2010 - Resumo expandido Ação educativa em projetos de Arqueologia de Contrato Seminário REM-CE

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AÇÃO EDUCATIVA EM PROJETOS DE ARQUEOLOGIA DE CONTRATO Manuelina Maria Duarte Cândido1 Existe uma corrente internacional chamada Public Archaeology, mas podemos dizer que no Brasil nem seria necessário esta ênfase, já que a própria Constituição garante que o patrimônio arqueológico é de todos e que todos devem ter acesso às fontes da cultura nacional. A publicização de acervos e resultados de pesquisas faz parte das obrigações éticas e legais dos arqueólogos. Porém, a realidade mostra a não incorporação das fontes arqueológicas às interpretações da cultura brasileira, o papel coadjuvante da Arqueologia nos museus2, a restrita divulgação dos resultados das pesquisas arqueológicas3 e a visão distorcida da Arqueologia pelo público em geral4. Esforços como o de Paulo Duarte propiciaram-nos uma legislação rigorosa no que diz respeito à proteção do patrimônio arqueológico. O refinamento deste pensamento tem chegado à garantia, inclusive, das etapas de extroversão imediata dos resultados das pesquisas de salvamento arqueológico, embora ainda haja um vácuo no que diz respeito a ações de longo prazo posteriores ao depósito dos acervos nas instituições de endosso. Este

trabalho

apresenta

atividades

de

educação

patrimonial

realizadas em 2008 pela Scientia Consultoria Científica no âmbito dos 1

Historiadora, especialista em Museologia, mestre em Arqueologia. Vice-Presidente do Instituto Praeservare – Preservação do Patrimônio Cultural. 2 A este respeito ver: SCHWARCZ, Lilia. O Nascimento dos Museus Brasileiros 1870-1910. in: História das Ciências Sociais no Brasil. vol. 1. Ed. Vértice – Ed. Rev. dos Tribunais Ltda.. S. Paulo, 1989. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Musealização da Arqueologia: um estudo de modelos para o Projeto Paranapanema. São Paulo: FFLCH/USP, 1995. (Tese de Doutorado). LOPES, M. Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. 1. ed. São Paulo: HIUCITEC, 1997. CHIARI, Selma Ires. O Perfil Museo-Arqueológico do Projeto Paranapanema. São Paulo: MAE/USP, 2001. (Dissertação de Mestrado) SILVA, Abrahão Sanderson N. da. Musealização da Arqueologia: diagnóstico do patrimônio arqueológico em museus potiguares. São Paulo: MAE/USP, 2008. (Dissertação de Mestrado) 3 MARTINS, Luciana Conrado. Arqueologia de salvamento e os desafios dos processos de musealização. São Paulo: MAE/USP, 2000. (Monografia de Especialização em Museologia) 4 CÂNDIDO, Manuelina Maria Duarte. “Arqueologia e Público: pesquisas e processos de musealização da arqueologia na imprensa brasileira”. In: Revista de Arqueologia Pública. Campinas: UNICAMP, 25 p. (inédito)

trabalhos de Arqueologia preventiva ao longo da Linha de Transmissão 500 Kv Neves1-Mesquita (MG), no município de Santa Luzia, nas duas escolas mais próximas ao sítio arqueológico que teve intervenção de salvamento devido aos impactos decorrentes da obra5. A Arqueologia de contrato é a pesquisa realizada especialmente em função dos impactos que uma obra de engenharia pode provocar em sítios arqueológicos, e para a qual a empresa responsável pela obra é obrigada pela lei a contratar uma equipe de Arqueologia. METODOLOGIA Planejamos um folder didático e a construção de um terrário para uma simulação com os alunos das etapas do trabalho do arqueólogo. Além disso, organizamos uma formação para que os professores se familiarizassem com o tema e com a metodologia, para atuarem posteriormente como multiplicadores. Tivemos o desafio de fazer uma intervenção de educação nãoformal em espaços e estruturas da educação formal, o que levou à adaptação do que pretendíamos para as possibilidades das escolas em pleno ano letivo. Buscamos oportunizar o contato das escolas com a ação educativa voltada para o patrimônio arqueológico, que costuma ser um conteúdo ausente nos programas disciplinares, apesar de sua relevância. A ação educativa desenvolvida está alinhada com propostas para a educação definidas em 1996 pela UNESCO: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a viver junto”6. A experiência de educação não-formal é bastante singular para a vivência destes aprendizados, e acreditamos que alcançamos tocar estas questões tanto dando a conhecer os conteúdos básicos sobre patrimônio arqueológico como proporcionando atividades práticas que levaram os alunos a experimentarem o fazer arqueológico (referenciado em metodologias de Arqueologia Experimental, bastante usadas por arqueólogos em seu exercício profissional), proporcionando aprendizados que extrapolam o conhecimento de conceitos, mas contribuem para a formação permanente do 5

Análise detalhada em CÂNDIDO, Manuelina Maria Duarte; PEDROZA, Igor e ABRAHÃO, José Eduardo. Relatório dos Trabalhos de Educação Patrimonial na Área da LT 500 Kv Neves1 – Mesquita – Escolas do Município de Santa Luzia (MG). Relatório apresentado à Scientia Consultoria Científica. Fortaleza, out. 2008. 6 DELORS, Jacques. Educar para o futuro. O Correio da Unesco, ano 24, n.6, p.6-11. RJ: 1996.

indivíduo (mudança de atitude em relação à valorização do entorno, cultura local, saberes populares) e momentos de sociabilização e trabalho conjunto. O folder didático tinha dois níveis de leitura. Para o público infantojuvenil, foi utilizada a área principal (miolo da folha de papel A3 dobrada ao meio). Linhas azuis horizontais e paralelas imitavam um caderno, e a fonte, a escrita manual. O croqui realizado na prospecção, com cores vivas e desenho de bananeiras, foi utilizado na capa, atraindo a curiosidade do leitor para o conteúdo. Usamos muitas imagens mostrando que o patrimônio possui diversas expressões, materiais e imateriais e foram fornecidas informações sobre o sítio descoberto em Santa Luzia (Sítio Rio Vermelho). Para melhor apreensão da importância dos pequenos fragmentos de cerâmica encontrados, mostramos como ele se "encaixava" em um utensílio (desenho com a possível localização do fragmento). Para o público adulto e docente usamos o verso do folder didático, com algumas orientações de atividades que poderiam ser desenvolvidas na sala de aula e no cotidiano. Buscamos apresentar ao professor a possibilidade de trabalhar a questão do patrimônio cultural como conteúdo transversal, em diferentes disciplinas. Para fins de informações e contatos posteriores, a Superintendência do IPHAN mais próxima foi indicada. As atividades de educação patrimonial para os alunos de escolas do entorno da LT Neves-Mesquita foram configuradas como projeto de curta duração, e seguindo o modelo proposto de Caldarelli7, acrescido de sugestões de Malerbi8 para simular um sítio arqueológico e explicar o trabalho do arqueólogo. Construímos para cada escola uma caixa em MDF com 1,20m x 0,80m e 0,40m de altura. Em um lado foi instalado um vidro para evidenciar a estratigrafia. O simulador foi montado com camadas de solo e sedimentos, onde enterramos na camada mais profunda o pretenso material pré-histórico: “material lítico” (seixos, lascas e artefatos de pedra produzidos de forma experimental). Na camada intermediária foram colocados cacos de cerâmica, sendo usados dois modelos e tamanhos de potes. Na camada superior, cacos de louça (xícaras, pires e travessa, todas as peças com detalhes decorados em 7

Doutora Solange Caldarelli – Diretora Scientia Consultoria Científica. Historiadora Eneida Malerbi – Consultora de Educação Patrimonial da Scientia Consultoria Científica.

8

azul e branco ou em rosa e branco). Não colocamos todos os fragmentos da mesma vasilha, pois trabalhamos depois com a simulação de laboratório, onde os alunos tentaram remontar as peças e ver que algumas estavam faltando. Formação de professores – Foram usados 90 minutos, horário em que os alunos foram liberados. Nos primeiros 60 minutos em sala de aula foi feita explanação sobre a pesquisa arqueológica e as especificidades da arqueologia de contrato realizada na região e depois procedemos à montagem do terrário. Além disto, foi apresentada a cartilha, chamando a atenção deles para as possibilidades de relação entre seus temas de trabalho e os conteúdos propostas pela educação patrimonial. Na montagem, cujos componentes haviam sido previamente adquiridos, usamos o tempo restante. Os professores aproveitaram para registrar as etapas e buscaram compreender os porquês da escolha de cada material e da ordem de sua colocação. Aplicação das oficinas com alunos – Foram atendidos 20 alunos de 8ª série e 26 alunos de 3ª série, cada um dividido em dois. Na simulação do trabalho de campo, fizemos o quadriculamento da caixa que simboliza o sítio arqueológico, com a divisão da turma em pequenas equipes, revezando-as entre as atividades, para todos escavassem e registrassem os dados. Trabalhando com grupos entre 10 e 13 alunos, enquanto cinco escavavam (deixamos como testemunho a quadrícula próxima ao vidro, o que manteve a estratigrafia evidente) e dois ou três peneiravam, os outros pesquisavam em livros de Arqueologia as pinturas rupestres e escolhiam algumas para recriar com lápis de cores. Aproveitamos para falar das cores usadas nas pinturas rupestres e chamar a atenção deles para as diferentes origens geográficas das mesmas. Em papel quadriculado um aluno fazia um pequeno croqui dos fragmentos evidenciados. Todo o material coletado foi guardado, por quadra e nível, em sacos plásticos com etiquetas. Outros alunos peneiraram os sedimentos e recuperaram as sementes. A última hora foi usada para simular as atividades de análise em laboratório de todo o material coletado. Eles numeraram, desenharam os fragmentos e interpretaram sua posição no sítio com os croquis elaborados. Finalmente, demonstramos como era lascado e

utilizado o artefato, no caso do lítico, e com ábaco e paquímetro a forma como as vasilhas de cerâmica e louça são reconstituídas em laboratório. No caso dos alunos de 8ª série começamos a ação com uma conversa em sala, apresentando a cartilha e o trabalho realizado na construção da LT Neves1-Mesquita. Muitos deles já tinham conhecimento da escavação de um sítio arqueológico e estavam ansiosos por mais informações. Trabalhamos em alguns minutos os conteúdos propostos na cartilha como o que é patrimônio cultural, arqueologia, sítio arqueológico, como é o trabalho do arqueólogo e o que foi encontrado no Sítio Rio Vermelho. Com os alunos de 3ª série optamos por ir direto para as atividades práticas. Apenas apresentamos a cartilha antes, embora mais rapidamente, com as imagens da cartilha servindo de ponto de partida para uma rápida apresentação dos temas arqueologia e patrimônio cultural. Depois de todas as etapas práticas da atividade é que fizemos uma conversa final com as crianças, para dar um fechamento à atividade. No geral, fizemos as mesmas atividades, mas com a 8ª fomos com mais rigor a detalhes como fotografar os artefatos evidenciados na escavação com o norte e a escala, usar mais amiúde o ábaco e o paquímetro. O fechamento da atividade ajudou a consolidar conhecimentos abordados na ação educativa e a finalizar de uma maneira que evitasse a simples dispersão. Tanto com a 3ª como com a 8ª série relacionamos a produção cerâmica préhistórica com a atual e conversamos sobre os ceramistas de Santa Luzia, que eles em geral conhecem bem, sendo inclusive parentes de alguns. No encerramento destacamos a importância dos alunos mostrarem as cartilhas em casa e conversarem sobre o que aprenderam a respeito dos sítios arqueológicos, ajudando-nos a divulgar a necessidade de, em caso de achado de material arqueológico, não removê-lo e comunicar ao IPHAN por intermédio da escola. Tentamos sensibilizar os alunos para, da mesma forma que eles perceberam na escavação, que o arqueólogo precisa registrar cada fragmento antes de deslocá-lo, serem eles também defensores do patrimônio arqueológico, disseminando a informação de não remover o material e aguardar a presença de um arqueólogo. Também na formação dos professores solicitamos parceria na divulgação destes conhecimentos.

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