2011.A Economia do Mar em Sines na Época Moderna.pdf

May 23, 2017 | Autor: Sandra Patricio | Categoria: Economic History, Local History
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A Economia do Mar em Sines nas épocas medieval e moderna “Sendo as vinhas, e o mar os dois nervos que mais fortemente concorrem para a subsistência deste povo» Memória Paroquial de Sines de 1758, padre Alexandre Mimoso Resumo A vila e o concelho de Sines foram criados no século XIV pelo rei D. Pedro I em resposta às necessidades de defesa da costa, num período em que o reino de Portugal estava pacificado internamente e que o povoamento do litoral começou a suplantar o do interior. Sendo o mar a principal fonte de riqueza para o concelho no presente, cabe perguntar: qual foi o peso do mar para o concelho de Sines até à construção do complexo industrial, tendo em conta que foi a existência de um porto que despoletou a criação do concelho? Esta comunicação não pretende dar uma resposta definitiva ao problema, apenas apresentá-lo e propor pistas para a sua resolução. De facto aborda-se nela somente os períodos histórico medieval e moderno, deixando-se a época contemporânea para futuras investigações.

A fundação de Sines A vila e o concelho de Sines foram criados no século XIV pelo rei D. Pedro I em resposta às necessidades de defesa da costa, num período em que o reino de Portugal estava pacificado internamente e que o povoamento do litoral começa a suplantar o do interior (Sousa, 1997:293). Entre 1364 e 1486 o concelho atingiu a sua maior extensão, incluindo a foz do Mira, o Cercal e Colos. Nas vésperas da Época Contemporânea, contudo, o concelho estava reduzido havia muito às actuais freguesias de Sines e Porto Côvo e não tinha mais que 496 fogos, pouco mais do dobro dos 203 fogos de 1532 (Dias, 1996: I, 543). Desde então o concelho conta com uma área de cerca de 200 km2, cujos limites são o concelho de Santiago do Cacém, a norte e a este, com Vila Nova de Milfontes, a sudeste, e a oeste, com o Oceano Atlântico. Estes limites não sofreram alterações significativas até aos nossos dias, salvo quando o concelho foi extinto e incorporado no de Santiago de Cacém entre 1855 e 1914. A elevação a vila em 1362 pode ter sido resultado da necessidade de defender a costa e de criar uma povoação num local pouco habitado, mais do que revelar uma importância crescente da localidade como porto de mar. Esta parece mesmo ser a sua principal vocação, dadas as condições pouco favoráveis do seu reduzido termo, inserido ele próprio numa área de fraca produtividade agrícola, o Campo de Ourique. Apesar disso, o pequeno porto existente até ao século XX era desabrigado em relação aos ventos de sul e tinha condições de acesso muito reduzidas do ponto de vista terrestre dado o limite natural da serra de Grândola. As fontes existentes para o estudo da população entre os séculos XV e XIX são parcas e pouco rigorosas. A primeira fonte, do século XIV, é o rol das igrejas de 1320-1321 (Marques, 1987:15-17). Este documento, resultante de um arrolamento das igrejas portuguesas, permite verificar a distribuição da população pelo território. Sines, então uma aldeia do termo de Santiago do Cacém, não figura no arrolamento 1

como tendo qualquer igreja. Já Santiago do Cacém teria duas igrejas, não sendo possível saber se o número de refere em exclusivo à vila ou ao seu termo, embora no resto do país se verifique a contagem das igrejas de forma individualizada para cada localidade. Ainda no século XIV mas já após a criação do concelho de Sines, o Rol dos besteiros do Conto de 1385 apresenta o número de 21 em Sines, que diminuíram para metade em 1422 (Marques, 1987:25). Os besteiros do conto constituíam a base da organização militar concelhia. Estes militares eram essencialmente mesteirais, “mancebos da terra” e lavradores. Combatiam a pé, com uma besta de polé e os regimentos obrigavam-nos a trazer consigo cinquenta virotões (Moreno, 1991:36). O número de besteiros por concelho sofria alterações de acordo com as flutuações demográficas. A diminuição do número de besteiros que é notável em Sines insere-se num contexto nacional de uma crise transversal na sociedade portuguesa nos séculos XIV e XV. A partir do século XVI as informações são mais abundantes, mas mantém-se problemas na sua análise. O problema da demografia na Época Moderna encontra-se na falta de rigor das informações, nomeadamente entre os termos fogos e vizinho. Este último termo designa uma unidade familiar (Dias, 1996:31-34), a sua residência, enquanto o vizinho é definido como aquele que é chefe de família numa localidade com residência de pelo menos quatro anos1. Assim, o conceito de vizinho é mais restrito de que o de fogo. Quando as fontes se referem a vizinhos podem indicar a maioria mas não a totalidade dos núcleosfamiliares. Em diante indica-se sempre a menção a fogos e a vizinhos, procurando-se ter em conta a diferença entre os dois termos. Outra dificuldade na utilização destas fontes reside no cálculo do coeficiente. Utilizaremos o proposto por João Alves Dias (1996: I, 41-61), isto é, quatro. O mesmo coeficiente será utilizado para o cálculo da densidade populacional. Estes dados serão, pelas limitações das fontes, meramente indicativos, mas poderão indicar tendências gerais e permitir perceber a importância de Sines a nível regional. No século XVI conhecem-se as informações provenientes das visitações da Ordem de Santiago a Sines, bem como o Numeramento de 1527-1532 (Dias, 1996: I, 543). Durante este período o número de vizinhos aumentou de 190 em 15172 para 210 em 1533, 270 em 1565 (Quaresma,1998:55). Já no século XVII as fontes limitam-se às informações contidas em manuscritos da Casa de Cadaval, mencionadas sem rigor por Arnaldo Soledade (1999:137), e o tratado de Alexandre Massaii, Descripção do Reino de Portugal (Guedes, 1989:91-131). Ambas as fontes se referem aos inícios do século, possivelmente a 1602 e a 1621. Outra fonte será a Chorographia do Padre Carvalho e Costa, com dados de 1708, que cruzaremos com as Memórias Paroquiais de 1758. Podemos procurar explicar o crescimento demográfico contínuo observado em Sines desde os finais do século XVI pelo aumento da importância do seu porto. Os indicadores desta importância são os projectos

1

Segundo as Ordenações Manuelinas, o vizinho é o chefe de família nascido e residente na localidade mais de quatro anos. (Dias, 1996: 33). 2 Soledade, Arnaldo – Visitação a Sines por Dom Jorge de Lencastre e Mestre da Ordem de São Tiago. [documento dactilografado]. Arquivo Municipal de Sines. P.37.

2

da transição do século XVI para o século XVII de melhoramento da calheta de Sines e de constituição de um porto oceânico na Ilha do Pessegueiro (Quaresma, 2009:15). Na segunda metade do século XVIII regressaram os projectos de melhoria do porto de Sines (Loureiro, 1909:89-113) e a criação de um aglomerado urbano no Porto Côvo. A importância do porto parece manter-se nos finais do século XVII, quando é construído o Forte do Revelim, em Sines, como protector da baía, e o forte do Pessegueiro, em frente à ilha do mesmo nome, como protectores da costa assolada pelos corsários. Apesar disso, a conjuntura de crises a nível nacional, relacionadas com problemas de produção e com uma importante crise financeira, poderão ter condicionado este crescimento. No entanto, a partir de inícios do século XVIII, quando atinge 500 vizinhos (Costa:1708), a população da localidade sofre um ligeiro decréscimo, que pode talvez traduzir a estagnação da localidade face ao papel macrocéfalo exercido pelo porto de Lisboa, num período de grande desenvolvimento do comércio internacional, promovido pelo ouro do Brasil e pelo Tratado de Methuen. Os dados para o século XVIII são provenientes de fontes eclesiásticas, na sua maioria. Além da Chorographia Portugueza, em 1708, existem ainda as informações provenientes da Arquidiocese de Évora (1750, da diocese de Beja (1786), e das Memórias Paroquiais de 1758. As informações de 1750 e 1786 foram em parte publicadas por Jean Marcadé em 197 (Marcadé, 1971:41-43), mas o autor utiliza o termo fogo como sinónimo de vizinho nas informações de 1758, os únicos que foi possível confrontar com a fonte. De facto, a Memória Paroquial de 1758 refere-se a “480 vizinhos” (Falcão:1987:19), enquanto Marcadé menciona “fogos”, sendo que, possivelmente, também os números de 1750 e 1786 designam os vizinhos. Para este autor os termos são sinónimos (Marcadé, 1987:46). O último número do século XVIII é, segundo Soledade, do censo de Pina Manique de 1798. Sines teria 496 fogos, embora não se possa afirmá-lo com certeza (Soledade, 1999:137). Até meados do século XVIII a população de Sines revela um decréscimo de 4%. A população nacional revela tendências de quebra de população até à década de trinta, quando a tendência se reverte.

3

Número de fogos

Evolução da população de Sines entre o final do século XVI e meados do século XVIII 500 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 1565

1604

1706

1758

Anos

As jurisdições A então vila de Sines situava-se na Comarca de Ourique, uma área onde a Ordem de Santiago de Espada detinha vastos domínios senhoriais e jurisdicionais. Outros grandes proprietários na Comarca eram os senhorios laicos, por via de doações régias, e as instituições eclesiásticas (conventos femininos e instituições paraeclesiásticas). Mesmo as posturas da vila, que as Ordenações consideram intocáveis pela administração régia, tinham que ser comunicadas à Ordem de Santiago, e alguém do mestrado teria que estar presente na sessão que a aprovava, segundo a visitação de 15173. Em 1551 o Mestrado da Ordem de Santiago de Espada foi anexado pela Coroa. O rei passa ser o perpétuo administrador da Ordem. O Desembargo do Paço assume algumas jurisdições (Olival, 2005:116). As fontes municipais conservaram, contudo, os corregimentos do ouvidor da comarca de Azeitão4, do provedor da Comarca de Ourique5 (representante da Coroa) e do corregedor régio, a partir de 17586. Na Comarca de Ourique os cargos de corregedor e provedor congregavamse na mesma pessoa. A propriedade fundiária da Ordem no concelho parece ter correspondido à da comenda da vila. As comendas tinham sido, durante a Idade Média, unidades administrativas, militares e económicas administradas por um membro da Ordem em representação do Mestre. A transformação das ordens militares em grandes senhorios eclesiásticos cada vez mais dependentes da Coroa tornou estas instituições, durante a Época Moderna, em conjuntos de bens e rendas doados a particulares como forma de recompensa por serviços prestados. Os bens das comendas integravam bens

3

Soledade, Arnaldo – Visitação a Sines por Dom Jorge de Lencastre e Mestre da Ordem de São Tiago. [documento dactilografado]. P. 19. 4 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Correição do juiz de fora como corregedor e provedor Doutor Pedro Cardoso de Novais Pereira, Provimentos, livro 1, fl. 31v-32, 1724, Janeiro, 21. 5 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Termo de arrematação das obras da câmara [obras da casa da câmara] a Manuel Estaço desta vila em preço de 38000 seu fiador João Lopes Leitão com as condições abaixo declaradas, Provimentos, livro 1, fl. 22-23v, 1735, Janeiro, 24. 6 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Correição de 1802. Posturas, livro 1, fl. 47, 1802.

4

fundiários, rendas e direitos de origem eclesiástica ou não usufruídos pelas ordens e que transitaram desta forma para a posse dos laicos. O foral novo de Sines, de 1512, refere-se à Ordem como detentora do domínio territorial de Sines e receptora da dízima velha do pescado. A comenda de Sines integrava estes bens e direitos: “(...) terras foreiras e regemgo dado pellos comendadores a sua disposiçom e as pessoas que querem e pollo preço com que se avem como cousa propria da dita hordem” (Alegria, 2012: 49). Também o domínio jurisdicional da Ordem de Santiago em Sines foi transferido para uma casa senhorial laica, por doação régia. Em 1554 D. João III doa ao duque de Aveiro, filho do último mestre da Ordem de Santiago de Espada, o senhorio jurisdicional da vila. A casa de Aveiro passa a deter então, até à sua extinção em 1758, a isenção de correição, o direito de conhecimento das apelações dos juízes ordinários de Sines e a dada das justiças e dos ofícios7. Para esta casa senhorial transitou a jurisdição detida pela Ordem em Sines: mero e misto imperio, a jurisdição máxima. Os inventários dos bens imóveis da Casa de Aveiro realizados aquando da extinção não indicam qualquer bem imóvel em Sines (Capelo,2008:6). Dado que a comenda pertencia, desde ao século XVII, ao Marquês das Minas (Patrício, 2002:51), à casa de Aveiro cabia somente o senhorio jurisdicional. A nomeação do alcaide-mor da vila, uma prerrogativa do mestrado da Ordem de Santiago, pertencia ao monarca enquanto “governador e prepetuo admenistrador do mestrado8”. No entanto a comenda de Sines pertencia a um donatário. O monarca nomeava ainda o juiz da alfândega, o capitão da vila, o juiz dos direitos reais, os tabeliães (Soledade, 1999:66). Estes últimos pagavam a pensão à Ordem de Santiago9, embora a sua nomeação fosse reivindicada pelo rei (Soledade, 1990:213).

Um aglomerado urbano ou rural? Sines situa-se na área onde a densidade populacional e a população em termos absolutos é menor, o Campo de Ourique. Segundo Jacques Marcadé, na obra Une Comarque Portugaise - Ourique - entre 1750 et 1800 (1971:171-172), em 1758 nenhuma povoação ultrapassava os 3000 habitantes, e só quatro (Ourique, Almodôvar, Mértola e Castro Verde), ultrapassavam os 2000. A grande maioria teria apenas entre 500 e 1000 habitantes. No grau intermédio, entre 1000 e 2000 habitantes, Sines é o aglomerado com um maior número populacional, ultrapassando Santiago do Cacém (Marcadé, 1971:59). O autor considerou o coeficiente 4 para

7

Arquivo Municipal de Sines. Registo de Leis e Ordens desde 2 de Setembro de 1655 até 11 de Dezembro de 1678, fl. 28v. 8 Arquivo Municipal de Sines. Registo de Leis e Ordens desde 2 de Setembro de 1655 até 11 de Dezembro de 1678, livro 1, fólio 28v. 9 Soledade, Arnaldo – Visitação a Sines por Dom Jorge de Lencastre e Mestre da Ordem de São Tiago. [documento dactilografado]. P. 36.

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calcular o número de habitantes em cada fogo. Os números relativos às “pessoas de sacramento” pecam por defeito, pois dizem respeito somente às pessoas com mais de sete anos.

Número de fogos

Pessoas de sacramento

1750

1758

1786

1750

1758

1786

Cercal

138

240

238

624

690

832

Colos

153

180

203

566

669

638

Messejana

289

304

360

1324

1000

1158

Santiago do Cacém

271

394

423

1017

1200

1327

Sines

370

480

519

1302

1747

1720

Vila Nova de Milfontes

82

200

82

334

364

233

Paróquia

População de Sines comparada com outras localidades da comarca de Ourique. A partir de Jean Marcadé (1971:42-43).

Por outro lado, o Alentejo litoral em particular tem uma fraquíssima densidade populacional, e conta com uma população dispersa por uma grande quantidade de aldeias e pequenos lugares de base agrícola. A densidade do Alentejo litoral em 1706 (Serrão,1998:47-69) não ultrapassaria os 2.8 fogos km2, enquanto que o interior apresenta uma densidade de 3,4 fogos por km2. A média nacional seria de 6.5 fogos por km2. Sines, no mesmo período, apresenta níveis de densidade populacional inferiores. Desta forma para uma área de 200 km2, existem apenas 2,5 fogos por km2, distribuídos essencialmente pela vila e pelos seus subúrbios (em 1604 apenas 14.29 % da população vivia no termo). Neste ponto a situação do concelho diverge da restante comarca do Ourique, já que se notou uma concentração populacional no centro urbano. Um estudo realizado pela autora em 2002 relativo à alfabetização do concelho de Sines no século XVII a partir de um livro de notas (Patrício, 2002:30) redigido entre 1690 e 1694 demonstra que 67,49% dos habitantes residia na vila. Os residentes no termo, apenas 9,85%, preferiam o sul do termo (45%). Os residentes no norte do termo escolhem ficar próximos da Ribeira dos Moinhos. A maioria da população do termo também preferia a proximidade dos cursos de água.

6

Intervenientes residentes no termo de Sines

Morgável

15% 30% 10%

São Bartolomeu Esteveira Bolbugão Mercador (?)

10% 5%

5% 10%

5%

10%

Ribeira dos Moinhos Ribeira da Junqueira

Esta feição «urbana» do concelho pode explicar-se pela exiguidade e fraca produtividade do termo. A vila oferecia um maior número de atractivos: a pesca, o porto, os ofícios, a proximidade do poder. Apesar disso, tendo em conta os critérios de definição de um aglomerado urbano no Antigo Regime (Serrão, 1998:61), a localidade não é considerada um verdadeiro núcleo urbano. De facto, o critério escolhido, o número de fogos, aponta para um mínimo de 1000 fogos, enquanto Sines, mesmo no pico do seu crescimento demográfico no período estudado, não ultrapassou os 500.

A terra O concelho apresenta áreas de fertilidade reduzidas, dado que às areias da costa litoral se sucedem os solos areníticos do centro do concelho e os solos xistosos dos contrafortes das serras de Grândola e do Cercal. As excepções são os solos irrigados pelas ribeiras do Bolbugão, a norte, e as ribeiras da Junqueira e de Morgável, a sul, bem como os solos de origem vulcânica dos Chãos, a sudeste da vila. A possibilidade de irrigação trazida pelas várias ribeiras e correntes existentes em Sines (além das mencionadas, o barranco do Porto Côvo e da Bêbeda, entre outros de menores dimensões), é posta em causa pela sua diminuição do caudal no Verão. As culturas toleradas por este tipo de solo são o cereal de panificação e a vinha. Nas Memórias Paroquiais de 1758 o trigo, o centeio, a cevada e o milho são indicados como os cereais produzidos em Sines. No entanto o pároco Alexandre Mimoso adverte que «raros annos hé com tanta abundancia que baste para a sustentação da terra». A situação é idêntica para os legumes e a fruta. Alguns destes cereais surgem no Livro de Notas. Quando nos é permitido averiguar a produção das vinte e seis propriedades rurais objecto de transacção, podemos concluir que quatro cultivam trigo (17,39 %) e três cultivam centeio (13,04%). Cultivavam-se em herdades como os Godins, Vale de Chiqueiro, da Serra e do Monte Velho, todas na parte sul do concelho. Infelizmente não nos é possível ajuizar da dimensão das propriedades, apenas afirmar que estavam divididas em pequenas parcelas aforadas ou arrendadas pelos proprietários, geralmente a moradores do termo. 7

A única excepção é o vinho, cuja produção excedente é exportada, apesar da qualidade «ordinária» dos vinhos. A sua importância é tal que o prior se refere ao vinho, juntamente com os produtos do mar, como o principal sustentáculo da vila: «sendo as vinhas, e o mar os dois nervos que mais fortemente concorrem para a subsistência deste povo» (Falcão, 1987:30). Esta cultura representa 57,69% da produção. Concentra-se junto à vila, nas courelas da Barranca, das Barradas, do Alcarial ou de S. Pedro. A proximidade da vinha permitia aos moradores da vila um trabalho diário, o revela a importância da produção para os rendimentos dos moradores. De facto, dos dez proprietários de vinhas, seis residem em Sines (60%) e somente três no termo (30%). A residência de um dos proprietários é indeterminada. Registou-se produção de fruta numa propriedade apenas, a Herdade do Bolbugão. Representa somente 3,85% da produção. A localização das várias culturas só está relacionada com a aptidão dos solos no caso do pomar do Bolbugão, onde nasce a Ribeira dos Moinhos. De resto o vinho, uma cultura mediterrânica adaptada a solos de fraca aptidão agrícola, é cultivado no local onde é mais fácil chegar. O trigo, um cereal próprio da agricultura extensiva de sequeiro, é cultivado em áreas de maior extensão. Estas informações que coligimos a partir do Livro de Notas, apesar do seu carácter meramente indicativo, acabam assim por corroborar as informações das Memórias Paroquiais. A fraca importância agrícola do concelho, bem como as dificuldades de comunicação explicam a inexistência de feiras10 e de correio até ao século XIX11 (Falcão, 1987:31). Era o mar o principal responsável pelos contactos do concelho de Sines com o exterior.

O mar Sines constitui o único porto de mar com bons fundos e uma barra suficientemente abrigada entre Setúbal e o Algarve. O porto localiza-se na extremidade oeste da baía aberta a sul. Esta localização, se protege os barcos dos ventos de norte, deixa-os desprotegidos dos temporais do sul e do sudoeste. Alexandre Massaii informa, talvez com um pouco de exagero, que “com estes se vão a poupa dos navios à villa de Setubal cada vez que lhe sossede e sem nenhum periguo” (Guedes,1989:32-37). Esta insegurança explica-se pelo carácter rudimentar do abrigo, uma simples calheta que apenas podia abrigar dez ou doze barcos de pesca (Freire, 2001:IV, 121). Na transição do século XVI-XVII projectou-se o aumento e melhoria da calheta, que deveria poder abrigar 60 embarcações e três ou quatro armações de pesca. No entanto o projecto, cujo autor era Alexandre Massaii, foi suspenso definitivamente em 1619 e as condições da calheta mantiveram-se insuficientes. A costa era, por seu turno, assolada por ataques de corsários marroquinos e franceses (Soledade, 1999:63). A necessidade de protecção da costa leva ao início da construção de vários fortes na área de Sines, nomeadamente, no início do século XVII, o forte da ilha do Pessegueiro, cuja construção foi no entanto 10

A primeira feira foi instituída em 1839, realizada no dia 4 de Setembro de cada ano. Arquivo Municipal de Sines, Actas da Câmara, Actas, livro 14, 174v-177v, 1839, Agosto, 28. 11 Arquivo Municipal de Sines, Actas da Junta da Paróquia, livro 3, fl. 4-4v, 1877, Maio, 3.

8

rapidamente abandonada. Já nos finais do século XVII edifica-se o Forte do Revelim, num maciço rochoso na ponta oeste da baía, e no Pessegueiro, um outro forte em frente à ilha, este terminado. Ambos protegiam os locais de acostagem de barcos, tanto no porto de Sines como um ancoradouro na área do Pessegueiro (Quaresma, 2001:12-16). Os únicos dados acerca do movimento no porto e da sua importância são os coligidos por Alexandre Massaii no seu relatório sobre a costa de Sines, no início do século XVII (Guedes, 1989:34). Rendimentos

Valor

Sisa

304$000

Correntes

240$000

Alfândega

50$000

Terça do concelho

10$000

Imposição

70$000

Comenda de Sines

600$000

O rendimento mais importante era o da sisa, imposto sobre a compra e venda de bens de raiz, o qual incidia em 20% do valor da transacção (Vidigal, 1993:131-132). A sisa que incidia sobre as transacções de bens móveis, como carne, azeite ou farinha, era designada como das correntes (Vidigal, 1993:132). Os produtos isentos do pagamento da sisa eram o ouro, a prata, o pão cozido, cavalos e armas (Franco, 1989:257). Os autos de arrematação da renda da sisa em Sines12 indicavam que o vinho estava isento da sisa, assim como a carne cortada em açougue e o trigo importado13. O vinho e a carne estavam sujeitos ao real de água. A renda da imposição advinha de um imposto sobre as actividades comerciais para a manutenção do corpo militar do concelho, nomeadamente o pagamento das “ordinárias” aos soldados14. O rendimento da alfândega, recolhido nos direitos de circulação de produtos e sobre o direito de consumo apresentava um valor modesto. No entanto, o valor da terça do concelho, ou seja a terça parte do rendimento de um concelho afecto à conservação das fortificações da localidade, seria apenas de 10$000 no século XVII. A comenda de Sines, cujos lucros segundo Massaii, advinham «do mar», era da ordem dos 600$000. Este valor manteve-se inalterável mesmo em meados do século XVIII (Marcadé, 1971:73). Este movimento comercial embora considerável, seria no entanto muito inferior ao movimento no Algarve, por exemplo. Se observarmos os rendimentos alfandegários de Lagos para o mesmo período, podemos notar que o seu valor era mesmo superior ao valor da comenda de Sines, isto é, 800$000 reais (Guedes, 1989:178). No entanto, quando comparamos os rendimentos de Vila Nova de Milfontes, da alfândega (10$000-12$000 reis) e da comenda (150$000), notamos a superioridade dos rendimentos de Sines.

12

Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da sisa a Carlos José Joaquim por 350000, Arrematações, Livro 3, fl. 17-17v, 1776, Janeiro, 1. 13 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da sisa a Diogo Rodrigues Ramos por trezentos e cinquenta e seis mil reis – 356000, Arrematações, Livro 1, fl. 19v-20, 1734, Dezembro, 12. 14 Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação. Vereações, livro 6, fl. 42v-43, 1719, Fevereiro, 4.

9

Rendimentos da Alfândega Lagos

800$000

Vila Nova de Milfontes

12$000

Significa isto que Sines, embora um porto de importância secundário em comparação com outras áreas do país, desempenhava um papel de relevância a nível regional, nomeadamente no litoral alentejano. Os registos das arrematações das rendas deixam ainda entrever um movimento de chegada a Sines de produtos por terra, nomeadamente a das calçadas, proveniente de uma taxa paga pelas carretas que entravam na vila. Estes produtos chegariam decerto do Campo de Ourique, nomeadamente de Santiago de Cacém, Grândola, mas também Colos, Garvão, Messejana. Seriam portanto cereais, cortiça e carvão (Quaresma, 1998), atestados desde a Idade Média. O termo de Sines seria outro espaço de fornecimento de produtos como o vinho e o peixe. O próprio Livro de Notas e as vereações mostram as ligações de Sines com o Campo de Ourique, e por outro lado com Lisboa15.

Residência dos indivíduos mencionados nos actos

3% 3%2%

3%

Sines (vila)

2%

Termo

9%

Santiago do Cacém Vila Nova de Milfontes Odemira

10%

Lisboa 68%

Outras Indeterminado

Podemos notar que 14% dos indivíduos com papel relevante nos actos reside nos concelhos próximos de Sines: Santiago do Cacém, Vila Nova de Milfontes e Odemira. Os outros concelhos mencionados, Messejana, Aljustrel, Ferreira do Alentejo, Arraiolos e Azeitão, não ultrapassam os 4 %. Assim, Sines relaciona-se em primeiro lugar com os concelhos que lhe são limítrofes, depois, com Lisboa, e finalmente com outras localidades do Campo de Ourique ou fora dele. A importância das relações com Lisboa corrobora a importância relativa do porto como escoador dos produtos do Campo de Ourique. Quanto a Azeitão, funciona como sede da ouvidoria do duque de Aveiro, donatário de Sines. Dois actos do Livro de Notas reportam-se a movimentos económicos entre Sines e Lisboa, por via marítima. No primeiro, Manuel Nunes, morador em Sines, nomeia como procurador Pedro Cardoso, «medidor do tirreiro de Lisboa», como seu procurador. Nesta qualidade, Pedro Cardoso deveria «receber e arrecadar» o 15

Por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação. Vereações, livro 4, fl. 18-19, 1703, Março, 3.

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dinheiro obtido pela venda de trigo. O barco onde o trigo fora transportado pertencia a um mestre de Cascais (Patrício, 2002:96-98). No segundo documento, João Massaia, morador em Odemira (talvez descendente de Alexandre Massaii), vende um quarto de um barco que mandara construir na Praia Grande em Sines, a António Mendes Corvo, morador em Lisboa. Assim, a actividade de construção naval também se registava em Sines (Patrício, 2002:100-102) Os géneros mais comercializados referidos nas fontes são os cereais e o vinho. Mas o carvão parece ter desempenhado um papel importante. Este combustível é mencionado nas fontes como exportação de Sines desde o século XIV (Quaresma, 1998:60). Produzido no termo, as fontes referem o Porto Côvo como a sua origem, mas era escoado a partir de Sines16, possivelmente para Lisboa. No início do século XVIII a Câmara procurou aproveitar a movimentação do carvão para obter mais rendimento, ao procurar impedir a venda do produto sem que fosse passada uma licença17. Além do comércio, o mar trazia ainda a Sines os rendimentos do pescado, um elemento essencial na alimentação portuguesa. Apesar disso a pesca manteve-se uma actividade artesanal destinada à subsistência, para o que concorria as dificuldades de investimento na melhoria das condições de pesca e o peso das taxas tributárias. Assim, apesar do valor da riqueza do mar de Sines em cavalas, sardinhas e corvinas, por exemplo, documentada desde a Idade Média (Soledade, 1999:46), o número de armações não excedeu o número de duas, no início do século XVII (Alexandre Massaii), e uma em meados do século XVIII (Falcão, 1987:30. Este número manteve-se ainda em meados do século XIX (Lopes, 1985:49). A pesca junto à costa deveria praticar-se por pescadores da vila, constituindo uma importante fonte de recurso, enquanto os lucros da armação poderiam pertencer às elites locais ou a indivíduos não moradores na vila. De facto, a armação era tão relevante que o seu lançamento ao mar era discutido em sessão de câmara. No ano de 172218 por exemplo, nem todos os armadores queriam lançar a armação, pois a arte dos chinchorros dava bom lucro. Em reunião alargada os 29 participantes votaram unanimemente no lançamento da armação, pois o chinchorro era prejudicial à armação: “Votarão todos em que ouvesse armassam e não chinchorro pello prejuízo que faz a dita armassão chinchorro”. De facto, a armação era mais produtiva, e a venda do peixe era necessária a uma “terra de carreto” que não podia trigo suficiente para o seu sustento: “e que não avondo armassão ficava esta villa munto atenuada por não vir os mantimentos por cer terra de carreto”. Não conhecemos o valor do pescado comercializado em Sines nos finais do século XVII, mas apenas, como valor indicativo, que os 600$000 da comenda de Sines eram provenientes em grande parte do mar. Os únicos números que conhecemos reportam-se aos finais do século XV e inícios do século XVI, quando a dízima nova do pescado, pertencente ao rei e depois ao Conde da Vidigueira, valia 60$000 reis (Quaresma, 16

Arquivo Municipal de Sines, Termo de postura sobre pagar para reparação da Ribeira cada barco que entrar em Porto Côvo, Posturas, livro 1, fl. 34v-35v, 1755, Junho, 15. 17 Arquivo Municipal de Sines, Postura sobre a exportação de carvão e sobre os danos que os gados fazem nas vinhas e nas terras de pão, Posturas, livro 1, fl. 7v-9v, 1707, Agosto, 24. 18 Arquivo Municipal de Sines, [Votação sobre o lançamento da armação], Vereações, livro 6, fl. 80v-81v, 1722, Janeiro, 5.

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1998:59); e ao início do século XVII, quando a dízima valia 150$000 reis (Guedes, 1989:32). De qualquer forma, segundo as Memórias Paroquiais, o mar, juntamente com as vinhas, constitui o «nervo» da vila de Sines (Falcão, 1987:30).

A vinha e o mar As fontes de informação consultadas espelham uma economia agrária, mais do que uma economia ligada ao comércio. No entanto, as produções agrícolas mais presentes nos documentos, quer os notariais, quer os municipais, são respeitantes à cultura da vinha. Trata-se de uma cultura tão importante que, em 171319, os produtores e negociantes de vinho requereram à Câmara uma forma de cobrar o imposto do usual que não lesasse os seus interesses, já que a arrematação da cobrança trazia abusos por parte dos rendeiros. Segundo “o povo que acodio a este senado”, “este povo não tinha couza de rendimento mais que o vinho”. O usual era um imposto sobre o vinho e a carne, também cobrado a eclesiásticos (Cunha, 2004:29). A sua cobrança não era sistemática, constituía uma receita extraordinária para a Coroa. Em Sines há indícios da sua cobrança nos finais do século XVII e primeiras duas décadas do século XVIII. A cultura da vinha conferia aos seus cultores um rendimento não desprezável, talvez mais promissor que aquele proveniente dos cereais, já que o concelho era deficitário na sua produção. Apesar disso, vários negociantes conseguiam avultados lucros na venda de trigo para Lisboa20 e Setúbal21, pese embora as contantes queixas nas vereações sobre a exportação de trigo e os provimentos destinados a contê-la. Daí que, especialmente na década de quarenta do século XVIII, a câmara fosse especialmente cuidadosa com os pagamentos dos terços do trigo ao concelho. Os negociantes eram obrigados a vender uma parte da sua produção em Sines, entre um terço22 a um quinto23. A exportação do trigo estava ainda sujeita a licença camarária, à qual os negociantes se procuravam eximir. Em 1725 foi embarcado trigo na Ilha do Pessegueiro sem licença da Câmara nem “ordem alguma de Sua Magestade que Deos guarde pera o poderem embarcar24”. A ilha do Pessegueiro parecia ser o local ideal para o embarque de trigo e outros bens à revelia da Câmara e da alfândega. A exportação de vinho, ao contrário da de trigo, era estimulada. Já no século XIV o vinho é referido como um dos produtos exportados para Lisboa (Quaresma, 1998:60). As visitações da Ordem de Santiago e o tombo da comenda identificam várias vinhas em Sines no século XVI: uma vinha da ermida de Nossa Senhora

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Arquivo Municipal de Sines, Termo de requerimento do povo junto que acudiu a este senado, Vereações, livro 5, fl. 108-109v, 1713, Maio, 19. 20 Por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Termo de obrigação que faz António Moreira Dias da cidade de Lisboa, Vereações, livro 8, fl. 56v-57, 1741, Fevereiro, 25. 21 Arquivo Municipal de Sines, Termo de fiança que deu Bartolomeu Dias morador na vila de Setúbal o qual fiador é João Leitão da Fonseca morador em esta vila de Sines, Vereações, livro 4, fl. 70-70v, 1704, Novembro, 4. 22 Arquivo Municipal de Sines, Auto de provimento que mandou fazer o doutor Victorino Soares Barbosa ouvidor desta comarca de Azeitão nesta vila de Sines o presente ano de 1748, Provimentos, livro 2, 1748, Março, 2. 23 Arquivo Municipal de Sines, Auto de provimento que mandou fazer o ouvidor Estevão Tavares ouvidor desta comarca este ano de 1731, Provimentos, livro 1, 1731, Setembro, 31. 24 Arquivo Municipal de Sines, Termo de vereação, Vereações, livro 6, fl. 149-150, 1725, Setembro, 22.

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das Salas que parte com o mar; cinco vinhas da capela e hospital de Mem Pires; uma vinha do Hospital do Espírito Santo na Azambujeira; três vinhas da Igreja do Salvador, uma delas nas Barradas25. A memória paroquial de 1758 informa que a produção de vinho é a mais abundante, de tal forma que supre as necessidades do concelho e ainda permite a exportação. Contudo, trata-se de um vinho de fraca qualidade. A importância da exportação de vinho pode medir-se pela quantidade de posturas relativa à sua produção e venda. Várias posturas protegem a cultura dos cereais e da vinha das varas de porcos26, de cavalgaduras27 e da entrada de pessoas, durante os séculos XVII e XVIII. Uma postura de 1770 proíbe a entrada de mosto ou vinho cozido na vila28. O prevaricador pagava 6000 reis de coima por pipa, 500 reis de carga, perdia a besta ou carreta que trazia o vinho e cumpria trinta dias na cadeia. O valor da coima era substancial, tendo em conta que se pagava 250 reis de real de água por pipa. Durante a segunda metade do século XVIII a câmara aforou vários “bocados de terra com seus bacelos”, quer em serrados29, “pedaços de terra”30, com a condição de se plantarem vinhas. Em 1755, quando Domingos José aforou um pedaço de terra nas Percebeiras, a Câmara estabeleceu como condição: “cuja terra se obriga a cultivar e meter em vinha no termo de três anos três milheiros de vinha a qual bemfeitoria ficara per ispicial interesse (?) do dito foro”. Três anos mais tarde31, uma condição idêntica é imposta aos foreiros Francisco dos Santos e Agostinho da Silva: “com obrigasão de valarem a dita terra neste presente anno e meterem a terra de vinha em três anos trazendo a dita terra fabricada e aumentada”. O sítio das Percebeiras, baldio municipal, é conhecido pelo menos desde a primeira metade do século XVI, como lugar próximo da vila32. Designava-se então “Porcebeira”. O vocábulo parece derivar de percebe, e pode indicar a proximidade aos rochedos onde o molusco reinava. A Câmara aforava o baldio em pequenas parcelas, especialmente a partir da segunda metade do século XVIII. As fontes registam as “Preceveiras”, “Perceveiras”, “Proseveiras”, ”Proceveiras” e o “citio das Proceveiras”. Em 1768, na sequência do alvará de 23 de Julho de 1766 através do qual o aforamento dos baldios municipais dependia da autorização do Desembargo do Paço, a Câmara Municipal de Sines arrematou, numa

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Soledade, Arnaldo - Visitação de Sines por Dom Jorge de Lencastre e Mestre da Ordem de São Tiago em 9 de Novembro de 1517. [policopiado], p. 9, 13, 14, 32. 26 Por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Postura sobre os porcos, Posturas, livro 1, fl. 105-105v, 1684, Agosto. 27 Arquivo Municipal de Sines, Termo de postura sobre quem se achasse nas vinhas e nos pais e Rossio por coimeiro e sobre chãos entre vinhas e pais terem de coima 500, Posturas, livro 1, 197-199, 1688, Março, 20. 28 Arquivo Municipal de Sines, Termo de postura sobre não entrar mosto nem vinho de fora da terra nesta vila, Posturas, livro 1, fl. 41-42v, 1770, Setembro, 19. 29 Arquivo Municipal de Sines, Auto de reconhecimento de três serrados místicos, e por partir que foram de António Rodrigues Pereira no sítio das Percebeiras, e hoje são de António dos Santos Varregoso dois, e um de António José da Cruz Servo, foreiros ao concelho desta vila de Sines no foro de cento e sessenta reis pagos por 15 de Agosto de cada um ano, Tombo dos bens do concelho, livro 1, fl. 65v-66, 1773, Dezembro, 16. 30 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação de um pedaço de terra por baixo da horta de Manuel Pires Romano nas Percebeiras a Domingos José por sessenta reis de foro em cada ano – 60, Arrematações, livro 2, fl. 37v-38v,1755, Outubro, 29. 31 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação de um pedaço de terra no sítio das Percebeiras a Francisco dos Santos e Agostinho da Silva por -120, Arrematações, livro 2, fl. 65v-66,1758, Março, 30. 32 Soledade, Arnaldo - Visitação de Sines por Dom Jorge de Lencastre… op. Cit, P.13.

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sessão colectiva, vários bens33. Talvez para que os bens não pudessem ser abrangidos pelo alvará, os contractos tinham a duração de um ano, e abrangiam, além de baldios, moradas de casas, quintais e moinhos. Uma boa parte dos contractos dizia respeito a “serrados”, “terras”, “quarteiros de vinhas”, “bocados de vinha” ou “bocado de terra com hum bacello”, nas Percebeiras. Outras propriedades do município eram exploradas de outra forma. As terras do Paul do concelho, próximas à Cadaveira e à Ribeira dos Moinhos, eram arrematadas em hasta pública por períodos de três ou de nove anos. Na segunda metade do século XVIII o Paul incluía as Caiadas34, cuja propriedade era partilhada com a Santa Casa da Misericórdia, o Concelhinho35, o Madruganito36. Os arrematantes tinham como obrigação “trazer as ditas terras fabricadas e com as suas limpezas costumadas, pena de pagarem todo o prejuízo que causarem por falta de adubio e limpeza, tudo à sua custa37”. As culturas agrícolas não são mencionadas, mas a proximidade das ribeiras impunha a limpeza das valas de rega. Durante o século XIX o aforamento dos baldios no concelho, continua mas agora no Rossio. A edilidade mantinha como condição, entre outras, o plantio de bacelos de vinha: “entrando nestas quatrocentos bacellos de vinha ou vinte pés de arvores frotiforas e as de que for susceptivel tudo no espaço de dois annos, de maneira que sempre vá em augmento38.” É possível conhecer o valor aproximado da produção vinícola em Sines através do real de água, imposto generalizado a todo o reino a partir das guerras da Restauração. Incidia sobre a venda a retalho da carne e do vinho (Monteiro,1996:122). Um termo de 1775 precisava que o arrematante não deveria cobrar mais de 250 reis por cada pipa, “na forma do costume39”. Entre 1752 e 1776, com as excepções dos anos de 1769-1774, para os quais não existe informação, a média de pipas por ano é de 98. Na Época Moderna uma pipa continha, em Sines, 498 litros, segundo a equivalência apresentada nos Mappas das Medidas do Novo Systema Legal (1868:177). Assim uma média de 98 pipas significava 48804 litros de vinho, por ano, em média. Este número é aproximado, até porque uma parte do rendimento do real de água provinha da carne, e desconhece-se a sua importância no total do rendimento cobrado. A evolução da cobrança foi irregular. Até 1755, inclusive, a câmara esperava arrecadar uma média de 30000 reis. No ano logo a seguir ao terramoto o rendimento esperado desceu para 18500 reis. O ano de 1768 parece ter sido excepcional, pois previam-se 40000 reis, mas foi um ano sem igual. Uma postura do mesmo

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Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação dos aforamentos do concelho desta vila por tempo de um ano – 4100, Arrematações, livro 2, fl. 148v-155v, 1768, Janeiro, 19 [?]. 34 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Arrematação das terras da Caiadas e arneiros que são metade da Misericórdia desta vila e metade do concelho da mesma [por três anos]. Arrematações, livro 3, fl. 51, 1781, Janeiro, 1. 35 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Arrematação das terras do Concelhinho por tempo de 3 anos pela quantia de 21000, Arrematações, livro 3, fl. 51v, 1781, Janeiro, 1. 36 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da terra chamada do pé do Madruganito a Narciso Raposo dos Moinhos por tempo de três anos em preço de três mil seiscentos reis, Arrematações, livro 3, fl. 137v 1794, Janeiro, 1. 37 Arquivo Municipal de Sines, Arrematação das terras do Concelhinho por tempo de 3 anos pella quantia de 21000 [a Bernardino José], Arrematações, livro 3, fl. 51v, 1781, Janeiro, 1. 38 Arquivo Municipal de Sines, Auto de arrematação de uma courela de terra no Rossio desta vila, feita a Francisco de Jesus Esteves pela quantia de oitocentos e cinquenta reis, Escrituras diversas, maço 29, fl. 2-4 1838, Dezembro, 23. 39 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação do real de agua a Sebastião Jose Pedreiro [e Filipe Joaquim Nunes de Carvalho por ceu companheiro] por 19000, Arrematações, livro 3, fl. 19v-20, 1775, Dezembro, 31.

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ano regulava a actividade dos vinheiros, responsáveis por guardar as vinhas e impedir a entrada do gado. Os vinheiros que não se encontrassem na herdade que lhes competia pagavam 100 reis de coima40. A produção de vinho e a sua exportação interessavam assim à pequena elite das vereações. Entre aqueles cuja presença era frequente mas sessões da câmara abertas à nobreza e ao povo estavam antigos membros da governança e negociantes. Pascoal da Costa Camarão, por exemplo, foi vereador em 1751 e, em 1754, surge como fiador do arrematante da renda da Ribeira. As pautas das vereações remetidas ao Desembargo do Paço para 1757-59 referem que teria cerca de 200 000 reis “de fazenda41”. Outro exemplo, porventura mais luminoso, é o de José Ferreira, contratador de carvão e arrematante da renda da sisa em 1754 por 514000 reis e da renda da imposição no valor de 123 000 reis42. Nos anos de 1776-1777 as suas embarcações estavam isentas de pagar pela sua “amarração” na Ribeira43.

Os impostos e taxas Além dos impostos referidos por Alexandre Massaii, outros surgem nas fontes municipais. Ao seguir uma série documental, aquela das Arrematações das rendas do concelho, é possível verificar as flutuações dos valores de outros impostos. O seu âmbito cronológico medeia entre 1731 e 1849, mas os registos sistemáticos das arrematações das rendas só se iniciam em 1752. Conclui-se esta análise em 1801, dadas as limitações deste trabalho. O termo de arrematação é um documento que regista um arrendamento em hasta pública da cobrança de taxas e impostos por parte do concelho. A cobrança de impostos régios como a sisa ou o real de água era também realizada desta forma. O mesmo sistema é ainda utilizado para a concessão de serviços públicos, nomeadamente o concerto das pipas para as vindimas anuais. Realizava-se uma arrematação anual ou trianual do concerto das pipas da vila44. O rendeiro comprometia-se a manter os preços acordados e a não sub-arrendar o trabalho a outrem. As vindimas deveriam iniciar-se a em Setembro, e os infractores sofriam penas pecuniárias e de prisão45. A data variava de ano para ano, ora iniciava-se a 9 de Setembro46 ora a 15 do mesmo mês47. Até á primeira metade do século XVIII os contractos eram anuais, mas na segunda metade do século realizavam-se também contractos de três anos48 e mesmo de seis anos49. 40

Arquivo Municipal de Sines, Postura sobre os vinheiros, Posturas, livro 1, fl. 39v-40, . 1768, Julho, 18. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Desembargo do Paço, Repartição do Alentejo e Algarve, Pautas das vereações da vila de Sines maço 37,1757. 42 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda das sisas a António Varela Correia em preço de quinhentos e catorze mil reis, Arrematações, livro 2, fl. 18-19v, 1753, Dezembro, 31. 43 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da ribeira a Manuel de Farias por 3600, Arrematações, livro 3, fl. 20-20v, 1776, Janeiro, 1. 44 Por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação, Vereações, livro 2, fl. 96-97, 1672, Abril, 23. 45 Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação, Vereações, livro 8, fl. 177v-178, 1746, Setembro, 7. 46 Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação, Vereações, livro 9, fl. 34-35, 1748, Setembro, 7. 47 Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação, Vereações, livro 8, fl. 177v-178, 1746, Setembro, 7. 48 Por exemplo, Arquivo Municipal de Sines. Termo de arrematação da tanoaria desta vila por tempo de 3 anos a Joaquim José dos Santos, Arrematações, livro 2, fl. 125-125v, 1765, Outubro, 21. 49 Arquivo Municipal de Sines. Termo de vereação, Vereações, livro 9, fl. 62v-63, 1749, Setembro, 15. 41

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O arrendamento dos rendimentos por parte dos seus detentores, muitas vezes absentistas ou sem recursos humanos e materiais para o fazer, era comum. Em 1693, por exemplo, a comenda de Sines, propriedade do Marquês das Minas, foi arrendada a Manuel Nunes e a Luís Gomes Reimão durante dois anos, por seiscentos mil reis (Patrício, 2002:113). Cabia-lhes cobrar as rendas devidas. Alguns dos rendeiros vendiam o trigo da comenda em Lisboa, como fez João da Fonseca Montes em 175350. O pagamento fazia, em geral “por quarteis”: o total era dividido por quatro partes ao longo do ano. Os primeiros dois quarteis correspondiam aos meses de Janeiro a Julho; os últimos dois quartéis aos meses de Julho-Dezembro. O contrato iniciava-se em Janeiro e terminava em Dezembro. Os rendimentos provenientes da exploração das terras do concelho, nomeadamente as Azenhas, o Concelhinho e o Paul Grande, eram também arrematados. O contrato tinha uma duração de três anos51, embora nem sempre seja possível verificar se o rendimento foi cobrado. Por este motivo estas rendas não foram tidas em conta neste estudo. Assim, existem termos de arrematação da renda da imposição, da renda da almotaçaria, da venda de carne, da renda do real d’água, da renda da Ribeira, dos coutos, das vigias da guarda da costa, da renda da adua e da administração de propriedades do concelho. Para o estudo do tema presente, importam o real de água, as sisas, a imposição, a almotaçaria e a renda da ribeira, cujo registo da cobrança foi mais regular. A renda da almotaçaria provinha das taxas cobradas pelos almotacés a todos os artesãos e mercadores que não cumprissem os preços estabelecidos. O termo de arrematação delimitava o âmbito da cobrança, reservando à Câmara as coimas a cobrar por desrespeito às posturas. O termo obrigava ainda o arranjo, por parte do arrematante, de quarenta varas de calçada, uma quantidade reduzida, tendo em conta os estragos feitos pelas carretas. Para obstar aos constantes estragos sofridos nas calçadas pelas carretas carregadas com trigo vindo de fora para ser embarcado na Ribeira, a vereação arrematou, em alguns anos, a cobrança de uma quantia por cada carreta vinda de fora para o arranjo das calçadas (anos de 1765, 1777 e 1778). Cada carreta vinda de fora pagava 50 reis para o arranjo das calçadas52. A postura que regulamentou a cobrança data de 1705 e foi revogada somente em 176753, embora a renda continuasse a ser cobrada depois dessa data. A cobrança foi irregular. A renda da Ribeira incidia sobre a entrada de embarcações no porto: “Arematou a renda da ribeira Clemente Dias Rebolim morador desta villla em preso de des mil e cem reis com as suas pagas costumadas, e na forma do custume e com mais a condisão de todo o barco que vier a este porto e nelle entrar, e ser a ordinaria, e tornar a este porto pagar por toda vês o que paga quando entra cem lhe valer o privilegio de ser a mesma viagem e mais como está

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Arquivo Municipal de Sines, Termo de obrigação que faz João da Fonseca Montes aos terços de 10 moios de trigo 12 de centeio e dez de milho da comenda, Vereações, Livro 9, fl. [183v], 1753, Outubro, 30. 51 Ver, por exemplo, Arquivo Municipal de Sines, Arrematação do paul grande do concelho, das Caiadas e das Azenhas, Arrematações, livro 3, fl. 31-32, 34. 52

Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação das calçadas por 2000, Arrematações, livro 3, fl. 26v, 1777, Janeiro, 1.

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Arquivo Municipal de Sines. Termo de postura que mandarão fazer os oficiais da Câmara sob as carretas de quadrilha que vem de fora pera esta vila com trigo de mercadores, Posturas, livro 1, fl. 3v-5, 1705, Maio, 17.

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(…)”.54. Apenas estavam livres de pagar pela “amarração na entrada o barco da terra55”. Os rendimentos provenientes do mar estavam divididos entre várias jurisdições e poderes. A “dizima de todallas mercadorias e cousas que vierem a ditta villa per agoa” (Marques, 2012:49) pertencia à coroa, segundo o foral de 1512. Contudo, a dízima velha do pescado era cobrada pela Ordem de Santiago, mas a nova era cobrada pela Coroa. Desta forma, à Câmara Municipal pareciam pertencer somente os rendimentos das entradas dos barcos no porto. Esses rendimentos, diminutos, eram utilizados em despesas correntes. A renda de 1783, no valor de 3700 reis, foi parcialmente usada para adquirir um livro de registo dos rendimentos da ribeira, no valor de 2760 reis56. Uma postura de 1755 impõe um imposto extraordinário aos navios transportadores de carvão provenientes do Porto Côvo, quantia essa que financiaria as obras para evitar o assoreamento da Calheta: “e como não xegam a renda da Ribeira para reparo necesario; e os barcos que vão carregar em Porto Covo se vem de refugiar dos tempos na calheta e porto desta villa divião concorrer para reparo da mesma Calheta [fl.33] Calheta pagando cada hum delles para as obras da Ribeira cento e sincoenta reis57”. Os dados recolhidos abarcam os anos entre 1752 e 1801. A média das receitas nestes 49 anos foi de 548447 reis. A partir de 1755, ano do terramoto, notam-se alterações principalmente na renda da ribeira. Em 15 anos, a cobrança era arrematada, em média, por 8473 reis. Mas a partir de 1756, o valor desceu de 10300 reis para 4000, talvez indicativo da regressão do movimento do porto. Mas os impostos sobre o consumo, nomeadamente a sisa e a imposição, aumentaram ou mantiveram-se estáveis. O rendimento da sisa é arrematado para o ano de 1752 por 427 000 reis, mas atinge o seu valor mais alto em 1766, por 520 000 reis. Até 1801 não voltou a ser cobrada tal importância. Da mesma forma, a renda da imposição variou entre os 24000 (1791 e1798) e os 206 000 reis (1763). A partir da década de 1786 do século XVIII, quando a soma total das rendas ascendeu a 662600 reis, a média das receitas cobradas só ultrapassou os quinhentos mil reis nos anos de 1787 e de 1792-1797. A renda da sisa manteve-se estável, em torno dos 400000 reis, mas a renda da imposição não era arrecadada por mais de 90000 reis. Mesmo a arrematação da sisa encontrava dificuldades. Em 1800 o arrematante da sisa, João Rodrigues de Oliveira, afirmava “que elle não tinha devisa [para] fazer correr a ditta renda o corrente anno58”. Este decréscimo nas rendas da autarquia parece acompanhar o decréscimo das rendas do Estado no mesmo período, agravado com a instabilidade política europeia (Hespanha, 1997:213), mas seria necessário um estudo mais aturado da documentação local para chegar a conclusões mais firmes.

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Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da ribeira a Clemente Dias Rebolim [morador desta vila] por – 10100, Arrematações, livro 2, fl. 7-7v,1751, Dezembro, 31. 55 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da ribeira a Manuel de Farias por 3600, Arrematações, livro 3, fl. 20-20v, 1776, Janeiro, 1. 56 Arquivo Municipal de Sines, Arrematação da renda da Ribeira a Romão Joaquim do Vale por 3700,

Arrematações, livro 3, fl. 60, 1783, Janeiro, 1. 57

Arquivo Municipal de Sines, Termo de postura sobre pagarem para reparaçom da Ribeira cada barco que entrar em Porto Côvo, Posturas, livro 1, fl.34v-35v. 58 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação, digo de obrigação que faz João Rodrigues de Oliveira aos vereadores da Câmara desta vila de Sines, Arrematações, livro 4, fl. 164v-165v, 1800, Janeiro, 22.

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Cobravam-se ainda outras rendas de forma mais esparsa. É o caso da renda dos aferimentos, cobrada somente a partir de 1769, com valores entre os 1900 reis de 1772 e a quantia de 7250 reis d e1801. Este rendimento era dividido entre a câmara e o alcaide e provinha das coimas resultantes das transgressões aos regulamentos municipais59. Já a renda dos coutos foi cobrada entre 17323-1759, 1765, 1774-1776, 1778-1786, 1788-1801. Os termos não são explícitos acerca da sua incidência, com a excepção de um termo mais tardio, de 182760, em que se explica que o rendimento dos coutos provinha do produto sobre as coimas sobre o gado que se encontrasse nos coutos do concelho no período em tal fosse proibido (entre os meses de Outubro e Maio). Outro termo, este dos finais do século XVII, explicita que estavam apenas autorizados a frequentar os coutos os rebanhos da adua e um rebanho particular, da viúva do capitão-mor, Dona Úrsula Lourenço61. Portanto, apenas estes rebanhos não eram alvo de coimas. A renda das calçadas cobrada nos anos de 1750, 1777-1778, 1780-1786, 1788-1793, 1795-1800, financiava a reparação das calçadas da vila, fustigadas pelas carretas carregadas de cereais e outros bens. O registo dos termos de arrematações testemunha que a renda foi arrematada nos anos de 1750, 1777-1778, 1780-1786, 1788-1793, 1795-180062. Em simultâneo, continuava a exigir-se ao rendeiro da almotaçaria o concerto de uma extensão específica de calçada, como aconteceu no ano de 177763. Uma renda semelhante era cobrada em Évora, entre 20 e 45 reis, também nos finais do século XVIII (Fonseca, 2002:371-372). Cada carreta de fora pagava 50 reis, o que permite avaliar em cerca de 22 anos, a média de circulação das carretas de fora na vila. A média da cobrança foi de 1112 reis por ano, o que significaria cerca de 22 carretas de fora por ano. Dada a pequenez do número, será de considerar que o número de carretas efectivamente taxadas seria reduzido. De facto, as vereações procuravam resolver o problema da conservação das calçadas face à circulação de carretas no interior da vila64. A arrematação das parras do Caminho Grande é excepcional, e dá-se em Setembro de 1794. O termo não explica a utilidade das parras das vinhas, mas são arrematadas por 8000 reis, uma quantia não despicienda.

Conclusões O concelho de Sines foi criado no século XIV como baluarte de defesa da costa alentejana e marco do povoamento. O pequeno porto de mar da vila de Sines, bem como o pequeno abrigo do Porto Côvo, serviam

59

Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda dos aferimentos a Sebastião José Pedreiro por preço de 4100, Arrematações, livro 3, fl. 18v-19,1776, Janeiro, 1. 60 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação das rendas dos coutos grandes, Arrematações, livro 4, fl. 85v-86, 1827, Dezembro, 31. 61 Arquivo Municipal de Sines. Termo de arrematação do couto deste ano de 1679 em preço de -15000. Vereações, livro 3, fl. 79-80, 1679, Fevereiro, 18. 62 Livros 1, 2 e 3 das Arrematações. 63 Arquivo Municipal de Sines, Termo de arrematação da renda da almotaçaria e das calçadas, Arrematações, livro 3, fl. 24 e 26v. 64 Arquivo Municipal de Sines, Termo de postura que mandarão fazer os oficiais da Câmara sob as carretas de quadrilha que vem de fora pera esta vila com trigo de mercadores, fl. 3v-5, Posturas, livro 1, fl. 3v-5, 1705, Maio, 17.

18

de pontos de escoamento de matérias-primas do Alentejo, como o carvão e o trigo, bem como o peixe e o vinho. As limitações destes abrigos naturais impediram o crescimento da vila de Sines e do seu termo. As rendas da Câmara Municipal de Sines eram provenientes, na sua grande maioria, das sisas das correntes, imposto sobre bens de consumo. O vinho estava isento da sisa, como cultura reconhecida como um dos “nervos” da economia do concelho, mesmo que o pequeno porto não permitisse ainda grandes arroubos. Sines, foi, na Época Moderna, um concelho de importância secundária no todo nacional, mas o seu porto trazia aos habitantes um recurso diferencial face a um termo reduzido e com fraca vocação agrícola. O decréscimo das rendas notado no final do século XVIII merece um estudo mais aturado, em confronto com outras fontes. Ficaram várias linhas de investigação a trilhar: a relação dos oficiais da câmara com a cultura do vinho e a sua importância na economia local, a evolução dos rendimentos camarários, a importância do porto para a mesma. Várias fontes estão ainda por trabalhar de forma sistemática, nomeadamente os registos notariais e, porventura a documentação relativa à alfândega de Sines. Espera-se que este pequeno contributo possa dar alento a outros estudos sobre estas temáticas. Sandra Patrício

Anexo Evolução das rendas da Câmara Municipal de Sines (1732-1801)

Anos

Sisas

Real de água

Almotaçari a Coutos

Imposição

Carretas/c alçadas Aferimentos

1732

Parras do Caminho Grande Ribeira

Total em reis

5000

1733

350000

23000

1752

427000 30000

36000

54000

50000

10100

607100

1753

406000 30000

21000

50500

55000

13200

575700

1754

514000 32000

30000

46100

123000

14100

759200

1755

450000 28500

46500

27000

52000

12000

616000

1756

400000 18500

26500

19050

41000

9100

514150

1757

420000 19150

21000

25000

75000

6400

566550

1758

447000 20000

22000

20000

97000

10300

616300

1759

445000 17000

15700

16000

71000

10000

574700

1760

450000 17500

25000

96000

9000

597500

1761

480000 27000

22000

119000

6700

654700

1762

500000 32000

30000

100000

7500

669500

1763

465000 23500

21200

206000

5500

721200

1764

486000 23000

20000

6000

653500

1765

469000 21000

15500

4200

576950

1766

520000 26000

21100

101000

4000

672100

1767

440000 25000

22000

101000

5000

593000

118500 8500

57000

1750

19

1768

460000 40000

20000

84000

4100

608100

1769

400000

23000

75500

6000

504500

1770

402000

21000

75000

2500

4000

504500

1771

451000

20000

50000

2100

9500

532600

1772

470000

66000

1900

7100

545000

1773

400000

30000

1774

400000

32000

1775

350000 18000

1776

50000

480000

6500

60000

498500

33000

12500

65500

350000 19000

43100

11400

64100

1777

381000 40100

43100

1778

400000 21000

24500

1779

399900 18000

26600

1780

400000 18000

1781

4400

483400

2050

3600

493250

82000

2000

6600

3800

558600

12200

104200

1600

2500

4500

570500

10000

77000

4000

3000

538500

47000

10000

57000

800

3000

3000

538800

432000

38200

11000

91000

700

3500

3500

579900

1782

451000

30000

11200

90000

900

4600

3100

590800

1783

451500

28000

11700

90500

800

4800

3700

591000

1784

481500

14700

110000

1300

6000

4100

617600

1785

500100

4165

72000

1000

5100

2700

585065

1786

514100

21000

10100

110100

900

4000

2400

662600

1787

400100

21000

3000

1600

515700

1788

342100

16000

6000

81500

1110

4150

2400

453260

1789

254000 24000

11000

12000

40000

700

3300

2750

347750

10000

20800

1250

6550

2000

40600

1790

90000

1791

340000

15500

8700

24000

1050

4100

2000

395350

1792

405900 25600

10000

14800

57500

600

4700

3100

522200

1793

480000

12000

13100

52500

800

4000

3000

565400

1794

441000

10000

12200

63000

3100

541600

1795

460000

10000

19500

30000

1000

3000

3200

526700

1796

462000

12000

22000

92000

700

3900

2600

595200

1797

465000

10000

14500

61000

700

3750

4000

558950

1798

420000

10100

9600

24000

1000

4000

3000

471700

1799

400000

8000

10500

72000

1200

4300

3000

499000

1800

400000

11000

22000

25200

1000

6000

3700

468900

1801

400000

12300

24000

25100

1600

7250

4000

474250

4300

8000

Referências

Documentos de arquivo Arquivo Municipal de Sines Fundo da Câmara Municipal de Sines Registo de Leis e Ordens, livro 1 20

Arrematações, livros 1, 2, 3 e 4 Posturas do concelho desde 7 de Junho de 1703 até 28 de Julho de 1798, livro 1 1703-1798Vereações, livros 2, 3, 4, 5, 6, 8,9 e 14 Escrituras diversas, maço 29 Fundo da Junta de Freguesia de Sines Actas, livro 3

Arquivo Nacional da Torre do Tombo Pautas das vereações das câmaras. Sines. Secretaria das comarcas. Repartição do Alentejo e Algarve

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