2010 - Estudos antropológicos sobre os impactos de uma linha de transmissão de energia sobre os Terena da Terra Indígena Buriti, em Mato Grosso do Sul

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Descrição do Produto

Janeiro, 2011

Brilhante Transmissora de Energia S.A.

ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS E AMBIENTAIS DE COMPLEMENTAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS GERADOS PELO EMPREENDIMENTO “LINHA DE TRANSMISSÃO EM 230 KV CHAPADÃO DO SUL (SE CHAPADÃO) – CAMPO GRANDE (SE IMBIRUSSU) – SIDROLÂNDIA (SE SIDROLÂNDIA) ANASTÁCIO (SE ANASTÁCIO)” SOBRE OS TERENA DAS TERRAS INDÍGENAS BURITI E TERERÉ OU BURITIZINHO, NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.

ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS E AMBIENTAIS DE COMPLEMENTAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS GERADOS PELO EMPREENDIMENTO “LINHA DE TRANSMISSÃO EM 230 KV CHAPADÃO DO SUL (SE CHAPADÃO) – CAMPO GRANDE (SE IMBIRUSSU) – SIDROLÂNDIA (SE SIDROLÂNDIA) – ANASTÁCIO (SE ANASTÁCIO)” SOBRE OS TERENA DAS TERRAS INDÍGENAS BURITI E TERERÉ OU BURITIZINHO, NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.

INFORMAÇÕES GERAIS

IDENTIFICAÇÃO DO EMPREENDEDOR EMPRESA BRILHANTE TRANSMISSORA DE ENERGIA S/A. CNPJ: 10.552.848/0001-87 Endereço: Av. Marechal Câmara, 160 - Sala 1.624, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20020080 Fone: (21) 3171-7000

Representante Legal:

ROGÉRIO DE CAMPOS VIEIRA Cargo: Diretor Técnico CPF: 258.721.668-00 Fone: (21) 3171-7000

Contato:

FRANCISCO A. CHICA PADILLA Cargo: Diretor Financeiro Administrativo CPF: 227.975.128-39 Fone: (21) 3171-7000

IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA CONSULTORA RESPONSÁVEL PELO ESTUDO CITTÀ PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL LTDA. CNPJ: 07.477.494/0001-49 Resp. Técnico: Rogéria Biella Coleti CREA: 4625 D/MS End: Rua Gonçalo Alves, 276 – Vivendas do Bosque - Campo Grande MS Fone/Fax: (67) 3325-2323 / 3325-2300

IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE TÉCNICA Coordenação geral: ROGÉRIA CRISTINA FERREIRA BIELLA COLETI Engenheira Sanitarista CREA: 4625 D/MS Especialista em Gerência de Cidades

Coordenação antropológica: JORGE EREMITES DE OLIVEIRA Antropólogo Mestre e Doutor em História LEVI MARQUES PEREIRA Antropólogo Mestre em Antropologia Social Doutor em Ciências (Antropologia)

Equipe Técnica: FABIO MARTINS AYRES Geógrafo CREA: 1093 D/MS Mestre em Desenvolvimento Local e Especialista em SIG Aplicado ao Meio Ambiente JOSÉ ANTÔNIO MAIOR BONO Engenheiro Agrônomo CREA: 1750 D/MS Mestre e Doutor em Solos e Nutrição das Plantas MAGDALENA FERNANDES DA SILVA Bióloga CRBIO: 4.060/01-D Mestre em Educação Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento MARIA SILVIA PEIXOTO GERVÁSIO Bióloga CRBIO: 23.443/01-D Mestre em Ecologia e Conservação

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ROSEMERIE LUCKMANN Geóloga CREA: 2142 D/MS

Apoio Técnico: GUSTAVO YUDI KOMIYAMA

JÚLIA BIELLA COLETI

Estagiário Curso: Engenharia Sanitária e Ambiental MARCELO CLAUDIO GOMES FILHO

Estagiário Curso: Arquitetura e Urbanismo TATIANA MELLO DE SOUZA ROSA

Estagiário Curso: Engenharia Sanitária e Ambiental

Estagiário Curso: Direito

Apoio Administrativo: GLEICE LAURA VIEIRA BRAGA Auxiliar Administrativo

Revisão de Texto PRICILA FERNANDES E SILVA

ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica AGRAER – Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural APP – Área de Preservação Permanente CECA – Conselho Estadual de Controle Ambiental CGPIMA – Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CPRM – Serviço Geológico do Brasil DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral DQO – Demanda Química de Oxigênio EIA – Estudo de impacto Ambiental FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNASA – Fundação Nacional de Saúde GPS – Global Positioning System IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEC – International Electrotechnical Commission IMASUL – Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul ISA – Instituto Socioambiental INEMET – Instituto Nacional de Meteorologia MME – Ministério de Minas e Energia MPF – Ministério Público Federal OD – Oxigênio Dissolvido OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental PROBIO – Programa de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica RIMA – Relatório de Impacto Ambiental SAD – South American Datum SIN – Sistema Interligado Nacional SPI – Serviço de Proteção aos Índios UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados UTM – Sistema Universal Transversa de Mercator

INTRODUÇÃO Este documento apresenta os resultados dos estudos antropológicos e ambientais realizados com o propósito de inserir, na condição de estudos de complementação, as comunidades Terena das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho no componente indígena de que trata o EIA/RIMA do Empreendimento Linha de Transmissão em 230 KV Chapadão do Sul (SE Chapadão) – Campo Grande (SE Imbirussu) – Sidrolândia (SE Sidrolândia) – Anastácio (SE Anastácio), construído em Mato Grosso do Sul sob a responsabilidade da Empresa Brilhante Transmissora de Energia S.A. As áreas das referidas comunidades indígenas estão localizadas na Serra de Maracaju, Municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos de Buriti, no Estado de Mato Grosso do Sul, submetidas à Administração Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Campo Grande.1 A Terra Indígena Buriti, cuja área está distribuída entre os Municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, compreende 17.200 hectares sendo: 2.090 hectares de área regularizada como patrimônio da União desde a década de 1920, com usufruto exclusivo e permanente dos índios, acrescida de 15.110 hectares de área identificada e delimitada pela Funai, por meio de um ato administrativo perfeito, cujos trabalhos foram coordenados pelo antropólogo Gilberto Azanha (2001), embora grande parte desta última área ainda continue na posse de particulares por conta de uma disputa judicial. A Terra Indígena Buriti encontra-se na situação jurídica de declarada de posse permanente dos índios, segundo a Portaria nº 3.079, de 28 de setembro de 2010, do Ministério da Justiça, publicada na mesma data no Diário Oficial da União nº 186, de 28 de setembro de 2010, Seção 1 (Anexo A). Nesse sentido, a mesma Portaria estabelece que a Funai promoverá a demarcação administrativa da Terra Indígena ora declarada, para posterior homologação pelo Presidente da República, nos termos do art. 19, § 1º , da Lei nº 6.001/1973 e do art. 5º do Decreto nº 1.775/96. 1

Registra-se aqui que a região serrana de Maracaju funciona como um divisor de águas no estado de Mato Grosso do Sul: no lado ocidental está a bacia do alto curso do rio Paraguai; no lado oriental está a bacia sedimentar do rio Paraná

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A Terra Indígena Buriti é constituída por oito aldeias, que são a seguir discriminadas, com a identificação de suas lideranças respectivas:  Aldeia Buriti – Cacique Rodrigues Alcântara;  Aldeia Córrego do Meio – Cacique Messias;  Aldeia Água Azul – Cacique Ageu Lourenço Reginaldo;  Aldeia Recanto – Cacique Edmar Silva Jorge;  Aldeia Barreirinho – Cacique Laucídio Rodrigues;  Aldeia Oliveira – Cacique Wilson Dias Cordeiro;  Aldeia Lagoinha – Cacique Fábio Marcelino Jorge;  Aldeia Olho d’Água – Cacique Valdeci Silva Reginaldo. Quanto à Terra Indígena Tereré ou Buritizinho, Valcélio Figueiredo é o cacique de sua única aldeia, a Tereré. O Empreendimento objeto deste Estudo, é parte do planejamento governamental que objetiva a ampliação e otimização do fornecimento de energia no País, com a finalidade de agregar confiabilidade ao sistema de transmissão elétrica, complementando a estrutura de transmissão já existente, por meio da implantação, operação

e

manutenção

das

Linhas

de

Transmissão

em

230

kV

Anastácio/Chapadão do Sul, dentro do Estado de Mato Grosso do Sul, parte do Lote B do Leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) arrematado pela Elecnor Transmissão de Energia S.A. a qual constituiu a concessionária Brilhante Transmissora de Energia Ltda. Com a finalidade de cumprir exigências do licenciamento ambiental para a construção da Linha de Transmissão, foi elaborado o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), segundo Termo de Referência emitido pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) (Anexo B). A Brilhante Transmissora de Energia, através de ofício para a Funai (Anexo C), solicitou manifestação

dessa Fundação sobre a necessidade de

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anuência para passagem da Linha pela área de influência indireta do Empreendimento, em 0,665% da área não homologada da Terra Indígena Buriti, bem como sobre os procedimentos requeridos, em caso positivo. Por meio de carta da Brilhante (BTE nº 058/2009), de 24 de agosto de 2009 (Anexo D), foi encaminhada à Funai cópia do EIA/RIMA. Foi então sugerida pela Coordenadoria de Meio Ambiente da Funai (CGPIMA), uma reunião com as comunidades indígenas para apresentação do projeto no dia 9 de setembro de 2009, mas efetivamente realizada no dia 15 do mesmo mês, com a participação das lideranças indígenas e membros do Posto Indígena Buriti e Aldeia Tereré, representantes da Administração Indígena Regional e da CGPIMA/BSB da Funai, da Brilhante Transmissora de Energia S.A. e da Città Planejamento Urbano Ambiental Ltda., responsável pela elaboração dos estudos ambientais, totalizando uma participação registrada de 78 pessoas (Anexo E). Nessa reunião foi autorizada a realização de estudos referentes ao componente indígena, conforme Termo de Referência que deveria ser emitido pela Funai, para cujo acompanhamento foi constituída uma comissão de indígenas. Também foi aprovado o nome do servidor para representar a Funai e sugeridos nomes de antropólogos para a equipe de estudos. Na divulgação do Empreendimento e dos estudos ambientais para o seu licenciamento, é importante mencionar ainda a Audiência Pública realizada em Sidrolândia alguns dias depois, aberta a todos os interessados, ocasião em que o EIA/RIMA do Empreendimento foi apresentado e discutidos seus impactos ambientais (Anexo F), conforme determinam e regulamentam as Resoluções nº 001/1986 e nº 009/1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para o licenciamento ambiental de empreendimentos dependentes de elaboração de EIA/RIMA: Com relação à complementação de estudos referentes ao componente indígena, um Termo de Referência foi emitido pela CGPIMA/Funai (Anexo G), incluindo os seguintes produtos: 1.Caracterização ambiental da área do empreendimento e das terras indígenas

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Incorporar categorias classificatórias dos Terena, relativas ao meio ambiente local e suas subdivisões, na caracterização geral da área (geologia, relevo, hidrografia, vegetação e fauna). Ressalta-se que, em vista da importância imputada aos aspectos climáticos e à qualidade das águas superficiais, optou-se por inserir também estas temáticas no desenvolvimento deste produto. II. Caracterização dos grupos étnicos Salientar a etnohistória dos grupos, os processos coletivos de migração, sua organização social, política e econômica, acrescentando-se uma análise histórica do perfil demográfico e fatores associados às variações desta ordem. III. Contatos interétnicos, políticas públicas e empreendimentos privados Abordar as intervenções resultantes de ações públicas ou privadas sobre os Terena e suas terras, tanto em termos de programas desenvolvimentistas ou políticas de infraestrutura, seja por parte do Estado Brasileiro, seja por empreendimentos de empresas privadas nacionais ou estrangeiras. Este assunto deve ser tratado no âmbito da análise da expansão da sociedade nacional na região serrana de Maracaju, sobretudo por meio de suas fronteiras econômicas e sociais, e suas repercussões sobre as comunidades de Buriti e Tereré ou Buritizinho. Devemse analisar historicamente as interferências da sociedade nacional, do Estado Brasileiro e de empresas privadas sobre os Terena, e mapear as atuais políticas públicas e empreendimentos privados em andamento na região. IV. Territorialidade e recursos naturais – caracterização e formas de uso Relações entre os Terena e o meio ambiente, como os recursos ambientais associados ao seu sistema sócio-econômico e a sua organização social. Deve-se tratar ainda da caracterização da territorialidade do grupo e formas de apropriação, identificação e manutenção de seu território e dos recursos ambientais nele existentes, incluindo espaços e recursos de destacada importância para a comunidade.

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V. Caracterização dos impactos do Empreendimento sobre o território e os grupos indígenas Caracterização geral do Empreendimento e seu potencial de interferência sobre os grupos étnicos e os 17.200 hectares da Terra Indígena Buriti, acrescidos dos 10 hectares da Terra Indígena Tereré ou Buritizinho. Deve-se fazer uma apropriação dos dados contidos no EIA-RIMA do Empreendimento para avaliar os impactos gerados sobre os Terena das duas áreas. Cada impacto deve ser devidamente caracterizado, bem como as eventuais medidas preventivas, mitigadoras, compensatórias e indenizatórias que se fizerem necessárias. Os resultados ora apresentados baseiam-se no Plano de Trabalho aprovado pela Funai (Anexo H). De especial utilidade foi o Relatório Antropológico para a redefinição dos limites da Terra Indígena Buriti (AZANHA, 2001), enviado pela Funai. Os estudos antropológicos foram realizados por meio do uso concatenado de metodologias mundialmente consagradas no campo da antropologia cultural ou social. Os métodos recorridos foram o etnográfico, o genealógico, o da história de vida e o da etnohistória. São metodologias bastante seguras e recorridas com sucesso em outros estudos realizados pela equipe de antropólogos, a exemplo de dois laudos periciais elaborados para a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul (EREMITES DE OLIVEIRA & PEREIRA, 2003, 2009). O método da observação direta é comumente orientado por contribuições consolidadas em trabalhos clássicos da disciplina antropológica, e diz respeito ao conjunto de preocupações que nortearam as pesquisas em campo. Tais preocupações englobam o ato de estar em campo e mobilizar todos os sentidos envolvidos na observação, assim como o esforço de interagir com os sujeitos que compõem o cenário a ser pesquisado. Nesta perspectiva, os atores sociais indígenas foram situados na condição de interlocutores, com os quais os pesquisadores compartilharam o processo de cognição, em vista à elucidação dos temas propostos para o estudo. Evidentemente que tudo isso foi realizado dentro de condicionantes temporais distintos de trabalhos de natureza puramente acadêmica. Contudo, a experiência dos pesquisadores proporcionou a oportunidade de mobilizar

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tais conhecimentos para a realização de um estudo focado no atendimento às exigências

de

identificação

dos

impactos

gerados

pelo

Empreendimento

eletroenergético aos habitantes das duas terras indígenas. Além da observação direta, o método genealógico foi outro procedimento científico recorrido durante as pesquisas de campo. Este método inspirou importantes explorações antropológicas a respeito das propriedades dos diversos sistemas de parentesco presentes entre os indígenas. Foi decisivo para a compreensão da organização social dos Terena em Buriti e Tereré ou Buritizinho. Através da aplicação do método genealógico foram averiguados os referenciais que orientam a participação dos indígenas na constituição de grupos de parentesco existentes entre nas duas terras indígenas, e a lógica que rege a constituição da relação entre eles. Esses grupos são definidos pelo reconhecimento de relações de ancestralidade, consanguinidade, afinidade e aliança política, cuja combinação imprime uma feição social exclusiva aos Terena. O método permitiu ainda aferir o grau de proximidade e distância relativa de diversos grupos de parentesco que fundamentam a composição das aldeias existentes nessas áreas. As redes de relações de parentesco conectam as diversas aldeias e oferecem, pois, elementos sociológicos para os Terena se projetarem em termos da constituição de um grupo humano com vínculos biológicos, históricos e sociais com aquela região serrana. Também contribuiu para avaliar a percepção e as expectativas dos diversos segmentos da população Terena em relação ao Empreendimento eletroenergético. Paralelamente foi aplicado o método da história de vida para melhor compreender a história indígena local e a percepção que os Terena têm dos nãoíndios que vivem na região, incluindo as alianças e as situações de conflitos que mantiveram e/ou mantêm com eles. A história de vida permitiu ainda reunir dados a respeito das alianças e dos conflitos internos entre as diversas aldeias e seus líderes. Por meio de entrevistas individuais e coletivas, registradas em gravador digital e em diários de campo, foi levantada e analisada a história de vida de vários indivíduos e parte da memória genealógica do grupo. No estudo etnográfico de grupos indígenas, este método é imprescindível por se tratar de grupos humanos de tradição oral e não de tradição escrita. Grupos assim, como é o caso dos Terena,

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possuem um idioma cultural próprio e distinto do predominante na sociedade nacional. Em tais circunstâncias, foi de bom alvitre a concatenação de diversos métodos de pesquisa, com o cuidado de proporcionar a aproximação sucessiva dos fatos que constituem o foco da pesquisa. Aplicando-os dessa maneira, os fatos reapareceram e puderam ser vistos em diversos ângulos, permitindo compor um quadro significativo dos acontecimentos que a pesquisa procurou elucidar. Para amalgamar, sistematizar e interpretar os dados etnográficos, genealógicos e de história de vida, valeu-se, por fim, do método da etnohistória, nome este que deriva do termo inglês ethnohistory, assim grafado pela primeira vez em 1909 por Clark Wissler nos Estados Unidos (EREMITES DE OLIVEIRA, 2003). Seu conceito mais comum é o que se refere a um método interdisciplinar para estudar a história de grupos étnicos a partir de dados variados (arqueológicos, etnográficos, iconográficos, orais, textuais etc.), embora no Brasil ele tenha sido equivocadamente associado a abordagens estruturalistas e culturalistas da história dos povos indígenas. Seu foco maior foi direcionado aos contatos interétnicos e às conseqüentes mudanças socioculturais deles advindas, algo que somente foi possível de apreender quando considerado o processo histórico e sociocultural vivido pelos Terena de Buriti e Tereré ou Buritizinho. Acrescenta-se a tudo isso o levantamento e a análise da literatura etnológica e etnohistórica mais acessível sobre os Terena, além de pesquisas feitas na Internet, na sede da Funai em Campo Grande e no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A abordagem está centrada na análise histórica das interferências da sociedade nacional, do Estado Brasileiro e de empresas privadas para com os Terena, e mapear as atuais políticas públicas e empreendimentos privados em andamento na região. Alguns dados a respeito da história dos contatos interétnicos foram incluídos no tópico anterior. Por este motivo aqui serão acrescentados mais elementos, especialmente no que se refere ao período histórico mais recente.

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A análise dos documentos históricos e da bibliografia etnológica a respeito dos Terena evidencia tratar-se de uma formação social bastante aberta à convivência e à construção de sistemas estáveis de interação com outros tipos de sociedades. Os documentos históricos indicam que esta forma de relacionar-se com outros povos seria anterior ao próprio período da conquista e colonização lusobrasileira no território de ocupação tradicional terena. Não se trata, portanto, de uma resposta adaptativa ao contato interétnico com o mundo dos purutuya, mas um modo de ser com características políticas que remetem à longa duração. No trabalho de campo em antropologia, a aplicação desses métodos científicos requer a construção de um ambiente de empatia e respeito entre entrevistadores ou analistas (antropólogos) e entrevistados ou interlocutores (indígenas). Quanto aos estudos concernentes à caracterização ambiental, estes foram realizados tanto por meio de levantamento bibliográfico como por trabalhos de campo. Estes últimos concentraram-se na área constituída por 2.090 ha das oito Aldeias integrantes da Terra Indígena Buriti (Buriti, Barreirrinho, Oliveira, Olho d’Água, Água Azul, Recanto, Córrego do Meio e Lagoinha) bem como na área de 10 ha da Terra Indígena Tereré ou Buritizinho (Aldeia Tereré). No restante da área, totalizando 17.200 ha, foram obtidos dados secundários por meio de pesquisa bibliográfica e documental. O conteúdo relativo ao meio físico incluiu estudos geológicos, geomorfológicos, hidrogeológicos, pedológicos, incluindo a aptidão agrícola e a suscetibilidade erosiva do solo, e de recursos hídricos, cujo desenvolvimento foi feito por meio de pesquisa bibliográfica e levantamentos de campo. O meio biológico abrangeu a flora e a fauna. Foram realizados estudos, pesquisas bibliográficas e documentais, bem como levantamentos de campo. A pesquisa bibliográfica, incluindo mapas da região, baseou-se no levantamento de dados secundários, incluindo mapeamentos disponíveis da região, em especial o Projeto Radambrasil (BRASIL, 1982), Mapa de solos do Estado de Mato Grosso do Sul (SEPLAN, 1990), interpretações de imagens CBERS (média

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resolução) Alos (Advanced Land Satellite) e Quickbird (alta resolução), composição colorida, na escala 1:20:000, compilação de dados provenientes, principalmente, do projeto desenvolvido pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2006), em convênio com o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). A área de estudos foi detalhadamente avaliada por meio de imagens orbitais atuais e de alta definição a fim de identificar as áreas representativas e de interesse relevante para a coleta de dados amostrais. O estudo dos solos envolveu o levantamento dos tipos de solo, da aptidão agrícola das terras e da susceptibilidade do processo erosivo. Nos reconhecimentos das tipologias pedológicas na área de estudos foram adotados procedimentos no campo conforme descritos em Santos et al (2005), e para a interpretação dos dados, segundo Oliveira et al (1992). Com os dados de campos levantados procedeu-se à classificação dos tipos de solo até terceiro nível categórico, com base no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2006). A classificação da aptidão agrícola das terras foi feita conforme procedimento sugerido por Ramalho e Beek (1995), onde as características do solo e do relevo servem de base para a determinação de seis classes de capacidade de uso da terra, as quais indicam o melhor uso da terra, bem como as práticas que devem ser implantadas para melhor controlar as forças da erosão e, ao mesmo tempo, assegurar ou minimizar o processo de degradação. Para a avaliação das suscetibilidades ao processo erosivo foi considerado o relevo (declividade) através do levantamento altimétrico da área e os solos considerando sua erodibilidade. Os trabalhos de campo para descrição morfológica dos perfis do solo e coleta de amostra de terra para fins de análises químicas e físicas foram realizados com o caminhamento nas áreas realizando tradagens com um trado tipo holandês e registros fotográficos dos perfis estudados e do relevo predominante da área. As amostras de solo foram analisadas quanto à granolumetria e complexo sortivo, de acordo com a Embrapa (1999).

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Para a avaliação da qualidade das águas superficiais da Terra Indígena Buriti e Buritizinho foram selecionados os cursos de água com maior extensão dentro da área indígena e associada ao maior uso. Como indicador de qualidade de água foram selecionados os parâmetros que evidenciam a presença de matéria orgânica (DBO5,20, DQO), nutrientes (nitrogênio), sedimentos (sólidos dissolvidos totais, sólidos suspensos totais, turbidez, cor), patogênicos (coliformes termotolerantes) e características físico químicas naturais da água (pH, Oxigênio dissolvido, dureza). As coletas e as análises laboratoriais seguiram as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e as determinações do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, vigésima primeira edição. A complementação dos estudos do meio biológico e dos recursos naturais se propôs a alcançar dois objetivos implícitos no Termo de Referência. Por um lado, tornou-se necessário um maior detalhamento dos elementos bióticos dos ecossistemas diretamente relacionados com as áreas indígenas e seu entorno, o que implica um maior e mais concentrado esforço amostral das características, estrutura e diversidade de espécies das comunidades de plantas e animais na região. Outro objetivo a ser alcançado refere-se à incorporação dos conhecimentos das populações indígenas sobre os recursos biológicos de seu interesse, ou seja, procurou-se avaliar os recursos naturais também sob a ótica do uso direto ou indireto de que deles fazem as populações indígenas. Desta forma, foram adotadas diferentes metodologias para a realização dos estudos de complementação dos dados do meio biológico. Inicialmente, as imagens orbitais proporcionaram a visualização detalhada das formações vegetais remanescentes, bem como das condições ambientais do entorno destas formações, permitindo calcular a área ocupada pelas diferentes fisionomias vegetais, avaliar a conectividade entre os fragmentos remanescentes e mapear as áreas onde potencialmente há disponibilidade de recursos da fauna e flora.

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Foram também realizados encontros com as lideranças indígenas e outros indígenas para, por meio de entrevistas, se obter as informações relativas à fauna, à flora e aos ecossistemas que apresentam interesse para suas populações na área de abrangência deste estudo. Da análise preliminar das imagens orbitais e de posse das informações sobre a cultura local acerca do uso e conservação dos recursos biológicos foram selecionados os locais mais significativos para checagem de dados in loco. A seleção dos locais e os levantamentos em campo envolveram membros da comunidade indígena com conhecimento e disposição para acompanhar os trabalhos indicando locais e recursos importantes. Assim os critérios para a escolha das áreas amostrais in situ foram orientados tanto pelos preceitos das ciências naturais quanto pelo saber das comunidades indígenas sobre os mesmos recursos. Em todas as áreas amostrais, mesmo que escolhidas por diferentes critérios, deverá ser feita uma análise acerca do estado de conservação atual e dos principais fatores de risco ou ameaça à integridade ou manutenção dos recursos existentes, ouvindo para tanto, as lideranças indígenas. A vegetação foi classificada de acordo com as fitofisionomias constantes no Atlas Multirreferencial de Mato Grosso do Sul (MATO GROSSO DO SUL, 1990), sendo avaliada segundo as condições ecológicas e ambientais onde se inserem os remanescentes, sua condição para a conservação dos recursos naturais e as relações de vizinhança, avaliando ameaças de possíveis impactos. Esses dados foram atualizados com o Mapa de Vegetação do Programa de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO, 2004). A utilização de mais de uma fonte para a interpretação da dinâmica temporal da cobertura vegetal permite ampliar as considerações sobre a mitigação dos impactos ambientais resultantes de atividades atuais e futuras. A flora nativa de uso medicinal, alimentar, cultural ou de outro uso pelas populações indígenas foi identificada. Quanto aos estudos faunísticos, foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais acerca da diversidade e abundância de espécies já descritas para essa região. A finalidade de proceder à

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revisão bibliográfica de informações existentes para os diversos grupos de vertebrados consiste em partir de uma base de dados já conhecida a fim de compará-los com aqueles obtidos durante as incursões a campo. Outra importante fonte de informações sobre a fauna tornou-se disponível a partir da realização de entrevistas com membros das comunidades indígenas. Foram colhidos depoimentos de integrantes mais velhos que puderam contar sobre a abundância e diversidade biológica pregressa, além, é claro, dos relatos atuais e realizadas incursões a campo em busca das espécies da fauna e da coleta de dados ecológicos sobre suas populações. Não houve coleta de nenhum espécime biológico. Ressalta-se que, em relação aos trabalhos de campo, foram tomadas as necessárias precauções no que diz respeito ao georreferenciamento dos locais estudados, utilizando-se para tanto aparelho GPS, por meio do qual foram obtidas coordenadas UTM (Sistema Universal Transversa de Mercator). Finalmente, registra-se que os conteúdos abrangidos pelos estudos físicos e biológicos, bem como seu nível de detalhamento, foram objeto de discussão e definição integrada com os conteúdos dos estudos antropológicos, e com o conhecimento e comum acordo das lideranças indígenas. Para

a

identificação

dos

principais

impactos

potenciais

do

empreendimento sobre o meio ambiente e a sociedade, bem como sobre as medidas preventivas e mitigadoras adotadas, utilizou-se como base os dados informados no EIA-RIMA. Ressalta-se ainda que, no que se refere aos trabalhos de campo, foram tomadas as necessárias precauções no que diz respeito ao georreferenciamento dos locais averiguados in loco. Isto foi feito com o auxílio de um aparelho GPS, operado com o SAD-69 (South American Datum – 1969), por meio do qual foram obtidas coordenadas dos locais visitados. Para a realização dos estudos foram mantidas várias reuniões com lideranças e outros membros de todas as nove aldeias indígenas distribuídas entre as Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Nessas ocasiões, foi possível

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observar e compreender a avaliação que os Terena fazem da Linha de Transmissão em 230 KV Chapadão do Sul (SE Chapadão) – Campo Grande (SE Imbirussu) – Sidrolândia (SE Sidrolândia) – Anastácio (SE Anastácio) e os impactos por ela causados à comunidade. Em suma, os estudos foram concluídos por meio do uso de procedimentos científicos qualitativos, complementares e interdependentes. Dessa forma foi possível responder as questões de natureza antropológica apresentadas no termo de referência apresentado pela Funai. É importante registrar que, conforme solicitado à Funai em Campo Grande, os estudos estão sendo acompanhados pelo funcionário Engenheiro Agrônomo José Resina Fernandes Júnior (Anexo I). Na apresentação dos resultados dos trabalhos, inicialmente as Terras Indígenas são localizadas e contextualizadas, e a seguir são apresentados os resultados concernentes aos produtos relacionados no escopo determinado no termo de referência específico, emitido pela Funai. Assim, nos diversos capítulos subseqüentes são distribuídos aspectos concernentes às temáticas: caracterização ambiental da área do Empreendimento e das terras indígenas; caracterização dos grupos étnicos; contatos interétnicos, políticas públicas e empreendimentos privados; territorialidade e recursos naturais – caracterização e formas de uso; caracterização dos impactos do Empreendimento sobre o território e os grupos indígenas. Espera-se assim, ter cumprido satisfatoriamente esta etapa, que antecede a apresentação e discussão dos estudos com as comunidades das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho.

CAPÍTULO I CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL DO TERRITÓRIO Neste capítulo, as Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho são localizadas e contextualizadas quanto às Aldeias que as integram e sua população.

1 LOCALIZAÇÃO E ÁREA Para melhor precisar os dados territoriais da Terra Indígena Buriti, é necessário registrar que se trata de uma área originalmente reservada com pouco mais de 2.090 ha, ampliada em 2001 para 17.200 ha (AZANHA, 2001; EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003, 2007, 2010; ISA, 2010), situada na Microbacia Hidrográfica do Córrego Buriti, Sub Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, bacia do alto curso do Rio Paraguai, inclusa em sua totalidade no Bioma Cerrado, com cobertura vegetal estimada em 77,25% de Savana e 22,75% de contato entre Savana e Floresta Estacional (ISA, 2010). A Figura 1.1 localiza a Terra Indígena Buriti. A Terra Indígena Tereré ou Buritizinho, por sua vez, possui uma única aldeia, chamada Tereré, e está localizada no perímetro urbano da Cidade de Sidrolândia (Figura 1.2). Sua área corresponde a pouco mais de 10 ha regularizados como patrimônio da União, o que se deu por meio do Decreto s/n, de 24 de maio de 1996. A totalidade de sua área está inclusa no Bioma Cerrado e na bacia sedimentar do Rio Paraná.

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Figura 1.2. Terra Indígena Tereré ou Buritizinho, a sudoeste da zona urbana de Sidrolândia. Fonte: GOOGLE EARTH, 2009.

A integração entre as aldeias da Terra Indígena Buriti e a aldeia da Terra Indígena Tereré ou Buritizinho se dá pela vinculação histórica dos fluxos populacionais, e também pelo fato da Funai historicamente incorporá-las em uma única unidade administrativa. À época dos levantamentos, o Chefe de Posto de Buriti, Samuel Dias, também respondia pela Aldeia Tereré. A origem de Tereré está ligada a um contingente de pessoas que saíram de Buriti na década de 1970, o qual fundou uma aldeia próxima à Cidade de Sidrolândia, cuja área posteriormente foi incorporada ao perímetro urbano do Município. A área da Aldeia Tereré, inicialmente com 10 ha, foi doada por Sidrônio Antunes de Andrade, um dos fundadores da Cidade e proprietário da Fazenda São Bento, ao Cacique João Loureiro de Figueiredo, da Aldeia Buriti. Posteriormente, foi incorporada como patrimônio da União e reconhecida como terra indígena pela Funai. Para aquele lugar inicialmente foram membros das famílias Figueiredo, Batista, Gabriel, Custódio e Clementino, oriundas das Aldeias Buriti e Córrego do

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Meio, localizadas na Terra Indígena Buriti, as quais ali se fixaram em busca de emprego, atendimento médico e escola (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2004:22). Ocorre que as duas Terras Indígenas estão historicamente ligadas por laços de parentesco, alianças políticas e formas de reciprocidade construídas entre os Terena das duas áreas. Na verdade, fazem parte de uma mesma rede de relações sociais. Esta situação foi assim explicada pelo Cacique Valcélio Figueiredo, no dia 16 de junho de 2010, quando os antropólogos estiveram com ele na sede da comunidade: “Eu tô aqui, mas meu pai e minha mãe estão lá.” – referindo-se à Aldeia Buriti. Significa dizer, portanto, que eventuais impactos que venham a ser gerados pelo Empreendimento sobre os Terena da Terra Indígena Buriti, inevitavelmente também recairão sobre a comunidade de Tereré ou Buritizinho. Exemplo disso é o fato de que parte do comércio existente em Tereré advém de produtos cultivados em Buriti, como mandioca (Manihot sp.) e batata-doce (Ipomoea batatas). Ademais, muitos moradores de Tereré também mantêm roças na Terra Indígena Buriti, para onde se deslocam com frequência para trabalharem na lavoura. Ressaltam-se ainda como importantes as seguintes observações sobre as atuais aldeias da Terra Indígena Buriti:  Buriti, próxima à sede do posto da Funai, cujo chefe é o funcionário Samuel Dias, da etnia Terena. É a mais antiga, com maior número de pessoas e a mais influente em termos políticos. É liderada pelo Cacique Rodrigues Alcântara. Dela se desmembraram há várias décadas as Aldeias do Córrego do Meio (Cacique Messias) e Água Azul (Cacique Ageu). Segundo Cardoso de Oliveira (2002: 29), essa divisão teria acontecido em 1952. No período recente, outras aldeias também foram criadas na área, a saber: Recanto, em 1994 (Cacique Edemar); Barreirinho, em 2001 (Cacique Laucídio Rodrigues); Oliveira, em 2003 (Cacique Wilson Dias).  Córrego

do

Meio,

liderada

pelo

Cacique

Messias.

Dela

se

desmembrou, em 2001, a Aldeia Lagoinha, liderada pelo Cacique Fábio.

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 Água Azul, liderada pelo Cacique Ageu Lourenço Reginaldo. Dela se desmembrou, em 2003, a Aldeia Olho D’água, liderada pelo Cacique Valdeci da Silva. No caso de Buritizinho ou Tereré, onde Valcélio Figueiredo é o cacique, trata-se de uma aldeia derivada da Aldeia Buriti. Decidiu-se por colocá-la em separado pelo fato de ocupar outro espaço territorial. Recentemente os Terena de lá conseguiram 47 casas populares. A aldeia recebe um grande fluxo migratório das aldeias situadas na Terra Indígena Buriti, em busca de facilidade de acesso a trabalho em indústrias situadas na Cidade de Sidrolândia: Tip Top (tecelagem), Marfim (alimentos), Seara (frigorífico) e no setor agrícola das usinas de álcool e açúcar estabelecidas nos Municípios de Maracaju e Rio Brilhante, além da própria usina de Quebra Coco (Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool) que não rejeita os trabalhadores dessa Aldeia. Muitas pessoas que vivem em Tereré também plantam roças na Terra Indígena Buriti e têm interesse em construir na Cidade um entreposto de venda de produtos agrícolas. No que se refere à área de ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, de 2.090 para 17.200 ha, esta foi ratificada pela perícia judicial de natureza antropológica, arqueológica e histórica, realizada para a Justiça Federal em Campo Grande, em 2003, como terra de ocupação tradicional indígena, conforme estabelece o art. 231, § 1º, da Carta Constitucional de 1988. Mais ainda, atestou que o território terena na região compreende uma área bem maior do que a identificada e delimitada pela Funai no início da década de 2000 (EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003). Esta área maior, segundo informaram várias lideranças da Terra Indígena Buriti, com as quais os antropólogos que assinam este estudo mantiveram interlocução desde o ano de 2003, chega a aproximadamente 35.000 ha. Os Terena de Buriti mantêm um forte sentimento de identidade com esta área, pois consideram que ela está vinculada a eventos históricos da comunidade e, portanto, faz parte de seu território.

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2. POPULAÇÃO Segundo dados obtidos da Funasa, Buriti e Tereré ou Buritizinho faziam parte do Pólo de Saúde Indígena de Sidrolândia, no início de 2009, uma população estimada em 3.211 pessoas, conforme consta no Quadro 1.1.

Quadro 1.1. População terena do Pólo de Sidrolândia da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que engloba os Municípios de Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia, cuja estimativa é válida para o início do primeiro semestre de 2009. Aldeia Água Azul Barreirinho Buriti Córrego do Meio Lagoinha Olho D’Água Oliveira Recanto Tereré Total

Terra Indígena

Município

População

Buriti Buriti Buriti Buriti Buriti Buriti Buriti Buriti Tereré ou Buritizinho

Dois Irmãos do Buriti Dois Irmãos do Buriti Dois Irmãos do Buriti Sidrolândia Sidrolândia Dois Irmãos do Buriti Dois Irmãos do Buriti Dois Irmãos do Buriti Sidrolândia

282 106 848 485 281 193 136 212 668 3.211

Fonte: FUNASA (Fundação Nacional de Saúde).

Entretanto, ressalta-se que recentemente o Ministério Público Federal divulgou o número de 4.500 indivíduos residentes em 2010 nas Terras Indígenas (MPF, 2010), embora não tenha informado a fonte desses números. Tampouco se teve acesso a uma estimativa atual da população terena das duas áreas. Essa taxa significativa de incremento da população entre 2009 e 2010, provavelmente se deva à imigração de indígenas provenientes de outras localidades.

CAPÍTULO II CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA DO EMPREENDIMENTO E DAS TERRAS INDÍGENAS Neste capítulo, são abordados aspectos referentes ao meio ambiente das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho, incluindo fatores físicos tais como clima, geologia, geomorfologia, pedologia (considerando-se as tipologias de solo, a aptidão agrícola das terras e susceptibilidade erosiva), hidrogeologia, hidrologia (águas superficiais), e fatores bióticos tais como a cobertura vegetacional e composição faunística.

1 CLIMA Para a caracterização do clima na região das Terras Indígenas Buriti e Tereré foram utilizados os dados da região de Sidrolândia obtidos no Instituto Nacional de Meteorologia (INEMET) e Centro de Previsões e Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e pela SEPLAN (1992). O clima da região, segundo a classificação de Köppen, situa-se na faixa de transição entre o subtipo Cfa – mesotérmico úmido sem estiagem, em que a temperatura do mês mais quente é superior a 25ºC, tendo o mês mais seco mais de 30 mm de precipitação, e o subtipo Aw – tropical úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno. Cerca de 75% das chuvas ocorrem entre os meses de outubro e abril, quando a temperatura média oscila em torno de 24ºC. Os meses de menor precipitação são junho, julho e agosto e a temperatura média é de 20ºC. Os déficits hídricos ocorrem com maior intensidade nesses meses, onde a média das temperaturas mínimas é inferior a 15ºC e o mês mais seco é o mês de agosto (SEPLAN, 1992). O clima é compreendido pela comunidade indígena basicamente pela precipitação (chuva) e temperatura. A chuva, considerando o período de um ano, define a época chuvosa, considerada como ideal para preparo do solo e plantio, e a

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época seca onde praticamente não ocorrem cultivos, a não ser de hortaliças em áreas que podem ser irrigadas. Os indígenas fazem relação da época seca com a vegetação, pois percebem a mudança de coloração da vegetação e a queda das folhagens secas ao solo; a vegetação rasteira, como capim braquiária (brachiaria sp), amplamente difundido na região, seca e há o risco de entrar em combustão (queimar) trazendo prejuízo aos moradores das aldeias. Ficou evidenciada a preocupação nesta época com as queimadas na região. A seguir, descrevem-se os principais aspectos que caracterizam o clima da região.

a) Precipitação Os dados de precipitação para a região de Sidrolândia apresentam uma série histórica de 21 anos, que podem ser observados na Figura 2.1. A média de precipitação anual acumulada para a região é de 1.549 mm, sendo, no entanto de distribuição irregular ao longo dos anos.

Figura 2.1. Precipitação mensal média acumulada para as Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Fonte: CPTEC – INPE, 2008.

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Os meses de dezembro e janeiro são os mais chuvosos, considerando a série histórica, chegando a valores próximos a 200 mm mensais. Os meses menos chuvosos são junho, julho e agosto, com valores médios abaixo dos demais meses do ano, caracterizando um período seco. Este período concentra apenas 12% de toda a precipitação anual, o qual começa em junho e vai até agosto (Figura 2.2). Os Terena percebem muito bem o período chuvoso e o período de estiagem, pois eles os associam à agricultura que praticam na região. À época dos trabalhos de campo, diversas lideranças manifestaram preocupação com as mudanças climáticas registradas nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito ao prolongamento da estiagem em certos anos. Esta precipitação de 1.500 mm anuais é suficiente para todos os cultivos por eles praticados. JAN 13%

DEZ 15%

FEV 10%

NOV 9%

OUT 9%

MAR 10%

SET 7%

ABR 7% AGO 4% JUL 3%

JUN 5%

MAI 8%

Figura 2.2. Distribuição percentual das precipitações mensais acumuladas nas Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Fonte: CPTEC – INPE, 2008.

b) Temperatura Na Figura 2.3 encontram-se os valores médios de temperatura para a região, onde se verifica que as temperaturas máximas ocorrem nos meses de

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setembro, novembro e dezembro. As temperaturas mínimas ocorrem nos meses de junho, julho, agosto e setembro. Nos meses de junho, julho e agosto podem ocorrer temperaturas negativas na região. Em valores médios para temperatura, os meses de maio, junho, julho e agosto ficam em torno de 20º C, enquanto que nos meses de dezembro a janeiro em torno de 26º C. As amplitudes térmicas, diferença entre a máxima e a mínima, ocorrem nos meses de agosto e setembro, ou seja neste meses podem-se ter temperaturas em torno de 14o C a 32º C. Esta variação climática que ocorre durante os dias é avaliada positivamente pelos Terena de Buriti, principalmente quando se referem às temperaturas amenas que predominam na Serra de Maracaju durante a noite.

Máxima

Média

Minima

40,0 35,0

Temperatura oC

30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Juh

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Meses

Figura 2.3. Temperatura média, máxima e mínima na região de Sidrolândia, MS. Fonte: CPTEC-INPE, 2008.

c) Umidade do ar Os valores de umidade relativa média variam de acordo com os meses do ano, ficando ao longo do ano em torno de 85%. Os meses de junho, julho, agosto e setembro são os mais baixos no ano, sendo o mês de agosto o que registra a

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menor umidade relativa média da região. Já a umidade relativa mínima registrada, observa-se que os valores mais baixos ficaram em trono de 18% e foram registrados nos meses de fevereiro e agosto. Para o mês de agosto, esta umidade é devida as baixas precipitações, que ocorrem nesta época para a região. No entanto, para fevereiro, período chuvoso na região, deve ser atribuído a ocorrência de veranicos que muito freqüentes para o mês de fevereiro (Figura 2.4). Média

UR minima

Umidade relativa do ar (%)

90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 Jan Fev Mar Abr

Mai Jun

Jul

Ago

Set

Out Nov Dez

M eses

Figura 2.4. Umidade relativa média e mínima na região de Sidrolândia, MS. Fonte: INMET, 2008.

Os indígenas têm uma percepção deste fenômeno, quando comentam que quando o ar fica muito seco a terra seca também, fato este atribuído ao fato de que o ar seco vai tirar umidade do solo.

d) Velocidade dos ventos Na Figura 2.5 observa-se a velocidade média dos ventos, onde se verifica uma variação de 1,7 até 7,0 m/s para a região. Segundo Soares e Batista (2004), ventos com velocidade abaixo de 1,39 m/s são considerados como muito fracos. Ventos com 1,7 m/s de velocidade, o menor valor médio registrado, são

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considerados como fracos e ventos com valor de 8,0 m/s, o maior valor médio observado, seriam considerados como moderados.

Figura 2.5. Velocidade média dos ventos nas Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Fonte: INMET, 2008.

e) Direção do vento Praticamente os ventos vêm de todas as direções, sendo no entanto as direções norte com 21% de freqüência e direção sul com 20% de freqüência (Figura 2.6). As direções oeste e noroeste são as que menos originam os ventos contribuindo com 7%, somando as duas direções. As direções norte e nordeste, juntas apresentam 34% das origens dos ventos na região. A velocidade do vento máxima observada em m/s, também é na direção dos predominantes dos ventos, ou seja, a direção norte (Figura 2.7).

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NO O 4% 3%

N 21%

NE 13% SO 14%

E 15% S 20%

SE 10%

Figura 2.6. Distribuição das freqüências dos ventos segundo sua direção, na região das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Fonte: CPTEC, 2010.

Figura 2.7. Velocidade média dos ventos predominantes, segundo sua na região das Terras Indígenas Buriti. Fonte: CPTEC, 2010.

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Os Terena falaram do vento sul durante o inverno, quando a temperatura está mais baixa, bem como a umidade relativa do ar.

f) Balanço hídrico Os dados de precipitações pluviométricas indicam dois regimes, ou seja, um chuvoso e outro seco. Para o balanço hídrico, no solo não existe uma déficit de água (Figura 2.8). Existe um período entre julho e agosto que a saída de água é superior à entrada, retira mais água, no entanto não chega a causar um déficit no solo.

Figura 2.8. Balanço hídrico na região da Terra Indígena Buriti em função dos meses do ano. Fonte: INMET, 2010.

Os indígenas identificam este período seco pelos aspectos da vegetação seca e o solo com muito pouca umidade principalmente na camada de 0 a 20 cm, principal camada para os plantios de mandioca, milho, feijão, batata, arroz, etc. A cultura do arroz, que necessita grandes quantidades de água, é plantada nas várzeas adjacentes aos córregos, onde eles afirmam que a terra é mais fresca

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devido à umidade retida pelo solo; é uma demonstração de que eles conhecem e dominam aspectos ligados à umidade do solo.

2 GEOMORFOLOGIA, GEOLOGIA, HIDROGEOLOGIA Serão enfocados neste item aspectos da geomorfologia, geologia e hidrogeologia cujo conhecimento é importante tanto em relação às ocupações indígenas quanto acerca do conhecimento prévio das potencialidades e as limitações de uso da área ocupada. Diante deste contexto, a importância do conhecimento destes aspectos do meio físico desenvolve, entre outras, duas tarefas importantes: responder objetivamente questões postas pela necessidade de saber previamente o desempenho de terreno frente à ocupação indígena e auxiliar na concepção de projetos, seja de saneamento básico, mais especificamente de abastecimento de água, seja na escolha de atividades econômicas (agropecuária, piscicultura, entre outras) que sejam viáveis tanto ambientalmente quanto economicamente. Sendo

assim,

neste

item

serão

abordados

os

aspectos

geomorfológicos, geológicos e hidrogeológicos de interesse para o entendimento da dinâmica do meio físico na área onde estão inseridas as aldeias indígenas em questão, assim como indicar a potencialidade de recursos minerais na área. Para a elaboração do diagnóstico foram adotados dois níveis de abordagem. No primeiro nível, através de dados secundários, foram analisados dados bibliográficos de caráter geomorfológico, geológico (litoestratigráficos e tectono-estruturais) e hidrogeológico, ocasião em que foram utilizados o Projeto Radambrasil Folha Campo Grande – SF. 21 (BRASIL, 1982) em escala 1:1.000.00, Cartas Topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1982) em escala 1:100.000 e Mapa Geológico (CPRM, 2006), além de outros estudos existentes sobre a região, visando a inserção da área de interesse no contexto regional.

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O segundo nível de abordagem foi executado a partir da elaboração de mapas geomorfológicos e geológicos, visitas a campo nas Aldeias Água Azul, Buriti, Recanto, Barrerinho, Córrego do Meio, Lagoinha, Olho d´Água, Oliveira e Tereré, Municípios de Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia, visando principalmente o levantamento das litologias presentes na área, dados sobre os poços tubulares utilizados para captação de água e recursos minerais utilizados nas aldeias. Também foi encaminhado ofício à Funasa, com sede em Campo Grande, objetivando levantar dados sobre os poços tubulares existentes na Terras Indígenas Buriti e Buritizinho ou Tereré, incluindo os perfis geológicos dos mesmos, os quais são de grande relevância para a investigação do subsolo e aquíferos presentes nas áreas. Em resposta a este ofício a Funasa encaminhou dados básicos relativos a um poço na Aldeia Buriti e outro na Aldeia Tereré, mas nenhum perfil geológico. Entretanto, foi possível o acesso a dados constantes do banco de dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos desenvolvido pelo Imasul e fornecidos pela Funasa. Além disso, os dados apresentados em relação a hidrogeológica das Terras Indígenas Buriti e Buritizinho são fruto do levantamento in loco efetuado por ocasião das visitas efetuadas nas Terras Indígenas pela equipe técnica que compõe este Estudo, e estão baseadas nas informações ou dos caciques ou dos agentes ambientais das tribos, os quais acompanharam a equipe.

2.1 Geomorfologia e Geologia As áreas indígenas estão localizadas na unidade geomorfológica denominada de Planalto de Maracaju Campo Grande, segundo dados do Projeto Radambrasil (BRASIL, 1982). O planalto estende-se para leste, na direção do eixo do rio Paraná, apresentando mergulho suave nesta direção e corresponde a terminação sul da borda ocidental da bacia sedimentar do Paraná, atuando como um divisor de águas, onde parte da rede de drenagem se dirige ao Rio Paraguai e parte para o Rio Paraná.

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Por se tratar de relevo de borda de bacia sedimentar, a inclinação das camadas confere ao conjunto o aspecto de relevo cuestiforme, onde a atividade erosiva é responsável pela geração de frentes de cuestas descontínuas, onde ocorrem relevos residuais alternados (ET e pontões) com áreas dissecadas (c23, c21, t32). Em relação às áreas em questão importante citar as frentes de cuestas arenito-basálticas esculpidas em litologias da Formação Botucatu e Serra Geral que constituem a Serra de Maracaju – Campo Grande (Figura 2.9).

Figura 2.9. Ao fundo, lado direito, escarpa estrutural da Serra de Maracaju e, em primeiro plano, superfície pediplanada e formas de dissecação de topo convexo que ocorrem na área em estudo. Fonte: LUCKMANN, 2010.

A Serra de Maracaju – Campo Grande representa um terreno bastante acidentado que ocorre na borda do Planalto de mesmo nome, compreendida pelo quadrante representado pelas coordenadas geográficas de longitude 55°16’58”W e latitude 21°00’20”S até longitude 56°20’30”W e lati tude 22°10’30”S, estendendo-se do norte para o sul, limite natural com os Municípios de Dois Irmãos do Buriti, Anastácio, Nioaque, Maracaju, Guia Lopes da Laguna, Jardim, Ponta Porã, Bela Vista e Antonio João no Estado de Mato Grosso do Sul.

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Segundo levantamento bibliográfico, esta Serra é citada em vários trechos de publicações sobre os Terena, o que denota a importância da mesma na história desta sociedade. De acordo com Cardoso (1992), em vários documentos do século XVIII, a Serra de Maracaju é citada como um dos limites da terra mbaiânica, que representa um território delimitado por esta Serra, os Rios Paraguai, Jejuí e Mboteteu (ou Miranda), onde predominava um sistema social único na América do Sul, responsável pelo domínio durante quase dois séculos, de um território superior ao da França, onde havia uma dependência mútua entre a sociedade Txané-Guaná e os Mbayá (CARDOSO, 1992) sendo que dados históricos apontam este povo como o adversário mais ferrenho da colonização das margens do Rio Paraguai, entre o Apa e Taquari. Também foi na Serra de Maracaju que o povo Terena buscou refúgio, após a Guerra do Paraguai, conforme texto a seguir: Índios e negros compunham parte das tropas brasileiras que atuaram frente à guerra. A estes negros, o imperador D. Pedro ll havia prometido a liberdade quando a guerra acabasse e, aos Terena, o direito à posse de suas terras. O povo Terena lutou no fronte de batalha na Guerra do Paraguai como já foi dito anteriormente, lutou para garantir o direito à posse de suas terras, direito esse, negado pelo governo brasileiro. Fato que marcou profundamente a história do povo Terena, deixando marcas profundas e difíceis de apagar. Como parte do conflito ocorreu em terras Terena, aldeias inteiras foram dizimadas no Município de Miranda e Aquidauana, inclusive a aldeia Ipegue, indo assim, seus moradores, buscar refúgio na Serra de Maracaju e Bodoquena.

De acordo com texto de Gilberto Azanha (2004) durante o processo de regularização fundiária das “Reservas” Terena o primeiro documento oficial do SPI solicitando ao Estado do Mato Grosso a concessão de terras para os índios Terena no Buriti data de 22 de Outubro de 1926. Uma comissão forma por três lideranças Terena do Buriti se dirigiu ao Rio de Janeiro levando a reivindicação territorial, conforme texto extraído da publicação de Azanha: A reivindicação territorial que esta "comissão" levava ao Governo Central ainda hoje se conserva, nas mãos do ancião e ex-cacique Armando Gabriel, na forma de um"mapa" (rústico, elaborado em um pedaço de papelão). Ali

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estão assinalados os limites da terra que ocupavam: a oeste a linha da Fazenda Correntes; ao sul a Serra de Maracaju até defronte o morro chamado "Ponteiro"; a leste, deste morro em linha reta até encontrar o Córrego do Américo (ou Cortado), seguindo por este até sua foz no Buriti de onde segue por este rio até quando este encontra a linha do Correntes, ao norte.

Além da importância da Serra de Maracaju na história dos Terena, as diversas formas de relevo presentes nas áreas onde estão localizadas as Aldeias Buriti e Tereré, serão alvo de descrição neste estudo pois são fatores que condicionam a ocupação do solo. Os terrenos com menos declividade são utilizados nas atividades de agricultura e para a construção de residências. Visando permitir a compreensão do relevo quanto à morfologia, ou seja, as formas de relevo presentes na área foi elaborado um mapa geomorfológico, com base no Projeto Radambrasil (1990). De acordo com a metodologia preconizada pelo Projeto Radambrasil (op. cit.), as formas de relevo são delimitadas em três classes: formas erosivas, formas estruturais e formas de acumulação, representadas graficamente por letrassímbolo. Em relação às formas erosivas estas foram subdivididas de acordo com a intensidade e representadas por índices de dissecação (dígitos) variáveis, conforme as combinações da ordem de grandeza dos interflúvios (tamanho dos interflúvios) e da intensidade de aprofundamento da drenagem, resultando a ordenação destas em cinco classes. O dimensionamento dos interflúvios está representado pelo primeiro dígito − que cresce com o valor do dígito (1 corresponde a interflúvios menores ou iguais a 250 m; 5 corresponde a interflúvios entre 3.750 e 12.750 m). A intensidade de aprofundamento de drenagem está representada pelo segundo dígito. A incisão dos talvegues varia de muito fraca (dígito 1) a muito forte (dígito 5). Segundo essa metodologia, a qualificação do relevo possibilita o grupamento em categorias, tendo em vista as limitações para o uso e ocupação das terras. As formas mais aguçadas (cristas, pontões), por exemplo, estão

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representadas por a15, a25, a14 e a24. As formas tabulares amplas são indicadas pelos símbolos t51, t41 t52 e t42. Na legenda do mapa geomorfológico, há um quadro definindo as combinações possíveis desses componentes da dissecação agrupados em um conjunto numérico (35, 14, 41). Esse quadro permite a identificação da fácies ou categorias de dissecação. Na Figura 2.10 pode ser observado o mapa geomorfológico da região e as formas de relevo que ocorrem na área. A Figura 2.11 apresenta o mapa de declividade na Terra Indígena Buriti, onde pode ser observada a predominância de áreas com declividades variando entre 0 a 25%. Predominam na região as formas de dissecação do tipo tabular, com relevo de topo aplanado, intensidade de aprofundamento de drenagem muito fraca e vales de fundo plano.

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O relevo local varia de plano a suave ondulado e ondulado (Figura 2.12) e as cotas altimétricas oscilam em torno de 250 a 335 m na área das Terras Indígenas Buriti e plano com cotas altimétricas em torno de 410 a 471 m na Terra Indígena Tereré.

Figura 2.12. Relevo suave ondulado a ondulado que ocorre na área das Terras Indígenas Buriti o qual se intercala com relevo mais ondulado. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Morfologicamente ocorrem na área das Terras Indígenas Buriti um relevo conservado, representado por superfície de aplanamento (Ep) elaborado por processo de pediplanação e relevos dissecados na forma tabular (t31) e de topo convexo (c32). As altitudes variam entre 250 a 335 m. Nas Figuras 2.13 a 2.15 podem ser observados aspectos das formas de relevo presentes nas Aldeias.

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Figura 2.13. Relevo dissecado em formas convexas. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Figura 2.14. Superfície pediplanada em primeiro plano e relevo dissecado em formas convexas ao fundo. Fonte: LUCKMANN, 2010.

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Figura 2.15. Formas de dissecação do tipo tabular alternando-se com formas convexas e ao fundo a Serra de Maracaju. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Já na área da Aldeia Tereré o relevo predominante é do tipo dissecado na forma tabular muito ampla (t51), relevo plano a suave ondulado, onde estão instaladas as unidades residências (Figura 2.16) passando a apresentar declividade (Figura 2.17) e formas convexas (c23) (Figura 2.18) à medida que se aproxima o curso d’água representado pelo Córrego Cortado.

Figura 2.16. Relevo plano onde estão construídas as residências da Aldeia Tereré e o poço tubular para captação de água subterrânea que abastece a população da Aldeia Tereré em Sidrolândia. Fonte: LUCKMANN, 2010.

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Figura 2.17. O relevo plano passa a apresentar declividade à medida que se aproxima do curso d’água. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Figura 2.18. Formas de dissecação convexas no limite da área da Aldeia Tereré em cujo talvegue ocorre o Córrego Cortado. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Quanto à geologia da região onde estão localizadas as Aldeias Buriti e Tereré ocorrem litotipos pertencentes à Formação Botucatu e Formação Serra Geral (Mesozóico), pertencentes à bacia do Paraná, além dos Depósitos Aluvionares (Quaternário).

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As Formações Botucatu e Serra Geral correspondem à fase que antecede a abertura do Oceano Atlântico e deposição da Superseqüência Gondwana III (MLANI; RAMOS,1998), compreendendo respectivamente arenitos eólicos de ambiente desértico seguidos por extravasamento de grande volume de lavas basálticas continentais durante o Mesozóico. A Formação Botucatu do Jurássico é caracterizada pela ocorrência de arenitos rosados friáveis a duros, com estratificações cruzadas, granulometria média a fina, com grãos apresentando um bom arredondamento e boa esfericidade. O ambiente deposicional da Formação Botucatu é definido como um ambiente desértico eólico, com dunas e rios meandrantes que depositaram material de granulometria mais grosseira. A estratificação predominante é a cruzada. Sua espessura é muito variada chegando a atingir cerca de 250 m. Seu contato inferior se dá com a Formação Pirambóia e o superior, com os derrames de basalto da Formação Serra Geral. Representando o termo final do Grupo São Bento, a Formação Serra Geral está assentada sobre os arenitos eólicos da Formação Botucatu e capeada pelos arenitos continentais flúvio-lacustres do Grupo Bauru. O contato superior com o Grupo Bauru é discordante e erosivo, já o contato inferior com a Formação Botucatu é descrito por alguns autores como discordante e erosivo e por outros como concordante e interdigitado, devido à contemporaneidade das duas formações, evidenciado pela ocorrência de camadas de arenitos intertrapeanos dentro dos derrames da Formação Serra Geral. A Formação Serra Geral compreende um conjunto de derrames basálticos de composição toleítica com idade Juro-cretácica, entre os quais intercalam-se arenitos com as mesmas características dos pertencentes à Formação Botucatu, em forma de corpos lenticulares com extensão variável e espessura de até 10 m. Associam-se ainda corpos intrusivos da mesma composição, constituída sobretudo por diques e sills. Litologicamente são constituídos por basaltos, com aspecto maciço, afaníticos ou finamente faneríticos, cores predominantes cinza-escuro e preto,

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apresentando estruturas vesículo-amigdaloidal, com preenchimento por calcita, quartzo, clorita e zeolitas, principalmente nas zonas de topo e base de derrames. Petrograficamente esses basaltos são constituídos por labradorita zonada associada à clinopiroxênios. Na área da Terra Indígena Buriti e Tereré há vários locais de afloramentos de rocha basáltica, bastante fraturada e com variáveis níveis de alteração conforme pode ser observado nas Figuras 2.19 a 2.21.

Figura 2.19. Afloramento de basalto bastante alterado e fraturado. Fonte: LUCKMANN, 2010.

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Figura 2.20. Afloramento de basalto alterado na área da Aldeia Tereré ou Buritizinho. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Figura 2.21. Afloramentos de laterita produto da intemperização da rocha basáltica que ocorre sotoposta ao mesmo em áreas limítrofes a Aldeia Tereré ou Buritizinho. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Os arenitos intertrápicos apresentam-se maciços, vitrificados e recozidos, de coloração rósea a avermelhada, ocorrendo na forma de diques e principalmente dispostos na forma de camada entre os derrames de basalto. Na Aldeia Oliveira ocorrem afloramentos do arenito intertrápico conforme pode ser observado na Figura 2.22. Os arenitos intertrápicos apresentam-

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se maciços, vitrificados e recozidos, de coloração rósea a avermelhada, ocorrendo na forma de diques e principalmente dispostos na forma de camada entre os derrames de basalto. A ação do intemperismo sobre estas litologias é responsável pela geração de solos arenosos e das camadas de areia que são depositadas ao longo da rede de drenagem e estradas. A presença de afloramentos de rocha nas áreas inviabiliza o uso do solo em atividades agrícolas.

Figura 2.22. Laje do arenito intertrápico que aflora na área da Aldeia Oliveira. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Os Depósitos Aluvionares são compostos predominantemente por areias, areias quartzosas, cascalho, lentes silto-argilosas e turfa. Distribuem-se principalmente nas planícies de inundação e ao longo dos canais das drenagens de maior porte e baixo gradiente, como nas bacias dos Rios Paraguai, Paraná, Aquidauana, Miranda, Taquari, Itiquira, Apa, Aporé, dentre outros. Na área em questão estes podem ser observados principalmente ao longo das margens e canal de drenagem do Córrego Buriti (Figura 2.23).

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Figura 2.23. Planície de inundação do Córrego Buriti e Depósitos Aluvionares associados, onde é possível a ocorrência de camadas de argila com potencial para fornecimento de matéria prima para o artesanato indígena. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Na Figura 2.24 pode ser observado o mapa geológico da área com base no Projeto da CPRM (2006).

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2.2 Hidrogeologia Em relação aos recursos hídricos subterrâneos podem ser encontrados os seguintes tipos de aquíferos subterrâneos na região.

a) Fraturado Neste tipo de aquífero as águas percolam e são armazenadas nos sistemas de fraturamentos da rocha. Isto impõe uma condição de exploração local, apesar das grandes áreas de afloramento. Representam este aquífero às rochas basálticas da Formação Serra Geral.  Aqüífero Serra Geral O aquífero basáltico da Formação Serra Geral apresenta-se distribuído na porção leste do Estado do Mato Grosso do Sul, inserido na zona de ocorrência da Bacia Sedimentar do Paraná. A exploração de águas subterrâneas do Aquífero Serra Geral no Estado de Mato Grosso do Sul é feita principalmente dentro da faixa de afloramentos e em locais onde a cobertura dos sedimentos do Grupo Bauru é pequena. Várias

cidades

importantes

têm

como

fonte

de

água

para

abastecimento público, principal ou secundária, poços perfurados neste aqüífero, podendo ser citados como exemplo: Campo Grande, Dourados, Ponta Porã, Caarapó, Sidrolândia, entre outras. O Aquífero Serra Geral é um aqüífero basáltico de meio fissurado, sendo, portanto, bastante problemática a realização de cálculos dos balanços hídricos locais e regionais. Este tipo de aqüífero é muito heterogêneo, com características, propriedades hidrológicas, e comportamento hidrogeológico marcado por intensas e abruptas mudanças. A determinação dos pontos de perfuração deve-se basear em um estudo geológico local para definição dos lineamentos fraturados e estruturas

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existentes no maciço rochoso. Além do abastecimento público de algumas cidades, as propriedades particulares rurais utilizam-se da água para abastecimento doméstico, pecuária e raramente para irrigação. Os poços são perfurados normalmente com diâmetro de 6”, profundidades entre 100 e 140 m e extraem vazões que variam de 3 até 15 m³/h. A vazão extraída nem sempre é a vazão máxima do poço, refletindo a capacidade do equipamento ou a necessidade da demanda da propriedade. As características estruturais locais, a indicação da piezometria não condiciona o êxito da perfuração, ou seja, a existência de águas passíveis de exploração, além disto, os fatores estruturais locais podem modificar a piezometria e os gradientes regionais. De modo geral a piezometria regional do Aqüífero Serra Geral, como aquífero livre, acompanha a forma do relevo, porém a anisotropia da Formação Serra Geral pode modificar localmente esse comportamento. As vazões máximas encontradas em poços com bombeamento contínuo, e sem queda de vazão, perfurados dentro dos basaltos são da ordem de 100 m³/hora , e as vazões médias de 40 m³/hora, mas na grande maioria dos poços a vazão obtida é de até 30 m³/h, de acordo com Tahal (1997).

b) Poroso No aquífero poroso as águas ocorrem nos espaços entre os grãos das rochas sedimentares, estando seu fluxo intimamente relacionado ao tamanho das partículas e seu grau de retenção. Este tipo de aquífero permite que suas características hidráulicas sejam tratadas matematicamente, através de parâmetros específicos (transmissividade e armazenamento). Os aqüíferos do tipo porosos, seja em superfície ou em profundidades variáveis, ocupam grande parte dos municípios do Estado que estão sobre a Bacia do Rio Paraná e são representados pelos sedimentos da Formação Caiuá e pelo sistema Botucatu/Pirambóia, sendo denominados respectivamente de aqüífero Caiuá e aquífero Botucatu/Pirambóia.

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De acordo com a situação hidráulica os aquíferos podem ser classificados em livres, semi-confinados e confinados. O aquífero livre tem seu nível de água dentro da formação aqüífera e apresenta um escoamento gravitacional, com o coeficiente de armazenamento equivalente a porosidade efetiva (0,5% a 30%). No aquífero confinado o nível de água é representado pôr um ponto situado acima do topo da Formação, sendo o coeficiente de armazenamento menor que 10-3 e quanto mais confinado o aquífero menor será o armazenamento. O aquífero semiconfinado representa o estágio intermediário entre os aquíferos livres e confinados, com coeficiente de armazenamento entre 10-2 e 10-4.  Aqüífero Botucatu/Pirambóia O Sistema Aquífero Botucatú/Pirambóia apresenta-se distribuído na porção leste do estado de Mato Grosso do Sul, inserido dentro da porção ocupada pela Bacia Sedimentar do Paraná, com área de ocorrência de aproximadamente 215.000 km², dos quais cerca de 36.000 km² correspondem a área de afloramentos distribuída em uma faixa de direção Norte-Sul na porção central do estado. Na porção oriental encontra-se recoberto pelas Formações Serra Geral e os sedimentos do Grupo Bauru, com uma extensão da ordem de 178.000 km². Apesar da enorme área de ocorrência o aquífero composto pelas Formações Botucatu e Pirambóia é muito pouco explorado no estado de Mato Grosso do Sul, estando a maioria dos poços concentrados em algumas regiões, como por exemplo, a Região Centro Norte do estado (zona de afloramentos), a Região Central do estado, que engloba os Municípios de Campo Grande, Sidrolândia e Terrenos, e algumas Cidades na Região de Dourados. De

um

modo

geral

o

aproveitamento

do

Sistema

Aquífero

Botucatu/Pirambóia no estado do Mato Grosso do Sul apresenta inúmeras vantagens, podendo ser citadas entre elas a sua ocorrência regional, a possibilidade de obtenção de grandes vazões nas zonas de confinamento e semiconfinamento, que atenderiam as demandas dos principais centros urbanos localizados em sua área de ocorrência (Dourados, Campo Grande e Ponta Porã) e as baixas profundidades dos níveis de água.

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Tanto o aqüífero poroso quanto o fraturado podem ser alvo de extração de água na área em questão, e muitos dos poços existentes captam água destes aqüíferos, sendo que por ocasião de elaboração de projetos hidrogeológicos de poços tubulares devem ser avaliadas as duas possibilidades.

3 PEDOLOGIA Os fatores de formação do solo são clima, organismos, relevo, material de origem e tempo, os quais interagem de forma complexa e concomitante. As classes de solos da Terra Indígena Buriti foram caracterizadas e mapeadas,

conforme

as

normas

preconizadas

pelo

Serviço

Nacional

de

Levantamento e Conservação dos Solos da Embrapa e Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2006). A seguir, são descritos os procedimentos metodológicos para o levantamento dos solos, da aptidão agrícola das terras e da susceptibilidade erosiva do solo na Terra Indígena Buriti. Na Terra indígena Tereré ou Buritizinho não foi feito o levantamento dos tipos de solo, devido ao fato de que se trata de área urbana que não é utilizada para fins agrícolas, mas para edificação de moradias.

a) Levantamento pedológico No reconhecimento dos tipos de solos na área da Terra Indígena Buriti, adotou-se os procedimentos no campo conforme descrito em Santos et al (2005), e para a interpretação dos dados segundo Oliveira et al. (1992). Com os dados de campos levantados procedeu-se à classificação dos tipos de solo até 3º nível categórico, utilizando-se do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2006). Os trabalhos realizados foram divididos em quatro fases, a saber:  análise prévia da área através de imagem de satélite e mapas exploratório de solos do Projeto Radambrasil, Folha Campo Grande e

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Corumbá e o mapa de solos do Estado de Mato Grosso do Sul ( MATO GROSSO DO SUL, 1990);  trabalhos de campo para descrição dos perfis e coleta de amostra de solos para análises, caminhamento na área realizando observações do solo através de tradagens e registros fotográficos (Figura 2.25);  análises química e física das amostras coletadas a campo, de acordo com a Embrapa (1999) (Anexo J);  interpretação dos dados, identificação dos tipos e descrição dos solos encontrados.

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Figura 2.25. Fotos mostrando as tradagens e coleta de amostra de solo para análise física e química nas Terras Indígenas Buriti. Fonte: BONO, 2010.

b) Aptidão agrícola das terras A classificação da aptidão agrícola das terras se deu conforme procedimento sugerido por Ramalho e Beek (1995). Esta classificação ajuda a organizar os conhecimentos relacionados ao uso e conservação das terras. O termo “capacidade de uso” está relacionado ao grau de risco de degradação dos solos e a sugestão de práticas que visem a conservar este recurso natural.

52

As características do solo e do relevo servem de base para a determinação de seis classes de capacidade de uso da terra, as quais indicam o melhor uso da terra, bem como as práticas que devem ser implantadas para melhor controlar as forças da erosão e, ao mesmo tempo, assegurar ou minimizar o processo de degradação. De acordo com Ramalho e Beek (1995) as terras são classificadas em grupos, conforme descrição abaixo:  Grupo 1 – Terras com limitações muito pequenas no que diz respeito à suscetibilidade à erosão, podendo seguramente ser cultivadas. Os solos são profundos, produtivos, fáceis de serem lavrados e quase planos. Não são suscetíveis a inundações, mas estão sujeitos à erosão por lixiviação (movimento vertical de lavagem) e a deterioração da estrutura (como, por exemplo, compactação). Quando usados sucessiva e intensamente com lavouras necessitam de práticas construtoras e/ou mantenedoras da fertilidade, tais como adubações periódicas.  Grupo 2 – Terras com limitações moderadas de uso apresentando riscos moderados de degradação. Podem diferir da Classe I de várias maneiras: estão em áreas ligeiramente inclinadas, sujeitas a uma erosão, ou com excesso de água no solo. Quando estas terras são usadas para a agricultura intensiva, necessitam de práticas simples de conservação do solo, tais como plantio em nível ou métodos de cultivo especiais, tal como o plantio direto.  Grupo 3 – Terras também apropriadas para cultivos intensivos, mas que necessitam de práticas complexas de conservação. Os solos desta classe, normalmente, têm declives mais pronunciados, são suscetíveis às erosões aceleradas tendo, portanto, mais limitações edáficas e risco maior de erosão que os enquadrados na aptidão do Grupo 2.  Grupo 4 – Terras com severas limitações permanentes. Lavouras intensivas (milho, soja etc.) devem ser implantadas apenas ocasionalmente ou em extensão limitada (por exemplo: arroz ou feijão durante um ano alternando por quatro anos de pastagens). Os solos, em sua maior parte, devem ser

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mantidos com pastagens ou cultivos permanentes mais protetores (tais como laranjais e cafezais). Terras desta classe já possuem características desfavoráveis à agricultura, pela forte declividade ou muitas pedras à superfície.  Grupo 5 – Terras que devem ser mantidas com pastagens ou reflorestamento. O terreno é quase plano, pouco sujeito à erosão, mas apresenta algumas limitações ao cultivo, com muitas pedras à superfície ou problemas de encharcamento, o que impossibilita o uso com lavouras.  Grupo 6 - Terras nas quais não é aconselhável qualquer tipo de lavoura, pastagem ou florestas comerciais. Devem ser obrigatoriamente reservadas para a proteção da flora e fauna silvestre ou recreação controlada. São áreas muito áridas, declivosas, arenosas, pantanosas ou severamente erodidas. São, por exemplo, encostas com muitos afloramentos rochosos, terrenos íngremes montanhosos, dunas arenosas costeiras e mangues. Para as terras dos Grupos 1, 2 e 3 apresentam uma diferenciação pelo nível de manejo em A, B e C, conforme a seguinte descrição (RAMALHO & BEEK,1995): Nível de manejo A, designado pelos autores acima como primitivo, baseado em práticas agrícolas que refletem um baixo nível técnico-cultural. Praticamente não há aplicação de capital para o manejo, melhoramento e conservação das condições das terras e das lavouras. As práticas dependem fundamentalmente do trabalho braçal, podendo ser utilizada alguma tração animal com implementos agrícolas simples. Nível de manejo B (pouco desenvolvido), baseado em práticas agrícolas que refletem um nível tecnológico médio. Caracteriza-se pela modesta aplicação de capital e de resultados de pesquisa para manejo, melhoramento e conservação das condições das terras e das lavouras. As práticas agrícolas neste nível e manejo incluem calagem e adubação com NPK, tratamentos fitossanitário simples, mecanização com base na tração animal ou na tração motorizada, apenas para desbravamento e preparo inicial do solo.

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Nível de manejo C (desenvolvido), baseado em práticas agrícolas que refletem um alto nível tecnológico. Caracteriza-se pela aplicação intensiva de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação das condições das terras e das lavouras. A motomecanização está presente nas diversas fases da operação agrícola. Os níveis de manejo B e C envolvem melhoramentos tecnológicos em diferentes modalidades, contudo não levam em conta a irrigação, na avaliação da aptidão agrícola das terras. No caso de pastagem plantada e da silvicultura, está prevista uma modesta aplicação de fertilizantes, defensivos e corretivos, que corresponde ao nível de manejo B. Para a pastagem natural, está implícita uma utilização sem melhoramento tecnológico, condição que caracteriza o nível de manejo A.

c) Suscetibilidade ao processo erosivo Para a avaliação das suscetibilidades ao processo erosivo levou em consideração o relevo (declividade) através do levantamento altimétrico da área e os solos considerando sua erodibilidade. A definição das classes de solo foi determinada conjugando aspectos de solo e relevo conforme Seplan (1992), que identifica, segundo aspectos de relevo e solo oito classes de suscetibilidade a erosão:  Muito Fraca;  Fraca;  Fraca a moderada;  Moderada;  Moderada a forte;  Forte;  Muito Forte;  E uma especial referente a áreas de acumulação.

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3.1 Levantamento Pedológico Na Terra Indígena Buriti foram identificados e mapeados seis tipos de solos (Figura 2.26): Latossolos Vermelhos eutróficos (LVe1) de textura média, Latossolos Vermelhos eutróficos (LVe2) de textura argilosa, Latossolo Vermelhos distróficos (LVd) de textura média, Neossolos Regolíticos eutrófico (RRe), Gleissolos Háplicos, Tb, eutrófico (GXbe) e Gleissolos Háplicos, Tb, distróficos (GXBd). Estes solos estão de certa forma bem distribuídos, com predominância dos Latossolos Vermelhos eutróficos de textura média (LVe1), ocorrendo em 24% da paisagem das Terras Indígenas do Buriti, seguidos pelos Latossolos Vermelhos distróficos (LVd) com 22% (Figura 2.27).

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Figura 2.27. Distribuição dos tipos de solos nas Terras Indígenas Buriti. Fonte: BONO, 2010.

A seguir, esses diversos tipos de solos são descritos.

a) Latossolos Vermelhos distróficos (LVd) Este tipo de solo predomina nas aldeias de Córrego do Meio e da Lagoinha e apresentam baixa fertilidade natural. São solos de textura média para arenosa e devido a areia os cultivos são susceptíveis a déficit hídrico. As culturas de mandioca e milho são as mais utilizadas nestes solos. Apresentam solos ácidos e baixa reserva de nutrientes, principalmente o fósforo (Quadro 2.1). Estas áreas necessitam de aplicação de calcário e fertilizante para manter níveis de produtividades aceitáveis, mesmo em se tratando de culturas de subsistência. Nestas áreas o teor de matéria orgânica é baixo; a prática de pousio se estiver em uso, não está sendo suficiente para incorporar matéria orgânica no solo.

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Quadro 2.1. Características Químicas e Físicas dos solos nas Aldeias da Lagoinha e Córrego do Meio da Terra Indígena Buriti. Atributo pH em água pH CaCl2 3 Fósforo assimilável (mg/dm ) 3 Potássio trocável (mg/dm ) 3 Cálcio trocável (cmol+/dm ) 3 Magnésio trocável (cmol+/dm ) 3 Alumínio trocável (cmol+/dm ) 3 Sódio trocável (cmol+/dm ) 3 Hidrogênio + Alumínio (cmol+/dm ) 3 Soma de bases (cmol+/dm ) 3 Capac. de troca de cátions (cmol+/dm ) Saturação por bases (%) Saturação por alumínio (%) 3 Matéria orgânica (g/dm ) -3 Ferro ( mg/dm ) -3 Zinco ( mg/dm ) -3 Manganês ( mg/dm ) -3 Cobre ( mg/dm ) -3 Boro ( mg/dm ) Argila: (%) Silte: (%) Areia fina: (%) Areia média: (%) Areia grossa: (%)

Aldeia Lagoinha

Aldeia Córrego do Meio

5,4 4,7 4,0 130 1,5 0,8 0,2 0,01 2,7 2,6 5,4 49 5 11,8 18,6 1,0 79,8 3,4 0,2 13 7 70 5 5

4,9 4,3 1,0 39 1,1 0,7 0,3 0,02 1,7 1,8 3,5 52 16 12,2 19,8 1,4 95,6 3,8 0,3 17 6 67 5 5

Os Latossolos Vermelhos Distróficos (LVd) na área indígena ocorrem nas Aldeias do Córrego do Meio e Lagoinha, pertencentes ao Município de Sidrolândia. Considerando toda a área de concentração do levantamento de campo, são os de menor potencial produtivo. Os moradores destas aldeias reforçam que as terras deles têm muita areia e eles em anos muitos secos perdem lavoura de milho, feijão e até de arroz.

b) Latossolos Vermelhos eutróficos (LVe1 e LVe2) Os Latossolos Vermelhos eutróficos na área indígena apresentam variação em termos de textura. Desta forma foram divididos em Latossolo Vermelho eutróficos de textura média (LVe1) e os de textura argilosa (LVe2). Estes solos

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apresentam saturação por bases altas, o que indica uma boa fertilidade natural (Quadro 2.2), sendo que as áreas agrícolas nos solos LVe2, são mais férteis que as áreas ocupadas nos solos LVd1 . As aldeias Buriti e Olho D’agua são as que utilizam os solos do tipo LVe2 para suas atividades agrícolas.

Quadro 2.2. Características Químicas e Físicas dos solos nas Aldeias Buriti e Olho d’Água. Atributo pH em água pH CaCl2 3 Fósforo assimilável (mg/dm ) 3 Potássio trocável (mg/dm ) 3 Cálcio trocável (cmol+/dm ) 3 Magnésio trocável (cmol+/dm ) 3 Alumínio trocável (cmol+/dm ) 3 Sódio trocável (cmol+/dm ) 3 Hidrogênio + Alumínio (cmol+/dm ) 3 Soma de bases (cmol+/dm ) Capac. de troca de cátions 3 (cmol+/dm ) Saturação por bases (%) Saturação por alumínio (%) 3 Matéria orgânica (g/dm ) -3 Ferro ( mg/dm ) -3 Zinco ( mg/dm ) -3 Manganês ( mg/dm ) -3 Cobre ( mg/dm ) -3 Boro ( mg/dm ) Argila: (%) Silte: (%) Areia fina: (%) Areia média: (%) Areia grossa: (%)

Aldeia Olho D'água

Aldeia Buriti

6,2 5,6 1,4 192 5,3 2,4 0,0 0,01 2,1 8,1

6,2 5,6 7,6 135 5,3 2,0 0,0 0,01 2,4 7,6

10,2 80 0 26,3 40,9 3,3 80,2 6,8 0,3 28 6 56 5 5

10,0 76 0 26,6 22,7 1,6 128,6 6,1 0,3 28 13 49 7 3

Embora estes solos apresentem boa fertilidade natural, as reservas de fósforo estão abaixo das desejadas para a exploração da área com culturas. Nestas áreas deveria ser feita reposição de fósforo através da aplicação de fertilizantes para que o potencial produtivo do solo se manifeste. As culturas que predominam nesta área são a da mandioca e do milho. Nas Aldeias Recanto e Lagoa Azul, a parte agrícola utiliza mais os solos do LVe, que também apresentam alta saturação por bases (Quadro 2.3). Basicamente são cultivadas as mesmas culturas que as demais aldeias, no caso

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mandioca e milho. Na concepção dos moradores dessas aldeias, que conhecem bem estes solos pela coloração, como terra vermelha e terra preta, quanto mais preta melhor para a agricultura.

Quadro 2.3. Características Químicas e Físicas dos solos nas Aldeias Recanto e Lagoa Azul. Atributo pH em água pH CaCl2 3 Fósforo assimilável (mg/dm ) 3 Potássio trocável (mg/dm ) 3 Cálcio trocável (cmol+/dm ) 3 Magnésio trocável (cmol+/dm ) 3 Alumínio trocável (cmol+/dm ) 3 Sódio trocável (cmol+/dm ) Hidrogênio + Alumínio 3 (cmol+/dm ) 3 Soma de bases (cmol+/dm ) Capac. de troca de cátions 3 (cmol+/dm ) Saturação por bases (%) Saturação por alumínio (%) 3 Matéria orgânica (g/dm ) -3 Ferro ( mg/dm ) -3 Zinco ( mg/dm ) -3 Manganês ( mg/dm ) -3 Cobre ( mg/dm ) -3 Boro ( mg/dm ) Argila: (%) Silte: (%) Areia fina: (%) Areia média: (%) Areia grossa: (%)

Aldeia Recanto

Aldeia Lagoa Azul

6,1 5,5 2,1 168 4,0 1,6 0,0 0,01

5,6 5,0 1,9 133 2,3 1,3 0,0 0,01

2,1

2,7

6,0

4,0

8,2 74 0 21,7 19,5 1,2 139,6 5,3 0,4 25 9 55 9 2

6,6 60 0 26,3 50,0 1,0 78,4 5,6 0,2 28 6 56 5 5

As necessidades dos solos LVe1 são as mesmas do solo LVe2, ou seja, a elevação dos teores de fósforo no solo. Os Latossolos Vermelhos eutróficos são solos que apresentam pH ideal para cultivos como milho, feijão, melancia, não necessitando de aplicação de calcário.

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c) Gleissolos Háplicos Tb, distróficos (GXbd) Os Gleissolos Háplicos, Tb, distróficos são explorados pelas aldeias Córrego do Meio e Lagoinha, e ocupam a margem direta do Córrego Buriti e a margem esquerda do Córrego do Meio. Estas áreas são praticamente destinadas a cultivo de arroz, mas eventualmente podem ser utilizadas com abóbora, melancia e hortaliças. Estas áreas por estarem perto de rios são consideradas pelos índios como Terras Frescas, por apresentarem boa disponibilidade de água. No entanto, são pobres quanto a reserva de nutrientes e necessitam de correção do solo e de adubação.

d) Gleissolos Háplicos Tb, eutróficos (GXbe) Os Gleissolos Háplicos Tb, eutróficos (GXbe) diferem dos Gleissolos Háplicos Tb distróficos (GXbd) por apresentar maior fertilidade natural. Estes solos são encontrados basicamente na margem direita do Córrego Buriti e são utilizados pelas aldeias Buriti, Recanto e Lagoinha, predominando a cultura do arroz. Estas áreas são consideradas por eles como terra fresca, com boa fertilidade natural. Embora apresentem boa fertilidade natural, o excesso de cultivos sem a reposição de fertilizantes deixou estas áreas necessitando de reposição de nutrientes, para que possam resgatar o seu potencial produtivo do passado.

e) Neossolos Regolíticos eutróficos ( RRe) Os Neossolos Regolíticos eutróficos (RRe) são solos que apresentam limitações para uso agrícola e alguns até para pastagem. Estão localizados basicamente nas Aldeias Barreirinho e Oliveira e apresentam boa fertilidade natural (Quadro 2.4) e são utilizados para plantio de milho, mandioca e banana. Estes solos apresentam como fator limitante sua profundidade efetiva, poucos profundos e alguns locais o afloramento de pedras o dificulta as atividade de preparo de solo mecanizado.

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Quadro 2.4. Características químicas e físicas dos solos nas Aldeias Recanto e Lagoa Azul. Atributo pH em água pH CaCl2 3 Fósforo assimilável (mg/dm ) 3 Potássio trocável (mg/dm ) 3 Cálcio trocável (cmol+/dm ) 3 Magnésio trocável (cmol+/dm ) 3 Alumínio trocável (cmol+/dm ) 3 Sódio trocável (cmol+/dm ) 3 Hidrogênio + Alumínio (cmol+/dm ) 3 Soma de bases (cmol+/dm ) 3 Capac. de troca de cátions (cmol+/dm ) Saturação por bases (%) Saturação por alumínio (%) 3 Matéria orgânica (g/dm ) -3 Ferro ( mg/dm ) -3 Zinco ( mg/dm ) -3 Manganês ( mg/dm ) -3 Cobre ( mg/dm ) -3 Boro ( mg/dm ) Argila: (%) Silte: (%) Areia fina: (%) Areia média: (%) Areia grossa: (%)

Aldeia do Barrerinho

Aldeia do Oliveira

6,1 5,4 22,6 90 3,0 1,2 0,0 0,01 1,8 4,4 6,2 71 0 11,4 23,5 1,4 87,9 4,7 0,4 13 3 74 5 5

5,4 4,8 6,2 129 2,0 0,9 0,2 0,02 2,7 3,3 5,9 55 4 10,1 17,7 1,6 94,7 5,3 0,3 13 3 75 6 3

3.2 Aptidão Agrícola das Terras Na Terra Indígena Buriti foram levantadas quatro aptidões agrícolas das terras, cujas delimitações encontram-se na Figura 2.28. As aptidões 2 abc ; 3 abc e 3 (abc) são terras dos Grupos 2 e 3 destinadas a lavouras, anuais e ou perenes. A aptidão 2 abc predomina na área com 35 %, seguido pela aptidão 3 (abc) com 25% da área (Figura 2.29). Na Terra Indígena Buriti 18% dos solos não apresentam aptidão a cultivos e ou pastagem; em contrapartida 88 % dos solos apresentam potencial para cultivos anuais e ou perenes.

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Figura 2.29. Participação em percentual das aptidões agrícolas nas Terras Indígenas Buriti. Fonte: BONO, 2010.

Nas áreas de cultivos de lavouras, as práticas agrícolas verificadas nas aldeias da Terra Indígena Buriti utilizam manejo entre Nível A e o Nível B, sendo que está mais próximo do Nível B, considerando a classificação de Ramalho e Beek (1995). São usadas sementes de boa qualidade e no preparo do solo operações com o uso de implementos como arado, grade aradora e grade niveladora. Os indígenas não usam calcário e adubos devido à falta de recursos financeiros para aquisição, demonstrando que poderiam ser enquadrados no Nível de Manejo B, semelhantes a outros agricultores da região.

3.3 Susceptibilidade a Erosão dos Solos Nas áreas da Terra Indígena Buriti identificou-se duas classes de susceptibilidade ao processo erosivo: Moderada a Forte e Forte e área de acumulação (Figura 2.30). A susceptibilidade Forte ao processo erosivo está associada ao solo do tipo Neossolo Regolítico eutrófico e os Latossolos Vermelhos distróficos a Moderada A Forte ao Latossolos Vermelhos eutróficos. As áreas de acumulação são as áreas de baixadas onde predominam os Gleissolos Háplicos.

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A classe Forte de susceptibilidade ao processo erosivo é a predominante na Terra Indígena Buriti, com 40 % de ocorrência (Figura 2.31). As áreas de acumulação, com 25%, podem ser consideradas expressivas tendo em vista o tamanho da reserva indígena. Nas áreas de susceptibilidade Forte e também nas de Moderada a Forte, devem ser adotadas práticas agrícolas visando à conservação do solo. Destaca-se aqui que a prática de pousio que os Terena já praticam é um exemplo de medidas conservacionistas, mas há necessidade de implantação de outras para evitar processos erosivos.

Figura 2.31. Participação em percentual das susceptibilidades dos solos ao processo erosivo na nas Terras Indígenas Buriti. Fonte: BONO, 2010.

4. ÁGUAS SUPERFICIAIS Para subsidiar a análise e interpretação da qualidade das águas, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), por meio da Resolução nº 357/2005, realizou o enquadramento dos corpos de água em todo o território nacional e definiu cinco classes de qualidade para as águas doces, ou seja, classe especial, Classe 1, 2, 3 e 4, onde para cada classe foi estabelecido os padrões de qualidade e os usos preponderantes.

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No âmbito estadual, o Conselho Estadual de Controle Ambiental (CECA), editou a Deliberação CECA 003/97, definindo os padrões de qualidade para as águas da bacia do alto Paraguai em Mato Grosso do Sul. O Quadro 2.5 indica os usos preponderantes das águas classificadas como Classe Especial e Classe 2. Já o Quadro 2.6 indica os padrões de qualidade de água, enquadrados como Classe 2, para cada um dos parâmetros analisados pelo Laboratório Anambi, no âmbito deste trabalho. Para as águas enquadradas como classe especial deverão ser mantidas as condições naturais dos cursos de água por isso não há um padrão como há para a Classe 2.

Quadro 2.5. Usos preponderantes das águas, conforme Resolução Conama nº 357/2005 e Deliberação CECA nº 003/97. Classe especial

Usos

Classe 2

Abastecimento para consumo humano, com desinfecção Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas Preservação de comunidades aquáticas em Unidades de Conservação de Proteção Integral Abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional Recreação de contato primário Irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e parques Aqüicultura e atividade de pesca

Quadro 2.6. Padrões de qualidade das águas, enquadradas como Classe 2, conforme Resolução Conama 357/2005 e Deliberação CECA 003/97. Parâmetros Demanda bioquímica de oxigênio (DBO5,20) Cloreto Cor Nitrato Nitrogênio amoniacal pH Oxigênio dissolvido Sólidos dissolvidos totais Turbidez Coliformes termotolerantes

Unidade

Valor máximo

MgO2/L Mg/L mgN/L mgN/L MgO2/L Mg/L UNT NMP/100mL

5 500 100 1000

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4.1 Bacia Hidrográfica As Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho, no que se refere aos recursos hídricos, estão inseridas na bacia hidrográfica do rio Paraguai, sub-bacia do Rio Miranda e microbacia do Córrego Buriti. A sub-bacia do Rio Miranda (Figura 2.32), com 44.000 km2 de área, é formada por dois rios principais, sendo o próprio rio Miranda com 697 quilômetros de extensão e o rio Aquidauana com 580 km de extensão. A microbacia do Córrego Buriti possui aproximadamente 848 km2 de área de drenagem e o seu principal formador é o próprio Córrego Buriti, com 57 km de extensão. A Figura 2.33 mostra a configuração da bacia hidrográfica do Buriti, que se estende desde a Serra de Maracaju até a confluência do Córrego Buriti com o Córrego Canastrão, seu exutório.

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Figura 2.32. Sub-bacia do rio Miranda, em Mato Grosso do Sul, indicando a localização da Terra Indígena Buriti. Fonte: SISLA, 2010.

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Figura 2.33. Microbacia do Córrego Buriti, em Mato Grosso do Sul. Fonte: GOOGLE, 2010.

4.2 Hidrografia A hidrografia da microbacia do Córrego Buriti, na Terra Indígena Buriti, constitui-se de seu principal formador que é o próprio Córrego Buriti e seus afluentes, conforme elencados no Quadro 2.7. Cabe destacar que somente a Terra Indígena Buriti é cortada pelo Córrego Buriti. A Terra Indígena Tereré ou Buritizinho situa-se na área urbana da Cidade de Sidrolândia, englobando somente parte da área de drenagem do Córrego

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Cortado, afluente da margem direita do Córrego Buriti. Entretanto, conforme informações obtidas na Terra Indígena Buritizinho, foram adquiridas mais 3,5 ha de área, que englobará parte da nascente do Córrego Cortado.

Quadro 2.7. Principais cursos de água que drenam a Terra Indígena Buriti, MS. Nome do curso de água Córrego Buriti Córrego da Veada Córrego Cortado – afluente margem esquerda do Buriti Córrego Água Azul* Córrego Olho d’Água* Córrego Juju Córrego do Meio Córrego Barreirinho* Córrego Cortado** - afluente margem direita do Buriti

Extensão (km) 57 7 10 4 2 5 15 2 21

* Denominação local; ** nascente na área indígena.

Fonte: CARTA TOPOGRÁFICA, DSG, escala 1:100.000.

Dos córregos elencados no Quadro 2.7, somente o Buriti e o do Meio possuem maior extensão

dentro da Terra Indígena,

25 km e 17 km,

respectivamente. Os Córregos Água Azul, Olho d’Água e Barreirinho são pequenos cursos de água, que têm suas nascentes dentro da Terra Indígena Buriti e não possuem denominação oficial. Todos os cursos de água são perenes, e segundo informações obtidas junto à população da Terra Indígena Buriti, até os pequenos cursos de água não secam no período de estiagem. Devido à característica da região, planalto, os cursos de água são meandrados, apresentando em alguns trechos, pequenas cachoeiras e corredeiras. O Córrego Buriti é o curso de água com o maior volume de água, seguido pelo Córrego Cortado (afluente da margem direita) e o Córrego do Meio.

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A vegetação ciliar dos cursos de água está bem preservada. A Figura 2.34 mostra a condição da mata ciliar do Córrego Buriti, no trecho próximo à Aldeia Recanto. Já a Figura 2.35 mostra a condição da mata ciliar do Córrego Cortado (margem direita) próximo a sua nascente, na Aldeia Tereré, na área urbana de Sidrolândia. Nas duas figuras é possível observar que a mata ciliar está preservada, o que contribui para a manutenção da qualidade da água.

Figura 2.34. Mata ciliar do Córrego Buriti, preservada. Fonte: CITTÀ, 2010.

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Figura 2.35. Mata ciliar do Córrego Cortado, preservada. Fonte: CITTÁ, 2010.

4.3 Enquadramento e Qualidade das Águas Preliminarmente cabe justificar a não realização de coleta e análise da qualidade da água na aldeia Buritizinho. Conforme constatado no levantamento em campo, nesta Terra Indígena, no perímetro de 10 ha não há nenhum curso de água. O curso de água mais próximo é o Córrego Cortado, porém está fora da Terra Indígena Buritizinho. Em relação ao enquadramento das águas na bacia do Córrego Buriti, de acordo com a Deliberação CECA nº 003/1997 as águas estão enquadradas como Classe 2 e nas nascentes como Classe Especial. Apesar do uso intenso no solo na área de drenagem do Córrego Buriti, observou-se que as águas dos cursos de água são transparentes, conforme Figura 2.36, e apresentam boa qualidade conforme demonstraram as análises laboratoriais. Cabe destacar que a nascente do Córrego Cortado, apesar de apresentar mata ciliar preservada, em função da proximidade da área urbana de

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Sidrolândia foram observados resíduos sólidos acumulados no leito do Córrego, tais como garrafas pet, pneus, entre outros (Figura 2.37), que podem prejudicar a qualidade das águas deste Córrego.

Figura 2.36. Condições da água do Córrego Buriti. Fonte: CITTÁ,2010.

Figura 2.37. Resíduos sólidos no leito do Córrego Cortado. Fonte: CITTÁ,2010.

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Entretanto, como parte desta nascente se tornará Terra Indígena Buritizinho, espera-se uma melhora da qualidade ambiental no tocante aos resíduos sólidos, a exemplo dos outros cursos de água existentes na Terra Indígena Buriti, onde não foram encontrados resíduos no leito dos córregos. Para melhor avaliar a qualidade das águas foram plotados três pontos de coleta no Córrego Buriti e um no Córrego do Meio. Estes pontos foram distribuídos estrategicamente, levando-se em consideração alguns fatores tais como: aglomeração de maior número de pessoas na área de drenagem, usos da água, núcleos populacionais, extensão dentro da Terra Indígena Buriti. A descrição e a localização dos pontos de coleta e os parâmetros analisados estão definidos no Quadro 2.8.

Quadro 2.8. Curso de água, descrição dos pontos de coleta e parâmetros analisados. Curso de água Córrego Buriti Córrego Buriti Córrego Buriti Córrego do Meio

Descrição

Parâmetros

A montante das aldeias No meio das aldeias A jusante das aldeias Próximo à foz

Cloreto, cor, DBO5,20, DQO, dureza, nitrato, nitrogênio amoniacal, pH, Oxigênio Dissolvido, sólidos dissolvidos totais, sólidos suspensos totais, turbidez, coliformes termotolerantes e temperatura

Os resultados analíticos das amostras coletadas nos pontos descritos no Quadro 2.9 encontram-se no Anexo K, sendo que os mesmos subsidiaram a discussão da qualidade da água a seguir. Quanto à presença de sais na água, baseado nos resultados das análises de cloreto e sólidos dissolvidos é possível afirmar que a concentração é baixa, não interferindo na qualidade da água para os diversos usos, inclusive os mais nobres como o consumo humano. Em relação a presença de matéria orgânica a concentração é muito baixa, caracterizando uma água de excelente qualidade, evidenciado pelos resultados da demanda bioquímica de oxigênio (DBO5,20) e demanda química de

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oxigênio (DQO) que apresentaram concentrações baixas e pelos níveis de oxigênio dissolvido (OD) com concentrações elevadas. Cabe destacar que o oxigênio dissolvido é o principal indicador de qualidade de água, pois sem esse gás na coluna de água pode haver a ocorrência de mortandade de peixes e de outros organismos aeróbios. A presença de nutrientes foi avaliada com a análise de nitrogênio amoniacal e nitrato, onde também constatou que em todos os pontos esses parâmetros atenderam os padrões de qualidade estabelecidos na Deliberação CECA 003/1997, para águas de Classe 2. As análises da turbidez, sólidos dissolvidos totais e sólidos suspensos totais indicaram que tanto o Córrego Buriti quanto o Córrego do Meio não possuem uma quantidade grande de sólidos na coluna de água, confirmando as observações feitas em campo. O pH e a dureza total mostram que a água dos dois córregos analisados é levemente alcalina e levemente dura, o que ajuda a explicar a transparência da água. A presença de patogênicos na água foi avaliada por meio da análise dos coliformes termotolerantes, onde constatou-se, pelos resultados apresentados, que as águas dos dois córregos estão com qualidade dentro dos padrões estabelecidos pela Deliberação CECA nº 003/1997. De acordo com a Resolução nº 274/2000 do Conama as águas destes dois córregos podem ser consideradas próprias para balneabilidade e recreação de contato primário. Assim, com base nos levantamentos em campo e nos resultados analíticos da qualidade das águas é possível afirmar que os recursos hídricos na Terra Indígena Buriti ainda conserva a sua qualidade e quantidade de água. Quanto à interferência da linha de transmissão nestes corpos hídricos e conseqüentemente na vida da população da Terra Indígena Buriti, em função da localização, ou seja, a linha passará a jusante da Terra Indígena, possivelmente não haverá nenhuma interferência.

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5 MEIO BIOLÓGICO A região onde se inserem o Empreendimento e as Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho é caracterizada como de Tensão Ecológica entre as formações de Cerrado, neste caso representado pela sua fisionomia florestal, denominada Cerradão, e as Florestas Estacionais Semideciduais que ocorrem em todo o Planalto de Maracaju. As Figura 2.38 ilustra a localização das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho no mapa de vegetação do Atlas Multirreferencial de Mato Grosso do Sul (SEPLAN, 1990) e aponta as fitofisionomias predominantes na região.

Figura 2.38. Localização das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho no mapa de vegetação indicando que as áreas se inserem em zona de tensão ecológica entre cerrado e floresta estacional antropizada (Ap.2 em azul claro). Fonte: SEPLAN, 1990.

No mapa da Figura 2.39, observa-se a distribuição das fitofisionomias de Cerradão e Floresta Estacional na Terra Indígena Buriti.

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Nota-se na Figura 2.39 que a vegetação da Serra de Maracaju é caracterizada como área de Tensão Ecológica entre o Cerrado e a Floresta Estacional, o que resulta numa rica composição florística, pois apresenta uma mistura de espécies típicas de cada diferente fitofisionomia em contato. Isto significa que em um mesmo trecho de vegetação nativa podem ser encontradas espécies típicas do cerrado como o jatobá-do-cerrado (Hymenaea stignocarpa) e outra ao lado, do mesmo gênero, só que característica da Floresta Estacional denominada jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril), como encontrados na Aldeia Barreirinho (Figura 2.40).

Figura 2.40: Exemplar arbóreo de jatobá-do-cerrado (Hymenaea stignocarpa) em destaque e a folhagem do jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril) à esquerda na foto, na Aldeia Barreirinho. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

As Florestas Estacionais Semideciduais são definidas em relação às condições climáticas onde ocorrem duas estações bem definidas, uma seca e outra chuvosa, o que ocasiona a decidualidade parcial das espécies vegetais arbóreas, especialmente aquelas pertencentes ao dossel superior. Caracteriza também a Floresta Semidecidual, o fato de que cerca de 30% dos indivíduos arbóreos perdem suas folhas na estação menos favorável recebendo a denominação de espécies caducifólias, além de contribuírem para a formação de um solo fértil pela deposição

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contínua de serrapilheira, isto é, a deposição no solo de uma extensa camada de folhas secas que, ao se decomporem, liberam para o solo uma série de nutrientes As Florestas Estacionais Semideciduais podem ser classificadas como submontana ao recobrirem os terrenos mais elevados, acima dos 150 m, e de litologia mais antiga, ocorrendo nas encostas da face oeste da Serra de Maracaju especialmente próximo à Terra Indígena Buriti. As espécies arbóreas mais significativas e de interesse comercial destas formações florestadas são cedro (Cedrela fissilis), ipê (Tabebuia sp.), canafístula (Peltophorum dubium), sucupirapreta (Pterodon sp.) e peroba (Aspidosperma sp.). As espécies de cerrado que ocorrem nestas áreas de tensão ecológica ou de contato são cumbaru (Dipteryx alata), barbatimão Striphnodendron sp.), jatobá-do-campo (Hymenaea sp.), angico branco (Anadenanthera sp.) e aroeira (Myracrodruon urundeuva), entre outras (SEPLAN/MS, 1990).

5.1 Terra Indígena Buriti

5.1.1 Vegetação A Terra Indígena Buriti na porção onde incidiram os levantamentos de campo, abriga oito Aldeias e apresenta razoável cobertura vegetal representada pelo Cerrado de baixo porte, alguns espécimes de Cerradão e da Floresta Estacional Semidecidual remanescentes, além das matas ciliares e áreas brejosas associadas aos recursos hídricos que atravessam a área. Observando-se a Terra Indígena pela imagem de satélite é possível distinguir três diferentes categorias de uso e ocupação do solo: as áreas naturais, as lavouras e as moradias. Entretanto, ao se comparar a cobertura vegetal natural na Terra Indígena com as áreas de entorno abertas para a pecuária e considerando a alta densidade populacional na reserva, é significativa a porcentagem de áreas conservadas que se apresentam integradas aos espaços produtivos em todas as aldeias (Figura 2.41).

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Figura 2.41. Imagem com o perímetro da Terra Indígena Buriti. Em vermelho onde foram concentrados os trabalhos de campo e as aldeias Oliveira (Ol), Barreirinho (Ba), Buriti (Bu), Recanto (Re), Olho d’Água (Oa), Água Azul (Aa), Lagoinha (La) e Córrego do Meio (CM). Nota-se a cobertura vegetal das matas ciliares dos córregos do Meio, Cortado e Buriti, além do cerrado remanescente adensado na porção norte.

A maior cobertura vegetal proporcionalmente encontrada no interior da Terra Indígena em relação à vizinhança é corroborada pelas observações relatadas pela Funai (AZANHA, 2001) que atestam que o Terena valoriza as florestas e, apesar de hábitos predominantemente agricultores, vê a roça e a floresta como partes simbióticas de um mesmo processo (Figura 2.42).

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Figura 2.42. Nesta imagem as casas da Aldeia encontram-se integradas à mata de Cerrado, bem como, em primeiro plano, a roça. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Os maiores e mais significativos remanescentes vegetais encontram-se nas encostas e topos de morro dos contrafortes do Planalto de Maracajú onde predominam os Cerradões e encraves de Floresta Estacional. A seguir, são descritas as fitofisionomias encontradas na Terra Indígena Buriti. Matas: Cerrado, Cerradão e Floresta Estacional Semidecidual Percorrendo-se o território da Terra Indígena Buriti avista-se em todas as aldeias vários trechos de mata, em geral, formadas por espécies de cerrado de médio porte com indivíduos emergentes e testemunhos de uma cobertura vegetal de maior porte existente na região. A Floresta Estacional Semidecidual não ocorre sob a forme de encrave, mas sua influência é sentida pela presença de determinadas espécies que caracterizam essa fisionomia vegetal, como o cedro, o embiruçu e certas espécies de ipê. Da mesma forma, o Cerradão é uma fitofisionomia de cerrado de porte arbóreo e bem desenvolvido, mas que também já não se faz mais presente, à exceção de espécimes de grande porte que atestam a ocorrência desta formação, como os jatobás e os tarumãs, que ocorrem entre outras espécies.

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Muitas destas formações de Cerrado são secundárias, isto é, resultantes de processos de regeneração após intenso uso ou de recomposição após a retirada de recursos madeireiros. As formações secundárias são de menor porte e, em geral, apresentam menor biodiversidade em seus estágios iniciais. Entretanto, deixadas essas áreas à regeneração natural, se estabelecem os passos da sucessão ecológica que tendem a aumentar a complexidade do ecossistema, favorecendo à disponibilidade de habitats para novas espécies e, portanto, uma maior e mais sustentável biodiversidade, especialmente da fauna. A Figura 2.43 ilustra uma área de pastagem em regeneração pelo Cerrado apresentando arbustos, árvores e arvoretas de pequeno e médio portes na Aldeia Água Azul, tendo ao fundo o relevo da Serra de Maracaju e sua cobertura vegetal bem conservada. Essa área, ao fundo, não pertence à Terra Indígena.

Figura 2.43. Vegetação secundária de cerrado em área de regeneração de pastagem. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

As maiores extensões de áreas com cobertura vegetal encontram-se ao norte da Terra Indígena, especialmente nas Aldeias Barreirinho e Oliveira. A Aldeia Barreirinho comporta a mata ciliar do Córrego Cabeceira do Barreirinho e o Cerrado nas áreas mais altas e secas, enquanto na aldeia Oliveira uma grande extensão de Cerrado ocupa o limite noroeste da Terra Indígena. A Figura 2.44

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ilustra a situação da cobertura vegetal na porção norte da Terra Indígena Buriti, aquela com maior extensão de cobertura vegetal.

Figura 2.44. Ilustração sobre imagem de satélite da cobertura vegetal na porção norte da Terra Indígena Buriti (onde incidiram os levantamentos de dados primários), onde encontra-se mais conservada e em maior extensão.

A cobertura vegetal nas áreas mais altas e secas dos ecossistemas naturais da Aldeia Barreirinho é composta por espécies do Cerrado e Cerradão em sua grande maioria, como angico (Anadenanthera spp.), aroeira (Myracrodruon urundeuva), lixeira (Curatella americana) e louro-branco (Cordia glabrata), e apresenta alguns indivíduos da floresta estacional semidecidual como cedros (Cedrela fissilis) e jacarandá (Jacaranda brasiliana), entre outras espécies (Figura 2.45).

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Figura 2.45. Flores de Cordia glabrata, louro-branco, espécie do Cerradão. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

A mata mais seca das partes altas estende-se de modo contínuo com a mata ciliar do Córrego Cabeceira do Barreirinho formando um importante ecossistema para a manutenção das espécies da fauna que dependem da conservação dos ambientes naturais para deles extrair seus recursos. A Figura 2.46 ilustra as condições antagônicas entre a vegetação da mata ciliar composta por espécies, em sua maioria perenifólias, isto é, que mantêmse sempre verdes e não perdem suas folhas, e as matas secas e distantes dos cursos d’água onde ocorrem espécimes caducifólias, isto é, que perdem suas folhas na estação seca do ano conferindo um tom acinzentado à paisagem.

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Figura 2.46. Caminho em declive suave que leva ao Córrego Barreirinho a partir da Aldeia onde se notam a vegetação mais seca e mais alta ao fundo, já na outra margem, e a vegetação mais verde no fundo de vale. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Os recursos naturais, fauna e flora, associados aos ecossistemas do Córrego Barreirinho constituem-se em importante fonte para os usos requisitados pelas populações indígenas. As matas ciliares e as matas secas nas áreas mais altas observadas na Aldeia Barreirinho formam corredores de dispersão da biodiversidade quando unidas às matas ciliares do Córrego Buriti estabelecendo canais de conectividade que devem ser ampliados para a sustentação desses recursos. Porém, o que se observa na atualidade e se apreende dos relatos ouvidos, é que os ecossistemas naturais não são suficientes em extensão e qualidade para sustentar a demanda por recursos naturais dos indígenas não só da Aldeia Barreirinho, mas de outras que dispõem de ainda menos matas conservadas de onde poderiam extrair seus próprios recursos. Já na Aldeia Oliveira, embora a extensão de Cerrado remanescente seja maior, o porte das formações vegetais é menor. A vegetação de Cerrado apresenta os três estratos bem definidos, mas que no conjunto são responsáveis por

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uma fisionomia aberta, rala e com espécies arbóreas variando de porte médio a pequeno. O estrato herbáceo é bem desenvolvido e constituído por várias espécies de gramíneas e outras ervas dos gêneros Andropogon, Panicum, Paspalum, entre outros. O estrato arbustivo também possui espécies características do Cerrado como a Duguetia furfuracea, a Annona coriacea, entre outras. Dentre o estrato arbóreo, que apresenta espécies que alcançam até 6 m, destacam-se, por estarem floridos durante os levantamentos de campo, os ipês amarelos (Tabebuia ochracea) e os jacarandás (Jacaranda brasiliana). A presença de algumas espécies, tais como o tarumazeiro (Vitex cymosa), o cedro (Cedrela fissilis) ou o embirussú (Pseudobombax grandiflorum) lembram que se trata de uma área de tensão ecológica onde a biodiversidade comporta

a

ocorrência

de

espécies

de

ambos

domínios

de

vegetação

representados, no caso, Cerrado e Floresta Estacional Semidecidual. A Figura 2.47 ilustra essas formações.

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Figura 2.47. Estrutura e composição do cerrado existente na Aldeia Oliveira. Acima: estrato arbóreo bem desenvolvido e com diversidade de espécies (destaque para o jacarandá florido). Abaixo à esquerda: exemplares de ipê amarelo floridos em meio a denso estrato arbustivo e arbóreo de pequeno/médio porte. Abaixo à direita: ipê florido e destaque para o estrato herbáceo bem desenvolvido. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

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Outros remanescentes de Cerrado também foram conservados na Terra Indígena Buriti distribuídos pelo território de todas as aldeias. Essas formações podem diferir pelo tamanho e estado de conservação, mas são muito semelhantes quanto à composição florística. Alguns

desses

remanescentes

estão

confinados

entre

áreas

destinadas às lavouras ou compondo a diversidade de paisagens, como observado nas Aldeias Lagoinha e Recanto na Figura 2.48. Destaca-se nesta figura, a presença dos diversos elementos da cultura Terena e de seu convívio com os não índios, bem como do uso e ocupação que faz do solo. As imagens mostram a roça em proximidade com a mata e o conjunto dos elementos que caracterizam sua própria cultura e as influências vindas de fora da aldeia, como na casa de padrão governamental ladeada por outras típicas recobertas com sape.

Figura 2.48. Vegetação de Cerrado remanescente entre as áreas utilizadas para lavoura e moradia em perfeita harmonia. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Nestas formações arbóreas de Cerrado destacam-se as seguintes espécies, entre outras: palmeira bocaiúva (Acrocomia aculeata), ipê-roxo (Tabebuia spp.), ipê amarelo (Tabebuia ochracea), embiruçu (Pseudobombax grandiflorum), aroeira (Myracrodruon urundeuva), canafístula (Peltophorum dubium), capitão (Terminalia argentea), tarumã (Vitex cymosa), jatobá (Hymenaea spp.), embaúba (Cecropia pachystachya). Chamou a atenção a existência de uma espécie do cerrado denominada coité (Crescentia cujete) próxima às casas na Aldeia Recanto que, apesar de fornecer frutos grandes semelhantes a cabaças, não são utilizados

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como tal por serem tóxicos. Pode-se observar a espécie e seus frutos na Figura 2.49.

Figura 2.49. Espécie de Cerrado denominada coité (Crescentia cujete) cujas sementes existentes no fruto podem ser ingeridas depois de cozidas. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Na área da Terra Indígena Buriti ocorrem ainda mais fragmentos de vegetação de Cerrado entremeados com algumas espécies da Floresta Estacional como nas Aldeias Olho d’Água e Água Azul, por exemplo. Nesses casos, a cobertura vegetal está bastante alterada, o que se nota pela sua estrutura: domínio do cerrado baixo entremeado por alguns espécimes de grande porte como aroeira (Myracrodruon urundeuva), jacarandá (Jacaranda brasiliana), bocaiúva (Acrocomia aculeata),

capitão

(Terminalia

argentea)

ou

o

embiruçu

(Pseudobombax

grandiflorum) entre as de maior destaque. Algumas delas estão ilustradas na Figura 2.50.

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Figura 2.50. Acima: visão geral da formação antropizada e aberta de Cerrado com árvores isoladas. Abaixo: espécimes característicos da Floresta Estacional como o jatobá-damata (Hymenaea courbaril) e o embiruçu (Pseudobombax grandiflorum) em destaque na imagem à direita mostrando folhas jovens e fruto. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

A Aldeia Olho d’Água também apresenta cobertura vegetal de Cerrado de baixo porte com poucas espécies arbóreas que alcançam cerca de 4 m e muitas outras de fustes finos adensando o estrato arbustivo, bem desenvolvido. Trata-se de uma vegetação que dificulta a locomoção, pois um emaranhado de galhos, cipós e finos troncos impede a passagem. Mas esse ecossistema configura-se em bom habitat para espécies de répteis, especialmente lagartos, e algumas aves como a gralha observada no local (Cyanocorax cyanomelas). A Figura 2.51 ilustra esse ambiente.

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Figura 2.51. Aspecto da vegetação de cerrado de pequeno porte que ocorre na região da Aldeia Olho d’Água. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Entretanto, o jacarandá (Jacaranda brasiliana) foi encontrado florido também nessa formação, como se pode ver na Figura 2.52.

Figura 2.52. Destaque para a floração do jacarandá (Jacaranda brasiliana) no mês de setembro. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Orquídeas O grupo das orquídeas (família Orchidaceae) que ocorre nas matas remanescentes da Terra Indígena Buriti e arredores merece destaque pela

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diversidade de espécies, cores e formas encontradas, e por estar presente em muitas casas de diversas aldeias. Mulheres e crianças retiram alguns indivíduos da mata e os trazem para perto de suas casas. A Figura 2.53 ilustra algumas dessas espécies avistadas nas residências em diversas aldeias.

Figura 2.53. Orquídeas nativas coletadas na mata e trazidas para próximo às casas em diversas aldeias. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Matas ciliares e áreas úmidas Os Córregos Buriti, Cabeceira do Barreirinho, Cortado e do Meio são os principais recursos hídricos na Terra Indígena Buriti. As matas ciliares estão relativamente bem conservadas, como pode ser visto na Figura 2.54, e em muitos casos estão conectadas com outros fragmentos de vegetação formando, em

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conjunto com as matas ciliares de outros corpos d’água importantes corredores de dispersão da biodiversidade. Associados aos recursos hídricos ocorrem também algumas áreas úmidas onde estão presentes as macrófitas aquáticas e outras espécies exclusivas desses ambientes, incluindo algas e samambaias. Dentre os recursos hídricos mais importantes, o Córrego Buriti apresenta a mata ciliar em bom estado de conservação, embora apresente problemas em alguns trechos, como ausência de vegetação observada na Figura 2.54.

Figura 2.54. Córrego Buriti desprovido de vegetação em parte da margem esquerda. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Nas porções mais conservadas, a mata ciliar do Córrego Buriti apresenta uma composição florística de espécies comuns nesses ambientes como a sangra d’água (Croton urucurana), a embaúba (Cecropia pachystachya), a pimenta de macaco (Xylopia aromatica), as palmeiras bocaiúva (Acrocomia aculeata) e acuri (Attalea phalerata), esta última em algumas situações envolvida pela figueira-matapau (Ficus insipida) como na Figura 2.55.

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Figura 2.55. Aspecto da mata ciliar do Córrego Buriti com palmeiras acuri (Attalea phalerata), uma delas abraçada pela figueira matapau (Ficus insipida). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Os bambus também estão representados na Terra Indígena Buriti e são importantes para a cultura do Terena e úteis em seu dia a dia. Entre as espécies destacam-se a taboca (Guadua paniculata) e o taquarussu (Guadua tagoara) utilizados para diversos fins (artesanato, construções, utensílios). Em alguns trechos das matas ciliares, especialmente do Córrego Buriti, o taquaruçu chega a dominar a paisagem contribuindo para a diminuição da diversidade de espécies. Certos autores atribuem à ocorrência dessas espécies do gênero Guadua como oportunistas, isto é, são espécies secundárias que se beneficiam da antropização dos ambientes sob influência da Floresta Estacional para expandir-se. A Figura 2.56 ilustra a mata ciliar do Córrego Buriti na Aldeia Recanto.

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Figura 2.56. Mata ciliar do Córrego Buriti. À esquerda: visão geral com destaque para espécies comuns e de ampla distribuição geográfica. À direita: detalhe para o predomínio de taquaruçu em determinados trechos da mata ciliar. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

As áreas úmidas associadas ao Córrego Buriti na Aldeia Recanto, que se estendem entre as terras altas e a mata ciliar e que na estação chuvosa se enche de água segundo relato de moradores, estavam mais secas no período visitado, quando foi possível registrar a inflorescência de uma espécie terrestre de bromélia que emerge do estrato herbáceo (Figura 2.57). Nessa região associada ao Córrego Buriti, em trechos mais secos, foi possível observar a dominância de uma espécie arbustiva muito comum no Cerrado e que proporciona um mel muito valorizado no mercado: o assa-peixe (Vernonia polyanthes), conforme Figura 2.58.

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Figura 2.57: Área úmida associada ao Córrego Buriti com destaque para a inflorescência dessa espécie da família Bromeliaceae. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Figura 2.58. Formações arbustivas dominantes na planície de inundação do Córrego Buriti tomado pelo assa-peixe florido (Vernonia polyanthes). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

A mata ciliar do Córrego Cabeceira do Barreirinho é composta por espécies típicas desses ambientes e de ampla ocorrência e distribuição, apresentando grande diversidade biológica. Foram identificadas as palmeiras acuri (Attalea phalerata) e guariroba (Syagrus oleracea), espécies arbóreas como sangra-

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d’água (Croton urucurana), figueira (Ficus sp.) e angicos (Anadenanthera sp.), entre outras. A Figura 2.59 ilustra a mata ciliar do Córrego Barreirinho onde este é atravessado por uma estrada.

Figura 2.59. Córrego Barreirinho e sua mata ciliar em área antropizada devido à passagem de estrada, porém bem conservada e importante corredor ecológico. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Outra área úmida importante observada na Aldeia Água Azul apresenta uma vegetação característica e adaptada às condições permanentemente alagadas do ambiente, composta por algas, macrófitas aquáticas e espécies arbóreas. Essas áreas úmidas são importantes para a manutenção da fauna silvestre de anfíbios, organismos dependentes da água, que apesar de não constituírem fonte de recursos diretos para os indígenas, contribuem para a manutenção das cadeias alimentares silvestres, sustentando outros animais que aí sim, são de interesse direto das populações indígenas.

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Portanto, a conservação e mesmo a recuperação desses ambientes quando e se necessários deve ser priorizada devido a sua importância. A Figura 2.60 dá uma visão geral do ambiente descrito.

Figura 2.60. Vista geral de ambiente úmido na Aldeia Água Azul onde se notam próximo ao espelho d’água as macrófitas aquáticas e, ao fundo, a vegetação arbórea onde predomina a Xylopia emarginata (pindaíba). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Dentre as espécies observadas no ambiente aquático estão as macrófitas aquáticas aguapé (Eicchornia spp.), a casaca-de-couro (Echinodorus spp.) e a lanceta (Pontederia spp.), além de algas e pteridófitas, como as samambaias. Algumas das espécies arbóreas identificadas foram a embaúba (Cecropia pachystachya) e o ingá (Inga sp.), e os arbustos pertencem às famílias Onagraceae e Cyperaceae, muito comuns nesses ambientes aquáticos. A Figura 2.61 ilustra a vegetação encontrada.

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Figura 2.61. Acima: detalhe da vegetação de macrófitas aquáticas com destaque para o aguapé à esquerda e o casaco de couro à direita. Ao centro: espécies arbóreas em ambos os lados da estrada que corta o ecossistema. Abaixo: vegetação aquática. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

5.1.2 Fauna: observações e relatos A diversidade de espécies da fauna que ocorrem na área de influência do Empreendimento e da Terra Indígena Buriti foi encontrada, em parte, pelos estudos e levantamentos realizados anteriormente, nas fases de diagnóstico para a

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elaboração do EIA e, posteriormente, durante a fase de monitoramento na instalação das Linhas de Transmissão (CITTÀ, 2009; CITTÀ, 2010). Resultaram desses estudos uma diversidade de vertebrados representada por oito espécies de anfíbios, nove de répteis, 102 de aves e 20 de mamíferos. Os relatos revelaram também que a caça já não ocorre com a frequência de antes devido à diminuição das populações de animais silvestres decorrente do desmatamento e diminuição dos habitats disponíveis. Comentaram também que as cestas básicas de alimentação trazidas pela Funai acabam suprindo as necessidades das famílias, mas altera seus hábitos culturais em relação à alimentação. Durante os trabalhos de campo foram avistados alguns animais silvestres e outros foram também identificados por meio do relato dos indígenas ouvidos nas diversas aldeias. Nenhum espécime foi capturado de acordo com Termo de Compromisso assinado junto à Funai.

Peixes Segundo os relatos, as espécies de peixes que ocorrem nos ambientes por eles explorados são piau (Leporinus sp.), piraputanga (Brycon sp.), jeju (Hoplerythrinus sp.), curimbatá (Prochilodus sp.), cascudo (Hypostomus spp.), bagre (Pimelodus sp.) e lambari (Astyanax sp.). Esse último foi observado em pequena nascente de água cristalina na aldeia Lagoinha (Figura 2.62).

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Figura 2.62. Lambaris (Astyanax spp.) em águas cristalinas na Terra Indígena Buriti – Aldeia Lagoinha. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Répteis Não foram avistados répteis durante os levantamentos em campo, mas os relatos indicam a baixa diversidade ou interesse nas espécies desse grupo. À exceção das serpentes, devido ao perigo que representam. Quanto a esse grupo foi relatada a existência de muitos indivíduos de jararacas e jararacuçus, sendo a primeira muito venenosa e a segunda muito agressiva, porém não peçonhenta. Jacarés, cágados ou jabutis não ocorrem na região.

Aves As aves são um grupo de fácil observação e boas indicadoras de qualidade ambiental, embora a maioria das espécies observadas não tenham interesse para as populações indígenas. As Figuras 2.63 a 2.67, ilustram alguns registros de diferentes espécies observadas na Terra Indígena ou nos arredores.

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Figura 2.63. À esquerda: coruja buraqueira (Athene cunicularia) no topo de uma oca. À direita: gralha (Cyanocorax cyanomelas) em meio à vegetação de Cerrado. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Figura 2.64. Ecossistema lêntico em área próxima à Terra Indígena Buriti com diversidade de espécies de aves: tuiuiú (Jabiru mycteria), pato selvagem (Cairina moschata) e marrecas-caboclas (Dendrocygna autumnalis). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

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Figura 2.65. À esquerda o falcão acauã (Herpetotheres cachinnans) e à direita o gavião caboclo (ou fumaça) (Heterospizias meridionalis). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Figura 2.66. À esquerda: casal de araras-vermelhas (Ara chloroptera) e à direita: tucano toco (Ramphastos toco). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

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Figura 2.67. Exemplar domesticado de aratinga-de-testa-azul (Aratinga acuticaudata). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Mamíferos Não foram observados mamíferos diretamente nem encontrados indícios de sua existência. Entretanto dois animais mortos foram avistados e os demais citados neste levantamento foram relatados pelos indígenas, especialmente aqueles de interesse na alimentação. Outras espécies também foram citadas como de ocorrência na região, são elas: macaco-prego (Cebus apella), bugio (Alouatta caraiba), quati (Nasua nasua), veado campeiro (Ozotocerus bezoarticus), onça parda (Puma concolor), gato mourisco (Felis yaguarondi), lontra (Lontra longicaudis) e porco-espinho (Coendou sp.).

5.2 Terra Indígena Tereré ou Buritizinho A Aldeia Tereré é hoje, praticamente, um bairro da cidade de Sidrolândia. Apesar de ser Terra Indígena, a área situa-se no limite da zona urbana configurando uma ocupação do solo e relação com os recursos naturais, que são

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bastante escassos no local, muito diferente daqueles encontrados nas outras aldeias da Terra Indígena Buriti. A área recentemente incorporada aos 10 ha iniciais da Terra Indígena abriga a cabeceira do Córrego Cortado, importante recurso hídrico para as populações indígenas de todas as aldeias, preservando a mata ciliar e as áreas brejosas associadas. A mata ciliar, nas partes mais altas do terreno, apresenta alguns indivíduos arbóreos isolados e remanescentes da floresta estacional que ocorria na região como o jatobá (Hymenaea courbaril) e o ipê roxo (Tabebuia heptaphylla); já nas partes intermediárias a vegetação ciliar é dominada pela pindaíba (Xylopia emarginata). Por fim, as áreas úmidas apresentam vegetação herbácea bem desenvolvida e densa, com a presença de espécies como lírios-do-brejo, samambaias, melastomatáceas, entre outras. A Figura 2.68 ilustra os ambientes naturais remanescentes da Aldeia Tereré.

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Figura 2.68. Acima à esquerda: exemplares arbóreos nas áreas mais altas em relação à mata ciliar. Acima à direita: mata ciliar do Córrego Cortado. Abaixo à esquerda: vegetação de área úmida com destaque para os lírios-do-brejo. Abaixo à direita: aspecto da densa vegetação da mata ciliar do Córrego Cortado. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

CAPÍTULO III CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS ÉTNICOS: ETNICIDADE, HISTÓRIA, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E TERRITORIALIZAÇÃO Guaná-Txané é o termo genérico sob o qual são identificados os povos ancestrais dos atuais membros da etnia Terena. Nos registros de administradores, missionários, militares e viajantes dos séculos XVIII e XIX, também aparecem termos como Guaná, Chané ou Chané-Guaná, empregados com o mesmo propósito. Em conjunto, esses termos constituem categorias genéricas que provavelmente designavam vários grupos étnicos que habitavam a região do Chaco e do Pantanal, os quais possuíam semelhanças linguísticas, socioculturais e territoriais. As etnias indígenas outrora chamadas pelos citados apelativos genéricos, atualmente compartilham a identidade de pertencimento à família linguística aruák, hoje englobados sob o rótulo de Terena. Esta etnia pode ser caracterizada também pelo compartilhamento do mesmo macro-ambiente ecológico onde constituiu seu território, qual seja, a bacia hidrográfica do alto curso do rio Paraguai, onde se localiza a planície pantaneira e áreas adjacentes, como parte da região serrana de Maracaju. Hoje em dia, esses povos assumiram a designação genérica de Terena na maioria das áreas por eles ocupadas, embora nos últimos anos um segmento tenha

ganhado

visibilidade

ao

se

apresentar

como

pertencente

à

etnia

Kinikinao.Guaná, aliás, é um termo tupi, não sendo, portanto, uma autodenominação étnica ou etnômio. Os antigos Guaná falavam até o período anterior à guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), diversos dialetos aruák. Estavam divididos entre grupos Terena (Etelenoé), Echoaladi, Kinikinao (Equiniquinau) e Laiana (Layana). Em Buriti, até hoje os Terena identificam pessoas que seriam descendentes desses grupos, mas estas identidades particulares se diluíram na formação de uma identidade terena comum, em contraste com a identidade dos

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purutuya, termo pelo qual definem os brasileiros não-índios. Em outras terras indígenas ocupadas por populações terena, existe um movimento de emergência étnica, especialmente do grupo Kinikinao, que passou a reivindicar uma identidade exclusiva. É possível que nos próximos anos haja a emergência de outras etnicidades hoje englobadas sob a identidade Terena. Entre a primeira metade do século XVI e fins do século XVIII, grupos linguisticamente

aruák,

aos

quais

pertencem

os

atuais

Terena,

estavam

estabelecidos em áreas da planície inundável do Chaco e do Pantanal, regiões que posteriormente passaram a pertencer aos atuais territórios do Brasil, da Bolívia e do Paraguai.2 Na segunda metade do século XVIII, precisamente na década de 1770, havia muitos Terena nos arredores do povoado de Albuquerque (fundado em 1778) e do Forte de Coimbra (fundado em 1775), empreendimentos coloniais localizados no atual Município sul-mato-grossense de Corumbá. Havia ainda famílias Terena nas circunvizinhanças do antigo Presídio de Miranda (fundado em 1797), o qual deu origem ao município homônimo. Naquela época, esses indígenas já mantinham relações de amizade, reciprocidade e aliança com os militares a serviço do Rei de Portugal, conforme comprovado em vários estudos. Um deles é a conhecida História do Forte de Coimbra, escrito pelo general Raul Silveira de Mello (1958), grande especialista em história militar que levantou e analisou muitos documentos da época. Com efeito, desde então os Terena mantêm fortes alianças com os portugueses e lusobrasileiros. Chegaram mesmo a tomar posição, a favor de Portugal, na disputa lusocastelhana pela hegemonia e posse da região compreendida pela bacia do Alto Paraguai, incluindo a parte da planície inundável do rio Paraguai, atualmente identificada como Pantanal Matogrossense. A

2

Chaco é um termo de origem quéchua que significa algo como “lugar de caçada”, sendo popularizado pelos espanhóis e indígenas desde o período colonial, sobretudo nos atuais territórios correspondentes a países hispano-americanos como o Paraguai e a Argentina. Pantanal, por sua vez, é um termo de origem lusobrasileira, surgido no século XVIII, que significa, ao pé da letra, um coletivo de pântanos, embora seja empregado para designar uma grande planície de inundação. O fato é que Chaco e Pantanal também são os nomes dados para um mesmo bioma, como tem sido observado em Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Naquela região, brasileiros chamam a área de Pantanal e os paraguaios a chamam de Chaco. Sobre o assunto, ver Eremites de Oliveira (2002, 2003, 2004).

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contribuição dos ascendentes dos atuais Terena, e de outros indígenas como os Guató e Kadiwéu, foi decisiva para que o espaço geográfico compreendido pelo atual estado de Mato Grosso do Sul pertencesse a Portugal e, posteriormente, ao Brasil. Este aspecto da história do Brasil está muitíssimo claro em várias pesquisas concluídas por muitos especialistas em história indígena, dos quais mencionamos aqui apenas alguns deles: Bittencourt & Ladeira (2000), Cardoso de Oliveira (1968, 1976), Carvalho (1992), Carvalho et al. (2001), Eremites de Oliveira (1996, 2002), Eremites de Oliveira & Pereira (2003, 2007, 2010), Ferreira (2002, 2007), Herberts (1998), Magalhães (1999), Pereira (2009), Schuch (1995) e Vargas (2003). A estratégia geopolítica oficial da época era, pois, fazer com que os índios servissem de muralhas do sertão e guardiões das fronteiras em benefício do projeto expansionista lusobrasileiro, questão esta bastante conhecida entre antropólogos e historiadores (MEIRELLES, 1989; SCHUCH, 1995; VASCONCELOS, 1999; MACHADO, 2002). Daí compreender o fato de muitas aldeias terena terem sido constituídas, a partir da segunda metade do século XVIII, nas proximidades de fortificações militares e povoados lusobrasileiros. Em

tempos

coloniais,

esses

deslocamentos

territoriais

foram

motivados, também, pelo processo de conquista ibérica da região platina, inclusive por conta dos seguintes fatores: conflitos bélicos diretos, epidemias causadas por agentes patogênicos de além-mar e, ainda, ação violenta dos bandeirantes paulistas que vinham para essas terras em busca de indígenas, os quais eram feitos prisioneiros e vendidos como escravos em São Paulo. Não obstante, os europeus e seus sucessores euroamericanos também se valiam das rivalidades entre as sociedades indígenas, acirrando ainda mais os conflitos bélicos entre elas, para, dessa forma, tirarem vantagens em benefício de suas pretensões expansionistas. No período do Brasil Império, o Estado Nacional, conforme consta no ofício intitulado Reflexões sobre o systema de defesa que se deve adoptar na fronteira do Paraguay, em consequencia da revolta e dos insultos praticados ultimamente pela nação dos indios Guaicurus ou Cavalleiros, do oficial militar Luiz d’Alincourt (1857), escrito em 1826, a estratégia geopolítica do Império do Brasil foi a de seguir usando indígenas para o sistema de defesa da Província de Mato Grosso.

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A ideia era melhor guarnecer o Forte de Coimbra, os povoados de Albuquerque e Miranda, a fazenda da Poeira e a localidade de Camapuã, todos locais situados no que hoje em dia é o estado de Mato Grosso do Sul. Neste contexto geopolítico imperial, os antigos Guaná, dos quais os atuais Terena descendem, tiveram papel destacado entre todas as demais sociedades indígenas estabelecidas na região do Pantanal e adjacências. Chegaram mesmo a manter uma espécie de relação de simbiose com o Exército Brasileiro. Isto porque, dentre outros motivos, os antigos Guaná possuíam uma organização militar e clânica que favoreceu esse tipo de contato com a sociedade envolvente (OBERG, 1948). Esta questão chama à atenção para certa dívida histórica, se é que assim pode ser avaliada, do Estado Brasileiro – e, por conseguinte, da sociedade nacional – para com os Terena, sobretudo no que diz respeito à defesa de nossas fronteiras contra eventuais inimigos externos. Ocorre que os Guaná-Txané tiveram importante participação em favor das forças brasileiras durante a guerra entre o Paraguai e Tríplice Aliança (18641870). A importância desta participação está presente em vários relatórios de militares do período anterior à referida guerra, que já registraram a participação dos Terena na implantação dos fortes e presídios militares na região do Pantanal, cuja presença serviu para legitimar a região da bacia do rio Paraguai como território brasileiro. A presença dos Terena junto aos fortes desenvolveu um complexo sistema de interação e colaboração entre o exército e esse povo indígena. Esta interação foi baseada na proximidade, intimidade e identificação de propósitos comuns: por um lado os Terena recebiam proteção do exército, tendo aí um mercado onde podiam comercializar ou trocar produtos agrícolas por outros gêneros que não produziam, a exemplo de ferramentas diversas; por outro, o exército contava com o suprimento constante e seguro de alimentos para o destacamento militar. Este sistema de interação foi fundamental para a colaboração dos Terena durante o referido conflito bélico. Assim, no período anterior à guerra, os Terena geralmente receberam um bom tratamento, por assim dizer, dos brasileiros instalados nos fortes e

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presídios. Eram os Terena os principais fornecedores de alimentos como arroz, feijão, milho, galinhas, gado, etc. Recebiam em troca gêneros industrializados, como ferramentas e outros utensílios. Isso teria feito com que boa parte dos grupos Terena deslocasse a relação de simbiose que estabelecia com os Kadiwéu (ou Mbayá-Guaikuru) – grupo reconhecido como extremamente aguerrido e que teria logrado o controle bélico da região –, para os conquistadores europeus. A proximidade com os europeus sediados nos fortes e presídios teria levado a formação das grandes aldeias em proximidades. Existem muitos registros sobre a presença terena nas grandes aldeias que se estabeleceram no entorno dos fortes, presídios militares e missões religiosas antes da guerra entre o Paraguai e Tríplice Aliança. A leitura desatenta desses registros pode levar a uma compreensão equivocada da territorialidade terena no período anterior à guerra. Para evitar tal equívoco, vale destacar que a presença terena não se reduzia aos grandes aldeamentos junto a estes empreendimentos coloniais. Pelo contrário, a ação de missionários e militares sempre foi no sentido de agrupar as pequenas aldeias em pontos estratégicos do território para formar os grandes aldeamentos. Existia um grande número de pequenas aldeias dispersas por um amplo território, podendo ter ocorrido de algumas delas – que via de regra ficam fora dos relatos históricos do período – terem se estabelecido nas franjas da Serra de Maracaju, onde se localiza a área objeto da perícia, ainda no século XVIII. Os documentos históricos e, mais recentemente, a produção etnográfica e etno-histórica sobre o grupo, revelam que as transformações na estrutura social terena parecem espelhar as transformações históricas pelas quais passaram essa sociedade desde o período pré-colonial até os dias de hoje (EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003, 2007 2010). Os Terena praticam modelagens organizacionais flexíveis, definindo-se em cada momento pela possibilidade de resposta a dois fenômenos determinantes, quais sejam: a dimensão das unidades demográficas; e o contexto histórico das relações interétnicas. Na

concepção

terena,

o

tronco

se

constitui

como

modulo

organizacional fundamental da organização social, cujas características serão

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detalhadas adiante. Para o momento, pode-se dizer que o tronco é a base sobre a qual se organiza a parentela bilateral, o que lhe permite esta plasticidade. É nele que o fundamental da vida social cotidiana acontece, tornando possível a convivência contínua de um grupo de famílias aparentadas. Assegurado esse princípio, a sociedade pode assumir as mais variadas formas organizacionais, desde pequenas redes, compostas por um número restrito de troncos, até grandes aldeias com milhares de pessoas. No que se refere à guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, etnógrafos dos Terena como Fernando Altenfelder Silva, Roberto Cardoso de Oliveira e Gilberto Azanha, cujas obras estão citadas na bibliografia final desse relatório, elegeram a chamada este conflito bélico platino como um evento histórico de extrema importância para a história terena, uma espécie de divisor de águas (EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2007). Para eles, antes da guerra teria existido uma sociedade com grande complexidade do ponto de vista da organização social3: sistema de metades, clãs etc. Com a guerra, teria havido a dispersão das grandes aldeias e essa organização entrado-ia em uma espécie de colapso. Isso porque a maior parte das famílias passou a viver isolada em áreas de refúgio, até então não alcançadas pelas frentes colonizadoras, ou, ainda, em pequenos grupos de famílias ou mesmo famílias isoladas, estabelecidas nas fazendas onde se empregaram ou passaram a viver como agregados. Décadas depois, com a demarcação das reservas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) – criado em 1910 e antecessor da atual Funai, teria ocorrido a recomposição da vida comunitária ou aldeã, mas sem a complexidade anterior. Ocorre que nas áreas reservadas pelo Estado Nacional aos Terena, a população passou por uma nova territorialização e a população ali acomodada assumiu um 3

De um ponto de vista teórico, isso representa um complicador para o modelo de estrutura social descrito para os antigos Terena do período colonial. O que levou um dos autores do presente relatório a formular a hipótese da existência de uma estrutura social bastante versátil, sujeita a grande variação dependendo da dimensão populacional que configurava uma unidade de ocupação (Pereira, 2009). Tudo leva a crer que nesse período já existissem a organização social baseada nos troncos, módulo organizacional que será descrito adiante, atuando como operador da vida social, embora poderiam ter passado despercebido aos cronistas da época. Isso porque eles estavam preocupados com a instituição dos grandes ajuntamentos, como expressão da vida humana e civilizada. Mesmo na bibliografia atual, existe pouca referência aos troncos, pois sua apreensão exige um detalhamento descritivo ao qual os pesquisadores pouca vezes dedicaram atenção, mantendo o foco da análise na aldeia, mais perceptível para o observador externo (ver também Eremites de Oliveira 2003, 2007).

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novo formato organizacional, agora orientado a partir da ação do órgão indigenista oficial. Este assunto será retomado quando for tratado o modelo de organização social atualmente praticado pelos Terena de Buriti. Após o término da guerra, um contingente expressivo de excombatentes fixou-se na região onde estavam estabelecidos os Terena. A partir de então, a aliança das instituições do Estado Brasileiro com os Terena deixou de ser prioridade no sul do antigo estado de Mato Grosso, atual território sul-matogrossense, pois não mais havia inimigos externos para combater. A partir daí, já se dispunha de mão-de-obra não-índia suficiente para prover a produção de alimentos para os destacamentos militares, pois os pequenos povoados de brasileiros e paraguaios emergentes passam a ocupar o papel antes desempenhado quase que exclusivamente pelos Terena. Por este motivo começaram a surgir focos de atrito entre os novos ocupantes e os Terena, aparecendo as primeiras disputas por terras no período subsequente ao término da guerra, quando os índios retornaram para suas aldeias, mas as encontraram ocupadas pelos novos conquistadores, sobretudo fazendeiros, conforme documentado em fontes textuais da época e presente na memória social coletivo do povo indígena. Milhares de hectares do território correspondente à área de algumas aldeias terena foram ocupados por não-índios no período posterior a guerra, pois os novos ocupantes viam nestes locais espaços privilegiados para implantar suas fazendas. Essas pessoas aproveitaram as terras anteriormente cultivadas pelos indígenas, as quais são das mais férteis na região e onde se encontravam pastagens e pomares formados. Nesses casos, os Terena tiveram dificuldades de reaver suas terras e recorreram às antigas autoridades aliadas. Contudo, as relações políticas se alteraram rapidamente na região com a permanência de excombatentes, agora disputando espaço com os Terena. O término da guerra e a definição da região onde viviam os Terena como território brasileiro criou as condições necessárias para que particulares requeressem, em Cuiabá, capital do antigo Mato Grosso, terras indígenas não tituladas e tidas pelo governo estadual como terras devolutas. Este novo contingente se somou aos ex-combatentes que permaneceram na região, resultando em grande

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pressão sobre os territórios ocupados pelos Terena, pois desejavam regularizar terras e implantar fazendas na região (EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003, 2007). A dispersão das aldeias no pós-guerra parece ter provocado forte abalo na estrutura social Terena. Pela indicação das fontes escritas, talvez eles tivessem dificuldades em se organizar em grandes aldeias. Muitos passaram a viver em grupos de famílias radicadas em lugares ainda não atingidos pelas frentes colonizadoras. O mais frequente parece ter sido mesmo viver em fazendas como agregados, em um primeiro momento numa situação que identificam como cativeiro e depois na condição de camaradas de conta, sendo esta última situação quando a dependência econômica criava um vínculo permanente entre o trabalhador e o empregador. A dependência econômica dos Terena em relação aos fazendeiros se dava pela prática do sistema de barracão, em que a mercadoria retirada pelo trabalhador era anotada como adiantamento para depois ser descontada no pagamento do trabalho realizado. Via de regra isso gerava uma conta infindável, vinculando em caráter permanente o empregado ao patrão, não raramente com o que pode ser chamado atualmente de trabalho escravo. Tudo indica que com a destruição das grandes aldeias, muitas famílias terena passaram a se organizar com base no tronco familiar, composto por um número variável de famílias nucleares, com fortes vínculos parentais. Isto porque já não dispunham de autonomia política e territorial para se organizarem em aldeias. Subjugados pelas práticas colonialistas implantadas pelos novos ocupantes do território, os Terena tiveram de abrir mão de parte de sua organização social e se adaptar à nova realidade sócio-histórica e territorial. Com a criação de reservas pelo SPI, e o recolhimento da maior parte das famílias indígenas nessas áreas, os diversos grupos linguisticamente aruák começaram a se fundir, passando a compor a população hoje denominada de Terena. Tudo indica que é nessa nova condição histórica que emergiu atual ethos terena, ao menos tal como passou a ser reconhecido pelo estado brasileiro a partir das primeiras décadas do século XX.

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O governo nada fez como reconhecimento à participação dos Terena na guerra contra o Paraguai, ainda que desde o início até o fim estivessem ao lado do Exército Imperial. Não reservou a eles sequer terras para suas aldeias e os deixou completamente entregues à exploração colonialista, dentro do modelo arcaico de relações trabalhistas que se instaurou na região. Os Terena com mais de oitenta anos, como Lúcio Sol, Armando Gabriel (já falecido) e Leonardo Reginaldo, relatam as histórias de violência e exploração contadas por seus pais e outros parentes, a que estiveram sujeitas muitas famílias antes da atuação do SPI na região. Dizem que depois da guerra veio o período do cativeiro, quando muitas famílias terena trabalhavam na implantação de fazendas dos novos ocupantes, praticamente na condição de escravos.4 Mais tarde, segundo os mesmos Terena, veio o tempo da camaradagem, quando ficaram presos por dívidas infindáveis, contraídas junto aos patrões.5 Foi somente a partir da criação do SPI, em 1910, e dos trabalhos da Comissão Rondon, que os Terena passaram a ter algumas áreas de terras legalizadas, sempre insuficientes para a reprodução de seu sistema sociocultural e a procurar ajustar a demanda indígena aos interesses especulativos dos requerentes de terra na região. Os Terena pouco puderam fazer naquele período, pois desconheciam os processos que estavam em curso e não dispunham de canais institucionais para dar visibilidade ao atendimento de suas demandas. A conjuntura política também lhes foi extremamente desfavorável. O SPI mostrou-se pouco eficaz no cumprimento de suas atribuições legais para assegurar a posse das terras ocupadas pelos Terena. Logo após a criação desse órgão, o mesmo se esvaziou de poder para se 4

Na história do Brasil e mesmo na história da Antiguidade Clássica, escravo era aquele indivíduo comumente visto como um bem, uma propriedade de seu senhor. Por ser um bem, poderia ser comercializado ou mesmo perder a vida, caso assim quisesse seu dono. Entretanto, na história do Brasil um escravo, seja de origem africana, seja de origem ameríndia, era geralmente registrado na contabilidade dos senhores de fazendas como semoventes, categoria à qual também pertenciam animais como cavalos e vacas, via de regra bem tratados e alimentados, pois escravo era uma mercadoria cara. No caso dos Terena, o cativeiro foi uma situação de trabalho que lembra à escravidão, porém agravado pelo desrespeito, autoritarismo e precárias condições de sobrevivência a que foram submetidos. 5 Geralmente os Terena tinham de pagar até pelo próprio alimento que consumiam nessas fazendas, o qual era vendido pelos patrões. Além disso, recebiam salários irrisórios. Daí, também decorre o endividamento, que criava um vínculo de submissão nesses ambientes colonialistas.

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contrapor aos interesses dos grandes proprietários de terra, os quais também compunham a elite política e econômica local. Esses fazendeiros tinham interesses em legalizar grandes extensões de terra como propriedades particulares, e por isso se contrapuseram ao reconhecimento dos direitos indígenas sobre as terras que ocupavam tradicionalmente. Isso ocorreu mesmo com o empenho de alguns funcionários do órgão indigenista oficial, que deixaram importantes relatos sobre as dificuldades que encontraram em assegurar o usufruto indígena sobre as terras ocupadas pelos Terena de Buriti, hoje recolhidos nos 2.090 hectares demarcados como Terra Indígena Buriti, e na aldeia urbana de Buritizinho ou Tereré. As histórias de vida e os estudos genealógicos revelaram a existência de um fluxo de deslocamento territorial em direção à Terra Indígena de Buriti, que se manteve constante até pelo menos a década de 1970. Nesse período a população da Terra Indígena Buriti continuou crescendo pela incorporação de famílias egressas das fazendas da região. Essas famílias foram gradativamente dispensadas devido ao término de atividades ligadas à derrubada e formação de pastagens para bovinos. Membros dessas famílias trabalhavam nas fazendas na condição de agregados ou camaradas. Por isso, os 2.090 hectares da Terra Indígena Buriti se tornou gradualmente um local de refúgio para famílias dispensadas do trabalho nas fazendas da região e adjacências. A incorporação dessas famílias egressas das fazendas à vida comunitária na reserva era sempre possível devido à manutenção das redes de sociabilidades parentais entre os índios que viviam na reserva e aqueles que viviam nas fazendas. Até o início da última década do século XIX, os Terena cujos descendentes encontram-se hoje recolhidos nas aldeias da Terra Indígena Buriti e na aldeia urbana de Tereré, ocupavam uma ampla área abrangendo a microbacia hidrográfica do Córrego Buriti e outros córregos que nele deságuam (do Meio, Veada, Cortado ou Américo etc.), delimitada por suas cabeceiras nas franjas da serra, indo até sua foz e de seus afluentes, quando deságuam em rios maiores, como o Cachoeirão, que correm em direção ao Pantanal. Essa área era intensamente ocupada em suas atividades de construção de moradias, roça, caça, pesca e coleta. Apenas eventualmente mantinham mobilidade espacial para além

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desse perímetro. Exemplo disso se dava nos meses de novembro e dezembro, época do amadurecimento da guavira (Campomanesia sessiflora), quando subiam a Serra de Maracaju para a coleta da fruta nos campos situados nos chapadões, ou quando procuravam os cursos d’água maiores para pescarem em determinados períodos do ano. Na última década do século XIX, esse modelo de ocupação passou a confrontar-se com a colonização da região, iniciada pela demarcação da fazenda Correntes, em 1894. Nas três primeiras décadas do século XX, as terras de ocupação tradicional dos Terena do Buriti foram alvo de requerimento por parte de particulares que compraram essas terras do governo do estado de Mato Grosso. O próprio estado de Mato Grosso considerou equivocadamente essas mesmas terras como devolutas e, portanto, sujeitas à alienação por particulares, mediante o atendimento dos procedimentos formais que regulamentavam a compra de terras. Os índios reagiram como puderam – e segundo o grau de compreensão que tinham na época do processo histórico em curso – à transferência deles daquelas terras que há muito ocupavam, deixando-as para particulares nãoíndios. Neste sentido, os dados expostos no presente item permitem afirmar que permanece inconclusa a regularização da situação fundiária da população das aldeias situadas no interior da Terra Indígena Buriti. O processo administrativo conduzido pela Funai que propõe a ampliação da Terra Indígena Buriti de 2.090 hectares para 17.200 hectares é objeto de lide judicial que ainda aguarda uma definição final (Figura 3.1). Constata-se ainda que no interior dessa área demarcada os Terena construíram novas formas organizacionais, condizentes com o propósito de produção de praticas culturais por eles consideradas como próprias ao ethos terena. Conhecer tais práticas é fundamental para a compreensão da própria etnicidade do grupo.

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Figura 3.1. Área da Terra Indígena Buriti com a plotação de mais de 30 lugares investigados in loco, em 2003, pelos antropólogos que assinam o presente relatório, inclusive com nomenclatura terena para os córregos da região.

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Relativo à organização social, política e econômica dos Terena de Buriti, sabe-se que no período colonial os diversos grupos chamados genericamente de Guaná ou Chané, que hoje compõem a população terena em geral, dispunham de uma organização social bastante complexa, com base no sistema de metades e clãs. Este complexo sistema provavelmente forneceria orientação para as escolhas matrimoniais, a vida econômica, a organização política e as práticas rituais. Infelizmente este sistema não foi documentado por antropólogos profissionais e dele há apenas fragmentos de relatos de viajantes e administradores, cuja precisão etnográfica é bastante frágil. Provavelmente, também, esse sistema geral apresentava variação entre grupos Guaná-Txané, com distinções no plano da morfologia social e ordenamentos cosmológicos. Estas distinções, juntamente com as variações dialetais, comporiam um arcabouço de sinais diacríticos legitimadores dos processos de construção de identidades particulares entre os diversos grupos culturalmente próximos. No caso da Terra Indígena Buriti, algumas famílias ainda reivindicam a ascendência a determinados grupos, como os Laiana e Kinikinau, e tal reivindicação continua a desempenhar algumas funções na organização social e nos arranjos políticos locais. O modelo de organização social terena do período colonial é pouco conhecido ou conhecido de maneira imprecisa, mesmo com o esforço do antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira (1976) em reconstituir o que teria sido a antiga forma de organização social terena. Isso porque as descrições sobre os Terena no período colonial não são resultado de trabalhos de etnólogos profissionais, com domínio das técnicas de descrições e análise dos sistemas de parentesco, residência, liderança etc., o que em grande medida compromete a qualidade daqueles dados etnográficos. Mesmo na situação atual, não se dispõe de nenhum trabalho exaustivo dessa natureza entre os Terena contemporâneos, até porque a preocupação predominante das investigações antropológicas tem sido as interfaces da sociedade terena com a sociedade nacional (FERREIRA, 2002, 2005). A observação da organização social e política dos Terena de Buriti, realizada durante a pesquisa de campo, indica profundas transformações na forma

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de exercício de liderança, ao menos quando comparada com o modelo descrito para os ancestrais dos atuais Terena. Em grande medida isso pode ser creditado à situação histórica que impôs o recolhimento das famílias na atual reserva de 2.090 hectares. A mudança no uso do território implicou em transformações econômicas e o redimensionamento do plano da organização social e política. Esta situação é conhecida na antropologia social brasileira com processo de territorialização, assim definido por João Pacheco de Oliveira: O que estou chamando de processo de territorialização é, justamente, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo – nas colônias francesas seria a “etnia”, na América espanhola as “reducciones” e “resguardos”, no Brasil as “comunidades indígenas” – vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionariam como meio ambiente e com o universo religioso) (PACHECO DE OLIVEIRA, 1998:56).

Em complementação a esta idéia, o referido autor assim definiu a noção de territorialização: ... a noção de territorialização é definida como um processo de reorganização social que implica: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado (PACHECO DE OLIVEIRA, 1998:55).

Assim, deve-se ter claro que a organização social aqui analisada resulta, na verdade, de um processo de territorialização decorrente do assentamento dos Terena na reserva correspondente à Terra Indígena Buriti, criada pelo Estado Nacional na década de 1920. Soma-se a isso o aumento dos contatos interétnicos com os purutuya estabelecidos na região serrana de Maracaju, muitos dos quais obtiveram título de propriedade de terras estabelecidas no território tradicionalmente ocupado pelo grupo. A partir dos dados disponíveis na literatura etno-histórica e etnológica sobre os Terena de Buriti, é razoável propor a hipótese de que a partir da dispersão das grandes aldeias formadas em torno de missões ou estabelecimentos militares,

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no período anterior à guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), a organização social do grupo passou a se basear prioritariamente nos troncos familiares. Significa que cada família extensa cognática, de acordo com os Terena, é organizada por um responsável, denominado tronco. Cabe a este indivíduo articular a vida social e econômica dentro do círculo de famílias nucleares que formam um aglomerado de residências próximas, facilmente identificáveis nas aldeias de Buriti, assim como em qualquer outra reserva terena. No plano do discurso formal ou ideológico, os Terena costumam apresentar um homem de idade avançada como referência do tronco. Expressam assim o formato de sua organização política. Entretanto, na maioria dos casos as atribuições políticas a ele relacionadas são desempenhadas pelo casal de velhos, apoiados pelo núcleo de parentes mais próximos, muitos deles pertencentes ao mesmo segmento geracional do homem identificado como tronco. Em certos casos, pode-se ouvir a expressão troncos como referência a todos os velhos das aldeias de Buriti, o que implica no reconhecimento de que eles são articuladores desses grupos aos quais pertencem. Implica também no reconhecimento de que esses troncos construíram um leque de alianças entre si, o que permite a formação das aldeias e da comunidade constituída pelo conjunto das oito aldeias que dividem aquela terra indígena. Embora interligadas por direitos e deveres de solidariedade econômica, cada uma das famílias nucleares que compõem um tronco têm significativa autonomia no plano da produção econômica. Isto permite que haja diferenciação econômica entre as famílias que compõem um tronco, embora os dispositivos de solidariedade atuem sempre como um mecanismo de promoção de equiparação, impedindo a instauração de diferenciações econômicas mais radicais. Em Buriti não se encontra pessoas que possam ser consideras ricas, nem quem vive na miséria absoluta, pois os membros da comunidade sempre podem contar com o socorro dos parentes numa situação extrema. A chefia, para além da área de influência do articulador do tronco, é, hoje em dia, voltada predominantemente para o cenário de relação com as agências da sociedade nacional.

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É neste cenário que entra a figura do cacique, representante político de cada uma das oito aldeias da Terra Indígena de Buriti, localizada em Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, e da aldeia urbana de Tereré (Terra Indígena Buritizinho ou Tereré), situada na periferia da cidade de Sidrolândia. Como muitos troncos velhos não têm facilidade de mobilidade, escolaridade e outros atributos requeridos para o ocupante do cargo de cacique, comumente eles delegam esta função para alguma pessoa da comunidade, considerada apta para o cargo. O cacique é escolhido por voto, através de um processo eleitoral, mas os membros de cada tronco acompanham a orientação dos mais velhos. Embora os caciques sejam os responsáveis pelo gerenciamento das relações dos Terena com a sociedade nacional e suas agências, isto não caracteriza uma dicotomia rígida entre o papel de líder exercido pelo tronco no âmbito de sua parentela, e a liderança da aldeia, exercida pelo cacique. Na esfera de uma aldeia, as formas de lideranças exercidas pelo cacique e aquelas exercidas pelos troncos velhos delineiam círculos de proximidade e distância, com base na intensidade e densidade de relações que se efetivam em uma rede de troncos aliados. A estrutura social pode ser pensada como um modelo concêntrico, em que se têm do centro para a periferia a seguinte configuração: família nuclear, tronco, aldeia, comunidade (enquanto conjunto de aldeias que ocupam uma mesma terra indígena), a etnia (os Terena), os aliados não-terena, os aliados potenciais e os inimigos. Do centro para a periferia amplia-se o horizonte da vida social, ao mesmo tempo em que diminui a intensidade e densidade das relações. O sentimento de pertencimento a uma família nuclear é permanente, enquanto que o de aldeia, por exemplo, só surge em contexto de interação mais ampla, não sendo explicitado a todo o momento. Os Terena sentem-se plenamente inseridos no cenário multiétnico regional e nacional, tendo plena consciência da impossibilidade – e da falta de desejo – de suas comunidades desenvolverem uma existência totalmente autônoma e isolada em relação à sociedade nacional envolvente. Apresentam-se como plenamente participantes da sociedade brasileira, reivindicam direitos e assumem os deveres que regem a conduta dos membros nessa sociedade. Entretanto, reivindicam o direito à alteridade, ou seja, o respeito ao direito de existirem enquanto

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comunidade organizada, constituída a partir de padrões culturais herdados de seus ancestrais, reelaborados e ressignificados em contextos sócio-históricos marcados pelas relações que mantêm com a sociedade nacional. Os Terena concebem sua cultura como dinâmica. Daí a facilidade de incorporação de novos elementos culturais. Contudo, na inovação permanece a lógica terena que se expressa em formas de conduta própria, como por exemplo a manutenção

dos

princípios

básicos

da

organização

social

e

política,

esquematicamente apresentados em unidades sociológicas como o tronco. O cacique existe para cuidar da relação com a sociedade nacional. Com isso asseguram aos troncos que compõem cada aldeia sua participação na vida política da Terra Indígena Buriti e nas políticas a elas destinadas pelas diversas agencias da sociedade nacional: Funai, Funasa, prefeituras municipais de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, universidades etc. Isto é realizado da maneira por eles considerada mais adequada, segundo seus usos e costumes, ou seja, atendem às necessidades básicas das famílias e procuram evitar conflitos e desavenças entre elas e os troncos. Segundo os Terena Armando Gabriel, já falecido, e Leonardo Reginaldo, 91, os quais exerceram cargos de caciques em aldeias na Terra Indígena Buriti por mais de três décadas, a instituição do cacicado em Buriti teve a participação direta de funcionários do SPI. Foi o caso do militar Horta Barbosa, defensor da idéia da necessidade de organização dos índios nesse formato de chefia. Segundo a afirmação de Armando Gabriel, o objetivo desse convencimento era procurar assegurar uma participação indígena mais digna na vida nacional. Dessa maneira, o cacique está diretamente relacionado à vida social dentro da terra reservada para os índios, sob a direção do Chefe do Posto do SPI. Segundo os Terena informaram, o primeiro cacique da comunidade de Buriti, Joaquim Teófilo, teria sido nomeado em 1922. Foi sucedido, por volta de 1926, por Joaquim Loureiro de Figueiredo, quem permaneceu no cargo até 1959. No início foi cacique de toda a população e, depois da primeira divisão da população em mais de uma aldeia, quando surgiram as aldeias Córrego do Meio e Água Azul, passou a liderar somente a população da aldeia Buriti.

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Ainda segundo os dois ex-caciques referidos no parágrafo anterior, o cacique Joaquim de Loureiro Figueiredo morou inicialmente no Barreirinho, mas com as pressões dos fazendeiros acabou por acompanhar a transferência dessas famílias para as proximidades do Posto do SPI, seguindo orientação do então chefe daquele estabelecimento, Alexandre Honorato Rodrigues. Foram encontradas referências documentais que comprovam estes dois fatos: Roberto Cardoso de Oliveira (1976:85) menciona a presença em Buriti do cacique Joaquim Loureiro de Figueiredo, que o autor identifica como um de seus informantes quando esteve no local, em julho de 1955; a transferência das famílias do Barreirinho para a área do Posto do Buriti foi documentada pelo próprio chefe de Posto, Alexandre Honorato Rodrigues, em documento endereçado ao seu superior hierárquico no SPI, bem como em fotografia da época. A Figura 3.2 ilustra o momento em que o então delegado do Posto Indígena Buriti, Alexandre Honorato Rodrigues, retirou diversas famílias do Barreirinho, enviando-as para a aldeia Buriti. São dezenas de pessoas obrigadas a deixar aquela área há muito ocupada tradicionalmente.

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Figura 3.2. Fotografia tirada em 1937. Segundo escrito em seu verso, no momento em que o então delegado do Posto Indígena Buriti, Alexandre Honorato Rodrigues, retirou diversas famílias do Barreirinho, enviandoas para a aldeia Buriti. Esta fotografia está exposta em um quadro que pertence à família Figueiredo, residente na aldeia Buriti, defronte à atual sede do Posto Indígena da Funai. Alexandre Honorato Rodrigues é aquele que aparece à frente das demais pessoas, sentado em uma cadeira, em uma pose que demonstra, simbolicamente, o exercício de sua autoridade, outorgada pelo cargo que ocupava no antigo SPI, ao interferir diretamente no destino da vida dos indígenas da região.

Faz-se necessário traçar ainda algumas considerações sobre o significado das denominações de aldeias na Terra Indígena Buriti, enquanto unidades administrativas reconhecidas pelo SPI/Funai. Na organização política da população que compõe essa área, a aldeia constitui atualmente uma unidade administrativa composta por diversos troncos associados. Consta que esse formato de organização político-administrativa apareceu a partir da ação do SPI, nas primeiras décadas do século XX, a partir de 1922. Isso teria acontecido com o intuito de facilitar a implantação das atividades assistenciais e administrativas do órgão indigenista oficial junto à população terena

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da região. No início, foi reconhecida apenas uma aldeia, denominada Buriti, para a qual foi nomeado um cacique. O processo de nomeação teve interferência direta do representante do SPI, que escolhia a pessoa julgada mais habilitada para o exercício do cargo. O cacique estava assim diretamente subordinado ao chefe de Posto, sendo uma espécie de auxiliar na atividade de mobilizar e organizar a comunidade para as ações que o órgão pretendia desenvolver. Uma de suas atribuições era arregimentar pessoas para as atividades de produção mantidas no período inicial de sua atuação, como, por exemplo, a criação de gado, o plantio de lavouras e pomares etc. Segundo informaram os Terena, nesse período os caciques eram extremamente enérgicos com a população, investidos da autoridade a eles delegada pelo chefe de Posto. Também contavam com um grupo de homens armados. Muitas famílias preferiam continuar a morar em fazendas como peões a se subordinarem aos excessos de autoritarismo do chefe de Posto e do cacique. A instituição do cacicado paulatinamente passou a ser apropriada pelos Terena e direcionada para o atendimento de outras demandas internas à comunidade e externas no que se refere à sociedade nacional. Essas necessidades surgiram no cenário de vida das famílias indígenas territorializadas na reserva e envolveram os outros agentes e instituições participantes deste cenário. É assim que, investido da autoridade outorgada pelo cargo ocupado, gradativamente o cacique começou a mediar ações como: contratos de trabalho entre índios e proprietários ou empresas rurais; programas de instituições públicas voltadas para o atendimento da população indígena; programas desenvolvidos por igrejas, universidades e entidades da sociedade civil organizadas; conflitos internos relativos à convivência na aldeia entre os troncos que a compõem; ações e negociações por envolver o interesse de diversas aldeias ou mesmo de outras terras indígenas. Nesse processo pode-se dizer que a instituição do cacicado foi apropriada pelos Terena, que a colocaram a serviço do modelo organizacional por eles desenvolvidos no ambiente de vida instituído na reserva.

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As atribuições assumidas pelo cacique, e as transformações por que passa esta instituição política, acompanham as alterações no cenário do contato interétnico. Existe uma dinâmica permanente que altera a todo tempo o cenário no qual os Terena estão inseridos e que é, em grande medida, responsável pelo surgimento de novas aldeias dentro da Terra Indígena Buriti. A demanda pela criação de uma nova aldeia surgiu, pois, com o aparecimento da articulação de uma rede de alianças entre troncos ansiosos por se organizarem enquanto unidade política independente. Em décadas passadas, duas novas aldeias se desmembram de Buriti: Córrego do Meio e Água Azul. Recentemente surgiram novas aldeias: Barreirinho, Oliveira e Lagoinha. Segundo informação oral dos Terena mais velhos, por volta da década de 1940 teria ocorrido a entrada de brancos “desordeiros” em alguns pontos da reserva. Esses não-índios aterrorizaram-nos e praticaram violência, principalmente contra as mulheres que eram ameaçadas por parte de forasteiros. Consta que o terena Ataliba Alcântara, irmão de Senhorinha, uma das principais rezadeiras de Buriti, falecida recentemente, teria sido atingido por um tiro na perna quando tentou defender sua família em uma destas investidas. Como era difícil avisar as lideranças e autoridades locais a tempo de evitar tais atrocidades, o chefe de Posto decidiu formar dois destacamentos de segurança armada para fazer frente a estas tentativas. Com o tempo, estes destacamentos evoluíram em sua autonomia e passaram a ser reconhecidos como aldeias autônomas, lideradas por caciques. Sobre o assunto, vale ressaltar que até hoje o cacique do Buriti, a aldeia mais antiga e mais numerosa da região, mantêm certa proeminência sobre as aldeias mais novas, pois é considerada como aldeia central, diretamente ligada à administração do Posto da Funai. Entretanto, as outras aldeias gradativamente evoluem para formas políticas mais autônomas. Do ponto de vista da morfologia social encontrada entre os Terena de Buriti, pode-se dizer que o tronco corresponde na atualidade ao principal módulo organizacional. Dele deriva a estrutura da vida social nas diversas aldeias radicadas na terra indígena homônima. A idéia de tronco expressa a função agregadora

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desempenhada pelas pessoas mais idosas, especialmente os homens, que através do prestígio acumulado se articulam para reunir os parentes e orientar a conduta dos membros da família. O tronco é o foco central da sociabilidade e núcleo de densidade das relações de reciprocidade e conviviabilidade. Com efeito, a aldeia aparece como uma constelação de troncos, cuja unidade política pode ser constantemente colocada em risco pela tensão entre os interesses particulares dessas lideranças que a compõem. Disso resulta a exigência de grande habilidade por parte dos caciques, um por aldeia, eleitos por período determinado, geralmente dois anos, embora possam ser reeleitos ao cargo. Alguns troncos são considerados os mais antigos e politicamente mais importantes na aldeia, sendo deles que normalmente saem os candidatos ao cargo de cacique. A aldeia atua como unidade na figura do cacique, responsável, no nível interno, por gerenciar os interesses muitas vezes conflitantes entre os diversos troncos e, no nível externo, representando a comunidade da aldeia junto aos órgãos públicos e entidades da sociedade civil com os quais se relacionam. No planto microssociológico, o grupo de parentes está articulado em torno da figura de um líder, geralmente um velho, um ancião identificado como um tronco. Caso esse velho venha a falecer, sua esposa pode assumir a posição de pessoa de referência para o grupo de parentes e, nesse caso, no plano interno das relações interpessoais o tronco passa a ser uma mulher idosa. Ele também pode ser substituído por um irmão ou filho mais velho. O mais comum, entretanto, é que a referência seja não apenas o homem, mas o casal de velhos. Cabe a ele reunir alguns atributos, como a estabilidade conjugal, o conhecimento da tradição e o carisma reconhecido para unir os parentes, resolver problemas de convivência interna ao grupo e dar conselhos para os mais jovens. O Terena Vicente da Silva, 74, em 2003 expressou a noção de tronco da seguinte forma: “O Terena é igual uma árvore, vai sementando em roda”. Com efeito, esta é uma definição que muito bem exemplifica a idéia de tronco: a imagem de uma árvore que frutifica e lança sementes ao seu redor para difundir e proliferar sua espécie em volta de si mesmo (EREMITES DE OLIVEIRA & Pereira, 2003).

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Embora os troncos se sintam participantes de uma cultura terena comum, compartilhada em toda a aldeia, consideram que cada um deles desenvolve formas de sociabilidade própria, inspiradas na conduta e índole de seu articulador. Disso resulta que o tronco é percebido como propagador de um estilo de vida, baseado na interpretação dos padrões morais e na efetivação da regra de convivência estabelecidas desde o tempo dos ancestrais reais e míticos. Assim, os membros de um tronco desenvolvem refinada sensibilidade para distinguir pequenas nuanças comportamentais, atribuídas a pessoas pertencentes a troncos distintos. A estruturação do tronco enquanto unidade sociológica se reflete diretamente na ocupação espacial, norteando a territorialização da sociedade. Isto acontecia no passado, quando os Terena de Buriti dispunham de amplos espaços ligados a sua antiga territorialização. Depois, quando foram assentados no espaço destinado à reserva, outrora pouco mais dos atuais 2.090 hectares, sofreram restrição no espaço ocupado e passaram por um processo de territorialização. Os dados acrescentados nos parágrafos seguintes introduzem uma dimensão histórica e dão maior consistência a essas formulações de natureza sociológica. Alguns documentos administrativos do SPI e depois da FUNAI, anexados ao processo administrativo de ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, de 2.090 para 17.200 hectares, fazem referência a nomes de várias aldeias como Paratudal, Invernada,6 Veada, Barreirinho, Buriti etc. Em um primeiro momento,

a

nominação

dos

locais

como

aldeias

parece

ter

decorrido,

principalmente, da necessidade do SPI identificar administrativamente a região. Outros purutuyas ou não-índios com os quais os Terena se relacionavam também tinham a mesma necessidade, ainda que por motivos diferentes. E foi assim, 6

No relatório intitulado Memorial sobre as Terras do Córrego Burity, do coronel Nicolau Bueno Horta Barbosa, quem exerceu diversos cargos no SPI, consta, por exemplo, que Invernada era o termo aplicado localmente para designar um lugar de concentração de algumas famílias indígenas (EREMITES DE OLIVEIRA & PEREIRA, 2003). Esse local passou a ser denominado Invernada porque, segundo os indígenas mais idosos, ali os fazendeiros esconderam seu gado durante períodos de turbulência política local. O referido documento atesta ainda que o termo colônia era usado para fazer “referência aos índios”, ou seja, aos da Invernada e de outros locais por eles ocupados no entorno da área demarcada pelo SPI. Assim, naquele período (primeira metade do século XX), colônia era o correlato ao que se denomina hoje de aldeia, explicação esta que auxilia na compreensão da história dessa categoria lingüística.)

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portanto, que historicamente surgiram denominações específicas para as seguintes aldeias: Invernada, geograficamente situada entre os Córregos Cortadinho e Cafezal; Paratudal, entre o Córrego da Veada e a Serra de Maracaju; Cafezal, nas margens do Córrego da Veada; Arrozal, onde tinha uma nascente propícia ao plantio de arroz; dos Cabeludos, situada nas proximidades da nascente do Córrego do Meio; etc. Todas estas localidades ficam no interior da área proposta para ampliação da Terra Indígena Buriti e foram devidamente periciadas em 2003 (EREMITES DE OLIVEIRA & PEREIRA, 2003). As denominações de certos locais como aldeias refletem a maneira como os não índios apreenderam e registraram a presença indígena na região do Buriti, atendendo suas necessidades de identificação, nomeação e localização. Isso porque a denominação aldeia, empregada para certos locais ocupados por determinados troncos, por vezes surgiu em um cenário de contatos interétnicos há muito estabelecido na região.7 O caso da aldeia Invernada, situada na margem esquerda do Córrego Buriti, por exemplo, é instrutivo para a compreensão deste aspecto da organização social. Em 2003, o Terena Leonardo Reginaldo, 90 anos,

7

O cenário de contatos interétnicos ou cenário multiétnico diz respeito ao modelo de interação desenvolvido entre os Terena e a população não-indígena, oriunda de outras regiões do Brasil que ali se estabeleceu em caráter permanente a partir do século XX. Esta interação combina formas de convivialidade que se expressam na reciprocidade econômica, participação conjunta em atividades festivas e religiosas e casamentos interétnicos. Também expressa conflitos de interesse na disputa pela terra, tentativas de exploração da mão-de-obra indígena e dificuldades de convivência com base nas diferenças culturais entre estas populações.

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informou que os revoltosos

8

aproveitaram a existência de gramíneas que serviam

como pasto para os cavalos criados pelos índios para ali esconderem seu gado. 9 Nessa época, os índios cultivavam estas pastagens para seus cavalos e umas poucas cabeças de gado, sendo o local denominado de aldeia Invernada. Outras áreas habitadas por troncos foram nomeadas por característica do meio ambiente. Receberam o nome de um córrego próximo, como é o caso da aldeia da Veada, ou a maior ocorrência de alguma planta, como é o caso da aldeia Paratudal, local onde existiam muitas árvores do tipo paratudo (Tebebuia aurea), muito utilizada para fins medicinais. É importante deixar claro que o conceito de aldeia, incorporado ao vocabulário administrativo, científico e mesmo ao senso comum, é definido no conhecido dicionário Aurélio (HOLANDA FERREIRA, 1996: 79) como: “1. Pequena povoação, de categoria inferior a vila; povoação rústica, povoado. 2. Povoação constituída exclusivamente de índios; maloca”. Foi assim,portanto, que os não-índios muitas vezes viram os aglomerados de casas habitadas por famílias nucleares terena, organizadas em torno de um tronco familiar. O conceito de aldeia, cuja origem remonta à Europa, foi

8

Torna-se difícil precisar a quais personagens históricos dizem respeito à categoria revoltosos. Com certeza ela se refere a determinados não-índios, proscritos do convívio com a sociedade nacional, motivo pelo qual se aventuravam nos sertões ermos. Os Terena mais idosos parecem denominar como revoltosos retirantes da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), refugiados políticos de diversas revoluções, refugiados da Coluna Prestes e bandidos comuns perseguidos pela Justiça. Isso se explica pelo pouco domínio desses velhos sobre os processos políticos do Estado Nacional, ocorrência comum entre indígenas e a população regional) menos letrada de regionais que trabalhavam como peões nas fazendas de gado do antigo Mato Grosso, conforme Eremites de Oliveira & Pereira (2003) verificaram em algumas entrevistas realizadas em Buriti. Como explicou o Terena Leonardo Reginaldo, 90, a chamada Guerra do Paraguai parece ter marcado profundamente a consciência terena, subseqüente a participação na guerra veio o tempo do cativeiro, período em que esses indígenas foram obrigados a trabalhar praticamente como escravos nas fazendas; em seguida veio o tempo da camaradagem, quando viviam como agregados nas fazendas. Com a atuação do SPI, no início do século XX, foram demarcadas as primeiras reservas e teve início, então, a atuação do órgão indigenista oficial no sentido de recrutar os indígenas que viviam nas fazendas para o interior das reservas demarcadas como terra indígena. 9 O uso de cavalos pelos Terena é bastante antigo, conforme consta em fontes textuais e na literatura etnohistórica sobre o período colonial. Provavelmente ele teve início no tempo em que os Terena se relacionavam intimamente com os antigos Mbayá-Guaikuru, dos quais os atuais Kadiwéu descendem. Nas genealogias realizadas por Eremites de Oliveira & Pereira (2003), os antropólogos encontraram descendentes desses índios vivendo com os Terena de Buriti. Este é o caso, por exemplo, do Terena Manuel Lemes da Silva, 76, cujo avô paterno era Kadiwéu, fato este que atesta a antiguidade da convivência entre os dois grupos étnicos na comunidade terena de Buriti e prováveis trocas culturais.

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incorporado à produção antropológica brasileira, principalmente através da literatura etnográfica que descreve as características morfológicas das sociedades africanas. De todo modo, cabe salientar que entre os Terena da região de Buriti cada tronco ocupa uma determinada região, a qual também é utilizada para a prática de agricultura, podendo dividir com outros troncos as áreas de caça, pesca, coleta e obtenção de outros recursos naturais por eles explorados. O tronco goza de direitos exclusivos sobre a área de terras sobre sua jurisdição. Segundo explicou em 2003 o indígena Armando Gabriel, 85, citado anteriormente e já falecido, sempre fez parte dos costumes dessa etnia a distribuição das famílias em troncos, radicados em distintos locais de uma área de terra mais ampla, reconhecida como área de ocupação de outros troncos, igualmente constituídos. Esta distribuição visa maximizar o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis no território, pois segundo suas palavras: “o Terena gosta de morar onde tem mais abundância”. Esta distribuição também facilita a convivência social, pois no tronco convivem pessoas que se consideram relacionadas por laços de parentesco próximos, baseados na consangüinidade ou afinidade. Por outro lado, esta forma de organização social, espacialmente perceptível, também serve como estratégia de adaptação cultural ao meio ambiente local, desenvolvida com o propósito de minimizar os impactos negativos por eles causados sobre os recursos naturais da área ocupada. A disposição dos troncos exerce menos pressão sobre os recursos de determinada região (solos agricultáveis, caça, pesca, coleta, madeira para construção etc.). Mesmo na reserva de 2.090 hectares, a Terra Indígena Buriti, é possível notar que a divisão em troncos permite a manutenção de pequenas faixas de transição entre o local de ocupação de cada um deles. O mais comum é que estas faixas sejam cobertas por matas e capoeiras, instaurando um balizamento entre as áreas de jurisdição dos troncos, assim situados a uma distância favorável para resguardar o necessário sentimento de exclusividade de ações políticas e sociais consideradas de fórum exclusivo de cada um. Outra consequência é as faixas que delineiam a diferenciação dos territórios de cada tronco, as quais servem como áreas de regulação ambiental.

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O tronco reúne um número variável de famílias nucleares, dependentes do número de parentes de seu articulador, bem como de sua capacidade de agregar as pessoas e resolver os problemas que surgem na convivência familiar, tais como: desentendimento de casais, querelas entre vizinhos, desavenças entre pais e filhos etc. Uma de suas principais atribuições é chamar a atenção dos parentes para as vantagens de viverem juntos e em harmonia. O tronco dispõe de total autonomia na condução dos assuntos políticos locais, constituindo a unidade sociológica em que se desenvolve a vida cotidiana e a maior parte das relações de sociabilidade das famílias terena. É muito comum que um tronco tenha relações privilegiadas e de maior proximidade social com determinados troncos aparentados e que acumularam um histórico de alianças políticas. Do ponto de vista das relações matrimoniais, foi possível constatar os troncos se associarem por relações de afinidade, pois com frequência os indivíduos de um tronco buscam parceiros matrimoniais em outros. Isso gera redes de alianças porque os parentes estão distribuídos por vários troncos. Estas redes de alianças supralocais, com densidades variáveis, construídas a partir do prestígio de determinados líderes, poderiam sim ser identificadas como aldeias, em seu sentido mais amplo e comumente empregado em diversos relatos etnográficos de populações indígenas no Brasil. A regra de residência após o casamento coloca como preferência à vinda do genro para o local de residência do sogro. Esta regra é conhecida como patrilocalidade, mas isso pode ser mudado caso o pai do noivo tenha maior importância política do que o da noiva. É comum também o jovem casal escolher um novo local para fixar residência após o nascimento de filhos, considerado um indicador da estabilidade da união matrimonial. Esta mudança é sempre combinada com o representante do tronco ao qual o casal se filia, e demonstra a pretensão do jovem casal em levantar o seu próprio tronco. De qualquer forma, a regra de residência e mesmo os seus desvios, são sempre justificados a partir da intenção de estruturação de troncos familiares, elemento essencial no desenvolvimento da pessoa terena.

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A ideologia terena estabelece que a plena realização social passa pela articulação do próprio tronco, o que nem sempre é possível para todas as pessoas e, normalmente só acontece depois da pessoa tornar-se avó, ou seja, é uma realização associada à categoria social de senioridade. Os Terena ainda denominam de fundação a iniciativa de um casal em formar um novo tronco. Fundar um novo tronco implica em se credenciar para desenvolver as atividades características do articulador de um grupo, expressando os processos de desenvolvimento da pessoa. Ocorre que a pessoa plena é aquela capaz de articular e dispor de seu próprio grupo de parentes. Nesse sentido, foi identificado na população terena de Buriti um grande número de pessoas que se consideram fundadores. No caso, deve-se ressaltar que um tronco sempre nasce de uma fundação e imprime uma dinâmica histórica na ocupação do território. Eles nascem, crescem, ramificam-se e morrem. A morte de um tronco encerra o ciclo iniciado na sua fundação, o que implica na necessidade de refundação a partir da emergência de novos troncos. É possível identificar no tronco um dos temas clássicos dos estudos de parentesco nas sociedades das terras baixas da América do Sul, que é o da parentela egocentrada. Uma das características desse módulo organizacional é que ele dificilmente sobrevive à morte de seu fundador. O Terena Manuel Lemes da Silva, 76, explicou em 2003 que “o tronco tem que saber conversar, saber fazer a convivência boa, fazer agrado, aí o nome dele vai correndo longe e a turma [parentes] vai chegando, vão vendo aquela convivência boa e vão chegando”. Esclareceu ainda que a mulher também pode se tornar um tronco, desde que demonstre competência para tal atribuição. O tronco é formado principalmente por um núcleo de densidade sociológica, que pode reunir um grupo de irmãos, pais e filhos, sogros, genros e noras. Um tronco emergente pode ainda atrair para junto de si sobrinhos, primos, cunhados, tios etc. Assim, existem mecanismos de circulação dos indivíduos e famílias nucleares, dentro do seu lastro de relações reconhecíveis de parentesco, distribuídas por diversos troncos. Ao ingressar em um tronco, o fundamental é “comportar-se como parente”, ou seja,

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demonstrar solidariedade para com as pessoas que o compõem e principalmente seguir a orientação de seu articulador, denominado o tronco. Os troncos não são entidades autocontidas e isoladas, pelo contrário, necessitam de interagir frequentemente com outros troncos, igualmente constituídos. As redes de alianças entre os troncos de uma região variam segundo o prestígio que, em cada momento, seus líderes logram auferir. Quanto maior o prestígio de um líder, mais suas relações se estendem por outros troncos, podendo inclusive vir a ser considerado o principal de uma região. Com a introdução do termo aldeia, entendida pelo SPI como uma unidade administrativa, os troncos principais de uma região configurando uma rede de alianças, passaram a reivindicar a denominação de aldeia específica.

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Disso resultam as subdivisões das aldeias em Buriti até os

dias de hoje, cada uma delas dispondo de seu cacique e reivindicando o reconhecimento de sua especificidade na relação com as agências indigenistas. Para a Terra Indígena de Buriti também foram atraídos troncos terena que antes viviam em regiões mais distantes, a exemplo dos que viviam nas proximidades da estação ferroviária Palmeira, em fazendas localizadas no atual Município de Nioaque e no alto da Serra de Maracaju. Entretanto, os Terena deslocados para a nova localidade mantiveram sua organização em troncos. Persistiu também a dinâmica de formação de redes de alianças entre os troncos radicados no local e os passaram a ali se recolher, de acordo com os ditames da política indigenista que prevaleceu até a promulgação da atual Constituição Federal de 1988. A cada organização e consolidação de uma rede de alianças entre troncos, os Terena passavam a realizar tentativas de conseguirem o reconhecimento da administração do SPI/Funai para estas redes. Nos casos em que eles tiveram êxito, surgiram as configurações que passaram a denominar de aldeia, utilizando-se da linguagem do contato. Isso ajuda a entender o motivo de existirem atualmente

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Do ponto de vista histórico, a atuação do SPI foi ao sentido de reunir todos os troncos que viviam na área região de Buriti, trazendo-os para os 2.090 hectares da atual Terra Indígena Buriti, a qual recebeu a denominação de Colônia Burity e posteriormente Aldeia Buriti, sendo atualmente denominada administrativamente de Terra Indígena Buriti.

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várias aldeias na Terra Indígena Buriti, todas elas desmembradas da aldeia original, criada como unidade administrativa pelo SPI. Dessa forma, os diversos troncos que habitavam a região de Buriti foram agrupados na área demarcada pelo SPI, de 2.090 hectares, reunidos sob uma única unidade administrativa comandada pelo chefe de Posto e pela instituição do cacique geral. Algumas décadas depois, os troncos que não se sentiam representados na administração central do Buriti reivindicaram a criação de novas aldeias. Como dito antes, as primeiras a se desmembrarem foram Água Azul e Córrego do Meio. A perspectiva desses troncos era recompor antigas alianças e incluir nos arranjos políticos os troncos egressos das fazendas. Recentemente, houve novas cisões e fundação de novas aldeias e, ao que tudo indica, esse processo terá continuidade, tendo em vista as dificuldades de administrar aldeias com um grande número de troncos disputando a hegemonia política. A tensão política tende a ser maior nas aldeias mais populosas, como é o caso de Buriti, daí a tendência à subdivisão. Ali os Terena recentemente demonstraram mais sua vez sua extraordinária criatividade, inserindo uma nova modalidade organizacional denominada de vila. Atualmente a aldeia Buriti vive um processo de desmembramento de várias vilas e as lideranças estão a definir as atribuições que competem aos líderes de vila e ao cacique de aldeia, que continua atuando com representante geral. Também cada uma das aldeias na Terra Indígena Buriti organiza um conselho, que funciona como uma espécie de parlamento, inclusive dispondo da figura do presidente do conselho. Por enquanto a experiência da criação de vilas é restrita à aldeia Buriti, a mais populosa. Mesmo considerando a dinâmica histórica na constituição da morfologia social, a comunidade de uma aldeia tem uma ligação de longa duração com o espaço de sua territorialização. Uma comunidade ou aldeia composta por um número variável de troncos tem uma noção clara e transmitida de geração a geração do espaço que ocupa. Este espaço é definido por limites naturais como rios, morros, córregos e áreas de concentração de determinados recursos naturais que

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identificam os limites em que se dá a ação antrópica dos troncos formadores da aldeia. A aldeia deve ser entendida, portanto, como um adensamento de relações parentais, políticas e religiosas entre um determinado número de troncos que ocupam uma área contínua de terras. A idéia de adensamento é importante porque os troncos de uma aldeia também se relacionam com troncos de outra aldeia – como as ramificações de troncos de Buriti na Reserva Indígena de Dourados –, mas estas relações tendem a ser mais diluídas e menos frequentes, dada a distância espacial e social aí instaurada. Dito isso, entende-se que aqui foram dadas as explicações necessárias para a compreensão da etnicidade, história, organização social e territorialidade dos Terena das terras indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho.

CAPÍTULO IV CONTATOS INTERÉTNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E EMPREENDIMENTOS PRIVADOS No presente tópico são abordadas as intervenções resultantes de ações públicas ou privadas sobre as aldeias terena de que trata o presente relatório, bem

como

sobre

suas

terras,

sobretudo

em

termos

de

programas

desenvolvimentistas ou políticas de infraestrutura, seja por parte do Estado Brasileiro, seja por empreendimentos de empresas privadas nacionais ou estrangeiras. Este assunto é tratado no âmbito da análise da dinâmica de expansão da sociedade nacional na região das bordas da Serra de Maracaju, principalmente por meio de suas fronteiras econômicas e sociais, e suas repercussões sobre as comunidades que vivem nas terras indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho. Também são consideradas as Relações entre os Terena e o meio ambiente, como os recursos ambientais associados ao seu sistema sócio-econômico e a sua organização social. Deve-se tratar ainda da caracterização da territorialidade do grupo e formas de apropriação, identificação e manutenção de seu território e dos recursos ambientais nele existentes, incluindo espaços e recursos de destacada importância para a comunidade.

1 CONTATOS INTERÉTNICOS Desde as primeiras entradas na região, os conquistadores registram uma espécie de simbiose ou “servidão” entre os antigos Guaikuru e as tribos ancestrais dos atuais Terena. A participação destes últimos na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), e no subsequente processo de derrubada das matas e implantação das fazendas naquela região, também teria sido facilitada pela disposição dos Terena em se relacionarem com os novos ocupantes do território.

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Os Terena também participaram ativamente da construção da rede de telégrafo e da ferrovia Noroeste do Brasil, empregando-se como funcionários ou participando da retirada de madeira e da confecção de postes e dormentes de aroeira (Myracrodruon urudeuva). Com o surgimento das cidades em Mato Grosso do Sul, é notável a forte presença dos Terena no espaço urbano, com três aldeias na cidade de Campo Grande, uma na cidade de Sidrolândia e outra na de Anastácio, além de um grande número de famílias em todas as cidades que surgiram na região e adjacências (Aquidauana, Dourados, Miranda, Nioaque, Terenos etc.). No caso dos Terena de Buriti, por conta de um conjunto de fatores, com destaque para a perda de grande parte de seu território de ocupação tradicional e o consequente processo de territorialização que sofreram, sabe-se que algumas famílias migraram para cidades como Campo Grande e Sidrolândia, conforme pode ser

constatado

na

genealogia

do

ex-cacique

Armando

Gabriel,

falecido

recentemente (Figura 4.1).

Figura 4.1. Diagrama de parentesco de Armando Gabriel, confeccionado em 2003, quando estava vivo e com 85 anos de idade. Fonte: EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003.

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1. Brás Gabriel nasceu nas margens do Córrego Cafezal ainda no século XIX, faleceu por volta de 1940 e foi enterrado no cemitério do Córrego Cafezal, fora dos 2.090 hectares, onde existe até hoje um grande cemitério indígena. 2. Durvirgi Gabriel nasceu nas margens do Córrego Cafezal, ainda no século XIX, faleceu por volta de 1928, tendo sido enterrada no cemitério do Córrego Cafezal. 3. Armando Gabriel, 85, nasceu em 1918 no alto da serra, quando seu pai trabalhava em fazenda da região. Considera-se morador antigo da região do Córrego Cafezal, pois aí sempre viveram os parentes de seu pai. 4. Clemente Gabriel, nasceu nas margens do Córrego Cafezal, no século XIX, falecido. 5. Giorgina Gabriel, falecida. 6. Herculano Gabriel, 65, atualmente vive na aldeia urbana de Tereré, na cidade de Sidrolândia. 7. José Gabriel, 53. 8. Rosalina Gabriel, falecida. 9. Sérgia Gabriel, 58. 10. Teodora Sol Gabriel, falecido. 11. Anúncio Gabriel, 86, nasceu nas margens do Córrego Cafezal, em 1916, mas vive atualmente em Campo Grande com sua família. 12. Evilázio Gabriel, 56. 13. Gervázio Gabriel, falecido. 14. Elizeu Gabriel, 48. 15. Iracema Gabriel, 63. 16. Ziza Gabriel, 55. 17. Maria Fátima Clementino. 18. Maria Jorge, 46, cujo casamento representa aliança matrimonial com a família Jorge.

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19. Solange Silva Gabriel. 20. Floriano Alves Campos. 21. Aprízio Gabriel nasceu nas margens do Córrego Cafezal no século XIX. Neste caso em particular, verifica-se que várias pessoas da família Gabriel vivem em Campo Grande, Sidrolândia e outras localidades. Como explicou Armando Gabriel, em 2003, a área atual não oferece as necessárias oportunidades para os jovens disporem de terras para cultivo. Por isso, muitos migram para cidades próximas, mesmo que isso contrarie a vontade dos pais, e assim o fazem em busca de melhores oportunidades. O referido ex-cacique asseverou acreditar que caso haja a ampliação da terra e o efetivo usufruto permanente por parte dos Terena, a comunidade poderá evitar fatos dessa natureza. Significa dizer que quando os Terena reaverem a posse exclusiva de todos os 17.200 ha da área ampliada, o fluxo migratório para as cidades diminuirá e a população local tenderá a aumentar. Além disso, certamente haverá o retorno para Buriti de muitas famílias estabelecidas em outras localidades do estado e até mesmo fora de Mato Grosso do Sul, as quais tiveram de deixar suas terras por conta de processos de esbulho sofrido na região e da superpopulação ali existente. Em 1982, por exemplo, um grupo de 61 Terena, a maioria originária da Terra Indígena Buriti, migrou para a periferia da cidade mato-grossense de Rondonópolis. Lá permaneceu até o ano de 1998 em busca de terras, conforme atestam os estudos do sociólogo Pedro Augusto Mário Isaac (2001, 2002). Segundo o referido autor, entre 1988 e 1990 esses Terena chegaram a morar na Terra Indígena Tadarimana, mas tiveram de deixar a área por exigência dos Bororo daquela área. Depois ficaram acampados na beira de uma rodovia na região e dali alguns foram trabalhar em fazendas de gado e outros se dedicaram à atividade pesqueira. Houve ainda alguns homens que chegaram a trabalhar no corte de cana em uma usina de álcool e açúcar existente no Município de Sonora, em Mato Grosso do Sul, na divisa com Mato Grosso. Finalmente, depois de muita pressão sobre as autoridades governamentais e o apoio que tiveram de segmentos da sociedade civil e de órgãos do Estado Nacional, o grupo conseguiu ser assentado em terras obtidas

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pela Funai e pelo INCRA em Mato Grosso. Esta área localiza-se no distrito de União do Norte, no Município de Peixoto de Azevedo, no norte daquele estado, região amazônica. Este caso é emblemático para compreender as estratégias políticas e as dificuldades enfrentadas pelos Terena de Buriti no que se refere a sua reprodução física e cultural em um espaço de pouco mais de 2.090 ha, os quais dispõem com exclusividade no momento. Ademais, por conta dessa disposição em interagir com outros segmentos populacionais da sociedade nacional e mesmo com outros povos indígenas, os etnólogos costumam dizer que o ethos terena se caracteriza pela disposição e empenho na construção de relações amistosas e participativas com outros segmentos étnicos. Esta postura distinguiria os Terena de outros povos indígenas que habitam o estado de Mato Grosso do Sul. Este é o caso da atitude esquiva atribuída aos Kaiowá e Guarani, ou agressiva, que teria sido a opção feita por grupos identificados como Kaiapó do Sul, os quais, por conta de sua belicosidade, teriam sido levados ao extermínio ou à invisibilidade étnica na atualidade. A facilidade no trato com outros povos seria assim um elemento característico do ethos terena, dado fundamental para compreender a história de suas relações com outras populações. No dizer de Lúcio Sol, em 2003, um dos troncos antigos de Buriti, “o Terena é índio manso”. No entanto, sempre faz questão de dizer que o Terena “é manso, mas não é covarde”. Segundo ele, isso é atestado pela gloriosa participação que tiveram na guerra contra o Paraguai e no modo como hoje se mobilizam para reconquistar territórios que consideram de ocupação tradicional indígena, assim comprovados pela Funai e por um laudo judicial (ver AZANHA, 2001; EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003, 2007, 2010; PEREIRA, 2009). Os dados históricos e a etnologia atual indicam que o empenho em dominar os códigos permite aos Terena expandir os horizontes da sociabilidade para além do convívio interno de suas famílias e de suas comunidades. Esta situação está relacionada ao próprio ethos ou modo de ser do grupo. Isso levou a suposição de que eles seriam índios aculturados ou facilmente aculturáveis, dada à facilidade

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de interação com outros representantes da sociedade nacional. Entretanto, os Terena não se sentem menos índios quando falam perfeitamente a língua portuguesa ou dominam outros códigos da cultura brasileira, pelo contrário. O observador mais atento nota que ao lado da intensa relação com a sociedade nacional, existem nas comunidades terena espaços de produção de estilos comportamentais exclusivos, que os distingue da população não-terena. Pode-se notar, por exemplo, a existência de muitos elementos de sua tradição religiosa que convivem lado a lado com cultos cristãos, numa combinação de elementos de tradições culturais diferentes. O interessante é que esta combinação aponta mais para a possibilidade de complementaridade que de contradição, como expressou um dos autores do presente relatório, em um livro que trata do assunto, intitulado Os Terena de Buriti: formas organizacionais, territorialização e representação da identidade étnica (PEREIRA, 2009). Enfim, apresentou-se até aqui uma breve caracterização das aldeias antigas e seus respectivos desmembramentos em aldeias menores. Este desmembramento pode ser entendido como um movimento de apropriação e creolização. Neste sentido, creolização é um termo utilizado nos estudos póscoloniais para expressar o processo de apropriação de determinadas imposições coloniais por parte de populações indígenas subalternizadas, que então passaram a atuar a serviço de sua autonomia cultural. É justamente isso que os Terena de Buriti lograram fazer quando se apropriaram do sistema de cacicado, imposto pelo SPI, para reorganizarem suas aldeias com base nas redes de relações historicamente construídas entre os troncos familiares. Esta estratégia política tem se mostrado bastante eficaz no que se refere, por exemplo, ao desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis dentro das áreas a eles reservadas pelo Estado Nacional.

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2 POLÍTICAS PÚBLICAS As aldeias recebem apoio e assistência de diversas agências governamentais, tais como Funai, Fundação Nacional de Saúde (Funasa), secretarias estaduais e secretarias municipais, especialmente no que se refere às políticas públicas voltadas para as áreas de educação, saúde e assistência técnica. De fundamental importância é o apoio que contam da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), órgão do governo do estado de Mato Grosso do Sul que através do Programa Aldeia Produtiva presta assistência técnica e capacitação para o manuseio de patrulhas mecanizadas, doadas para cada uma das aldeias. Como a Terra Indígena de Buriti incide sobre uma área distribuída em dois municípios, as aldeias captam recursos em Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, a depender da localização de cada uma delas. Afora os aportes dos órgãos de governo, os Terena também se vinculam a algumas organizações nãogovernamentais (ONGs), universidades e instituições religiosas, que eventualmente também desenvolvem projetos que proporcionam prestação de serviços ou entrada de algum recurso nas aldeias. Com relação à educação, a partir dos últimos anos, vem crescendo as demandas da sociedade indígena por uma educação que, ao mesmo tempo que lhe propicie usufruir do conhecimento científico-tecnológico da sociedade nacional, também valorize seus usos, costumes e tradições. Assim, os programas de implantação de escolas indígenas não apenas atendem a demanda por uma educação escolar especifica, mas também instituem uma via de relacionamento entre Estado e comunidades indígenas. No Quadro 4.1, apresenta-se o número de estudantes indígenas matriculados na Educação Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal de ensino e do ensino médiop da rede estadual, em Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia, municípios onde se localizam as Terras Indígenas objeto deste Relatório.

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Quadro 4.1. Estudantes indígenas matriculados na rede estadual e municipal de ensino, 2008. Nível de ensino Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio

Dois Irmãos do Buriti 48 520 98

Sidrolândia 19 282 46

Fonte: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, 2008.

Ressalta-se em Mato Grosso do Sul a recente Lei nº 3.939, de 21 de julho de 2010, alterando a Lei nº 3.594, de 10 de dezembro de 2008, assegurando (Art. 1º): Art. 1º O Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para negros e índios, reservando-lhes cota mínima de 10% (dez por cento) e de 3% (três por cento), respectivamente, das vagas oferecidas em todos os seus concursos para provimento de cargos públicos nos quadros de carreira. § 1º A reserva mínima de que trata a presente Lei será disponibilizada, observada a proporcionalidade, aos negros e aos índios aprovados no processo seletivo realizado em iguais condições para todos os candidatos. § 2º Dos editais dos concursos públicos deverá constar a previsão de reserva de 10% (dez por cento) e de 3% (três por cento) das vagas oferecidas para negros e índios, respectivamente, existentes entre os candidatos aprovados.

Com relação à saúde indígena, as principais normas que a regem são a Lei nº 9.836/1999, o Decreto nº 3.156/1999 e a Portaria nº 1.163/1999 do Ministério da Saúde. A Funasa é o principal órgão responsável pela gestão da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi). A Pnaspi prevê a existência de uma atuação coordenada, entre diversos órgãos e ministérios, no sentido de viabilizar as medidas necessárias ao alcance de seu propósito. Nesse sentido, as Secretarias Estaduais e Municipais devem atuar de forma complementar na execução das ações de saúde indígena, em articulação com o Ministério da Saúde/Funasa. Um dos principais critérios adotados foi a organização dos serviços de atenção à saúde dos indígenas na forma de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Como resultado do desenvolvimento de ações de saneamento básico desenvolvidas pela Funasa, em Mato Grosso do Sul o índice de mortalidade infantil

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teve uma queda de 140 mortes num universo de mil crianças nascidas vivas, em 1999, para 30 óbitos/1000 em 2008. Mais de 91% das comunidades já contam com abastecimento de água, com mais de 63 mil pessoas atendidas. O objetivo é aumentar a cobertura, com os investimentos do PAC/Funasa, para 100%, além de garantir a manutenção dos sistemas já existentes e em funcionamento, com o apoio dos Agentes Indígenas de Saneamento, capacitados para atuarem em suas comunidades (FUNASA. Boletim Informativo Especial, n. 8, abr. 2009). É importante observar que todas as Aldeias possuem personalidade jurídica e recebem apoio governamental no que diz respeito a programas destinados à educação intercultural e bilíngue, para os níveis fundamental e médio do ensino escolar formal, e à saúde alimentar, nutricional e médica. É importante mencionar as seguintes organizações que se constituem em espaços de interlocução com as comunidades indígenas Terena no Estado:  Associação da Aldeia Lagoinha  Comitê Terena - Organização de Base do Povo Terena  União das Mulheres Indígenas Terena (Amintu) Essas organizações são responsáveis pela promoção dos grandes espaços de discussão sobre as principais questões indígenas, relativas à cultura ou à política indígena. Além disso, essas formas de representação política simbolizam a incorporação, por alguns povos indígenas, de mecanismos que possibilitam lidar com o mundo institucional da sociedade nacional e internacional. Permitem ainda tratar de demandas territoriais (demarcação de terras e controle de recursos naturais), assistenciais (saúde, educação, transporte e comunicação) e comerciais (colocação de produtos no mercado). Os Terena de Buriti dispõem de um vereador indígena na Câmara Municipal de Dois Irmãos do Buriti, Percedino Rodrigues, que exerce a vereança pelo terceiro mandato consecutivo, o que favorece o acesso a certas políticas públicas: manutenção de estradas, construção de escolas municipais, contratação de professores indígenas, aquisição combustível para tratores usados na agricultura etc.

CAPÍTULO V TERRITORIALIDADE E RECURSOS NATURAIS: CARACTERIZAÇÃO E FORMAS DE USO Neste capítulo, são caracterizados os recursos ambientais de destacada importância das Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho, em associação com sua organização social e sistema socioeconômico.

1 CARACTERIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS

1.1 VEGETAÇÃO Apesar da área onde se inserem as Terras Indígenas Buriti e Tereré ou Buritizinho ser considerada antropizada, restam muitos fragmentos de Floresta e de Cerrado em maior ou menor grau de conservação, sendo que as formações existentes nas encostas e topos de morro do Planalto de Maracajú estão entre as mais conservadas e contêm espécies arbóreas de maior porte. Em geral, essas áreas de relevo mais acidentado não despertam interesse para a agricultura ou pecuária devido às dificuldades de manejo – além de estarem protegidas pela legislação – permanecendo, desta forma, com seus recursos naturais mais conservados em relação às áreas planas intensamente ocupadas por atividades produtivas. Esse padrão de uso e ocupação do solo se dá de forma semelhante em toda a região, nas áreas indígenas e não-indígenas. O estudo realizado pela Funai (AZANHA, 2001) para subsidiar a proposta de ampliação da Terra Indígena Buriti aponta para as regiões de entorno, especialmente ao sul da reserva, que ainda conservam os fragmentos mais significativos de Floresta Estacional e Cerradão nas cabeceiras dos formadores do Córrego Buriti. De fato, a conservação da vegetação é fundamental para assegurar a existência de espécies da fauna, dentre elas, aquelas com importância para as

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populações indígenas, além de ela própria fornecer os meios de subsistência através do extrativismo de seus diferentes recursos. Segundo os mesmos estudos (AZANHA, 2001), apesar de a maior parte das áreas do entorno à terra indígena estarem antropizadas e ocupadas por pastagens ou lavouras, as formações vegetais naturais remanescentes são de melhor qualidade, isto é, são formações primárias menos alteradas e, portanto, como maior diversidade de espécies e intensidade das relações ecológicas. A Figura 5.1 ilustra a Terra Indígena Buriti e as áreas de entorno.

Figura 5.1. Vista panorâmica tendo em primeiro plano uma roça, no centro áreas ocupadas e de matas ciliares e, ao fundo, as encostas do Planalto de Maracaju onde se situam os principais remanescentes de Floresta Estacional Semidecidual e Cerradão da região. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

O

autor,

corretamente,

aufere

importância

aos

ecossistemas

remanescentes como banco de sementes para a manutenção de espécies de interesse das populações indígenas e cita, entre outras, as palmeiras. Muitas delas são úteis e amplamente utilizadas na construção, alimentação e artesanato entre os índios Terena. Destacam-se o buriti (Mauritia flexuosa), que dá nome a Terra Indígena mas que não se vê mais, utilizado no artesanato (diversas partes), na construção (tronco e folhas) e na alimentação (fruto), o acuri (Attalea phalerata)

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utilizado da mesma forma, além do palmito, assim como a guariroba (Syagrus oleracea). Os bancos de sementes, que correspondem a formações naturais mais bem conservadas, são fundamentais para a recomposição de áreas que se pretenda revegetar ou mesmo recuperar. Os remanescentes de Cerradão e Floresta Estacional na Terra Indígena e no entorno abrigam os indivíduos arbóreos que produzem sementes que perpetuarão as espécies. Ainda de acordo com o estudo citado (FUNAI, 2001), o autor sugere que esses recursos florestais vêm sendo explorados pelos índios ao longo do tempo, já que freqüentam estas áreas vizinhas com diversos fins, entre eles a agricultura (no passado), a coleta de produtos diversos para alimentação, construção de moradias ou fins medicinais, a caça e a pesca. O autor relata que a partir de 1970, com a abertura de pastagens nas fazendas vizinhas e com intenso desmatamento, os recursos naturais foram se tornando escassos ou insuficientes. Exemplifica a situação com um relato ouvido entre os índios sobre o desmatamento de todos os buritis que ocorriam numa planície de inundação entre os Córregos Cués e Jujui. Conclui-se, portanto, quanto à cobertura vegetal que, apesar de contar com alguns remanescentes de Cerradão e Floresta Estacional Semidecidual, a área da Terra Indígena Buriti é fortemente antropizada por atividades produtivas, especialmente a pecuária, reduzindo a disponibilidade de recursos da flora para utilização tradicional das populações indígenas. A

conformação antropizada

dos

ecossistemas

utilizados

pelas

populações Terena alcança o extremo na Terra Indígena Tereré ou Buritizinho que está situada junto ao perímetro urbano da Cidade de Sidrolândia. Considerando a porção de cerca de 3,5 ha recentemente incorporada à Terra Indígena, são 250 famílias em 13,5 ha que comportam a nascente do Córrego Cortado que mais a frente alcançará a Terra Indígena Buriti (Figura 5.2).

151

Figura 5.2. Vegetação da mata ciliar que protege as cabeceiras do Córrego Cortado na Terra Indígena Tereré ou Buritizinho, predomínio de pindaíba (Xylopia emarginata). Fonte: GERVÁSIO, 2010.

1.2 Fauna A fauna da região é rica em espécies de interesse para as populações indígenas, que segundo a Funai (AZANHA, 2001) são tatus, pacas, cotias, catetos, veados e antas. Essas espécies são de ocorrência na área, entretanto, deve-se considerar que a riqueza de espécies não se traduz, necessariamente, em abundância, pois o tamanho das populações depende das condições ecológicas de disponibilidade de habitats. Os estudos ambientais sobre o meio biológico para a elaboração do EIA (CITTÀ, 2009) identificaram a ocorrência de muitas espécies de interesse para a população indígena, incluindo as citadas acima. Entretanto, suas populações são pequenas e os indivíduos habitam as formações vegetais remanescentes de cerrado, florestas e matas ciliares que, como já observado, são poucas e desfragmentadas na região.

152

Essas condições ambientais – poucos fragmentos com vegetação natural e descontinuidade entre os remanescentes – não favorecem o crescimento e manutenção das populações de animais silvestres, tornando a caça uma atividade cada vez menos presente no dia-a-dia dos indígenas que, tradicionalmente, obtêm daí sua principal fonte de proteína animal. Segundo Azanha (2001), “a caça sempre foi executada com o conhecimento de quem é capaz de descrever hábitos dos animais, plantas atrativas, locais especiais de tocaia e usados pelos animais cobiçados”. O estudo relata, ainda, que pode haver uma especialização quanto à preferência por uma espécie ou grupo de animais; assim, há índios que conhecem bem os hábitos dos porcos do mato, queixadas e catetos, outros das antas e tatus ou ainda de espécies de veados. Entretanto, ressalta, com a abertura das pastagens nas fazendas vizinhas, com o confinamento na área demarcada pela reserva e o crescimento populacional dos indígenas, poucos recursos ficaram disponíveis para serem extraídos dos ambientes naturais, incluindo produtos de extrativismo como o mel. Segundo o estudo citado, atualmente é mais fácil e envolve menos risco comprar o açúcar e fazer a rapadura.

2 ATIVIDADES PRODUTIVAS E ACESSO AOS RECURSOS NATURAIS

2.1 Recursos Biológicos Os recursos da flora e da fauna são fundamentais na cultura e modo de vida Terena seja na alimentação, na confecção de utensílios e artesanato, na construção de habitações e na saúde, entre os usos mais frequentes desses recursos. Não é o que se observa na Terra Indígena, apesar desta apresentar uma maior cobertura vegetal em relação às áreas de entorno nem em toda a região onde se insere, bastante antropizada por atividades como a pecuária e agricultura. Os maiores e mais significativos remanescentes vegetais encontram-se nas

153

encostas e topos de morro dos contrafortes do Planalto de Maracaju onde predominam os Cerradões e encraves de Floresta Estacional. A quantidade e a qualidade das áreas remanescentes com vegetação natural não são suficientes para dar suporte às necessidades de uso dos recursos naturais historicamente realizado pelas populações indígenas. Isso se deve à concentração elevada de demanda dos recursos e pouca área disponível para a manutenção dos mesmos na Terra Indígena. A escassez dos recursos naturais utilizados historicamente pelos Terena reflete-se tanto na flora como na fauna. Muitas espécies botânicas de interesse para a habitação, alimentação, vestuário e de uso medicinal, entre outros, já não estão mais disponíveis nas matas e dificultam a manutenção de hábitos e costumes como a cobertura de sape das casas ou mesmo obtenção de lenha. Ao mesmo tempo, a fauna depende dos recursos florísticos, ou seja, dos habitats disponíveis para sua alimentação, abrigo e reprodução. Deste modo, quanto maiores e mais conectadas forem as matas remanescentes, mais possibilidades haverá para manter as populações de animais silvestres em tamanho ideal para que possam ser utilizadas/consumidas pelos indígenas. Eremites de Oliveira (1996) apresenta uma relação de animais que ntão eram explorados na região por meio da caça e da pesca, tais como: peixes bagre, cará, curimba, dourado, lambari, mandi, muçum, piavuçu, pacu, piraputanga, pintado, sardinha, traíra e tuvira; mamíferos - anta, bugio, caititu, capivara, cutia, jaguatirica, onça parda, ouriço, paca, preá, queixada, suçuarana, tatu (bola, galinha e peba); e aves – anhuma, aracuã, curicaca, ema, jacutinga, jaó, juriti, mutum, seriema e trocaz; e répteis – lagarto, jacaré preto, jibóia e sucuri.

Caça e pesca O que se constatou neste Estudo é que há ainda homens que praticam a caça e a pesca na região, em complementação a outras atividades que desenvolvem na Terra Indígena Buriti, sobretudo no que se refere ao consumo de proteína animal. Para isso, locomovem-se para além dos 2.090 hectares da área

154

inicialmente reservada aos Terena na região, tal qual o fazem desde ao menos o século XIX. Isso é feito de maneira clandestina, ao menos aos olhos dos proprietários de fazendas na região, mas para os Terena eles simplesmente estão a explorar os recursos naturais disponíveis em seu território. Esta situação atesta que o território Terena na Serra de Maracaju ultrapassa os poucos mais de 2.090 hectares inicialmente reservados aos indígenas de Buriti, além dos próprios 17.200 hectares identificados em 2001 pela Funai (EREMITES DE OLIVEIRA, 2003). Quando são surpreendidos por fazendeiros ou seus funcionários durante caçadas e pescarias, explicam a eles que os animais silvestres não possuem um dono purutuya e não trazem no corpo a marca de seu proprietário, ao contrário do gado criado de maneira extensiva nas fazendas da região. Para eles, os animais possuem sim um “dono”, mas ele é um ser sobrenatural, uma divindade, chamado Ho’openó Unatiaxa, o “Chefe dos Animais”, conforme definiu o Terena Basílio Jorge no dia 06/09/2010, quando dos trabalhos de campo na Terra Indígena Buriti. Para este “dono”, os Terena devem manter um comportamento à altura de suas exigências, pois da conduta que mantêm também resulta o sucesso em caçadas e pescarias, quando Ho’openó Unatiaxa poderá disponibilizar animais para sua subsistência. Se, por exemplo, um Terena caçar mais do que necessita para se alimentar, o “Chefe dos Animais” poderá levar várias espécies para um lugar que seja inacessível às próximas caçadas. Na verdade, diferentemente do que ocorre no mundo dos purutuya, para os Terena, assim como para muitos outros povos indígenas sul-americanos, o sagrado está presente na natureza. Por este motivo, os seres humanos não são donos dos recursos nela disponíveis, senão pessoas que podem acessá-los a partir de regras sociais estabelecidas por divindades que os protegem. As espécies silvestres mais cobiçadas pelas populações indígenas, além dos peixes que fazem parte de sua dieta básica, relatadas durante as entrevistas realizadas em todas as aldeias, compõem-se atualmente de mamíferos; são elas: capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), cateto (Tayassu tajacu), tatu (Dasypus spp.), paca (Agouti paca), cotia (Dasyprocta aguti), anta (Tapirus terrestris)

155

e veado (Mazama spp.). Dentre as aves utilizadas para a alimentação foram citados o mutum (Crax fasciolata), o jacu (Penelope superciliaris) e a perdiz (Rhynchotus rufescens ). Entretanto, foi unânime o argumento utilizado pelos indígenas de todas as aldeias que a caça já não é mais possível se considerada como a única fonte de obtenção de proteína animal. Isso porque está escassa e suas populações estão reduzidas em toda a região. Mesmo as aves, apresentam pouco interesse para as populações indígenas. Declaram que a disponibilidade de indivíduos para a captura, especialmente de mutuns, jacus e perdizes, é pequena e que não compensa mais procurar por essa fonte. Relataram não mais consumir carne de caça proveniente desses animais, a caça também já não é mais praticada e espécies como o jacu, o mutum e as codornas raramente são abatidas. Entretanto, foi unânime o argumento utilizado pelos indígenas de todas as aldeias que a caça já não é mais possível se considerada como a única fonte de obtenção de proteína animal. Isso porque está escassa e suas populações estão reduzidas em toda a região. Mesmo entre as aves, a caça também já não é mais praticada e espécies como o jacu, o mutum e as codornas raramente são abatidas. Percebe-se que mesmo com os recursos reduzidos e sempre que oportuno, alguns indivíduos são abatidos para servir especialmente à alimentação, como fica registrado na Figura 5.3 os cascos de um tatu no quintal de uma das casas, a imagem mostra ainda, um quati morto na estrada de acesso à aldeia.

Figura 5.3. À esquerda: cascos de tatu depois de consumidos. À direita: quati morto na estrada de acesso à Terra Indígena. Fonte: GERVÁSIO, 2010

156

A caça realiza-se com a construção de “esperas” em locais previamente definidos em decorrência dos hábitos e habitats freqüentados pela presa. Trata-se de um jirau feito em geral de madeira posicionado ao alto entre duas árvores, sobre uma área onde se coloca a isca que será a armadilha para a caça. As espécies são atraídas para o local e são abatidas pelo homem posicionado acima, na espera. Entre as espécies da fauna mais apreciadas, como verificado, estão a anta, a capivara, os tatus, veados, catetos, entre outros. A Figura 5.4 evidencia uma “espera” na mata ciliar do Córrego Buriti, espécie de poleiro ou jirau construído no alto de árvores, a uns 3m de altura, de onde um ou dois caçadores aguardam animais a serem abatidos. Embaixo, no chão, são colocados pedaços de milho, mandioca e outros alimentos usados para cevar certos

mamíferos,

como

pacas

(Cuniculus

paca),

capivaras

(Hidrochaeris

hidrochaeris), caititus (Tayassu tajacu) e queixadas (Tayassu pecari), para depois caçá-los com arma de fogo, surpreendendo-os da espera construída no alto das árvores.

Figura 5.4: Jirau de espera para captura de presas próximo ao Córrego Buriti. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

157

A estrutura mostrada na foto foi construída por homens da aldeia Oliveira e está localizada à margem esquerda do Córrego Buriti (UTM 0692376E/7698596N-21K,

com 241m de

altitude),

dentro dos

17.200

ha

identificados pela Funai em 2001, nas proximidades da linha de transmissão do Empreendimento eletroenergético. Quanto aos recursos pesqueiros, não são abundantes ou suficientes para abastecer toda a população que vive nas aldeias. Alguns locais de pesca no Córrego Buriti situam-se fora do perímetro da Terra Indígena, a jusante. É o caso da ceva de milho instalada para captura de peixes no Córrego Buriti retratada na Figura 5.5.

Figura 5.5. Ceva de milho colocada no Córrego Buriti para a atração de peixes. Fonte: GERVÁSIO, 2010

Artesanato Nas Aldeias Barreirinho e Água Azul foi possível ter contato com as mulheres indígenas que relataram os recursos que usam para o artesanato que, segundo elas, vem sendo revitalizado, mas também apresenta alguma dificuldade devido à escassez de fibras, barro e penas, por exemplo. A taboca (Guadua paniculata), que é uma espécie de bambu, é bastante usada no artesanato, na ornamentação, nos adereços e nos utensílios utilizados pelos Terena. Verificou-se o uso da taboca na confecção das peneiras rasas, das flechas e na dança do bate-pau, além do cocar do cacique. A Figura 5.6

158

ilustra a planta, que ocorre em áreas de vegetação secundária no domínio dos Cerradões, e todos esses usos pelos Terena.

Figura 5.6. À esquerda: Cacique Laucidio e mulheres da Aldeia Barreirinho e a confecção de peneiras e cestos utilizando-se de fibras naturais. À direita: o cocar do cacique feito de taboca e uma única pena de arara Canindé. Fonte: GERVÁSIO, 2010

O taquaruçu (Guadua tagoara) também é utilizado para diversos fins, inclusive na construção das ocas. O material biológico depois de coletado é preparado e secado conforme a Figura 5.7 para uso posterior.

Figura 5.7. Feixes de taquaruçu sendo preparados para utilização nos mais diversos fins. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

159

Outras fibras também são utilizadas para a confecção de artesanato como os cipós membeca e urubamba na produção de cestos (Figura 5.8). As sementes também são aproveitadas no artesanato na confecção de brincos e pulseiras, entre elas as do coco, jatobá, pau-brasil, babaçu, lírio-do-brejo e buriti, entre outras. A palmeira buriti, que não ocorre mais em toda a aldeia fornece muitas opções de uso de seus recursos, além do artesanato, alimentação e construção, as saias

vestidas

pelos

homens

da

aldeia

em

determinadas

ocasiões

são

confeccionadas com palha de buriti (Mauritia flexuosa), conforme Figura 5.35.

Figura 5.8. Adereço usado pelos homens em ocasiões especiais confeccionado com palha de buriti na aldeia Barreirinho. Fonte: GERVÁSIO, 2010.

Flora de uso medicinal O levantamento das espécies botânicas utilizadas como medicinais pelas populações indígenas contou com a colaboração do Vice-Cacique da Aldeia Buriti, Alex Fernandes Figueiredo. A listagem apresentada a seguir não totaliza as espécies utilizadas pelos indígenas constituindo-se, portanto, numa relação preliminar onde constam aquelas mais comuns. De qualquer modo, até mesmo algumas plantas consideradas medicinais já não ocorrem com a abundância necessária nas matas inseridas na

160

Terra Indígena Buriti para suprir as necessidades das comunidades indígenas, que podem perder os hábitos de sua utilização. As principais espécies utilizadas estão apresentadas no Quadro 5.1. Na Terra Indígena Buriti há uma série de dificuldades para se ter acesso a certos recursos naturais outrora abundantes na região. Exemplo disso é o acesso a madeiras e capim sapé (Imperata brasiliensis) para a construção de moradias, sobretudo para os jovens recém casados. Apesar disso tudo, eles ainda mantêm pequenas reservas de mata de cerrado na área, onde eventualmente também podem caçar tatus, sobretudo da espécie tatu-peba (Euphractus sexcintus). Outra dificuldade diz respeito ao acesso à água potável para consumo humano, como ocorreu na aldeia Oliveira até pouco tempo, algo que foi solucionado com a construção de poços artesianos. O mesmo vale para o acesso à argila apropriada para a indústria ceramista tradicional, cuja dificuldade impossibilita a produção de artesanato destinado à comercialização em cidades do estado, com destaque para Campo Grande. Por outro lado, existe a expectativa de a comunidade ter os 17.200 ha da Terra Indígena Buriti totalmente desobstruídos dos atuais fazendeiros. Quando isso acontecer, certamente haverá a fundação de novas aldeias e vilas, e implementação de uma série de atividades econômicas que visem a auto-sustentabilidade dos Terena naquela região.

161

Quadro 5.1: Lista das espécies botânicas com fins medicinais citadas na Aldeia Buriti. Nome popular

Nome científico

Cancorosa

Jodina rhombifolia / Maytenus aquifolia

Usos e propriedades medicinais Cicatrizante. Gastrites, feridas, úlceras.

Sangra d’água

Croton urucurana

Cicatrizante em lesões de pele e depuradora do sangue.

Barbatimão

Stryphnodendron barbatiman

Poderoso cicatrizante.

Cana de macaco

Costus sp.

Salsaparrilha

Smilax spp.

Calção de velho Cinco folhas Sape Abacate Goiabeira

Vernonia spp. Penax sp. Imperata brasiliensis Persea americana Psidium guajava

Tarumã

Vitex cymosa

Aroeira

Myracrodruon urundeuva

Guatambu

Aspidosperma sp.

Sucupira

Bowdichia sp.

Amoreira

Morus spp.

Diurético e anti-inflamatório, usada para problemas renais. Combate artrite, reumatismo. Efeitos rejuvenescedor e afrodisíaco. Banho com as folhas quando o corpo está doído. Folhas com propriedades diuréticas. Raiz do sape para que os dentes das crianças cresçam rápido. Folha do abacateiro em infusão para lavar os cabelos e evitar a queda. Uso das cascas do caule para combater os muitos males do aparelho digestivo. Uso das cascas do caule para combater a disenteria. Uso das cascas do caule para combater problemas renais. Uso das cascas do caule para combater a diabetes. Casca e raiz combatem hemorragias, diabetes e reumatismo. Folha da amora tomada junto com o chimarrão

Observações A casca é colocada junto à erva do chimarrão e a seiva usada como cicatrizante. Espécie arbórea comum nas matas ciliares e ambientes úmidos em toda a região. Espécie arbórea de cerrado quase não ocorre mais na região. Planta herbácea do brejo. Utilizados rizoma, folhas e haste. Espécie exótica (não da flora brasileira). Espécie arbustiva do cerrado e do mesmo gênero do assa-peixe. Antigamente era usado em membros quebrados e hoje apenas para amenizar a dor no corpo proveniente de trauma. Espécie nativa e cultivada, bastante apreciada. Espécie arbórea de grande porte. Espécie arbórea protegida por lei. Espécie arbórea de grande porte. Espécie arbórea de grande porte. Espécie exótica, frutífera, bastante comum junto

162

Nome popular

Cheira tatu Brandamundo

Nome científico

Securidaca ovalifolia

Embaúba

Cecropia pachystachya

Azedinha

Rumex acetosa

Mangueira

Mangifera indica

Laranjeira

Citrus spp.

Eucalipto

Eucalyptus spp.

Usos e propriedades medicinais para afinar o sangue e fortalecimento. Raiz consumida na lua nova atua como vermífugo. Uso em banho em pessoas que sofreram derrame. Uso da raiz que é aplicada nas pessoas, especialmente crianças, para acalmá-las. Uso do broto das folhas fervido e adoçado com mel para bronquite. Uso para feridas na boca. Mastigação da folha. Uso das folhas novas para acalmar crianças que choram muito. Uso da folha em infusão para combater febres e resfriados. Uso da folha em inalação para combater gripes e resfriados.

Observações às moradias.

Espécie arbustiva que ocorre nas áreas úmidas associadas aos córregos. Espécie encontrada no cerrado e na floresta estacional. Espécie muito comum em toda a região. Espécie exótica, frutífera, bastante comum junto às moradias. Espécie frutífera, que ocorre esporadicamente junto às moradias. Espécie exótica, que ocorre esporadicamente junto às moradias ou outros locais.

163

2.2 Recursos Minerais De uma forma geral, os recursos minerais que ocorrem nas Terras Indígenas estão associados à presença da rocha basáltica da Formação Serra Geral e a areia e argila provenientes de Depósitos Aluvionares. Os afloramentos de rocha basáltica detectados na área encontram-se em vários estágios de alteração, comumente na forma de espessos pacotes de solos argilosos de coloração avermelhada, proveniente da alteração in situ da rocha basáltica, muitas vezes utilizados como material de aterro. Secundariamente ocorrem depósitos de basalto alterado – moledo, cujas áreas de ocorrência são popularmente denominadas de “cascalheiras”, mas que técnicamente são fragmentos de rocha basáltica imersos em uma matriz argilosa, muito utilizados pelos indígenas como revestimento primário de estradas (Figuras 5.9 e 5.10).

Figura 5.9. Afloramento de basalto popularmente como “cascalheiras”. Fonte: LUCKMANN, 2010.

alterado,

conhecido

164

Figura 5.10. Detalhe dos fragmentos de basalto que ocorrem nas “cascalheiras”. Fonte: LUCKMANN, 2010.

A areia utilizada na construção civil, como pode ser observado nas Figuras 5.11 e 5.12, é oriunda da alteração de rocha arenítica que ocorre na região, gerando depósitos localizados em margens e leitos de corpos de água e ao longo das estradas da região.

Figura 5.11. Pequenas ocorrências de areia depositadas ao longo das estradas de onde é retirada para ser utilizada na construção civil. Fonte: LUCKMANN, 2010.

165

Areia Figura 5.12. A areia utilizada na construção civil é proveniente dos depósitos encontrados ao longo das estradas. Fonte: LUCKMANN, 2010.

Segundo informações obtidas em entrevistas com os alguns indígenas a areia é proveniente de depósitos existentes ao longo das estradas internas das aldeias. Outro bem mineral utilizado nas aldeias, mais especificamente na confecção de artefatos de cerâmica vermelha – artesanato indígena é a argila proveniente dos Depósitos Aluvionares existentes ao longo dos principais cursos de água que drenam as aldeias. Estes depósitos ocorrem nas planícies de inundação dos cursos de água, na forma de lentes intercaladas com camadas de areia e/ou argila arenosa. Segundo informações das mulheres indígenas a limitação na produção de artefactos cerâmicos é devida a dois fatores, um deles relacionado à escassez de argila nas aldeias das Terras Indígenas Buriti, sendo esta argila muitas vezes proveniente da Aldeia Cachoerinha localizada em Miranda, e o outro a limitação de colocação dos produtos artesanais no mercado consumidor. Em relação aos bens minerais nas áreas indígenas, estudos de ocorrências de jazidas de bens minerais, tanto de argila como de basalto e areia seriam de extrema importância visando a definição de áreas alvo para fornecimento destes materiais, seja para incrementar o artesanato local ou a exploração de

166

jazidas minerais de areia e basalto em consonância com metodologias adequadas visando evitar a degradação de áreas.

2.3 Recursos Hídricos Conforme levantamento em campo e de acordo com informações obtidas nas aldeias da Terra Indígena Buriti, as águas dos córregos são utilizadas para a pesca e para a balneabilidade, inclusive no dia do levantamento em campo foi observado um grupo de pessoas utilizando o Córrego Buriti como balneário. Já na Terra Indígena Tereré ou Buritizinho, as águas superficiais da nascente do Córrego Cortado ainda não utilizadas pela população indígena. Quanto às águas subterrâneas, nas Terras Indígenas Buriti e Tereré, de acordo com levantamento in loco e infomações constantes do banco de dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos desenvolvido pelo Imasul e fornecidos pela Funasa foram cadastrados os poços tubulares para captação de água subterrânea constantes no Quadro 5.2, os quais são utilizados para fornecimento de água as aldeias indígenas.

167

Quadro 5.2. Cadastro dos poços tubulares existentes nas Aldeias. Aldeias Buriti Buriti Buriti Olho d´água Recanto Oliveira Água Azul Olho d'água Córrego do Meio Córrego do Meio Lagoinha Aldeia Tereré

PT

Prof (m)

N.E (m)

N.D (m)

Vazão m³/h

Diâm (")

Reservatório (m³)

1 3 2 1 1 1 1 1 1 2 1 1

102 140 160 92 152 92 110 147 102 132 132 50

21 10

72 92

6" 6"

20

689829,831

7692450,327

23 55 23 22

57 8,7 57 38 30 56 58 86 31

6,6 10,0 17,0 13,5 16,5 11,0 9,0 10,0 9,00 18,90 2,40 11,40

6" 6" 6" 6"

10 10 10 20 * 30 132 10 10

687115,467 687829,512 688550,773 687033,464

7692368,039 7691021,799 7694339,991 7690555,169

710627,072 689909

7683235,939 7691075

* direto na rede Fonte: DSEI/FUNASA, 2008.

12 8,7 18 5

6" 6" 6" 6"

Coordenadas UTM

168

De acordo com levantamentos efetuados in loco nos poços tubulares existentes nas Terras Indígenas Buriti e Tereré, visando a adequação dos mesmos a legislação que versa sobre o assunto, mais especificamente as normas técnicas da NBR 12212/2006 e 12244/2006 da ABNT, são descritas as orientações específicas relativas aos poços visitados. O poço tubular profundo da Aldeia Oliveira está instalado de acordo com as normas da ABNT no que se refere a parte visualizada superficialmente, com exceção do fato do tubo de boca apresentar uma medida inferior a 0,50 m exigida pela norma (Figura 5.13).

Figura 5.13. Poço localizado na Aldeia Oliveira o qual abastece a população de duas aldeias (Oliveira e Buritizinho). Fonte: LUCKMANN, 2010.

O poço tubular profundo que abastece a Aldeia Lagoinha está instalado dentro das normas técnica da ABNT citada anteriormente, no que se refere à parte visualizada superficialmente, apesar do tubo de boca estar abaixo dos 0,50 m exigido pela norma (Figura 5.14).

169

< 0,50m

Figura 5.14. Poço tubular localizado na Aldeia Lagoinha. Fonte: LUCKMANN, 2010.

O poço tubular profundo que abastece a Aldeia Recanto está instalado dentro das normas da ABNT citadas anteriormente (Figura 5.15).

Figura 5.15. Poço tubular localizado na Aldeia Recanto. Fonte: LUCKMANN, 2010

Em relação ao poço tubular profundo que abastece a Aldeia Água Azul o mesmo está instalado de acordo com as normas técnicas da ABNT. No entanto, há a necessidade da retirada dos espaços vazios existentes entre a tampa e boca do poço, sendo correto e adequado trocar esta tampa por uma de diâmetro maior,

170

eliminando de vez qualquer espaço que possibilite a entrada de contaminantes, insetos, etc. (Figura 5.16)

Figura 5.16. Poço tubular localizado na Aldeia Água Azul. Fonte: LUCKMANN, 2010.

O poço tubular profundo que abastece a Aldeia Olho d’Água esta perfeitamente instalado dentro das normas da ABNT (Figura 5.17).

Figura 5.17. Poço tubular localizado na Aldeia Olho d’Água. Fonte: LUCKMANN, 2010.

171

O poço tubular profundo que abastece a Aldeia Buriti, aqui denominado de poço 01, não apresenta laje de proteção, a qual deve ser construída em concreto, com tamanho mínimo de 1,0 m x 1,0 m x 0,15 m, de acordo com o determinado pelas normas da ABNT (Figura 5.18).

Figura 5.18. Poço tubular localizado na Aldeia Buriti. Fonte: LUCKMANN, 2010.

O poço tubular profundo aqui denominado de poço 02, que abastece a Aldeia Buriti, apresenta dois problemas, o primeiro e mais relevante é a tampa aberta, permitindo a entrada insetos e contaminantes que possam vir a poluir a água subterrânea. O segundo é o tamanho do tubo de boca que deveria apresentar uma altura mínima de 0,50 m acima do nível do solo (Figura 5.19).

172

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