2011 - Perfis do contraditório na execução fiscal - o executado não é o vilão

June 23, 2017 | Autor: Heitor Sica | Categoria: Execução Fiscal
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PERFIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NA EXECUÇÃO FISCAL FEDERAL

Heitor Vitor Mendonça Sica Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Advogado

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Baixa taxa de uso dos meios de defesas do executado – 3. Baixa taxa de êxito dos embargos à execução – 4. Baixa taxa de êxito da objeção de pré-executividade – 5. Execução fiscal “desjudicializada” e a defesa do devedor – 6. Breves conclusões.

1.

Introdução

Ao longo dos últimos quase vinte anos, em que o Código de Processo Civil passou por numerosas e profundas reformas, foi recorrente a reclamação dos processualistas acerca da falta de estatísticas para orientar a formulação de alterações legislativas e para averiguar o sucesso ou o fracasso daquelas que chegaram a ser implementadas1. De poucos anos para cá, tais estatísticas têm sido produzidas, mas infelizmente ainda são raros os estudos que as examinam de forma crítica e ainda menos frequente é o uso de tais dados para orientar a elaboração de projetos de leis em matéria processual civil2. Não é possível duvidar, nos dias de hoje, do relevante papel que as pesquisas empíricas podem desempenhar para o aprimoramento da técnica processual.

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Já há bem mais de uma década, BARBOSA MOREIRA vem enfatizando que os esforços reformistas do CPC podem cair no vazio face à falta de dados estatísticos (As reformas do código de processo civil: condições de uma análise objetiva, in Temas de Direito processual – 6ª série, São Paulo: Saraiva, 1997, p.82–93; Reformas processuais, Temas de direito processual – 7ª série, São Paulo: Saraiva, 2001, p.2-8; Reformas processuais e poderes do juiz, Revista Jurídica, ano 51, v. 306, Porto Alegre: Notadez, abr/2003, p.17, dentre outros). 2 Para comprovar essa assertiva, basta verificar que a mais importante e recente iniciativa legislativa em matéria processual civil – o projeto de um novo CPC – aparentemente não se louvou de qualquer dado empírico. A Exposição de Motivos da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal não se refere, em nenhum momento, a qualquer estudo dessa natureza; tampouco o faz o “projeto substitutivo” elaborado por comissão formada por membros da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito Processual e submetido à Câmara dos Deputados.

Da mesma forma, parece evidente a necessidade de que tais estudos empíricos sirvam para orientar o gerenciamento dos recursos físicos e humanos do Poder Judiciário, tema normalmente ignorado por grande parte dos estudiosos do processo, que ainda não se convenceram inteiramente de que alterações legislativas não operam milagres e têm efeito limitado para combater as mazelas do nosso sistema judiciário civil. O relatório final da pesquisa intitulada “Custo unitário do processo de execução fiscal na Justiça Federal”, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – embora dedicado a calcular o valor gasto pelos cofres da União com a tramitação de cada execução fiscal aforada perante a Justiça Federal – atende a essas duas finalidades. Quanto ao primeiro aspecto aqui suscitado, os resultados da pesquisa revelam alguns “gargalos” do procedimento da execução fiscal que poderiam, sim, ser enfrentados por reformas legislativas. Afinal, não é porque alterações legislativas não são aptas a, sozinhas, resolver o mau funcionamento do processo que simplesmente devam ser descartadas como instrumento a serviço da melhoria da eficiência da distribuição de justiça. Quanto ao segundo, a pesquisa sinaliza a necessidade não apenas de rever e aprimorar aspectos gerenciais acerca do funcionamento do próprio Poder Judiciário, mas igualmente de todos os entes federais que se socorrem da execução fiscal, cuja ineficiência na cobrança de suas dívidas seguramente acaba por gerar um número expressivo de processos judiciais desnecessários3. No mais, alguns dados coletados4 permitem afirmar que, por mais eficientes que sejam as técnicas processuais criadas para a expropriação forçada e por melhor que seja a gestão dos recursos humanos e materiais empregados com essa finalidade, a execução forçada (sobretudo se fundada em dívida pecuniária) dificilmente vencerá o obstáculo do vazio patrimonial do devedor5.

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O surpreendentemente alto percentual de execuções extintas por pagamento – 33,9% – permite concluir que os mecanismos de cobrança dos entes federais credores não são minimamente eficientes. O devedor que se dispõe a pagar (ou parcelar) seu débito quando já exigido judicialmente provavelmente o faria se fosse extrajudicialmente convocado para tanto, antes do ajuizamento da execução fiscal. 4 Em especial o baixo percentual de processos em que se consegue realizar a penhora (15%) e a baixíssima incidência de designação de leilões (2,6%) e a ínfima taxa de satisfação da execução por essa forma (0,2%) a qual, somada à igualmente irrisória incidência de adjudicação (0,3%), tem-se que em apenas 0,5% dos casos (1 em cada 200) a execução fiscal atinge o resultado considerado “natural” pelo sistema. 5 LEONARDO GRECO (Processo de execução, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, v.1, p.4-5) destaca algumas razões de ordem extraprocessual que conspiram contra a efetividade da execução: “Outro fator que desalenta o credor é a ineficácia das coações processuais diante dos artifícios que a vida comercial moderna propicia aos devedores

Embora a pesquisa aqui em exame abra ensejo para todas essas (e muitas outras) reflexões, o foco de nossa preocupação restringe-se aos dados relativos aos instrumentos de defesa dos executados, os quais são particularmente surpreendentes. No tocante aos instrumentos de defesa do executado, o IPEA e o CNJ apuraram que somente 4,4% dos executados opõem “objeção de pré-executividade”6, ao passo que 6,5% deles manejam embargos à execução. Embora esses dois parâmetros pesquisados não esgotem os mecanismos de defesa do executado7, chama a atenção que os executados defendam-se com menos frequência do que se poderia imaginar. Também se destaca a informação de que o instrumento típico de defesa (embargos à execução) é utilizado com uma frequência apenas 50% maior do que a objeção de pré-executividade (sabidamente instrumento de criação pretoriana e doutrinária, sem forma ou figura de juízo). Por fim, igualmente salta aos olhos o fato de que as taxas de êxito desses dois meios de defesa do executado sejam baixas, ainda que a dos embargos seja consideravelmente maior que a da objeção de pré-executividade (20,2% e 7,4%, respectivamente). Dadas as limitações do tema proposto e dos conhecimentos que nos são disponíveis, esses dados serão analisados sob o ponto de vista da técnica processual empregada na estruturação da execução fiscal, valendo-nos de duas linhas de raciocínio distintas. A primeira é retrospectiva: cumpre perquirir em que medida a estrutura do processo de execução fiscal e as técnicas que moldam o direito de defesa do executado ajudariam a explicar as estatísticas reveladas. A segunda é prospectiva: procuraremos verificar em que medida as técnicas processuais poderiam ser aprimoradas com a finalidade de tornar a

para esquivarem-se do cumprimento de suas obrigações. Pessoas jurídicas desaparecem ou são desativadas (...). A par de tudo isso, diz Roger Perrot, há um novo ambiente sociológico. Ser devedor não é mais uma vergonha e não pagar os débitos não é mais um sinal de desonra. A exacerbação do respeito à liberdade individual e à vida privada tornaram vantajosa a posição do devedor. Há também um novo ambiente econômico. O patrimônio das pessoas não é mais essencialmente imobiliário. Houve uma extraordinária diversificação dos bens e dos tipos de investimentos possíveis, o que aumentou a dificuldade de conhecê-los”. 6 Utilizaremos a mesma expressão empregada pelo relatório ora em exame – “objeção de pré-executividade” – consignando, contudo, que embora seja mais correta que “exceção de pré-executividade” ainda assim contém imprecisões, conforme demonstrou com inigualável clareza BARBOSA MOREIRA (Exceção de pré-executividade, uma denominação infeliz, Temas de Direito Processual - sétima série, São Paulo: Saraiva, 2001). 7 Não se pode ignorar, em particular, a possibilidade (reconhecida pelo art. 38 da Lei nº 6.830/80) de ajuizamento de demanda autônoma por parte do executado, com a finalidade de pleitear o reconhecimento da inexistência do débito, a nulidade da autuação e/ou da certidão de dívida ativa, antes do momento oportuno para oposição de embargos ou depois que tenha transcorrido o prazo para tanto.

execução fiscal mais efetiva, o que significaria encontrar um ponto ideal de máxima força da “sanção executiva” com o menor sacrifício possível do direito do executado ao contraditório. Nessa segunda trilha não podemos nos furtar de analisar, ainda que brevemente, a defesa do executado nos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que propõem transferir a agentes da Administração Pública (em maior ou menor medida) os atos de constrição e expropriação patrimonial para cobrança de débitos inscritos em dívida ativa8.

2.

Baixa taxa de uso dos meios de defesas do executado

O primeiro e mais impactante dado da pesquisa, a nosso ver, concerne ao baixo percentual de casos em que os executados se defendem (apenas 10,9% dos casos, somando-se as hipóteses de objeção de pré-executividade e embargos à execução9). Essa estatística derruba um dos mais propagados “mitos” para explicar a morosidade da justiça, que é o excesso de mecanismos postos à disposição dos devedores para procrastinar a satisfação de seus credores. Dificilmente se poderia atribuir aos pouco mais de 10% dos executados que se defendem a culpa pela demora dos demais 90% de processos que tramitam sem oposição dos devedores. Das várias causas de ordem técnico-processual que poderiam ser alvitradas para explicar esses números, duas delas podem ser extraídas a partir da análise de outros dados levantados pela própria pesquisa aqui em exame. Tirados os casos em que o executado se apresenta voluntariamente ao processo (o que ocorreu em apenas 3,5% dos processos pesquisados), por óbvio só se pode cogitar da apresentação de qualquer meio de defesa posteriormente à citação, a qual deve ser feita, como regra, de forma pessoal (preferencialmente pelo correio, subsidiariamente por mandado, ex vi do art. 8º, I a III da Lei nº 6.830/80). Nesse passo, desponta bastante lógico relacionar a baixa taxa de sucesso das tentativas de citação dos executados – em 36,9% dos processos consultados não houve citação 8

Referimo-nos aos Projetos de Lei nº 2412/2007 e 5080/2009, ambos pendentes na Câmara dos Deputados, e que serão adiante examinados. 9 Não se pode ignorar que esses dois instrumentos podem ser opostos no mesmo processo, sobretudo na hipótese de a objeção de pré-executividade ser rejeitada por não ter o executado provado de plano ter razão. Mas a pesquisa não identifica o percentual de casos em que tal situação tenha ocorrido.

válida – com o reduzido percentual de casos em que o executado se defende, seja por meio de objeção de pré-executividade, seja por meio de embargos à execução. E tal quadro dificilmente poderia se alterar validamente em face das garantias constitucionais à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV). Sem ato válido de comunicação não se pode impor a qualquer litigante o ônus de praticar atos processuais (em especial o de se defender). De outro lado, são estreitas as possibilidades constitucionalmente legítimas de cumprir a citação de outra forma que não a pessoal10. Assim, se forem aprimorados os mecanismos de citação do executado, é provável que haja um aumento da incidência de utilização de meios de defesa, assim como de pagamento espontâneo do débito exequendo. Desenhado tal quadro, é difícil prever se a efetividade da máquina judiciária aumentaria ou não já que, por um lado, a arrecadação dos entes exequentes aumentaria face ao maior número de pagamentos espontâneos, ao passo que o acréscimo de objeções de pré-executividade e de embargos à execução acarretaria maior carga de trabalho. Se todos os indicadores aumentassem na mesma proporção, ainda assim o impacto do aumento do número de defesas dos executados seria diminuto. Basta pensar que se ao invés de obter a citação em 60% dos casos, a taxa de sucesso fosse de 90% (50% a mais), o percentual de incidência de defesa do executado aumentaria de 10% para 15%, ainda uma taxa baixa. Mesmo quando superada a etapa procedimental de citação do executado (o que ocorreu em apenas três quintos dos casos analisados), há um segundo aspecto estrutural da execução fiscal que, a nosso ver, também acarreta redução da incidência do mecanismo típico de defesa do executado, isto é, os embargos à execução. Isso porque, a teor do art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/80, o executado citado pessoal e validamente só poderá opor embargos depois de “garantida a execução” (rectius, após depósito em dinheiro ou penhora de bens em valor bastante para cobrir todo o crédito exigido pela Fazenda Pública, acrescido de todos os encargos descritos na Certidão de Dívida Ativa). Como a pesquisa revela que a penhora ocorre em apenas 15% dos casos, é também 10

As questões relacionadas à citação do executado serão objeto de estudo específico para esta mesma coletânea, o que nos autoriza a não aprofundar o exame do tema. Mas não podemos deixar de opinar que a regulamentação da citação eletrônica, tal como prevista no art. 6º da Lei nº 11.419/2006, representaria um passo decisivo para enfrentamento desse “gargalo”. Se a cada pessoa jurídica ou física fosse atribuído um endereço eletrônico para o qual seriam direcionados os atos citatórios, seriam inócuas as mudanças de endereço e quaisquer manobras do executado para fugir do carteiro ou do oficial de justiça. Em linhas gerais, tal expediente já é adotado no processo administrativo fiscal em nível federal, por força do art. 23 do Decreto nº 70.235/72, com redação dada pela Lei nº 11.196/2005.

inevitável reconhecer a relação desse percentual com a baixa incidência de embargos à execução. Se por um lado as garantias constitucionais do processo dificultariam modificações destinadas a apressar a superação da fase de citação, por outro, a esse segundo “entrave” ao exercício do direito de defesa baseia-se em uma escolha técnica que já foi abandonada para a execução dos demais títulos executivos extrajudiciais regulada pelo CPC, por força da reforma operada pela Lei nº 11.382/2006. A oposição dos embargos deixou de ficar condicionada à prévia “garantia do juízo” (CPC, art. 736), ao passo que foi retirado desse instrumento de defesa o seu efeito suspensivo “automático” (CPC, art. 739-A). Há quem diga que esses novos dispositivos aplicam-se à execução fiscal (em especial o segundo deles), por força da subsidiariedade do CPC prevista pelo art. 1º, in fine, da Lei nº 6.830/8011. Mas mesmo aqueles que pensam diferentemente não poderiam se negar a reconhecer ser perfeitamente possível que, pela via de reforma legislativa, também os embargos à execução fiscal passassem a ser oponíveis dentro de prazo preclusivo iniciado após a citação, independentemente da garantia do juízo, e sem suspensão automática da execução12.

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Quanto à aplicação do art. 739-A do CPC, o STJ já firmou posição a respeito, entendendo que os embargos à execução fiscal já não têm mais efeito suspensivo “automático”. Ao que consta o precedente que tem sido invocado para sustentar essa corrente é o seguinte: REsp 1024128/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/05/2008, DJe 19/12/2008. O mesmo tribunal rejeita a aplicação do art.736 do CPC à execução fiscal por força do comando expresso do art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/80. Como exemplo, confira-se o seguinte julgado recente: AgRg no REsp 1257434/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe 30/08/2011. 12 Não deixa de ser curioso que a Lei nº 6.830/80, promulgada com o propósito de tornar a execução de dívida ativa mais efetiva em relação à execução dos demais títulos executivos extrajudiciais regulada pelo CPC, hoje se mostre menos eficaz, ao ponto de estudiosos e tribunais fazerem esforço para lhe sustentar a aplicação de novos dispositivos inseridos no Codex. Logo que a Lei nº 6.830/80 foi promulgada, HUMBERTO THEODORO JR. (A cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública segundo a Lei 6.830 de 22.9.80, Revista de processo, São Paulo: RT, ano 6, abr-jun/1981, n.22, p.9) destacou que seu “claro propósito” era o de “agilizar a execução fiscal, criando um procedimento especial diverso da execução forçada comum de quantia certa, regulada pelo Código de Processo Civil” e ainda criticou o diploma por conter “dois graves defeitos fundamentais: a) a descodificação de um procedimento que se integrara ao Processo Civil, como peça de um todo harmônico e funcional; e b) a instituição de privilégios exagerados e injustificáveis para a Fazenda Pública, que foi cumulada com favores que repugnam à tradição e à consciência jurídica do direito nacional”. O primeiro defeito persiste, como provam as acirradas polêmicas sobre a aplicabilidade à execução fiscal das novidades trazidas pela Lei nº 11.382/2006. O segundo defeito apontado parece ter se perdido no tempo. Afinal, com as reformas instituídas pela Lei nº 11.382/2006, a execução dos demais títulos executivos extrajudiciais passou a empregar instrumentos que tornaram o tratamento processual do executado mais rigoroso do que na própria execução fiscal, além de terem sido incorporadas ao CPC algumas regras que antes figuravam apenas na Lei nº 6.830/80 (como, por exemplo, a avaliação realizada por oficial de justiça – arts. 143, V e 680 do CPC, e arts. 7º, V, e 13 da Lei nº 6.830/80).

A nosso ver, parece evidente que essa solução técnica traria claros benefícios em termos de efetividade da execução fiscal, ao mesmo tempo em que não comprometeria o direito do executado à ampla defesa. Só não é possível vaticinar se tal alteração aumentaria ou reduziria o percentual de casos em que o executado se defende. Se por um lado a oportunidade de o executado se opor à execução fiscal se tornaria mais estreita, por outro, eliminar-se-ia a possibilidade de o executado “apostar” na ineficiência do exequente em localizar bens para garantia do juízo. Seja como for, seguramente se reduziria (e muito) a incidência de objeção de pré-executividade, tema a que reservamos atenção no item 4, infra.

3.

Baixa taxa de êxito dos embargos à execução

Também merece análise o dado revelado pela pesquisa de ser bastante baixa (20,2%) a taxa de êxito dos executados que opuseram embargos à execução. Segundo pensamos, uma das possíveis explicações para esse dado repousa na natureza jurídica do título executivo em geral e da Certidão de Dívida Ativa em particular. O título executivo, como ato ou fato jurídico documentado, traz consigo, por força de lei, grau elevado de probabilidade de existência do direito reclamado13, autorizando-se, por isso e desde logo, atos de agressão à esfera jurídica do executado. No âmbito da execução fiscal, embora o título executivo (a CDA) seja expedido unilateralmente pelo exequente14, trata-se de ato que se reveste da presunção de legitimidade e veracidade que conota toda a atividade da Administração Pública. Assim, embora o meio típico de defesa do executado (os embargos) comporte a alegação de “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em

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A definição aqui enunciada, que encontra eco na doutrina pátria, contém elementos das teses que LIEBMAN e de CARNELUTTI apresentaram na famosa polêmica em que os dois autores italianos se envolveram, a qual é relatada por DINAMARCO (Fundamentos do processo civil moderno, 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2010, v.1, p.110-113). 14 Diferentemente do que ocorre com a maioria dos títulos executivos extrajudiciais (CPC, art. 585), cuja formação ocorre com a participação direta do devedor, em especial “a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque” (inciso I), “a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores” (inciso II), “os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida” (inciso III).

processo de conhecimento” (CPC, art.745, V), o executado acha-se em nítida situação de desvantagem frente ao exequente15. Entendemos, contudo, que tais constatações, isoladas, não justificariam a baixa taxa de êxito dos embargos à execução (20,2%). Parece-nos que outra circunstância particular à execução fiscal deve ter exercido influência sobre esse dado, qual seja, a obrigatoriedade de que a CDA seja precedida de processo administrativo que garanta ao particular possibilidade de defesa. O preceito suficientemente claro do art. 5º, LV, da Constituição Federal – que estende ao processo administrativo as garantias do particular à ampla defesa e ao contraditório – é complementado pela legislação infraconstitucional que obriga o Poder Público a oportunizar ao particular o direito de ser ouvido antes que o título executivo esteja formado (rectius, antes da expedição da CDA). Quando se trata de débito fiscal, o diploma que rege a matéria no âmbito federal é o Decreto nº 70.235/72 que, embora editado anteriormente à Constituição Federal, observa os preceitos inerentes ao contraditório16. Ademais, subsidiariamente a esse Decreto – e a todos os demais instrumentos normativos que regulam processos administrativos em âmbito federal, mesmo que digam respeito a débitos

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A situação de paridade de armas, presente no processo de conhecimento, não se verifica na execução, que é realizada no interesse do credor (CPC, art. 612). Essa circunstância molda diversos aspectos da execução, como o poder que o art. 569 do CPC confere ao exequente de desistir da execução mesmo sem concordância do executado já citado (salvo quando opostos embargos que não aleguem matérias exclusivamente processuais), o que não ocorre no processo de conhecimento (mercê do art. 267, §4º, do CPC). No âmbito da execução fiscal, o exercício desse poder não está limitado nem mesmo pela existência dos embargos portadores de alegações de mérito, face ao que dispõe o art. 26 da Lei nº 6.830/80. Essa norma, embora disponha que a desistência não gerará ônus financeiro para qualquer das partes, foi atenuada pela Súmula nº 153 do STJ, que garante ao executado o direito pelas verbas sucumbenciais decorrentes dos embargos. (“A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos, não exime o exequente dos encargos da sucumbência”). A par de todas essas normas, que já se acham positivadas há décadas, as reformas processuais ampliaram a supremacia da posição jurídica do exequente em face do executado, atribuindo ao primeiro o poder de escolher os bens a serem penhorados (CPC, art. 475-J, §3º, e 652, §2º). Contudo, a aplicação desses dispositivos à execução fiscal ainda é matéria controvertida, face ao que dispõem os arts. 9º, III, e 10, ambos da Lei nº 6.830/80, os quais continuam a atribuir ao executado o poder de nomear bens à penhora tal como o CPC fazia antes das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006. Para ampla referência sobre essa última questão, confira-se a obra coletiva coordenada por YVES GANDRA DA SILVA MARTINS intitulada Execução fiscal (São Paulo: RT, 2008), que propôs a quase quatro dezenas de estudiosos a seguinte questão: “é válido proceder à penhora on-line antes de intimado o contribuinte para promover a garantia do juízo?”. A maioria deles respondeu negativamente, com base nos dispositivos da Lei nº 6.830/80 referidos nesta nota. 16 Prevê-se a obrigatoriedade de o auto de infração fiscal conter “a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias” (art. 10, V), a qual deve ser feita de acordo com as formas do art. 23. Já a impugnação, que “instaura a fase litigiosa do procedimento” (art.14), deve ser “apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência” (art. 15), permitindo-se ao particular pleitear “as diligências, ou perícias” que reputar necessárias (art. 16, IV, com redação da Lei nº 8.748/93), produzindo-se ao final decisão recorrível (art.33).

não-fiscais – aplica-se a Lei nº 9.784/9917, a qual assegura ao particular amplas possibilidades de defesa18. Assim, é de se supor que o estabelecimento do contraditório previamente à criação do título executivo acabe reduzindo a proporção de execuções fiscais indevidamente ajuizadas. Trata-se de circunstância que não ocorre quanto à maioria dos títulos executivos extrajudiciais, que são formados antes do inadimplemento (e não depois que ele ocorreu, como ocorre no caso da CDA). Essa constatação reforça a necessidade do aprimoramento da gestão dos entes legitimados à propositura da execução fiscal. Se observado com rigor o contraditório em sede administrativa, é provável que uma parcela razoável das execuções fiscais deixe de ser ajuizada, seja porque parte dos devedores resolverão espontaneamente pagar seus débitos tão logo notificados a respeito (o que ocorre em aproximadamente um terço dos casos analisados pelo IPEA e pelo CNJ), seja porque muitas defesas administrativas serão acolhidas, evitando o ajuizamento de execuções fiscais infundadas. Tal prática muito provavelmente levaria a uma redução ainda maior dos percentuais de utilização e de sucesso dos mecanismos de defesa dos executados e, em consequência, se reduziria o congestionamento da Justiça Federal.

4.

Baixa taxa de êxito da objeção de pré-executividade

Importa também investigar as razões de ordem técnico-processual que explicam a baixa taxa de sucesso da objeção de pré-executividade (apenas 7,4% dos casos em que foi manejada).

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É o que dispõe o seu art. 69, segundo o qual: “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”. 18 Além de enunciar, em seu art. 2º, que o processo administrativo federal se rege pelos princípios da “ampla defesa” e do “contraditório”, o art. 3º, II, III e IV, prevê que o administrado tem o direito de “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas”, de “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente” e de “fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei”. Para materializar esses preceitos, o diploma exige a intimação dos interessados (art. 26), franqueia o direito à produção de provas (arts. 38 a 43), e ao recurso (arts. 56 a 64).

Parece-nos que a inexistência de normas claras acerca do cabimento desse instrumento de defesa – em razão de sua origem pretoriana e doutrinária – não pode ser descartada dentre as causas do baixo índice de êxito apurado. De início, os tribunais se limitavam a reconhecer o cabimento da objeção de pré-executividade quanto a matérias que, acima de qualquer dúvida, eram cognoscíveis de ofício, como a falta de condições da ação (em especial a ilegitimidade passiva) e de pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, por força de disposições expressas contidas nos arts. 267, §3º e 301, §4º, do CPC. Contudo, paulatinamente a jurisprudência foi se afrouxando, para permitir a alegação de matérias que, embora sejam de direito material e não reconhecidas como cognoscíveis de ofício – tais como o pagamento19 e a prescrição20 – pudessem ser alegadas pela via da objeção de pré-executividade, desde que pudessem ser apreciadas “de plano”, seja por arguir matéria exclusivamente de direito, seja por suscitar matéria fática esclarecida por prova documental apresentada de imediato pelo executado21. Ou seja, os tribunais acabaram por estabelecer que a cognição judicial realizada no âmbito da objeção de pré-executividade delineia-se sucundum eventum probationis22, e tal diretriz aplica-se mesmo nos casos em que a matéria alegada pelo

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Embora não haja norma expressa, boa parte da doutrina sustenta que o pagamento é matéria de defesa cognoscível de ofício (na doutrina estrangeira, confira-se, v.g., CESARE CAVALLINI, Eccezione rilevabile d’ufficio e strutura del processo. Napoli: Jovene, 2003, passim., esp.p.181 e 269 e ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO NORA, Manual de processo civil. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p.296). 20 Antes do advento da Lei nº 11.280.2006 – que transformou a prescrição em matéria cognoscível de ofício, mercê da revogação do art. 194 do CC e da alteração do art. 219, §5º, do CPC – a possibilidade de conhecimento da prescrição por meio de objeção de pré-executividade demandava enorme esforço argumentativo e demorou a ser pacificada no STJ, o que ocorreu apenas quando do seguinte julgado da Corte Especial: “1. É possível que em exceção de pré-executividade seja alegada a ocorrência da prescrição dos créditos excutidos, desde que a matéria tenha sido aventada pela parte, e que não haja a necessidade de dilação probatória. 2. Consoante informa a jurisprudência da Corte essa autorização se evidencia de justiça e de direito, porquanto a adoção de juízo diverso, de não cabimento do exame de prescrição em sede de exceção pré-executividade, resulta em desnecessário e indevido ônus ao contribuinte, que será compelido ao exercício dos embargos do devedor e ao oferecimento da garantia, que muitas vezes não possui” (EREsp 388000/RS, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 16/03/2005, DJ 28/11/2005, p. 169) 21 O entendimento restou consagrado na Súmula nº 393 do STJ: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”. 22 Acolhendo esse entendimento, confira-se acórdão do STJ que serviu de precedente para edição da referida Súmula nº 393: “1. A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva. 2. O espectro das matérias suscitáveis através da exceção tem sido ampliado por força da exegese jurisprudencial mais recente, admitindo-se a arguição de prescrição e decadência, desde que não demande dilação probatória (exceção secundum eventus probationis)” (AgRg no Ag 1060318/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 17/12/2008)

executado poderia ser conhecida de ofício, mas demandaria provas outras que não a meramente documental, pré-constituída23. Nesse passo, o conhecimento do mérito da objeção de pré-executividade está sempre sujeita à formação de convicção pelo magistrado, a qual, como bem se sabe, é livre, embora deva ser motivada, a teor do art. 131 do CPC. Esse quadro cria palpáveis dificuldades para o sucesso da objeção de préexecutividade, pois autoriza que o juiz não a conheça sob o fundamento de não estar inteiramente convencido. Embora essa decisão tenha que ser, como todas as demais, suficientemente motivada – indicando-se quais provas seriam necessárias para esclarecimento da matéria de defesa alegada – é também bem conhecida a tolerância dos tribunais com decisões precariamente fundamentadas. Some-se a isso o evidente preconceito que se sabe recair sobre a objeção de pré-executividade – que é vista, não raro, como instrumento de chicana processual24 – tem-se aí um quadro bastante propício para que sua taxa de sucesso seja baixa. De toda sorte, a adoção, pela execução fiscal, do modelo de defesa do executado implantado pelos arts. 736 e 738 do CPC, com redação dada pela Lei nº 11.382/2006 para a execução dos demais títulos executivos extrajudiciais regida pelo CPC, tenderá a reduzir consideravelmente a incidência de exceções de pré-executividade25. Com isso, eliminar-se-ia o risco de a mesma matéria ser alegada por duas vezes: a primeira em sede 23

Seguindo essa trilha há outro julgado do STJ também referido como precedente que deu origem à Súmula nº 393: “A exceção de pré-executividade é cabível para a discussão a respeito dos pressupostos processuais e das condições da ação, vedada sua utilização, nessas hipóteses, apenas quando há necessidade de dilação probatória” (AgRg no REsp 448268/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 10/08/2004, DJ 23/08/2004, p. 120). A nosso ver, esse entendimento jurisprudencial não apresenta nenhuma incongruência. Em outro trabalho (O direito de defesa no processo civil brasileiro, São Paulo: Atlas, 2011, p.156-157), pontuamos que “o fato de determinada matéria ser cognoscível de ofício não elimina de todo o ônus do interessado em alegá-la e prová-la”. 24 Embora o instrumento seja desprovido de efeito suspensivo da execução, a prática demonstra que sua oposição normalmente causa embaraço às atividades executivas, haja vista que o juiz se vê obrigado a intimar o exequente, dando-lhe oportunidade para se manifestar, para depois proferir decisão atacável, primeiro, por embargos declaratórios e, posteriormente, por agravo de instrumento. Enquanto se praticam todos esses atos, frequentemente as atividades executivas acabam ficando em segundo plano (quando não ficam inteiramente paralisadas. 25 O estudioso mais atento não se iludiu em achar que a objeção de pré-executividade desapareceria por completo. Afinal, conforme pontuou EDUARDO TALAMINI (A objeção na execução ("exceção de préexecutividade") e a Lei 11.382/2006, texto disponível no seguinte endereço eletrônico em http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=1&artigo=261&l=pt) esse remédio continua cabível para alegar matérias de defesa surgidas apenas depois do momento propício para embargos (como, por exemplo, a arguição de impenhorabilidade de bem que foi constrito mais de quinze dias depois da juntada do mandado de citação cumprido). Acrescentamos que a perda do prazo para embargos à execução não poderia retirar do devedor o poder de alegar matérias cognoscíveis de ofício.

de objeção de pré-executividade e, no caso de sua rejeição pela inexistência de prova documental pré-constituída suficiente, em embargos à execução. Não há dúvidas de que se ganharia em eficiência da máquina judiciária, que realizaria atividade cognitiva uma única vez, de forma exauriente, sem que houvesse qualquer sacrifício à amplitude do direito de defesa do executado. Ao contrário, pode-se dizer que o executado se defenderia de maneira ampla e completa, independentemente da constrição de seu patrimônio (a qual, contudo, poderia continuar a ser conduzida, via de regra, independentemente do julgamento da defesa).

5.

Execução fiscal “desjudicializada” e a defesa do devedor V Os dados aqui coletados podem servir igualmente para analisar criticamente

os projetos de lei que visam “desjudicializar” (em maior ou menor medida) a execução fiscal, transferindo para agentes do próprio ente publico credor atividades relativas à expropriação de bens do devedor. Constam-nos haver, pendentes na Câmara dos Deputados, dois projetos de lei com essa finalidade (nos 2.412/2007 e 5.080/2009) os quais se acham apensados. Ambos propõe a desjudicialização de atividades executivas em graus diferentes. No primeiro caso, todas as atividades de constrição patrimonial são transferidas para agentes da Fazenda Pública credora26. No segundo caso, atribui-se ao exequente o poder de realizar apenas atos de “constrição preparatória e provisória” 27, a qual não dispensará o ajuizamento da execução fiscal, no prazo de 30 dias, salvo quando a constrição preparatória recair sobre dinheiro, em que o prazo é reduzido para 3 dias (art. 13 e 17, §1º). O objetivo primordial desse segundo projeto, a nosso ver, é tirar do Poder Judiciário apenas as tarefas inerentes à localização de bens do executado, transferindo-a para o ambiente administrativo. Embora o modelo que esses projetos pretendem implantar venha sendo experimentado, com muitas variações, em diversos outros países28, trata-se de novidade por

26

O art. 6º do projeto dispõe que “Os atos executivos determinados pelo órgão encarregado da execução fiscal serão realizados pelos agentes fiscais, com observância do devido processo legal”. 27 O art. 3º do projeto determina que “Os atos de constrição preparatória e provisória serão praticados pela Fazenda Pública credora, cabendo seu controle ao Poder Judiciário, na forma prevista nesta Lei”. 28 Para sucinta, mas profunda, análise dos modelos vigentes em diversos países, confira-se a recente obra de ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY (A execução fiscal administrativa no direito tributário comparado, Belo Horizonte: Fórum, 2009).

aqui e já começa a levantar questionamentos, sobretudo sob o ponto de vista do direito de defesa do executado. Com base nos dados aqui examinados, entendemos correto concluir que se os executados que efetivamente se defendem são tão poucos, não se justificaria reduzir a amplitude do direito de defesa, mesmo que implantado modelo em que a execução fiscal seja total ou parcialmente desjudicializada. E, numa visão geral, nenhum dos projetos reduz as oportunidades e a amplitude de defesa do executado tal qual delineado pela na Lei nº 6.830/80, com as modificações implantadas pela Lei nº 11.382/2006 aplicáveis à execução fiscal (em especial a ausência de efeito suspensivo “automático” dos embargos do devedor, por força do art. 739-A do CPC). O projeto de lei nº 2.412/2007 continua a prever os embargos à execução, a serem “julgados pelo juízo do local onde funcionar o órgão da Fazenda Pública encarregado do (...) processamento administrativo” da execução fiscal (art. 21), com a vantagem de que eles podem ser opostos no prazo de 15 dias da notificação administrativa para pagamento, e serão recebidos, sempre, com efeito suspensivo (art. 10, I). Não bastasse, atribui-se ao executado a possibilidade de apresentar “impugnação administrativa, versando questão de ordem pública, declarável de ofício pelo próprio órgão encarregado de processar a execução”, a qual “pode ser interposta por simples petição nos autos” (art. 12). Finalmente, permite-se o ajuizamento de embargos à arrematação ou à adjudicação quanto a matérias que não puderam ser objeto de alegação nos embargos à execução (art. 2729). A nosso ver, o projeto franqueia ao executado oportunidades mais amplas e eficazes de se defender do que sob a égide da Lei nº 6.830/80. Já o projeto de lei nº 5.080/2009 prevê que a defesa judicial do executado far-se-á por dois meios distintos: a) a impugnação aos atos executivos; e b) os embargos à execução, no tocante ao débito exequendo. A primeira pode ser oposta no prazo de 15 dias do ato impugnado30, e os segundos são passíveis de ser ajuizados em duas oportunidades: no 29

Os casos previstos são: “I – nulidades da execução, desde que não haja preclusão, nos termos do art. 24; II – pagamento, novação, transação, compensação ou prescrição, desde que supervenientes à penhora; III – excesso ou vícios da penhora ou de seu reforço; IV – vícios ou impropriedades da avaliação”. 30 Esse instrumento de defesa vem regulado no art. 22 do projeto: “Art. 22. O devedor poderá impugnar os atos praticados pela Fazenda Pública, no prazo de quinze dias, contados da data da ciência, mediante petição nos autos da execução fiscal ou, se esta não houver sido ajuizada, por meio de petição que correrá em apenso aos autos dos embargos à execução, se houver, apresentando pedido fundamentado de sustação ou adequação da constrição preparatória, provisória ou averbação administrativa, enquanto perdurarem seus efeitos. § 1º Quando

prazo de 30 dias após a notificação quanto à inscrição em dívida ativa (art. 5º e 23, §3º) ou no mesmo prazo posterior à citação judicial (art. 23, caput). Tudo isso se faz sem prejuízo da impugnação administrativa do valor de avaliação do bem penhorado (art. 11, §2º). Pode-se dizer que as chances para o executado se defender foram ampliadas 31, ressalvado apenas o disposto no art. 23, §4º, do projeto que, com duvidosa constitucionalidade, propõe retirar do executado que perdeu o prazo para embargos o direito de se defender por meio de demanda autônoma. Assim, mesmo que qualquer desses projetos venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional, é possível supor que os percentuais de uso e de sucesso dos meios de defesa do executado tenderão a permanecer baixos. Restará saber se os agentes pertencentes aos quadros do ente público exequente conseguirão realizar com maior agilidade os atos de localização e constrição de bens. Para tanto, mostra-se novamente fundamental o aprimoramento da gestão desses órgãos.

6.

Breves conclusões

A principal conclusão que se tira da pesquisa aqui em exame é a de que o executado não é, definitivamente, o “vilão” da execução fiscal, responsável por sua ineficiência. O baixo percentual de casos em que são apresentados os instrumentos de defesa comprova essa assertiva. Ainda que os instrumentos de defesa à execução fiscal possam ser aprimorados – a nosso ver a reforma operada nos arts. 736 e 738 do CPC por força da Lei nº 11.382/2006 indica o caminho a seguir – não há porque se cogitar qualquer redução em sua amplitude, que deve se definida de acordo com as seguintes premissas: a) possibilidade de alegação de qualquer matéria em sede de embargos à execução (tal como prevê o art. 745, V, do CPC); b) exercício de cognição judicial exauriente, permitindo-se a produção de qualquer

não houver execução ou embargos ajuizados, o prazo para a impugnação contará da citação realizada na execução, sendo facultado ao devedor ajuizar, desde logo, sua impugnação, que será distribuída ao juiz competente para a execução fiscal, que será considerado prevento. § 2º. A impugnação de que trata este artigo não possui efeito suspensivo, que poderá ser deferido pelo juiz em decisão fundamentada”. 31 “§ 4º Quando o executado deixar de oferecer embargos tempestivos, a certidão de dívida ativa passará a gozar de presunção absoluta de veracidade, não se admitindo novas alegações tendentes à extinção do débito, exceto quando: I - relativas a direito superveniente; II - competir ao juiz conhecê-las de ofício; ou III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição”.

prova por ambas as partes; c) possibilidade de manejo de demanda autônoma para alegação das matérias que não foram oportunamente objeto de embargos; d) a preservação da possibilidade de alegação por simples petição, a qualquer tempo, das matérias cognoscíveis de ofício, com base em simples prova documental. Se a trilha que o nosso sistema vier a escolher for a desjudicialização (total ou parcial) da execução fiscal – o que parece ser inevitável que ocorra, mais cedo ou mais tarde – e forem mantidas as premissas acima delineadas, nada há a temer. Contudo, em qualquer desses cenários, pouco adiantarão mudanças legislativas desacompanhadas de aprimoramento da gestão dos recursos humanos e materiais empregados para a cobrança de dívida ativa dos entes públicos.

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