2013 - COMUNIDADE E PODER PÚBLICO: TRAÇOS DE UMA RELAÇÃO A PARTIR DA PESQUISA \"CANOAS PARA LEMBRAR QUEM SOMOS\" – ETAPA BAIRRO HARMONIA

May 31, 2017 | Autor: Douglas Angeli | Categoria: Memoria Social, Canoas/RS, Comunidade e poder público
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COMUNIDADE E PODER PÚBLICO: TRAÇOS DE UMA RELAÇÃO A PARTIR DA PESQUISA "CANOAS PARA LEMBRAR QUEM SOMOS" – ETAPA BAIRRO HARMONIA*

Douglas Souza Angeli**

Área Temática: Ciências Humanas.

Resumo: Com base na pesquisa "Canoas para lembrar quem somos", buscamos compreender

as relações entre comunidade e Poder Público no bairro Harmonia (Canoas/RS). A luta por água potável, pelo fim dos alagamentos, por iluminação pública, por transporte, pautou essa relação, cuja análise permite apreender aspectos do cotidiano do bairro em diferentes tempos.

Palavras-Chave: Canoas/Rs, História Local, Poder.

Introdução

O projeto Canoas para lembrar quem somos, nessa e em outras edições, tem dado atenção às práticas das diferentes comunidades, suas formas de organização e as relações entre a comunidade e o Poder Público. Através do cruzamento entre diversas fontes, como entrevistas, jornais e documentos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, nossa intenção é traçar um perfil da cultura política dessa comunidade, a partir dos temas que pautaram a relação entre os cidadãos do bairro e o Poder Público. Em muitas ocasiões, os moradores se utilizam das associações de bairro, como ferramentas de luta por direitos. Em outras ocasiões, levam diretamente suas reivindicações aos vereadores ou ao Poder Executivo. Não podemos desconsiderar, evidentemente, o próprio interesse político destes, visto que os moradores são também eleitores. Há ainda, os casos em que as demandas são apresentadas a imprensa. É uma forma de pressionar, e, portanto faz parte dessa relação com o governo municipal em busca de melhor qualidade de vida; integra os diferentes modos de ação política dos cidadãos.

Metodologia

A primeira fase da pesquisa foi a realização de um inventário de possíveis fontes documentais junto a instituições e entidades, processo que ocorreu concomitantemente a busca de pessoas-fonte, possíveis colaboradores para as entrevistas. No eixo temático “relações entre Poder Público e comunidade”, fez-se num primeiro momento uma filtragem no arquivo da Câmara Municipal, buscando todos os documentos que fizessem referência ao bairro Harmonia. Em seguida, foi realizado o mesmo procedimento em jornais, para possibilitar o cruzamento entre as fontes. Por fim, realizamos a análise e contextualização das fontes, e a construção de um capítulo para o livro resultante da pesquisa. As fontes com as quais estamos trabalhando, são vistas como vestígios, rastros do passado. A análise é feita a partir do cruzamento entre diferentes fontes, orais e escritas. O objetivo é identificar o modo como os membros de uma comunidade percebem e representam o processo político no qual estão inseridos. A partir desse vestígios, podemos compreender os meios pelos quais, na luta pela sobrevivência, os cidadãos criam estratégias e buscam melhorar o lugar onde vivem.

Resultados e Discussões A análise de diversas edições dos jornais locais, como “O Timoneiro”, “Diário de Canoas”, e “Folha de Canoas”, permite apreender um pouco das dificuldades geradas, por exemplo, pela falta de água potável, ou pelo excesso de água – no caso dos alagamentos e das enchentes. O que as torneiras secas dos moradores do bairro Harmonia denunciavam, a própria Companhia Rio-grandense de Saneamento (CORSAN) reconhecia em nota publicada na imprensa. Justificava o fato pelo histórico da urbanização no município: o fato de Canoas ter se expandido horizontalmente tornava preciso implantar a rede de água nas zonas novas, reconhecendo-se, ainda, a deficiência das instalações mesmo das zonas mais antigas. A questão das interrupções no fornecimento de água também estava na pauta da Câmara de Vereadores. Entre as décadas de 1960 e 1980 encontram-se dezenas de pedidos de providência relacionados ao assunto. Já em 1961, o vereador Alberto Rodrigues Oliveira (PRP), em pedido de providências, acusava o recebimento de reclamações de moradores da Rua Francisco Alves, e solicitava que a 2ª parte da Vila Harmonia não sofresse mais racionamento de água. Se nas torneiras a água faltava, seu excesso nas ruas causava problemas. Por vezes, a comunidade se deparava com as enchentes, com a força das águas e com as dificuldades motivadas pelo transbordamento das valas de escoamento das mesmas. Os pedidos de providências da Câmara Municipal nos trazem evidências capazes de traçar, aproximativamente, o cotidiano dos moradores em suas relações com as valas.

O edil Jacy Pereira (MDB) encaminhou, em 26 de maio de 1975, solicitação ao executivo no sentido de estender, em caráter prioritário, o plano global de canalização das valas de esgoto pluvial, às vilas Mathias Velho e Harmonia. Na justificativa, ressaltou que os dois bairros estavam localizados em região de difícil escoamento das águas pluviais, e as mesmas valas serviam tanto para o escoamento pluvial quanto para o esgoto das casas, oferecendo riscos à saúde pública. Em curto espaço de tempo, vários pedidos de providências foram aprovados pelo legislativo, referentes ao problema das valas e do saneamento no bairro Harmonia. Soluções para o transbordamento das valas representavam uma demanda importante já para os primeiros moradores do bairro. Em outubro de 1956, a Associação dos Amigos do Parque Residencial Harmonia encaminhou ao prefeito Sezefredo Azambuja Vieira, e aos vereadores um documento, dando conta da situação do bairro. Proposição do vereador Antonio Soares Flores (PTB), quanto a melhorias no Parque Harmonia, afirmava, em 1960, constar abaixo-assinado de 38 moradores. A solicitação versava quanto à colocação de canos de esgoto e limpeza da vala principal (da Rua República até o Dique da Mathias Velho). Com a ocupação da vila Santo Operário, o problema dos alagamentos se ampliou. A infraestrutura era precária e, mesmo quando o Poder Público realizava alguma melhoria, a comunidade ressentia-se das dificuldades causadas pelas chuvas: conforme noticiado pelo jornal O Timoneiro, em 23 de janeiro de 1987, os moradores das ruas Jesus Operário e Biscateiros ficavam “dentro de uma lagoa, a cada chuva, depois que a Prefeitura levantou os leitos daquelas ruas”. Mais de uma década depois, o jornal Diário de Canoas destacava o fato de que o acúmulo de lixo nas valas causava alagamentos na cidade, inclusive na Santo Operário e na Cinco Colônias. A Rua Saldanha da Gama é uma das principais entradas do bairro Harmonia. O trecho compreendido entre as ruas José Maya Filho e Carlos Gomes contém quatro pequenas quadras. Conforme publicado no jornal O Timoneiro, no feriado de Tiradentes de 1972, o vereador Osvaldo Moacir Alvarez (MDB) constatou a existência de 48 buracos somente nesse trecho da via. Baseado na estatística levantada, Alvarez formulou um pedido de providências ao prefeito Daniel Cruz da Costa, solicitando “reparos urgentes”. Cotidianamente, os cidadãos do bairro viam-se às voltas com os aborrecimentos decorrentes da falta de condições de tráfego das ruas do local. O relato do líder da bancada da ARENA, Severo da Silva, quando este sugeriu à prefeitura espargir água na Rua Coronel Vicente, entre as ruas Brasil e República, nos leva a presumir os transtornos enfrentados pela população. O vereador menciona o grande fluxo de veículos, especialmente de grande porte, devido ao fato do bairro ser ponto de ligação entre o centro da cidade e Morretes (no então 2º distrito, hoje Nova Santa Rita). Esse fluxo ocasionava grande volume de poeira, obrigando os moradores a manterem suas residências fechadas durante o dia.

A comunidade se mobilizava, propunha soluções e manifestava suas reivindicações. No ofício encaminhado ao Poder Público em 1956, a Associação dos Amigos do Parque Residencial Harmonia enfatizava a necessidade da realização de melhorias nas ruas do bairro, que estavam “em tal abandono que temos certeza dentro em breve, caso não se tome uma providência para melhorá-las, a Sociedade Canoense de Ônibus não poderá trafegar com seus veículos no interior do Parque”. Em 1960, o vereador Armando Würth (PSD) solicitou informações ao executivo sobre a fabricação dos tubos que seriam colocados no bairro e que tiveram financiamento dos próprios moradores. Foi ofício encaminhado pela Associação dos Amigos do Parque Harmonia, em 1962, que motivou o apelo do vereador Almeirindo Rosa da Silvira (PSD) por reparos nas ruas Saldanha da Gama, Carlos Gomes, Maurício Cardoso e José Maya Filho. Em documento contendo 113 assinaturas, os moradores da Rua Engenheiro Kindler solicitaram a Deoclécio Rodrigues (MDB) a ligação da Rua “B” do loteamento “Dois Amigos” com a Rua Clóvis Bevilácqua em 1978. As solicitações dos vereadores indicam que, ao menos até o início da década de 1980, boa parte das ruas do bairro Harmonia não possuam asfalto. Assim, a Câmara Municipal aprova diversos pedidos de providência, apelando por reparos como patrolamento e colocação de areão, pavimentação ou reformas no revestimento, muitas vezes das mesmas ruas por anos a fio. Foi assim com as ruas: José Maya Filho, em 1970, 1973 e 1974; Coronel Vicente, em 1973, 1974, 1976 e 1977; e Saldanha da Gama, em 1960, 1962, 1974, 1975 e 1977. Em novembro de 1974, 84 moradores da Rua Rios dos Sinos assinaram documento, entregue ao vereador Ernani Fonseca Bastos (MDB), reivindicando iluminação pública, enquanto 148 assinaturas endossavam o pedido do mesmo vereador referente à Rua República. Na justificativa, apelavam para o fato de os filhos estudarem à noite e retornarem para casa às escuras. No entanto a pauta recorrente da imprensa local, confirmada pelas justificativas dos pedidos de providência os vereadores, dava conta dos “amigos do alheio”. E nessa categoria incluído estava o lendário ladrão de galinhas: “o roubo de galinhas é outra constante. E ninguém pode dormir em paz, sabendo que estão em ação os que praticam o jogo de levantar penosas alheias”, conforme nos revela o jornal “O Timoneiro” de 20 de março de 1968. A demanda não era somente por iluminação pública, mas também pela rede domiciliar. Nos anos 1950 os moradores já se mobilizavam por luz elétrica. Em 1956 os vereadores do PTB, Glanteal Lindenmeyer, Marcolino Alves e Ariovaldo Aguiar, solicitaram a colocação de rede elétrica na Rua General Neto, salientando contar com abaixo-assinado de 12 moradores da rua. No fim da década de 1960 e em boa parte da década de 1970, há registros sobre moradores que ainda não usufruíam de luz elétrica em suas casas.

Entre sair de casa e ir para o trabalho, ao romper da madrugada, e regressar ao lar, já no despontar da noite, havia a necessidade do uso de transporte coletivo, nem sempre acessível e de qualidade por vezes questionada. Nesse ir e vir pelo bairro Harmonia, do qual compartilhavam também os estudantes, muitas foram as dificuldades ao logo do tempo. Outro problema, especialmente até a década de 1980, era a falta de abrigos nas paradas de ônibus. Além das ruas sem asfalto, das valas entupidas, das ruas alagadas, da falta de iluminação e dos recorrentes problemas com o transporte coletivo, quem precisava esperar o ônibus nas paradas do bairro corria o risco de sofrer com a chuva devido à falta de paradas cobertas.

Conclusões A organização da comunidade e suas reivindicações junto ao Poder Público, deixaram um legado à atual geração de moradores do bairro. A comunidade conta com diversas associações e entidades sociais e esportivas, tais como o União Harmonia Futebol Clube, o Império Futebol Clube, a Associação Esportiva Vila Cerne, a Associação dos Servidores Municipais de Canoas, o Centro Comunitário 1º de Maio, a Associação de Moradores da Vila Cerne, Associação de Moradores da Vila Santo Operário, Associação de Moradores do Residencial Santa Isabel, Grupo de Terceira Idade Harmonia, entre outros. Além disso, há dois postos de saúde (UBS Cerne e UBS Santo Operário), sete escolas públicas de educação básica e quatro escolas públicas de educação infantil. A leitura dos pedidos de providências da Câmara, juntamente com os registros da imprensa, permite apreender traços do cotidiano do bairro em outros tempos, privilegiando vivências e sensibilidades de seus moradores enquanto sujeitos históricos. Desde seus habitantes pioneiros, os moradores do bairro Harmonia já se viram em meio a dificuldades que acompanhariam a comunidade ao longo das décadas: falta de iluminação, falta de água, problemas nos transportes e na condição das vias, insegurança, enchentes e alagamentos, e questões envolvendo os serviços públicos em geral. E foi este, justamente, o conjunto de reivindicações que pautou a relação entre os moradores do bairro e os poderes institucionalizados. * Este trabalho é desdobramento do projeto de pesquisa "Canoas para lembrar quem somos" etapa Harmonia, realizado no Unilasalle em convênio com a Prefeitura Municipal de Canoas. Coordenadora: Dra. Cleusa Maria Gomes Graebin. Período: 2011 - 2013. ** Mestrando em História pela Unisinos. Bolsista do programa CAPES/PROSUP. Graduado em História pelo Unilasalle (2012).

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