2009 - Recurso intempestivo por prematuridade

June 23, 2017 | Autor: Heitor Sica | Categoria: Recursos No Processo Civil
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RECURSO INTEMPESTIVO POR PREMATURIDADE ? Heitor Vitor Mendonça Sica1 SUMÁRIO – 1. Introdução – 2. Intempestividade ou descabimento? – 3. Reiteração do recurso extraordinário ou especial: ato despiciendo e carecedor de base legal – 4. Inaplicabilidade da Súmula nº 281/STF aos embargos declaratórios – 5. Conclusão.

1.

Introdução

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm, há algum tempo, acolhido a tese de que o recurso extraordinário e o recurso especial, respectivamente, ser intempestivos por prematuridade, em duas situações em particular. A primeira hipótese não será objeto deste estudo, sobretudo porque foi tratada com inigualável profundidade em ensaio de CÂNDIDO DINAMARCO intitulado Tempestividade dos recursos2, o qual examina a interposição dos recursos antes que as partes tenham sido intimadas do respectivo acórdão pela imprensa oficial. Tanto o Supremo Tribunal Federal3 como o Superior Tribunal de Justiça4, entendem que a decisão seria “juridicamente inexistente” antes de ter havido sua “publicação” no Diário Oficial.

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Mestre e Doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo, advogado em São Paulo. Revista Dialética de Direito Processual, nº 16 – jul./2004. 3 No STF, a tese é largamente dominante. Depois dos acórdãos citados no referido estudo de DINAMARCO, todos anteriores a 2004, a tese continuou a ser reiteradamente sufragada naquela Corte, em julgados relatados pelos seus mais variados membros, e.g.: Rel. Min. Cézar Peluso, AI-AgR-ED nº 357841-PA; Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RE-AgR nº 402029-RJ; Rel. Min. Joaquim Barbosa, AI-AgR-ED nº 524890-MG; Rel. Min. Carlos Velloso, Rcl-AgR-AgR nº 2778-SP; Rel. Min. Carlos Britto, AI-AgR nº 502004-MG; Rel. Min. Eros Grau, RHC nº 83662-RJ. Curiosamente, alguns julgados do STF entendem que o recurso extemporâneo por prematuridade possa ser “ratificado”, o que revela absurda contradição com a tese da inexistência jurídica da decisão recorrida (Rel. Min. Ellen Gracie, RE-AgR-AgR nº 450443-RN E AI-AgR 662023; Rel. Min. Carlos Britto, Pet-AgR-ED nº 3087-DF). 4 A jurisprudência do STJ tem, em geral, seguido a orientação firmada por sua Corte Especial no acórdão proferido nos autos do EREsp 796.854/DF, sob relatoria do Ministro Fernando Gonçalves (DJU de 06.08.2007). Esse julgado contraria dois outros anteriores, do mesmo órgão fracionário (AgRg EREsp nº 492.461/MG, Rel. Min. Gilson Dipp e Emb.Div em AI nº 522.249-RS, Rel. Min. José Delgado). Assim, todas as Turmas têm acolhido a tese da intempestividade por prematuridade (1ª T., Rel. Min. José Delgado, EDcl nos EDcl no AgRg no AI nº 487.663-RJ; 2ª T., Rel. Min. João Otávio Noronha, EDcl nos EDcl no REsp nº 238.127-RJ; 3ª T., Rel. Min. Menezes Direito, AgRg nos EDcl no AgRg no REsp nº 591.127-RS; 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, AgRg no REsp nº 788.059-RS e Rel. Min. Massami Uyeda, EDcl no REsp 753.634/RJ; 5ª T., AgRg no Ag 497.986/RJ, Rel. Min. Felix Fischer; 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, AgRg no RO em MS nº 14.839-PR; 3ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, EDcl no AgRg nos Emb.Div. nº 327.516-SP). Todavia, chama a atenção a existência de acórdãos posteriores ao julgado da Corte Especial supra referidos, mas em sentido contrário (EDcl no REsp 1084645/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, de 05.05.2009, AgRg no REsp 858.952/RS, Rel. Min. Denise Arruda, de 18.11.2008, AgRg no AgRg no Ag 931.983/PA, Rel. Min. Massami Uyeda, AgRg no Ag 668.818/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis 2

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DINAMARCO demonstra a clara diferença entre “tornar pública” determinada decisão, e “intimar” as partes a seu respeito. O primeiro evento ocorre, de regra, com a entrega da decisão ao serventuário, para registrá-la e encartá-la nos autos, passando ela, a partir desse momento, a ser um ato público e juridicamente existente. O segundo implica presunção absoluta de que as partes tomaram conhecimento do seu teor, de modo que, dali em diante, passe a fluir o prazo recursal ao(s) sucumbente(s). E como bem assentou DINAMARCO, nada impede que a parte interessada recorra imediatamente após ter tido conhecimento da decisão (por já ser ela “pública”), mas antes de ter havido intimação pelo Diário Oficial. A segunda hipótese diz respeito ao recurso interposto antes do julgamento de embargos declaratórios opostos por outro litigante. O entendimento absolutamente prevalecente no Supremo Tribunal Federal5 e no Superior Tribunal de Justiça6 é que se teria, aqui também, intempestividade, não porque a interposição foi tardia, mas porque foi ela prematura, porquanto ocorrida durante a interrupção de prazo operada por força do artigo 538 do CPC.

Moura). Merece ainda destaque acórdão proferido pela Corte Especial em 01.04.2009 (AgRg nos EREsp 547.688/MT, Rel. Min. Francisco Falcão) que acolheu uma tese intermediária, no sentido de que o recurso poderia ser considerado tempestivo se o recorrente provasse que “teve acesso ao inteiro teor do julgado, antes mesmo de sua publicação no órgão oficial, porquanto já juntado aos autos”. 5 Apenas à guisa de exemplo, confiram-se os seguintes acórdãos: Rel. Min.Ilmar Galvão, AI-AgR nº 321071-SP; Rel. Min. Elle Gracie, AI-AgR nº 548185-AL, AI-ED 650662 e AI-ED 685264; Rel. Min. Carlos Britto, AI-AgR nº 508525-SP; Rel. Min. Cármen Lúcia, RE-AgR 449252; Rel. Min. Eros Grau, AIAgR 546903; Rel. Min. Cezar Peluso AI-ED 717763 e Rel. MIn. Gilmar Mendes AI-ED 727334 e AI-AgR 635864. Aliás, há julgado que impõe multa por litigância de má-fé ao recorrente que se irresignou contra a aplicação dessa tese: Rel. Min. Cezar Peluso, AI-AgR 558168. Contra, temos notícia de um único acórdão que acolheu a tese contrária, proferido em 1974, nos autos do RE nº 77.170-SP, relatado pelo Ministro Djalci Falcão. 6 Há quatro precedentes da Corte Especial, no sentido de reconhecer a intempestividade por prematuridade nesse caso (REsp 776.265/SC, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 06.08.2007, EREsp 796854/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 06.08.2007, EREsp 933.438/SP, Rel. p/ acórdão Min. Fernando Gonçalves, DJU de 29.10.2008 e AgRg nos EREsp 729.726/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão), firmando-se assim o entendimento que já era largamente dominante nas Turmas (1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, REsp 969.359/SP, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, EDcl no REsp nº 644.948-CE; AgRg no Ag 992.922/MG, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Rel. Min. Mauro Campbell Marques EREsp 963.374/SC, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, AgRg no REsp nº 677.095-PR; 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, AgRg no Ag. nº 668.372-PR; 5ª T , Rel. Min. Laurita Vaz, AI nº 731.486-RJ; 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp nº 499.845-RJ e Rel. Min. Felix Fischer, AgRg no Ag 882.354/RJ). Contra, há acórdãos apenas anteriores aos precedentes da Corte Especial referidos no início da nota (4ª T., Rel. Min. Dias Trindade, REsp nº 20.304/MG, DJU 27.09.1993, RSTJ 55/135 que se refere ao cabimento de apelação na pendência de embargos declaratórios; 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp nº 40.057-SP, DJU 01.08.1994, RT 720/284; 1ª T., Rel. Min. José Delgado, AgRg no REsp nº 474.513-RJ, DJU 09.06.2003 e AgRg no Ag 840.403/MG, DJU 07.05.2007; 2ª t., Rel. Min. Castro Meira, AgRg nos EDcl no REsp 844.271/MG, DJU 14.12.2006; 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, AgRg no REsp 441.016/RJ, DJU 02.10.2006 p. 317).

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O fundamento matriz desse entendimento repousa no fato de que o acórdão atacado por embargos declaratórios não é decisão “de ultima instância”, como exigem os artigos 102, inc. III e 105, inc. III, ambos da Constituição Federal. A análise dos embargos implicaria proferimento de um segundo acórdão que, somado ao aresto embargado, constituiria um único, portador de decisão de “última instância”. A amparar esse entendimento, é invocado ainda o enunciado da Súmula nº 281 do Supremo Tribunal Federal, assim redigido: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando correr na Justiça de origem recurso ordinário da decisão agravada”. E como se infere dos inúmeros julgados mencionados em nota de rodapé, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça admitem que o recurso extraordinário ou especial interposto antes de julgados embargos declaratórios contra o mesmo acórdão seja “ratificado” ou “reiterado”, para que passe a ser admissível. O tema não suscita maior inquietação quando a parte opõe embargos de declaração e, antes de terem sido julgados, ela mesma apresenta recurso extraordinário ou especial. Primeiro, porque parece muito pouco provável que esse litigante não se valha da interrupção do prazo recursal prevista no artigo 538 do CPC que ele próprio provocou. Mas ainda que remotamente possa ocorrer essa situação, estamos inclinados a entender que os recursos extraordinário e especial estão prejudicados, por força da preclusão lógica e do princípio da unicidade (ou singularidade) recursal. Assim, depois de julgados os embargos declaratórios, caberia ao litigante interpor novamente o(s) recurso(s) excepcional(is)7. O que preocupa é o destino de recurso extraordinário ou especial interposto por algum litigante, ao tempo em que pendiam de apreciação embargos declaratórios opostos por litisconsorte ou pela parte adversa (cada qual capaz, por si só, de interromper o prazo recursal para todos os interessados, conforme ampla determinação do artigo 538 do CPC).

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Diferentemente entendeu PONTES DE MIRANDA (Comentários ao Código de Processo Civil, t.7, Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.424), que reconhece ser admissível o recurso extraordinário, mesmo se o próprio recorrente havia oposto ao mesmo acórdão embargos declaratórios e estes ainda não tenham sido julgados: “[a]presentado recurso, durante o tempo de suspensão, o despacho tem de ser o de se aguardar a retomada do curso do prazo. Seria injusto deixar-se de conhecer, por exemplo, do recurso extraordinário porque o embargante se apressou em interpô-lo”

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Afinal, é muito comum que a parte veja escoar seu prazo para recurso excepcional antes que tenha notícia de que outro litigante opôs embargos declaratórios. Isso porque os embargos podem ser apresentados através do chamado “protocolo integrado” (o que implica, muitas vezes, enorme demora para que a peça chegue aos autos), sem se falar que a Secretaria do Tribunal, por excesso de trabalho, pode demandar razoável lapso de tempo para que efetive a juntada das petições. Ademais, pode ocorrer que o acórdão seja apto a produzir, desde logo, efeitos gravosos para a parte, obrigando-a a antecipar a interposição dos recursos extremos, para poder lançar mão de remédios predispostos para emprestar-lhes efeito suspensivo (notadamente a medida cautelar que exige, pelo menos, a apresentação do recurso extraordinário ou especial, nos termos do art.800, §Único, do CPC8). O tema ora proposto não é exatamente novidade na literatura processual pátria, pois foi assunto de sucinto, mas profundo, ensaio do eminente Ministro ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, enfrentando algumas das questões que gravitam em torno desse problema9. A partir da inestimável contribuição do processualista gaúcho, passaremos a nos aprofundar na análise crítica de todos os aspectos dessa celeuma.

2.

Intempestividade ou descabimento?

Antes de adentrar na análise dos fundamentos do entendimento jurisprudencial supra aludido, convém fazer-lhe um pequeno retoque de ordem terminológica.

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No STJ, está consolidado o entendimento de que é possível, em casos excepcionais, o manejo da medida cautelar para atribuição de efeito suspensivo a recurso especial que não tenha sido admitido na origem (1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AgRg na MC 10260/SP, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, AgRg no AgRg na MC 5813/RJ, 3ª T., Rel. Ministro Sidnei Beneti, AgRg na MC 14.925/RJ e Rel. Min. Nancy Andrighi, MC 13.994/RJ). No STF, tem-se prestigiado o entendimento emergente dos enunciados nº 634 e 635 da Súmula da Corte (“634: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”; “635: Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”). 9 Os embargos de declaração e a Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, Estudos em homenagem à professora Ada Pelegrini Grinover, FLÁVIO LUIZ YARSHELL e MAURICIO ZANOIDE DE MORAES (coord.), SÃO PAULO: DPJ, 2005, P.479-486.

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A maioria dos acórdãos por nós analisados afirmam que seria “extemporâneo” o recurso extraordinário ou especial interposto antes do julgamento de embargos de declaração. Porém, fica claro que o motivo para inadmissibilidade está erroneamente catalogado como atinente à tempestividade, porquanto a existência de decisão de “última instância” é pressuposto de cabimento dos recursos especial e extraordinário. Como cediço, o primeiro motivo (tempestividade) é pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal (e é preenchido quando o recurso é “interposto dentro do prazo estabelecido pela lei, quando respeitado foi o termo final para sua interposição”10). O segundo (cabimento) integra o rol de pressupostos intrínsecos dos recursos (“previsão legal do meio recursal utilizado e sua adequação à decisão judicial que se quer impugnar”11). Mas esta não é a única evidência de que o problema está mal colocado no âmbito da tempestividade recursal. Com efeito, o entendimento jurisprudencial em exame trata do recurso extraordinário ou especial interposto durante a interrupção de prazo provocada por força de embargos declaratórios (ex vi do artigo 538 do CPC). Porém, jamais se reputaria “intempestivo por prematuridade” ato processual praticado durante a interrupção ou suspensão de prazos por força de outros dispositivos do Código. Não se cogita, por exemplo, de inadmitir ato processual praticado durante a suspensão de prazos operada pelas férias forenses (CPC, art.179), ou sobrestado em razão de exceção de incompetência, suspeição ou impedimento (CPC, art. 265, III). O ato praticado durante interrupção ou suspensão de prazos é perfeitamente válido e eficaz; apenas a parte abriu mão do benefício de aguardar a proximidade do advento do termo ad quem12. Deslocada a questão ao âmbito do cabimento do recurso extraordinário ou especial, podemos finalmente começar a tratá-la.

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NELSON LUIZ PINTO, Manual dos recursos cíveis, São Paulo: Malheiros, 1999, p.66. Idem, p.59, destaque é nosso. 12 Esse aspecto foi ressaltado pelo STF, no único acórdão acima referido que contraria a corrente majoritária ora em crítica (RE no 77.170-SP): ‘Assim não fosse, cair-se-ia na incongruência do efeito suspensivo 11

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3.

Reiteração

do

recurso

extraordinário

ou

especial:

ato

despiciendo e carecedor de base legal

O primeiro aspecto a ser enfrentado refere-se à suposta necessidade de reiteração do recurso extraordinário ou especial após o julgamento de embargos declaratórios que ainda se achavam pendentes ao tempo de sua interposição. A análise dos acórdãos mencionados no item 1 do presente estudo conduz à conclusão de que o recurso interposto antes do julgamento dos declaratórios seria eficaz desde que fosse reiterado ou ratificado pelo recorrente. Contudo, em apenas duas hipóteses o ordenamento processual estabelece a necessidade de reiteração de recurso previamente interposto: a) no caso de agravo retido, que deve ser reiterado pelo recorrente quando apelar da sentença final, ou quando contrarrazoar recurso da parte adversa (CPC, art. 523, § 1º); ou, b) no caso de recurso especial ou extraordinário contra “acórdão interlocutório” que tenha porventura ficado retido nos autos, e que só será conhecido se reiterados pelo recorrente quando interpuser ou responder a recurso especial ou extraordinário contra o “acórdão final” (CPC, art. 542, § 3º). Exigir-se a reiteração, à margem dessas duas taxativas previsões legais, representa, sem exagero algum, manifesto atentado contra o devido processo legal e contra a garantia de fazer ou deixar de fazer apenas o que determina a lei (artigo 5º, incisos LIV e II, da Carta Constitucional, respectivamente). Mas ainda que desconsiderado esse argumento, ainda assim não poderia se sustentar a tese sufragada largamente pelo STF e pelo STJ. Primeiramente, salta aos olhos a incongruência do raciocínio que dá lastro a esse entendimento, pois se admite que um ato processual inadmissível (rectius: ineficaz) seja reiterado, o que é um contra-senso. Se o recurso extraordinário ou especial antes interposto era inadmissível, o caso seria de interpor um novo, depois que os embargos declaratórios tenham sido julgados.

proteger o recurso posterior ao julgamento dos embargos, mas desvaler o interposto durante a suspensão, esse efetivamente mais temporâneo do que aquele”.

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Também não se poderia vislumbrar preclusão lógica do direito ao recurso extraordinário ou especial, pois a ausência de reiteração não revela ato logicamente incompatível com a vontade de recorrer. Igualmente não se pode cogitar que a falta de ratificação do recurso antes interposto possa considerar-se renúncia tácita a ele, pois não se enxerga na omissão qualquer manifestação de vontade do recorrente13. A questão também ganha outros contornos, ainda mais interessantes, dependendo do resultado do julgamento dos embargos declaratórios. Se rejeitados, sem qualquer alteração no julgado embargado, qual seria a finalidade de reiterar um recurso anteriormente interposto, cujas razões permaneciam plena e perfeitamente atuais? Ato dessa natureza seria de todo inútil, porquanto incapaz de cumprir qualquer finalidade; exigi-lo significa atribuir à forma dos atos processuais peso muito maior do que seu conteúdo14. Por outro lado, se os embargos forem providos, mas sem alteração do acórdão quanto às questões atacadas pelo recurso extraordinário ou especial, é forçosa a mesma conclusão alcançada no parágrafo anterior: a reiteração seria formalidade completamente estéril. Fica ainda mais nítida a inutilidade de “ratificação” ou “reiteração” se o recurso extraordinário ou especial enfrenta parte do acórdão recorrido (como é plenamente possível ocorrer, mercê do artigo 505 do CPC), e os embargos de declaração dizem respeito a questões diversas15.

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Em outra oportunidade (no nosso Preclusão processual civil, atualmente no prelo da Editora Atlas, item 7.3.2.3), observamos que a renúncia a um direito processual pode ser tácita, mas deve portar uma manifestação de vontade, ainda que genérica. O exemplo clássico é o do artigo 503 do CPC, que estipula restar prejudicado o recurso se a parte que o interpôs passa a adotar medidas incompatíveis com a vontade de recorrer (e.g., cumprindo a sentença que lhe tenha sido desfavorável e da qual tenha apelado). 14 Foi atenta a esse aspecto que a 1a Turma do STJ destoou do entendimento majoritário naquela Corte acima referido (AgRg no REsp nº 474.513-RJ, Rel. Min. José Delgado), enfatizando ser “dispensável a ratificação das razões do recurso especial quando este foi interposto dentro do prazo de interrupção ocasionado pela oposição de embargos de declaração da parte contrária”. Logo em sua ementa, o órgão fracionário reconheceu que a exigência de reiteração constitui “excesso de rigor formal que não se coaduna com o objetivo do direito processual moderno, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas. (art. 244, do Código de Processo Civil).”. 15 Justamente em consideração a esse aspecto que a 4 a Turma do STJ, ao julgar o REsp nº 40.057-S sob relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (RT 720/284) reputou desnecessária a reiteração do recurso especial interposto antes dos embargos declaratórios, eis que cada qual versava questões diversas: “Recebidos os embargos para limitar o decidido tão-somente ao decreto de carência, declaradas sem efeito as considerações expendidas acerca do mérito, não se justifica considerar imprestável o apelo extremo anteriormente manifestado, conquanto se imponha reconhecê-lo adstrito apenas as impugnações relativas ao tema de cunho preliminar, não prejudicadas pela decisão dos embargos.”

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Já na situação diametralmente oposta, se o acolhimento dos embargos declaratórios operou uma completa inversão da sucumbência (o que ocorre em raríssimas hipóteses, como se sabe), aquele que interpôs recurso especial ou extraordinário passaria a carecer de interesse recursal. Seu recurso seria inadmitido pela falta desse requisito intrínseco, e não por ter desafiado acórdão que não era (ainda) “de última instância”. Entre esses dois extremos, pode ocorrer que as questões enfrentadas pelo recurso extraordinário ou especial tenham sido alteradas pelo acórdão que julgou embargos de declaração, sem, contudo, ter havido inversão do resultado do processo. Nesse caso, os recursos aos Tribunais de sobreposição podem ser complementados ou emendados pelo interessado, se necessário, com base no que NELSON NERY JR.16 denominou de “princípio da complementaridade”. Segundo ele, “o recorrente poderá complementar a fundamentação de seu recurso já interposto, se houver alteração ou integração da decisão, em virtude do acolhimento dos embargos de declaração.” Essa possibilidade é admitida pela generalidade da doutrina17. O princípio da complementaridade está em perfeita sintonia com o espírito que norteia o artigo 538 do CPC. Ao estabelecer que o oferecimento de embargos de declaração interrompe os prazos para todos os demais litigantes apresentarem outros recursos, esse dispositivo ostenta inegável caráter benéfico18, não podendo jamais receber interpretação que importe prejuízo. Considerou o legislador que o julgamento dos embargos poderia, excepcionalmente, trazer alteração no acórdão embargado, com eventuais reflexos na interposição de apelação ou dos recursos especial e extraordinário. Mas nem por isso se exclui ou se condiciona o direito de o litigante recorrer diretamente de determinada decisão, mesmo antes de opostos ou julgados

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Teoria geral dos recursos, 6ª ed., São Paulo, RT, 2004, p.182. Nesse sentido, da doutrina mais antiga, à mais recente, PONTES DE MIRANDA (Comentários..., cit., t.7, p.427), CLITO FORNACIARI JR., Dos embargos de declaração, Revista do advogado, nº 27, fev/1989, p.36, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Os agravos no CPC brasileiro, 4ª. ed. rev. , ampl. e atual. São Paulo: RT, 2005, p.457; LUIS EDUARDO SIMARDI FERNANDES, Embargos de declaração: Efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos, São Paulo: RT, 2003, p.141-143. 18 O caráter benéfico do artigo 538 do CPC foi ressaltado por BARBOSA MOREIRA (Comentários ao Código de Processo Civil, v.5, 12ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.565): “A interrupção ocorre da data da interposição dos embargos, e perdura até o dia da publicação do acórdão que os julgue. Daí em diante, recomeça a fluir, por inteiro, o prazo de interposição de outro recurso. Este, porém, não será inadmissível só pelo fato de haver sido interposto antecipadamente, durante a interrupção; a regra legal visa beneficiar o recorrente, e não se há de entender que o prejudique a circunstância de não se ter aproveitado do benefício.” (destacou-se) 17

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embargos declaratórios da parte contrária. Isso significaria prejudicar o litigante que, com o fim de contribuir para a celeridade processual, interpôs recurso antes de seu termo final19. Como já dito, a interrupção de prazo prevista no artigo 538 do CPC é norma benéfica, que estende a oportunidade de interposição recursal, sem excluir a hipótese do litigante se antecipar. Mas não é só. A oposição de embargos declaratórios também interrompe o prazo recursal para os litisconsortes do embargante. Assim, de acordo com os artigos 48 e 49 do CPC, o ato de um litisconsorte nunca prejudica os demais. E isso tanto é válido no litisconsórcio facultativo ou necessário, simples ou unitário 20. O entendimento consagrado nos Tribunais Superiores também despreza esses dispositivos. Por derradeiro, oportuno lembrar que essa interrupção de prazo não é absoluta e aplicável necessariamente em todos os casos. O objetivo primordial dessa norma, nas palavras de LUIZ GUILHERME AIDAR BONDIOLI21, é o de “preservar ao máximo a unirrecorribilidade, incentivando a apresentação de outras impugnações num momento subseqüente ao dos embargos declaratórios, a fim de evitar situações de concomitância”. Mas nem sempre isso é possível. Imagine-se que um dos litigantes seja a Fazenda Pública e sua intimação acerca de acórdão (que, de regra, é feita pessoalmente ao seu procurador) ocorre depois que o litigante privado tenha sido intimado pela imprensa oficial. Se a oposição dos embargos pelo ente fazendário ocorrer depois do escoamento do prazo de recurso extraordinário ou especial, não se aplicará o efeito interruptivo do artigo 538 do Código

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Essa foi uma (dentre várias) razões para rejeitarmos a existência da preclusão consumativa, como terceira categoria ao lado das modalidades temporal e lógica, no nosso Preclusão processual civil (ao presente tempo no prelo da Editora Atlas, item 7.3.2.3), do qual extrai-se a seguinte passagem: “Vedar à parte a emenda do ato quando ainda não transcorreu o prazo a ele assinalado representa uma sanção injusta àquele que militou em favor da celeridade processual que, em última instância, é de interesse público e inclusive inspira o instituto da preclusão. Se uma das principais finalidades da preclusão é fazer o processo caminhar com maior rapidez, não é aceitável que esse instituto sirva justamente para punir o agente que se antecipou. 20 PONTES DE MIRANDA (Comentários ao Código de Processo Civil, t.2, 2ª ed., Rio de Janeiro Forense, 1979, p.60) enfatiza a aplicação do artigo 49 do CPC “a qualquer espécie de litisconsórcio.” CELSO AGRÍCOLA BARBI, em seus famosos Comentários ao Código de Processo Civil (v.1, t.1, Rio de Janeiro, Forense, 1975, p.287) afirma que mesmo no litisconsórcio unitário “os atos benéficos alcançam os litisconsortes, mas não os atos e as omissões prejudiciais”. No mesmo sentido, CASSIO SCARPINELLA BUENO (Partes e terceiros no processo civil brasileiro, 2ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2006, p.151): “Nenhum ato que tenha aptidão de prejudicar os litisconsortes pode ser praticado por algum deles. Os atos de um só podem beneficiar os demais, nunca prejudicá-los.” 21 Embargos de declaração, cit., p.203 ss..

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de Processo Civil, como já decidiu o STJ22. Numa situação como essa, a exigência de reiteração soa ainda mais descabida. Recorremos, assim, à precisa síntese de PONTES DE MIRANDA, que assim se manifestou quando enfrentou o problema: A técnica legislativa, diante do problema que se compõe com a necessidade de declaração (= de clareamento, enchimento de lacuna ou redução de contradição) do julgado antes de saber se cabe e convém recorrer-se dele, tinha quatro soluções, as duas primeiras com vantagens evidentes para a defesa dos interessados: a) atribuir à suspensão dos embargos de declaração efeito interruptivo do curso dos outros recursos; b) entender que a oposição dos embargos de declaração apenas suspende o curso do prazo para os outros recursos; c) permitir o exercício da pretensão à declaração do julgado e de qualquer outra pretensão recursal no mesmo prazo.”d) admitir no pedido de declaração a ressalva do recurso interponível ou oponível no caso de provimento do recurso de embargos de declaração. O art.538 preferiu a solução b). Porém, não afasta a c).(grifos nossos).

Com a necessária atualização da lição (eis que a Lei nº 8.950/94 preteriu a solução “b” em favor da “a”), parece ser ela valiosa para compreensão do tema deste breve estudo. Em suma, a exigência de reiteração do recurso extraordinário ou especial – corrente na jurisprudência do STF e do STJ – além de não ter base legal, subverte completamente o caráter benéfico do comando do artigo 538 do CPC. Os recursos interpostos antes do julgamento dos declaratórios não precisam, enfim, de ratificação, e nem precisam ser interpostos novamente, eis que são perfeitamente eficazes23. Se tanto, na hipótese de acolhimento dos embargos, poderá a parte, querendo, modificar ou complementar seu recurso anteriormente oferecido, pelo “princípio da complementaridade” sobre o qual já discorremos.

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Assim decidiu a 2ª Turma, em acórdão proferido nos autos do AgRg. no REsp nº 787.852-PR. Do voto do Relator, Ministro Castro Meira, verifica-se que “os embargos de declaração da Fazenda Nacional somente foram opostos em 27 de abril de 2005, quando já consumado o prazo de que dispunha o contribuinte para interpor o recurso especial, que precluía em 14 de abril. Assim, não há como ser aplicado o disposto no art.538 do CPC, já que somente é possível a suspensão ou interrupção de prazo em curso, e não daqueles já consumados.” 23 É nesse sentido a sintética lição de FLÁVIO CHEIM JORGE (Teoria geral dos recursos cíveis, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.138): “Isto não que dizer, todavia, que uma vez interposto o recurso de apelação, quando também opostos embargos de declaração, significa que a apelação fica prejudicada, ou deve ser ratificada”.

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4.

Inaplicabilidade

da

Súmula



281/STF

aos

embargos

declaratórios

Um último fundamento suscitado pela jurisprudência majoritária nas Cortes Superiores para sustentar a tese ora em exame repousa sobre a Súmula n 281 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte enunciado: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão agravada”. Para entender o alcance do entendimento sumular transcrito, podemos partir da análise dos precedentes que lhe deram origem. Conforme informação extraída do site do STF na internet, são dois. O primeiro é acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 23.390 (RTJ 18/94), que trata da necessidade de interposição de embargos infringentes na instância de origem para, só depois, se oferecer recurso extraordinário quanto à parte não unânime do julgado. Esse entendimento é uníssono, até hoje, tanto no STF24 quanto no STJ.25-26 O segundo acórdão que serviu de base à edição da Súmula foi aquele proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 29.467 (RTJ 28/280), o qual simplesmente afirma que a decisão atacada por recurso extraordinário deve ser de última instância, mas não a decisão usada como paradigma para interposição do recurso com base na divergência jurisprudencial. Ou seja, o acórdão não se refere a qual recurso ordinário precisaria ser manejado antes do acesso ao Tribunal de sobreposição, passando, naturalmente, ao largo da questão aqui versada, relativa ao prévio julgamento de embargos declaratórios.

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E. g., AI-ED nº 462.575-RN, Rel. Min.Sepúlveda Pertence; AI-AgR nº 395.285-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão; RE-AgR nº 232.945-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa. 25 A tese já foi acolhida pelas mais variadas turmas. Confira-se, v.g.: 2a T., Rel. Min. Peçanha Martins, REsp nº 63.493-SP; 3a T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, AgRg no Ag nº 159.995-RS; 4a T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, REsp nº 624.942-RS; 5a T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 166.790SP e ainda RSTJ 108/244. 26 Parece-nos que essa tese se mostra especialmente justificável após a reforma do artigo 498, § Único, operada pela Lei nº 10.352/2001. Com efeito, esse dispositivo agora prevê que, quando o acórdão possuir parcela unânime e parcela não-unânime, o prazo para recurso extraordinário ou especial da primeira parte fica sobrestado, até o julgamento de embargos infringentes quanto à segunda parte ou até o trânsito em julgado dela. Esse comando leva crer que, ou os embargos são interpostos no prazo de quinze dias, ou a parte não unânime transita em julgado, não mais sendo atacável por recurso excepcional.

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Bem depois de sua edição, a Súmula nº 281 passou também a ser aplicada para afirmar a necessidade de interposição de agravo interno (ou regimental), de modo que a decisão monocrática do Relator de origem seja confirmada pelo Tribunal a quo para que, aí sim, se tenha uma decisão de “última instância”, a ser desafiada pelo recurso extraordinário ou especial. A tese sempre encontrou eco no STF27, e vem sendo acolhida igualmente pelo STJ28. Todavia, o primeiro obstáculo para aplicar essa Súmula ao caso aqui em exame diz respeito à natureza jurídica dos embargos, já que não é inteiramente pacífico o entendimento de que se trata de recurso. A solução mais usualmente aceita pela doutrina29 apóia-se no artigo 496, inc. IV, do CPC, que arrola os embargos de declaração como modalidade de recurso. A tese ganhou ainda mais adeptos depois da Lei nº 8.950/94, que suprimiu os artigos 464 e 465 do CPC, unificando a disciplina dos embargos declaratórios contra sentença e contra acórdãos no Título X do Livro I do CPC (“Dos Recursos”)30. A despeito disso, nunca deixaram de se levantar vozes contrárias, relegando aos embargos caráter de mero incidente da fase decisória31, sobretudo porque desprovidos do efeito substitutivo, consoante artigo 512 do CPC. Esse entendimento

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E.g. AI-AgR nº 535.143-ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI-AgR nº 474.730-SP, Rel. Min. Ellen Gracie; AI-AgR nº 507.535-RJ, Rel. Min. Carlos Britto. 28 Confira-se, v.g., 1a T., Rel. Min. Francisco Falcão, AgRg no REsp nº 557.349-SP; 2a T., Rel. Min. Franciulli Netto, REsp nº 544.642-CE; 5a T., Rel. Min. Laurita Vaz, REsp nº 564.663-RS; 6a T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, AgRg no Ag nº 547.364-RJ. A indispensabilidade do agravo interno é afirmada mesmo no caso em que o colegiado apreciou embargos de declaração contra decisão monocrática (4 a T., Rel. Min. Barros Monteiro, EDcl no Ag nº 622.320-RJ) e no caso em que embargos de declaração contra decisão colegiada tenham sido apreciados monocraticamente (3a T., Rel. Min. Pádua Ribeiro, AgRg no Ag nº 513.389-RJ). 29 Nesse sentido, confira-se, dentre aqueles que se dedicaram especificamente ao tema, VICENTE MIRANDA (Embargos de declaração no processo civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1990, p.10 ss., com farta referência doutrinária); ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JUNIOR, Embargos de declaração, Revista Jurídica,, nº 275, set/2000, p.75-77; TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Omissão judicial e embargos de declaração, São Paulo: RT, 2005, p.52 ss., SANDRO MARCELO KOZIKOSKI, Embargos de declaração: Teoria geral e efeitos infringentes, São Paulo: RT, 2004, p.72 ss.. Apostando numa natureza híbrida (ora recursal, ora não), LUIZ GUILHERME AIDAR BONDIOLI, Embargos de declaração, São Paulo: Saraiva, 2005, p.63 ss. 30 Antes do advento dessa lei, o fato de os embargos declaratórios contra sentença estarem tratados no bojo da disciplina desse provimento judicial alimentava dúvidas na doutrina sobre sua natureza recursal (a propósito, vide E. D. MONIZ DE ARAGÃO, Sentença e coisa julgada – Exegese do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Aide, 1992, p.148-149). Mas esse quadro pode, em breve, mudar, se for aprovado projeto de lei em trâmite no Senado Federal, que pretende excluir os embargos de declaração da galeria dos recursos, deixando em seu lugar um mero incidente de aclaramento das sentenças e acórdãos. 31 Nesse sentido é a lição de SÉRGIO BERMUDES, Introdução ao processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.160.

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alinha-se com as legislações estrangeiras, que geralmente estabelecem mecanismos de integração, correção e aclaramento das decisões judiciais destituídos de caráter recursal32. Se perfilharmos a doutrina que nega caráter recursal aos embargos, fica imediatamente excluída a aplicação da Súmula no 281 do STF, pois os declaratórios não seriam remédio recursal ordinário, a ser esgotado na “Justiça de origem”. E mesmo que acolhida a tese contrária, ainda assim não há, a nosso ver, condições de aplicar à situação aqui examinada o referido enunciado sumular. Isso porque os embargos declaratórios não cabem na categoria de “recurso ordinário”, como o recurso de apelação, os embargos infringentes e os agravos (de instrumento, interno ou regimental). Cuida-se – no esteio da lição de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO33 – de recurso “sui generis”, pois seu julgamento não opera efeito substitutivo, e sua interposição independe de sucumbência (e pode ter por objeto apenas a fundamentação do acórdão embargado, o que o diferencia ainda mais de todas as outras figuras recursais34). Não bastasse, não há como negar que a apresentação dos embargos de declaração é facultativa, para que seja viável o manejo dos demais recursos. Essa afirmação é mais tranqüila de ser visualizada quando se pensa em uma sentença de 1ª instância. Ainda que ela esteja acoimada de gravíssima omissão (como, por exemplo, deixa de apreciar pedido cumulado), nem por isso se exige que o interessado oponha embargos declaratórios35. A generalidade da doutrina e da jurisprudência admite que a sentença citra petita possa ser atacada diretamente pela apelação36. O mesmo raciocínio se aplica à hipótese de acórdão, desafiável por recurso extraordinário ou especial. Se, mesmo diante de omissão, obscuridade ou contradição, o sucumbente decidir não oferecer embargos declaratórios, nada obsta que, desde logo, se dirija às Cortes de sobreposição.

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Conforme leciona BARBOSA MOREIRA, Comentários..., cit., v.5, p.546. Os embargos de declaração..., cit., p.482. 34 Esse destaque é de CLITO FORNACIARI JR., Dos embargos de declaração, cit., p.29. 35 ROBERTO LUIS LUCHI DEMO (Embargos de declaração: aspectos processuais e procedimentais, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v.5, NELSON NERY JR. e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (coord.), São Paulo: RT, 2002, p.476) reconhece a “facultatividade” dos embargos, nesse caso, pois os errores in procedendo, como regra, podem ser corrigidos pelo próprio órgão que os cometeu, sendo “preferível”, porquanto mais ágil, o manejo dos embargos declaratórios, ao invés da interposição da apelação. 36 Aqui, subsiste apenas dúvida se o Tribunal deve apreciar os pedidos faltantes, ou anular toda a sentença e devolver o processo ao Juízo a quo para apreciar aquilo sobre o que antes se omitiu. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER registra que a jurisprudência considera que a sentença seria nula como um todo, devendo os autos serem restituídos à instância a quo (Nulidades do processo e da sentença, 4ª ed. rev. e ampl., 2ª tir., São Paulo: RT, 1997, p.244). CALMON DE PASSOS reputa possível ao Tribunal julgar o que faltou, com 33

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O

único

obstáculo

seria,

quando

muito,

a

ausência

de

prequestionamento37, mas nessa hipótese, o caso seria de inadmití-lo a teor das Súmulas 282 e, principalmente, 356, do mesmo Supremo Tribunal Federal, e não pela subsistência de meio recursal ordinário. Mas se estiver devidamente prequestionada a matéria constitucional ou infraconstitucional a parte pode perfeitamente interpor diretamente o recurso extraordinário ou especial, pouco importando se o acórdão esteja permeado de omissões, obscuridades ou contradições. Entender de forma diversa38 significaria defender que sempre e em qualquer circunstância a interposição de recurso especial ou extraordinário deve ser precedida de embargos declaratórios, o que não se pode aceitar39, até porque, como lembra ATHOS CARNEIRO, o uso indevido dos embargos enseja penas pecuniárias40. CLITO FORNACIARI JR.41 sintetizou com felicidade a idéia da facultatividade dos embargos declaratórios: “Eu costumo dizer que nunca se tem começado um prazo para o recurso de embargos de declaração. O prazo que se inicia, a partir de uma decisão, é para oferecimento do recurso principal: apelação, agravo ou, no Tribunal, embargos infringentes, recurso extraordinário etc”. Mas mesmo que se ignorassem todos esses aspectos, restariam algumas indagações que a jurisprudência do STF e do STJ não responde: seria suficiente para esgotamento da instância ordinária a interposição, por uma única vez, de embargos de declaração? Nessa mesma esteira, a oposição de segundos embargos declaratórios por uma das partes geraria o mesmo obstáculo com base na Súmula nº 281 do STF? Esses segundos embargos constituiriam esgotamento da via recursal ordinária, ou já estaria ela esgotada com os primeiros? Essas perguntas são pertinentes, pois se sabe que, além de facultativos, os declaratórios podem ser, em tese, interpostos várias vezes, subseqüentemente42, mesmo apoio na amplitude do efeito devolutivo definido pelos artigos 515 e 516 do CPC (Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p.153). 37 Autorizando o que a doutrina e a jurisprudência chamam de “embargos de declaração prequestionadores”. 38 Como o fez ROBERTO LUIS LUCHI DEMO (Embargos de declaração..., cit., p.477). 39 Esse raciocínio não encontraria amparo eco nem mesmo no próprio Superior Tribunal de Justiça, o qual já reconheceu que “os recursos, embargos declaratórios e especial, são independentes, apenas havendo uma interseção no ponto em que se interrompe o prazo para recurso especial até o julgamento dos embargos declaratórios” (trecho extraído do voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, nos autos do AgRg. no AI nº 72.199-SP, condutor de julgamento unânime da 4ª Turma, proferido em 09.10.1995). 40 Os embargos de declaração..., cit., p.482. 41 Dos embargos de declaração, cit., p.35-36 42 Essa possibilidade é comumente mencionada pela doutrina, muito embora seja reconhecido, sempre, seu caráter de excepcionalidade (AUGUSTO DE MACEDO COSTA JR., Embargos de declaração: a latente

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que o litigante esteja imbuído de espírito procrastinatório. Nesse caso, os embargos (mesmo que inadmissíveis) continuariam a provocar a interrupção de prazo para outros recursos43, sujeitando-se a parte que os opôs às multas pecuniárias previstas no § único do artigo 538 do CPC. Portanto, rigorosamente, jamais a instância ordinária estaria esgotada, pois os embargos declaratórios podem ser indefinidamente opostos contra cada acórdão que por sua vez julgar outros embargos de declaração.

5.

Conclusão

Em suma, não temos duvidas de que, sob o prisma técnico, a tese jurisprudencial aqui criticada mostra-se completa e irremediavelmente equivocada. Com o mais elevado e devido respeito àqueles que a acolhem, está-se, aqui, diante de mais uma “armadilha” criada pelos Tribunais Superiores para não conhecer de recursos, consistente na criação de uma formalidade que não encontra previsão legal44. Para os estudiosos, fica o alerta de como os Tribunais Superiores têm encarado um problema tão simples, como a interposição de recursos excepcionais na pendência de embargos declaratórios. Para os que militam no foro, fica a recomendação de reiterar o recurso extraordinário ou especial que se encaixe nessa hipótese, mesmo que esse ato seja inútil e completamente desprovido de base legal. E se os advogados passarem a ficar atentos para essa armadilha, e ela passe a falhar sistematicamente, é certo que no futuro outras serão criadas. Lamentavelmente.

inconveniência do art.538 do Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, nº 400, out/1975, p.15; ROBERTO LUIS LUCHI DEMO, Embargos de declaração: aspectos processuais e procedimentais, Rio de Janeiro: Forense, 1975, 2003, p.105-107). 43 Conforme reiterado entendimento doutrinário, apenas os embargos de declaração intempestivos não produzem o efeito interruptivo de prazo estipulado pelo artigo 538 do CPC. Veja-se, por todos, SIMARDI FERNANDES, Embargos de declaração..., cit., p.63 ss.. 44 Aliás, esse expediente não constitui nenhuma novidade. Lembremos, por exemplo, da exigência criada pelo STJ (e cristalizada na sua Súmula nº 223), de que o agravo de despacho denegatório de recurso especial fosse instruído com certidão de intimação do acórdão recorrido, ampliando o rol de peças obrigatórias previsto no artigo 544 do CPC. Lembre-se que foi somente por força da Lei nº 10.352/2001 que essa peça se institui obrigatória na formação do instrumento recursal.

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