidade açoriano-americana merecem entretanto um exame mais detalhado. Assim, esse «regionalismo à distância», em primeiro lugar, afecta um número reduzido de organizações, quase todas elas caracterizadas pelo seu envolvimento em actividades mais ou menos regulares de natureza cultural. E o que se passa, por exemplo, com a Casa dos Açores da N o v a Inglaterra (sediada em East Providence RI). Esta Casa dos Açores, embora fundada em 1982, só iniciou actividades a partir de 1990 e tem beneficiado da política de cooperação privilegiada com as Casas dos Açores desenvolvida pelo Governo Regional dos Açores. Em consequência, a Directora Regional das Comunidades e o Presidente do Governo Regional dos Açores foram seus convidados em diversas iniciativas realizadas no final dos anos 1990. Outra organização mais sensível ao «regionalismo à distância» tem sido o Centro Comunitário Amigos da Terceira (sediado em Pawtucket RI) que tem também relações fortes com o Governo Regional dos Açores, expressas na presença de membros do Governo nalgumas das suas iniciativas assim como em apoios às suas actividades. Assim, Alzira Silva procedeu à inauguração das actuais instalações do Centro em 1998 e, em 2001, a primeira Festa do Espírito Santo promovida por este clube açoriano contou com a presença do Presidente do Governo Regional dos Açores. Da mesma maneira, durante os governos de Mota Amaral, a Sociedade Cultural Açoriana (de Fall River M A ) encontrava-se activamente implicada em modalidades diversas de 83

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas

Foto 2.3 - Cortejo da coroação (Fall River MA, 2000).

desde Al Alves - conselheiro municipal de Fall River - a Daniel da Ponte - senador estadual em Rhode Island - ou a Tony Cabral - deputado estadual em Massachusetts. Esta abertura para a política norte-americana é de resto evidente noutros eventos da comunidade açoriano-americana. Assim, em Rhode Island, é rara a Festa do Espírito Santo que não conte com políticos norte-americanos ou luso-americanos no respectivo cortejo da coroação. Em 2000, nas comemorações do Dia de Portugal em East Providence, foi também relevante a presença de representantes da classe política do estado de Rhode Island. Certos clubes contam entre as suas actividades sessões de homenagem a políticos norte-americanos que se destacaram na defesa dos interesses açoriano-americanos, ou, mais latamente, luso-americanos. Foi esse o caso, em 2000, da Sociedade Cultural Açoriana, que promoveu uma homenagem a Barney Frank, um congressista federal de Massachusetts. Outras organizações, finalmente, são vistas como essenciais para a formação de uma classe política luso-americana. É o caso, por exemplo, da Irmandade do Espírito Santo do Phillips Street Hall, em East Providence que, por ocasião do seu 100.° aniversário, foi definida pelo Portuguese Times como um 85

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa «viveiro de políticos luso-americanos» (.Portuguese Times, 27 de Setembro de 2000). Ora bem: o que estes dados põem em evidência é a crescente importância de um padrão em que a orientação política para a terra de acolhimento se tende a sobrepor à orientação política para a terra de origem. Assim, um estudo recente sobre o comportamento político dos luso-americanos do Sudeste de Massachusetts constatava os progressos na participação destes na vida política norte-americana - hoje em dia próxima da média geral norte-americana (Barrow 2002, 33). Particularmente forte a nível local {idem, 27), essa participação reflecte-se justamente na emergência gradual, mas segura, de uma classe política luso-americana particularmente significativa a nível das administrações municipais e dos chamados school committees.13 No Sudeste de Massachusetts, por exemplo, o número de luso-americanos detentores de cargos locais - incluindo os school committees - oscila entre 25% a 32% do total de titulares desses cargos (Mulcahy 1998, 280). E, embora em certos casos - como Fall River - essa proporção seja inferior à percentagem da população de origem portuguesa, noutros - como em Dartmouth ou N e w Bedford - aproxima-se razoavelmente dessa percentagem. A nível estadual, os números não são tão relevantes, mas os casos de Tony Cabral - deputado estadual em Massachusetts - Paul Tavares - tesoureiro estadual em Rhode Island - e Robert Pires - pré-candidato democrata a governador de Rhode Island em 2001 e ex-presidente do importante Finance Committee do Senado de Rhode Island - marcam um progresso relativamente à invisibilidade política da comunidade entre os anos 1960 e os anos 1980. 14 13 O school committee é um organismo eleito a quem compete a gestão das diferentes escolas do sistema público do ensino primário e secundário nas cidades norte-americanas. 14 Desde o meu trabalho de campo que este processo de crescimento de uma classe política luso-americana se tem vindo a acentuar. Assim, de acordo com um levantamento de 2007 da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (Ministério dos Negócios Estrangeiros), era de 74 - entre um total de 95 para todos os EUA - o número de políticos luso-americanos na Nova Inglaterra. Este número deve entretanto pecar por defeito. Recentemente Irene Bloemraad desenvolveu uma análise comparativa entre a participação política dos emigrantes de origem portuguesa nos EUA e no Canadá, no quadro da qual desenvolve a tese segundo a qual, nos EUA, em contraste com o Canadá, «os imigrantes portugueses [...] têm sido praticamente invisíveis na cena política,

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano-americanas Simultaneamente, como o demonstra a participação dos mayors de Fall River e N e w Bedford nas Grandes Festas e de congressistas e senadores estaduais, a própria classe política norte-americana tradicional vê-se obrigada a cortejar mais activamente o eleitorado luso-americano. Um bom exemplo disso encontra-se nos apelos ao voto em português que os vários candidatos fazem publicar, sob a forma de anúncio, no Portuguese Times. Estes dados devem ser confrontados com os números - extremamente baixos - relativos à participação dos imigrantes açorianos e portugueses nos actos eleitorais na terra de origem. Assim, nas eleições presidenciais de 2001, na área do consulado de N e w Bedford - onde existiam 40 000 portugueses registados no consulado - apenas estavam recenseados cerca de 1600 e, destes, apenas votaram 143. Na área do consulado de Providence, os números são também reveladores: em cerca de 1300 imigrantes recenseados apenas votaram nas eleições presidenciais 114 pessoas. 1 5 E certo que a mobilização da comunidade em torno de problemas políticos açorianos - nomeadamente aquando da febre «independentista» de 1975 - foi muito importante. Os apoios da F L A (Frente de Libertação dos Açores) em Fall River são conhecidos e a história da conquista do estatuto autonómico nos Açores não pode ser entendida sem referência a esta pressão de retaguarda da diáspora. 16 Mas hoje em dia o envolvimento político por referência à terra de origem - Açores ou Portugal continental - enfraqueceu substancialmente e contrasta com a crescente abertura da comunidade para discussões centradas na agenda política norte-americana. E significativo que o Portuguese Times tenha dedicado mais espaço, em 2001, às eleições presidenciais norte-americanas do que às eleiapesar da sua elevada concentração na Nova Inglaterra e na Califórnia» (2006, 13). Deve ser sublinhado que o alcance desta tese está severamente limitado pelo facto de se basear em investigação conduzida em Boston - onde a presença portuguesa, em comparação com o SE de Massachusetts e com o estado de Rhode Island, é muito mais diminuta - e ter privilegiado a representação política a nível nacional - em detrimento dos níveis locais e estaduais. 15 Números extraídos do Portuguese Times, n.° 1542, 19 de Janeiro de 2001: 5 e n.° 1543, 17 de Janeiro de 2001: 9. 16 Acerca do independentismo açoriano nos EUA, ver algumas das crónicas reunidas em Almeida (1987). Numa dessas crónicas, Onésimo Almeida, reportando-se aos anos que se seguem ao 25 de Abril, escreve: «Durante quatro anos, a comunicação inteira volta-se demasiado para Portugal, vive a política lá. Mas aos poucos foi-se cansando, desiludindo, ao menos convencendo-se de que, se estava aqui para ficar, a sua política deveria ser aqui» (1987, 132).

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Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa ções presidenciais portuguesas. Muitos dos cronistas residentes do jornal estão também agora mais virados para o comentário político norte-americano do que para o comentário político «português». É também significativo o número de apelidos portugueses que se podiam encontrar nas cartas ao director do Herald News (de Fall River) ou no Standart Times (de N e w Bedford) acerca da segunda intervenção militar norte-americana no Iraque, em 2004. Pode pois dizer-se que o transnacionalismo político da comunidade açoriano-americana, além de afectar um número reduzido de organizações açoriano-americanas, se dá de forma assimétrica com a orientação para a terra de acolhimento - mediada por uma classe política com amarras directas com a comunidade étnica - a sobrepor-se ao diálogo transnacional com a terra de origem.

Transnacionalismo sociocultural Além de nos darem indicações sobre o transnacionalismo político, as Grandes Festas constituem também um bom ponto de partida para analisarmos a importância do transnacionalismo na actividade das organizações da sociedade civil açoriano-americana, em particular daquelas que desfilam no cortejo etnográfico e no cortejo da coroação. Observadas mais de perto, estas organizações oscilam entre «transnacionalismo estreito» e «alargado» (Itzigsohn e Saucedo 2000, 770), entre envolvimento transnacional regular e envolvimento transnacional efémero. Por exemplo, nos clubes de vocação exclusivamente recreativa, nas irmandades do Espírito Santo, nas «paróquias portuguesas» e nas bandas filarmónicas predominam formas esporádicas - por vezes mesmo muito esporádicas - de envolvimento transnacional. No essencial estamos de facto perante organizações cujas actividades se baseiam em recursos e conexões do próprio grupo étnico e que só ocasionalmente se abrem para conexões transnacionais. Estas podem envolver - no caso das bandas filarmónicas - convites para digressões ou actuações nos Açores (ou, mais raramente, em Portugal continental). No caso das «paróquias portuguesas» ou das irmandades do Espírito Santo, existe também a preocupação de convidar padres açorianos para cerimónias ou festividades de maior significado. Ainda no caso das irmandades do Espírito Santo, são 88

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas por vezes feitos convites a folias da terra de origem, que podem viajar com subsídios de câmaras municipais. Todas estas actividades são porém ocasionais. Tomemos o exemplo das irmandades do Espírito Santo que reúnem açoriano-americanos originários da ilha de Santa Maria. Em 2000, por exemplo a irmandade da Bridegewater MA fez deslocar para o seu Império um padre açoriano. Mas, no mesmo ano, os Impérios promovidos pelas restantes irmandades contaram exclusivamente com recursos locais. Em 2002, a irmandade de Saugus MA - uma vez que se comemoravam 75 anos da sua fundação convidou uma folia de Santa Maria, que se deslocou aos E U A com o apoio financeiro da Câmara Municipal de Vila do Porto. Mas tratou-se de uma excepção: a maioria dos Impérios marienses nos E U A , depois de um período - nos anos 1980 - em que recorriam muito a folias da ilha, são hoje completamente auto-suficientes nessas - e noutras - matérias. Já nos clubes que desenvolvem actividades culturais e em algumas hometown associations predomina o «transnacionalismo estreito» e, portanto, as actividades envolvendo recursos e conexões transnacionais são mais sustentadas e regulares. A prevalência deste «transnacionalismo estreito» não significa entretanto que estas organizações tenham o seu foco dominante em actividades transnacionais. De facto, à semelhança daquelas que praticam mais ocasionalmente o transnacionalismo, essas organizações são antes de mais organizações da comunidade étnica açoriano-americana e, nessa medida, funcionam com base em actividades que se apoiam maioritariamente em recursos e conexões de tipo étnico. Simultaneamente, algumas delas reservam também um lugar - que pode ser mais ou menos importante - a actividades que envolvem recursos e conexões transnacionais. E s s a s actividades p o d e m envolver, por exemplo, no caso das organizações com actividades culturais, sessões com intelectuais, artistas e criadores açorianos, digressões de ranchos folclóricos ou de bandas açoriano-americanas aos Açores, visitas de estudo de lusodescendentes ao arquipélago, cooperação com autarquias dos Açores, etc. No caso das hometown associations, por seu turno, o transnacionalismo pode envolver o apoio financeiro a infra-estruturas na terra de origem (escolas, igrejas, etc.) e a participação regular de autarcas açorianos em iniciativas de convívio e confraternização realizadas nos E U A . 89

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa

Foto 2.4 - Bodo de leite (Fall River MA, 2000).

Entre os clubes com actividades culturais envolvidos em formas «estreitas» de transnacionalismo conta-se por exemplo a Casa dos Açores da N o v a Inglaterra que, nos anos 1990, promovia regularmente sessões com escritores, artistas e criadores açorianos, retomadas a partir de 2001. O Centro Comunitário Amigos da Terceira também concede um lugar importante ao transnacionalismo sociocultural, seja sob a forma de digressões açorianas do rancho e do grupo de Danças do Carnaval do clube, seja sob a forma de intercâmbios vários - sobretudo a nível da juventude com a Terceira. Mas mesmo entre estas organizações de vocação transnacional mais pronunciada, existem também casos em que predominam formas mais ocasionais e «alargadas» de transnacionalismo. É o que se passa com a Sociedade Cultural Açoriana. Esta, depois de um intenso envolvimento transnacional nos anos 1980 - durante os governos de Mota Amaral - está hoje em dia muito mais orientada para actividades culturais baseadas nos recursos próprios da comunidade étnica: lançamentos de livros de escritores da diáspora, sessões com artistas étnicos, peças de teatro escritas localmente, etc. Algumas hometown associations, também, estão já mais atentas às necessidades da comunidade 90

Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas étnica do que às necessidades da terra de origem. É o que se passa com alguns Grupos de Amigos que, para além do convívio, têm como actividade principal a atribuição de bolsas de estudo a lusodescendentes. Isto é, o transnacionalismo sociocultural na comunidade açoriano-americana da N o v a Inglaterra, tal como transnacionalismo político, é um transnacionalismo de geometria variável, em que zonas de maior densidade coexistem com zonas de menor densidade.

Envolvimento transnacional dos activistas Sucede o mesmo com o modo como os diferentes activistas das organizações que participam nos cortejos das Grandes Festas se relacionam eles próprios com a terra de origem, por intermédio de conexões como remessas, visitas, ou a inserção em redes sociais transnacionais, baseadas, por exemplo, em laços de parentesco. Também aqui, os indícios de «transnacionalismo estreito» começam por ser importantes. Muitas das lideranças da sociedade civil luso-americana presentes no cortejo caracterizam-se de facto pelo envolvimento em redes de relações que cruzam dois contextos nacionais, entre os quais comutam regularmente. É o que se passa, desde logo, com alguns dos membros da própria Comissão Organizadora das Festas. O fundador das Grandes Festas, Heitor de Sousa, por exemplo, esteve durante muitos anos à frente da delegação de um banco açoriano em Fall River, no desempenho de uma actividade caracterizada justamente pela intermediação entre a comunidade luso-americana e a terra de origem, e manteve contactos regulares com os Açores, designadamente por causa das Grandes Festas. Clemente Anastácio, outro destacado dirigente das Grandes Festas, depois de um período de relativo alheamento, desloca-se hoje em dia com alguma regularidade aos Açores, onde mantém algumas ligações pessoais. Muitos outros membros das direcções de clubes e outras organizações presentes no desfile etnográfico mantêm também relações de intervisita regular com a terra de origem, baseadas em redes de parentesco ou num envolvimento significativo com organizações várias a nível da freguesia ou do concelho natal. 91

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa Mas, a par destes indícios de transnacionalismo, há depois os casos em que este envolvimento transnacional aparece como mais residual. Muitos outros dirigentes de organizações com quem contactei mantinham de facto uma ligação fundamentalmente sentimental à terra de origem, feita de contactos e visitas mais esporádicas, que não deixavam de contrastar com a sua imersão mais permanente e estruturante na vida social e nas actividades da comunidade açoriano-americana. Entre os dirigentes da Sociedade Cultural Açoriana e do Centro Comunitário Amigos da Terceira, por exemplo, a efectiva inserção em redes transnacionais baseadas no parentesco ou as visitas regulares aos Açores eram escassas. Um dos principais dirigentes da Sociedade Cultural Açoriana não se deslocava havia mais de doze anos aos Açores e opta por férias na Florida, de acordo, de resto, com uma tendência cada vez mais generalizada em sectores importantes das comunidades açoriano-americans. Dado que a sua família mais imediata «está toda imigrada», o seu relacionamento com parentes residentes nos Açores é também escasso. O caso do Centro Cultural Mariense e da Holly Ghost Brotherhood Mariense é também elucidativo. Embora alguns dos seus dirigentes tenham parentes em Santa Maria, os contactos com estes parentes tornaram-se escassos e assumem hoje em dia contornos fundamentalmente cerimoniais. Apenas um dos dirigentes mantinha um vaivém mais ou menos constante entre terra de origem e terra de acolhimento. Os interesses económicos directos - expressos na propriedade de terra, casas ou negócios - em Santa Maria eram também praticamente inexistentes. Pode-se pois dizer que a transnacionalidade assume também aqui geometrias variáveis, com sectores onde ela é mais relevante e sectores onde a relação com a terra de origem ocupa um plano mais secundário do que a relação com o grupo étnico ou com a terra de acolhimento.

Conclusões Referindo-se à natureza compósita das diásporas, Tõlõlyan escreveu que: N u m sentido sociológico exacto, cada comunidade (por exemplo, a comunidade cubano-americana ou a arménio-americana) compõe-se de

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas fracções: há os assimilados que só são contabilizados para inflaccionar os números da comunidade [...]; há os étnicos, que mantêm algumas conexões demonstráveis, persistentes, ou simbólicas com uma ou mais instituições ou identidades comunais; e há os membros diaspóricos, estritamente definidos, que desenvolvem esforços consequentes para manter conexões organizadas e mesmo institucionalizadas com outras comunidades diaspóricas e com a terra de origem [2000, 130].

Mais à frente, o autor retoma a mesma ideia de forma ligeiramente diferente: Quase todos [os grupos diaspóricos] consistem em quatro categorias de membros, com diferentes níveis de integração na sociedade de acolhimento: os assimilados ou quase assimilados; os confortavelmente etnicizados; os novos imigrantes [...] que mantêm ligações [...] com as identidades tradicionais do país de origem; e os diaspóricos [...]. Estas categorias não são «estágios» numa trajectória histórica unidirectional; mesmo que haja uma tendência, com o tempo, de passar de imigrante a diaspórico e, a seguir, da etnicidade à assimilação, estabilidades intermédias e mesmo inversões são possíveis [idem, 113].

O estatuto de transnacionalidade na comunidade açoriano-americana pode justamente ser visto como uma expressão da diversidade da comunidade. Nela existem transnacionais e transnacionalidade, mas distribuídos de forma desigual, com áreas de maior e menor intensidade. Também aqui, longe de ser uma propriedade intrínseca do processo migratório, a transnacionalidade dá-se apenas como uma das tendências que estruturam internamente a comunidade. Esta distribuição irregular do transnacionalismo nas comunidades açoriano-americanas deve ser relacionada com algumas características gerais da imigração açoriana para os E U A . Por um lado, como foi referido no início deste artigo, essa imigração desenvolveu-se nos anos 1960 e 1970, tendo parado a partir de 1980. Por outro lado - e diferentemente do que de passa com a imigração «continental», onde o mito do regresso é bastante importante - os imigrantes açorianos não alimentam nem alimentaram projectos de retorno. Estes dois factores são extremamente importantes na configuração das comunidades açoriano-americanas. Ao mesmo tempo que favoreceram - como demonstrei noutro lugar (Leal 2005) - a estruturação étnica da comunidade, eles influenciaram 93

Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa também o gradual confinamento das conexões transnacionais a sectores específicos das comunidades açoriano-americanas. 17 Entre esses sectores avultam aqueles que estão ligados a clubes com actividades culturais mais regulares e a algumas hometown associations. Pelo contrário, as organizações religiosas - como as irmandades do Espírito Santo ou as paróquias portuguesas - e os clubes recreativos, mais embebidos na vida diária da comunidade étnica, não parecem tão inclinados para o transnacionalismo. O envolvimento transnacional dos activistas parece seguir o mesmo padrão: os activistas associados a organizações mais activas transnacionalmente tendem a desenvolver contactos mais estreitos com a terra de origem e vice-versa. Mas outros factores, relacionados com histórias de vida particulares, são aqui relevantes. Os activistas da classe média - como é o caso de alguns directores da Casa dos Açores - tendem a desenvolver mais conexões transnacionais. A idade tem também alguma relevância: activistas que vieram quando adultos para os E U A têm em geral mais redes sociais transnacionais. O parentesco também é importante: os imigrantes que deixaram parentes próximos nos Açores mantêm tendencialmente relações mais próximas com a terra de origem, enquanto os imigrantes cujos parentes também imigraram favorecem redes de relacionamento mais fortemente ligadas ao grupo étnico. As políticas transnacionais seguidas pelo Governo Regional dos Açores são um outro factor que pode explicar o padrão de distribuição do transnacionalismo entre as comunidades açoriano-americanas. As organizações com maior actividade cultural são de facto as principais beneficiárias do apoio da Direcção Regional das Comunidades e consequentemente tendem a agir de forma mais efectiva à escala transnacional. Inversamente, organizações mais autónomas, como as irmandades do Espírito Santo, que se apoiam sobretudo na comunidade étnica, tendem a estar menos envolvidas em relações transnacionais. Isto é, a existência de políticas de 17 Inversamente, entre os clubes mais ligados a imigrantes provenientes do continente há um mais forte envolvimento transnacional. Dado que se trata de uma imigração baseada em focos regionais importantes - Ílhavo, Penalva do Castelo, Mangualde, etc. - é recorrente a presença de autarcas nas iniciativas de clubes como o Cranston Portuguese Club ou o Clube Juventude Lusitana (Cumberland RI). Não é, aliás, por acaso que são esses os clubes que abrigam delegações dos três grandes do futebol português (Sporting, Benfica, Porto), cujas actividades envolvem também conexões de tipo transnacional.

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Associativismo e transnacionalismo: organizações açoriano--americanas «transnacionalismo a partir de cima» é também um factor crítico no engajamento transnacional «a partir de baixo» de activistas e organizações.

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