2013 Gonzaga Duque e a crítica de arte francesa

June 30, 2017 | Autor: Daniela Kern | Categoria: Art History, Historiography (in Art History), Brazilian Art
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GONZAGA DUQUE E A CRÍTICA DE ARTE FRANCESA Daniela Pinheiro Machado Kern1

Em 1888 Luis Gonzaga Duque Estrada (1863-1911) completou 25 anos de idade. Foi assim, ainda bastante jovem, que publicou uma obra de referência no que diz respeito à historiografia da arte brasileira, A Arte Brasileira. Gonzaga Duque, ao longo desta obra, recorre amplamente à crítica de arte francesa do século XIX, o que exploraremos nesta comunicação, assim como recorre a comparações entre obras de arte brasileiras e obras de arte europeias. Ao fazer isso, não procede diferentemente de tantos outros críticos de arte seus contemporâneos, europeus ou não, que de igual modo elegiam modelos europeus como medida de comparação. Um aspecto que, no entanto, caracteriza-se como uma condição especial na atuação de Gonzaga Duque como crítico de arte é o fato de, no momento de redigir sua obra, ainda não ter viajado, pelo que consta, nenhuma vez à Europa. Gonzaga Duque precocemente assinalou, em No atelier de Firmino Monteiro, artigo publicado na Gazetinha em 1882, essa ausência de viagem ao exterior como algo que poderia resultar em carência na formação dos apreciadores de arte brasileiros, entre os quais se incluía: Nós, os brasileiros que nunca saímos do país, não podemos dizer-nos espectadores de obras-primas. Desconhecemos totalmente, senão por nome, os trabalhos admirados e inigualáveis dos grandes mestres que encheram as salas do Louvre e que enchem as salas da passada Exposição Universal de 79. Por consequência, quando vemos uma tela que tem arte, a nossa admiração torna-se em uma estupefação tola, muda; perdendo-nos à vista perspicaz de qualquer observador como um indivíduo impossibilitado de compreender, de comparar, estudar, analisar, enfim, os efeitos que todo o talento, todas as aptidões de um artista, estamparam ali com enorme habilidade técnica A nossa raça, como toda a raça latina, tendo propensões naturais para o belo, para a arte, não pode, entretanto ser de uma compreensão altamente artística, pela falta sensível de museus e de métodos desenvolvidos na sua Academia de Belas-Artes (GONZAGA DUQUE, 2001, p. 37).

Júlio Castañon Guimarães comenta que em 1885 uma crítica de autor identificado pelas iniciais A. F. acusava Félix Ferreira, autor do então recém-lançado Belas Artes: estudos e apreciações, de ser o responsável por “inexatidões desculpáveis em um amador que nunca contemplou os verdadeiros cenários da arte” e por “senões inevitáveis em crítico brasileiro que não saiu do seu país” (cf. GUIMARÃES, 2001, p. 14). Guimarães indica ainda que tais críticas poderiam também ser aplicadas a Gonzaga Duque, que se encontraria em situação semelhante, visto que teria

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Professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

2 ido à Europa apenas uma vez, em 1889,2 e ainda assim restringindo-se a Portugal, o que significa que poderia estudar obras europeias, e em especial aquelas analisadas pelos críticos franceses que lia, apenas através de reproduções (GUIMARÃES, 2001, p. 14). Mesmo com as limitações de acesso em primeira mão a modelos europeus no meio artístico brasileiro, que o próprio Gonzaga Duque, como vimos, não hesitou em apontar, a estratégia do autor para estudar e avaliar a obra de seus contemporâneos será a busca de apoio nos textos de críticos, artistas e filósofos da arte, predominantemente franceses, que muitas vezes, como procuraremos demonstrar, serão usados, em A Arte Brasileira, como uma espécie de recurso de autoridade. A seleção de críticos feita por Gonzaga Duque também apresenta algumas características homogêneas que será nossa intenção aqui tentar especificar. Para tanto, começaremos, a partir de agora, a acompanhar o aparecimento de críticos e teóricos franceses em A Arte Brasileira. Já na conclusão de Causas, a primeira parte da obra, Gonzaga Duque escolhe, como fecho do capítulo, uma frase de Taine. Vejamos a citação completa: Eis, em suma, a vida espiritual do povo brasileiro. A única preocupação do povo está na política, esta política que protege e sustenta uma escória – o capoeira – esta política de campanário, inútil e estéril, como a denominou o Sr. Senador Taunay, e da qual, segundo as expressões de um outro senador, o Sr. Junqueira, resulta o estado anárquico em que sempre se acharam todas as instituições do país. Telle est en ce pays la plante humaine; il nous reste à voir l’art qui est sa fleur. H. Taine – Phi. de l’art dans les Pays-Bas (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 70).

O contexto de onde sai a citação é bastante diferente deste apresentado por Gonzaga Duque. Se aqui o autor critica o estado em que se encontravam as instituições no Brasil, decorrência natural para ele da “vida espiritual do povo brasileiro”, usando a imagem da “plante humaine” para justificar as débeis “flores” que podiam ser colhidas no cenário artístico local, Taine, em sua Philosophie de l’art dans les Pays Bas, de 1869, elogia, logo no começo do terceiro capítulo, a arte holandesa como sendo fruto de um povo democrático e livre, seguindo assim, de perto, a defesa apaixonada da Holanda feita por tantos outros críticos de arte franceses no período: Telle est en ce pays la plante humaine; il nous reste à voir l’art qui est sa fleur. Seule entre toutes les tiges de la souche, cette plante a produit une fleur complete; la peinture qui se développe si heureusement et si naturellement dans les Pays-Bas avorte chez les autres nations germaniques, et la raison de ce beau privilége se trouve dans la caractere national que nous avons constaté (TAINE, 1869, p. 49)

A mesma imagem, portanto, é apresentada em Gonzaga Duque com chave invertida: aqui a planta humana, sob o império, rende maus frutos; em Taine a planta humana da república holandesa do século XVII explica a grandeza de sua arte.3 2

Vera Lins (1991, p. 27) comenta: “Em 1889 viajou a Portugal, onde permaneceu por seis meses. De lá tentou ir a Paris, mas não se sabe se realmente o conseguiu, por problemas de dinheiro”.

3 Gonzaga Duque abre o segundo capítulo de A Arte Brasileira, intitulado Manifestação, com uma epígrafe extraída de outra obra dedicada à arte holandesa, a Histoire de la peinture hollandaise, de Henry Havard (1838-1921), publicada em 1882: “L’art, c’est la nation, c’est le peuple” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 73).

Mais uma vez Gonzaga Duque aplica ao caso brasileiro uma fórmula

originalmente destinada ao elogio da arte holandesa e da república que a possibilitou, como podemos ver na citação original de Havard: ... les défauts qui ont entravé ou modifié leur essor. Buffon a dit que le style c'était l'homme; avec combine plus de raison encore pourrait-on dire: «L'Art, c'est la nation, c'est le peuple!». Chacune de ses manifestations artistiques est, en effet, pour la nation entière, comme la synthèse de ses aptitudes et de ses pensées dominantes; c'est par là qu'elle peut souvent parler à la postérité et lui dire: «Jugez-moi preuves en main, c'est à-dire sur mes oeuvres». Plus qu'aucun autre pays, la Hollande nous fournit, grâce à son admirable école de peinture, la demonstration de cette grande loi (HAVARD, 1882, p. 9).

Havard era um devoto fiel da causa da arte holandesa, tendo publicado em vida uma série de obras sobre a Holanda e sobre artistas e obras de arte do país, como Amsterdam et Venise (1876), La Hollande Pitoresque: le coeur du pays (1878) e L’art et les artistes holandais (1879). A próxima citação que comentaremos está localizada no capítulo que mais acumula referências à crítica de arte francesa em A Arte Brasileira, aquele intitulado Progresso, cuja primeira parte trata de Pedro Américo. O autor evocado agora é Arsène Arnaud, que assinava Jules Claretie (1840-1913). Temos aqui mais um autor cujo interesse recaía sobre temas caros aos republicanos franceses. Claretie escreveu obras sobre a Revolução Francesa e sobre a Comuna de Paris. Além disso, publicou em muitos volumes uma obra popular à época, Vie à Paris, com seções sobre artes e biografias de pintores e escultores, e ainda colaborava com a Gazette des Beaux-Arts. Gonzaga Duque busca em Claretie uma historieta sobre Vernet, que faz alusão à sua ilustre origem nas artes, pois era filho e neto de renomados pintores: Conta Claretie que – entrando Horácio Vernet no atelier de Dupré e Eugênio Lami, e fazendo algumas observações críticas sobre a batalha de Honschoate, em que os dois trabalhavam juntos, Dupré admirado da maneira singular pela qual o estranho notava os defeitos, depois de diversas perguntas, indagou-lhe se, por acaso, também era pintor. - Não por acaso, porém por vocação e, talvez, por espírito de família. - O vosso nome? - Horácio Vernet. Os artistas descobriram-se, respeitosamente (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 139).

A historieta é mencionada para introduzir o tema que irá abordar, a vida e a obra de Pedro Américo, que por sua vez também tinha parentes atuantes no meio artístico. A seguir Gonzaga Duque projeta em Pedro Américo uma categoria que busca em Zola, a do “idealista histérico”, a fim de dar início à dura crítica que dirige ao romance do pintor, Holocausto. Outro autor aludido logo adiante é Éugene Veron (1825-1889). A fim de defender o movimento de um grupo de cavalos 3

Tadeu Chiarelli explora em detalhe o interesse de Taine pelo realismo holandês em Gonzaga Duque: a moldura e o quadro da arte brasileira (CHIARELLI, 1995, p. 11-52).

4 pintado por Américo em Combate de Campo Grande (1872), Gonzaga Duque transcreve uma passagem de L’Ésthetique, de 1878 (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 148), na qual Veron argumenta que na retina a sucessão de movimentos se oferece como um conjunto homogêneo, uma vez que ali a imagem persiste mais do que se acreditava. Veron, para Colrat (2008) um expressionista e antiidealista e para Chiarelli (1995) um propugnador da originalidade e da liberdade do artista, é leitor de Laugel e de Helmholtz, ambos aptos a oferecer argumentos para o que pode ser denominado de “fisiologia do prazer estético”, tema de extremo interesse quando se quer construir, como Veron, uma estética que se baseie na experiência concreta, e não em aspectos metafísicos.4 Ainda no segmento sobre Pedro Américo, Gonzaga Duque (1995, p. 151) repercute a “celeuma” que a Batalha do Avaí teria provocado entre os seguidores brasileiros de Charles-Auguste Blanc (1813-1882). Blanc, na década de 1860, havia proposto a criação do Musée des Copies. Adepto da linha, acreditava que a base da pintura era o desenho, que deveria ser exercitado por meio da cópia. Nesse sentido, ficaram famosas suas críticas a Eugène Fromentin, estudioso da arte holandesa e defensor das características marcadamente pictóricas das obras dessa escola. Tal contexto prévio torna ainda mais significativo o fato de Gonzaga Duque citar, em seguida, em chave positiva, o próprio Fromentin e sua noção de “je ne sais quoi”, marcando sua posição entre aqueles que criticam a prática acadêmica da cópia: O estilo é o próprio artista visto através da sua obra, é o conjunto de sua obra: a expressão, o assunto, o toque, a linha, e sobretudo, a cor, é enfim o je ne sais quoi de que fala Fromentin na sua obra Les maîtres d’autrefois: “N’y a-t-il pas dans tout artiste digne de ce nom um je ne sais quoi qui se charge de ce soin naturellement et sans effort?” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 152)

Outra referência a Fromentin (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 167) aparecerá adiante, mais uma vez menção a Les Maîtres d’Autrefois (1876), obra que aborda a arte holandesa e flamenga. A referência é especificamente à noção de “pintura da multidão”:

Le moment est venu de penser moins, de viser moins haut, de regarder de plus près, d'observer mieux et de peindre aussi bien, mais autrement. C'est la peinture de la foule, du citoyen, de l'homme de travail, du parvenu et du premier venu, entièrement faite pour lui, faite de lui. Il s'agit de devenir humble pour les choses humbles, petit pour les petites choses, subtil pour les choses subtiles, de les accueillir toutes sans omission ni dédain, d'entrer familièrement dans leur intimité, affectueusement dans leur manière d'être: c'est affaire de sympathie, de curiosité attentive et de patience (FROMENTIN, 1877, p. 164-165).

Além de procurar apoio em autores que abordam a arte holandesa e flamenga, Gonzaga Duque também se ancora em estudiosos de Delacroix. Théophile Silvestre (1823-1876), ele mesmo um pesquisador da arte holandesa, publicou em 1856 uma muito influente Histoire des artistes vivants français et étrangers, em que aborda as biografias dos pintores Ingres, Delacroix, Corot, 4

Gonzaga Duque, a propósito de Pedro Américo, também recorre à autoridade de Véron em outra passagem: “O estilo não é unicamente o toque. Uma mediocridade, como afirma E. Véron, pode ter o toque habilíssimo, e por esse fato jamais deixará de ser uma mediocridade” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 152).

5 Chenavard, Decamps, Diaz, Courbet e dos escultores Barye, Préault e Rude. O longo trecho citado por Gonzaga Duque (1995, p. 154) foi extraído das páginas 51 e 52 da biografia de Delacroix que Silvestre publica nessa obra. É digno de nota que Baudelaire foi um dos leitores mais entusiasmados dessa biografia de Delacroix, pintor pelo qual, como se sabe, nutria profunda admiração. Gonzaga Duque (1995, p. 154) de igual modo vai buscar informações sobre Delacroix em Jean François Gigoux (1806-1894), artista romântico que se notabilizou pelas ilustrações para uma edição de Gil Blas (1835). O trecho citado foi retirado de Delacroix, sa peinture, ses dessins, son caractere, capítulo de Causeries sur les artistes de mon temps, e reforça a ideia de que há algo na arte que não pode ser ensinado na academia: Delacroix avait l’inquiètude de son art; il cherchait ce quelque chose qu’on n’apprend d’aucun maître, et qui vous saisit. Il voulait la vie; la vie à tout prix, la vie partout, sur les terrains, dans les ceils, autour de ses figures. Le reste passait après (GIGOUX, 1885, p. 65).

Antes de transcrever as citações (pois copia ainda outro trecho de Gigoux, localizado na página 70), Gonzaga Duque faz uma ressalva quanto à credibilidade de Gigoux, que, de resto, esteve envolvido em uma situação que lhe renderia críticas públicas, o relacionamento com madame Hanska, viúva de Balzac. Gonzaga Duque continua a analisar Pedro Américo recorrendo a críticos franceses. Agora é a vez de Gustave Planche (1808-1857): Vê-se, claramente, que o movimento em um quadro de batalha pode resultar do exagero, mas nunca da ordem estabelecida entre o contraste das figuras, entre si, e dos grupos, como pretendem impor os acadêmicos. Não sou eu, pequeno e obscuro, quem afirma isso. É a obra dos mestres, é a individualidade de Delacroix, o maior pintor do século XIX, cujo nome, na frase de Gustave Planche, se refletirá sobre outros nomes para os salvar do naufrágio [...]” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 155).

A frase de Gustave Planche mencionada por Gonzaga Duque pode ser encontrada em Le Salon de 1831, parte de um elogio contundente à obra de Delacroix: Gros, Géricault et Delacroix, voilà les trois grands noms que notre siècle va donner à l’histoire de la peinture! Voilà ce que l’écume de toutes les réputations qui bouillonnent autor de nous laissera surnager; voilà les phares imposants qui serviront à rallier nos souvenirs, et dont la lumière èclatante se refléchira sur d’autres noms pour les sauver du naufrage (PLANCHE, 1855, p. 65).

Gustave Planche foi um dos críticos românticos responsáveis pela consagração pública de Delacroix, e quando Courbet e seu círculo despontam no cenário artístico francês, Planche com eles discutia na Brasserie Andler (FRANERY, 1981, p. 45). Mesmo aberto às temáticas propostas pelo realismo, opunha-se ao abandono da ideia de beleza por parte de Courbet (FRANERY, 1981, p. 45). Para criticar alguns aspectos compositivos de A Batalha do Avaí, de Pedro Américo, Gonzaga Duque (1995, p. 158) recorrerá ainda a Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865): Depois, parte da impressão desse grupo mistura-se e confunde-se em linhas muito pesadas e desarmônicas; a direção que leva o carneiro, o plano em que está o boi, a

6 área que ocupa o cavalo morto (parece um animal em estado de putrefação) juncam de tal forma este plano que um grande espaço e espaço importante da tela não desperta atenção no espectador. Ainda falta ao grupo verdade – que é uma das bases em que se funda a justiça na concepção – segundo Proudhon.

A noção de “verdade” na arte referida por Gonzaga Duque pode ser encontrada em Do princípio da arte e de sua destinação social, de Proudhon:

Segue-se que a arte não pode subsistir fora da verdade e da justiça; que a ciência e a moral são seus chefes de fila; que na verdade ela não passa de um auxiliar; que, por conseguinte, sua primeira lei é o respeito dos costumes e da racionalidade (PROUDHON, 2009, p. 141).

Courbet adotou o ideário artístico de Proudhon e mais uma vez encontramos aqui Gonzaga Duque às voltas com pressupostos da escola realista de pintura. Há outros motivos que levam Gonzaga Duque a criticar Pedro Américo, como a sua “pintura do luxo, da magnificência”. Essa característica não estaria sintonizada com a pintura moderna advogada por críticos como, por exemplo, Théophile Thoré (1807-1869),5 e o já referido Fromentin: “Thoré, um crítico de grande talento, dizia que a pintura moderna era a do homem, isto é, pouco mais ou menos, o que disse Fromentin chamando-lhe – a pintura da multidão” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 167). A passagem aludida por Gonzaga Duque pode ser encontrada no texto Exposition Universelle de 1868, de Théophile Thoré: “L’art moderne ne doit-il pas être l’expression, à la fois réelle et idéale, de ce que l’homme moderne voit et conçoit?” (THORÉ, 1870, p. 454). Thoré, considerado por Venturi o “decano dos críticos realistas” (VENTURI, 2007, p. 235), era republicano engajado, a ponto de ter sido forçado a partir para o exílio depois da revolução de 1848, e um especialista em arte holandesa, responsável pela recuperação de nomes até então esquecidos, como Vermeer e Frans Hals, sobre os quais publica artigos na Gazette des Beaux-Arts ao longo da década de 1860. Mais um teórico francês será referido por Gonzaga Duque, agora em função da análise de outro pintor brasileiro, Ribeiro: Ribeiro é o contrário de Parreiras. Foi o último discípulo de Grimm que se afastou da escola, e, mais do que os colegas, seguiu-a muito de perto. Os seus pequenos quadros representando solitários cantos da natureza brasileira, aproximam-se dos de Jorge Grimm. São obras em que o trabalho material suplanta e faz esquecer aquilo a que Laugel com sua indiscutível autoridade, chama o caráter ideal da arte (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 198). 5

Sobre o exílio político de Thoré e seu estudo da pintura holandesa Franary escreve o que segue: “Soon after lauching La Vraie République he was implicated in the abortive coup led by Ledru-Rollin in June of 1849. In November he was tried in absentia and sentenced to death. He went into exile immediately, where he remained until the amnesty of 1859. During this period of exile he wandered at first from country to country, aimless and dejected. He settled finally in Holland and spent the last three years (1856-1858) in assiduous study of the Dutch school of painting. Later in his career he published important works dealing with Dutch painting in general, as well as with various Dutch masters such as Vermeer and Rembrandt. After his return to France, he did not seek an active role in any political struggle” (FRANARY, 1980, p. 46).

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Auguste Laugel (1830-1914), no Avant-Propos de sua obra de 1869, L’optique et les arts, uma das responsáveis pela popularização, junto à comunidade artística, dos estudos de ótica que iriam contribuir para o estabelecimento de uma disciplina nova, a psicologia da percepção, e que, como já vimos ao tratar de Veron, tanto interesse despertavam entre a crítica antiacadêmica e de orientação realista, afirma precisamente que “L’art est idéal par essence, il est idéal par necessite. Il l’est par essence, parce que son objet est d’exprimer des pensées, des passions, des sentiments, de racheter la petitesse forcée de ses ouvrages par la grandeur de son objet” (LAUGEL, 1869, p. IX) – já aqui uma reação à possibilidade de redução de todos os aspectos da criação e da conduta humana a um materialismo estrito, ponto de vista que interessa a Gonzaga Duque. De modo emblemático Gonzaga Duque elege, como fecho para seu A Arte Brasileira, um trecho de Pierre Petroz (1819-1891), um saint-simoniano, um republicano idealista de 1848, admirador de Thoré e defensor de uma abordagem social da arte, conforme Houssais (Pierre Petroz):

Em um país colocado nas atuais circunstâncias em que se acha o Brasil, só estudos longos e muita meditação podem elevar o artista à sua merecida posição e dar-lhe os elementos para a sua independência de pensar e de agir. Em tais colisões dir-se-á com Pierre Petroz: “Se é indispensável exercitar a vista e a mão não é menos indispensável cultivar o espírito. Saber para poder, tal deve ser, antes de tudo, a divisa da arte” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 262).

A citação foi tomada de L’art et la critique em France depuis 1822, de 1875, onde se lê: “S’il est indispensable d’exercer son oeil et sa main, il n’est non moins de cultiver son esprit. Savoir pour pouvoir, telle doit être désormais la devise de l’art […]” (PETROZ, 1875, p. 339). Essas são as linhas conclusivas do texto de Petroz, usadas por Gonzaga Duque, portanto, também em uma conclusão, que se assemelha em linhas gerais à do crítico francês. Mas se Petroz aconselha aos artistas realistas exercício intelectual contínuo, que permita o conhecimento das leis morais e físicas que regem a realidade, Duque transpõe a discussão para a precária situação do artista no Brasil, que demanda “estudos longos e muita meditação” (GONZAGA DUQUE, 1995, p. 261). Gonzaga Duque, em A Arte Brasileira (1888), ao analisar os diferentes períodos e artistas da História da Arte do Brasil, demonstra sem dúvida conhecimento (direto ou indireto, conforme o caso) de autores basilares da historiografia geral da arte, de Plínio o Velho (23-79), Albrecht Dürer (14711528) e Giorgio Vasari (1511-1574) até William Hogarth (1697-1764) e J. J. Winckelmann (17171768).6 Tampouco se mostra estranho à crítica de John Ruskin, pois cita diretamente uma passagem do quarto capítulo (Of the false ideal: first, religious) do terceiro volume de Modern Painters.7 6

Sobre o arcabouço teórico de Gonzaga Duque, Vera Lins (2001, p. 30) afirma o que segue: “Já nessas crônicas anteriores à A arte brasileira se mostra leitor de Diderot, Ruskin, Zola e de um Laugel pesquisador de ótica. Seu conhecimento do impressionismo de Manet aparece privilegiando os artistas que mostram alguma afinidade com o movimento”. 7 Cf. GONZAGA DUQUE, 1995, p. 188. O trecho original de Ruskin é este: “Moses has never been painted; Elijah never; David never (except as a mere ruddy stripling); Deborah never; Gideon never; Isaiah never. What

8 No entanto, é à crítica e à historiografia de arte francesa de sua época que recorre com maior frequência, em geral em busca de apoio para seus próprios julgamentos críticos. Tal recurso não deve ser subestimado, em se tratando de um crítico jovem, sem acesso direto às grandes obras às quais se refere, que pode conhecer apenas através de interpretações e mediações de variadas naturezas. Além disso, a seleção de críticos franceses feita por Gonzaga Duque é extremamente significativa: em boa parte são republicanos, adeptos do revival francês da arte holandesa e flamenga,8 que coloca em pauta não apenas questões estéticas, como a rejeição à cópia acadêmica e a valorização da expressividade, mas também as vinculações políticas entre a arte e o meio social que a produz. O impacto dessas escolhas iniciais no conjunto da crítica de arte de Gonzaga Duque ainda merece análise e aprofundamento futuros.

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critique des

historiens

de l’art. Disponível

em:

single example does the reader remember of painting which suggested so much as the faintest shadow of their deeds? Strong men in armour, or aged men with flowing beards, he may remember, who, when he looked at his Louvre or Uffizi catalogue, he found were intended to stand for David, or Moses” (RUSKIN, 1903, p. 87). 8 Sobre esse revival, referência incontornável é a obra de Alison McQueen, The rise of the cult of Rembrandt. Reinventing an Old Master in Nineteenth-Century France (2003).

9 HOUSSAIS, Laurent. Théophile Silvestre. Dictionnaire critique des historiens de l’art. Disponível em: http://www.inha.fr/spip.php?article2544 LAUGEL, Auguste. L’optique et les arts. Paris: Germer Baillière, Libraire-Éditeur, 1869. LINS, Vera. Gonzaga Duque: a estratégia do franco-atirador. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991. LINS, Vera. O crítico de arte como crítico da cultura. In: GONZAGA DUQUE, Luis. Impressões de um amador: textos esparsos de crítica (1882-1909). Org. Júlio Castañon Guimarães e Vera Lins. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 25-31. McQUEEN, Alison. The rise of the cult of Rembrandt. Reinventing an Old Master in Nineteenth-Century France. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2003. PETROZ, Pierre. L’art et la critique em France depuis 1822. Paris: Librairie Germer Baillière, 1875. PLANCHE, Gustave. Études sur l’École Française (1831-1852) – Peinture et Sculpture, tome premier. Paris: Michel Lévy Frères, 1855. PROUDHON, P. J. Do princípio da arte e de sua destinação social. Campinas, SP: Armazém do Ipê, 2009. RUSKIN, John. Modern Painters, v. III. In: COOK, E. T.; WEEDERBURN, Alexander (Ed.). The works of John Ruskin, v. V: Modern Painters, v. III. London: George Allen; New York: Longmans, Green and Co., 1903. SILVESTRE, Theophile. Histoire des artistes vivants français et étrangers. Études d’après Nature. Paris: E. Blanchard, 1856. TAINE, Hyppolite. Philosophie de l’Art dans les Pays-Bas. Paris: Germer Baillière, Libraire-Éditeur, 1869. THORÉ, Théophile. Salons de W. Bürger, 1861 à 1868, avec une préface par T. Thoré, tome second. Paris: Libraire de Ve Jules Renouard, 1870. VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa: Edições 70, 2007. VERON, Éugene. L’Ésthetique. Paris: C. Reinwald et Cie., Libraires-Éditeurs, 1878.

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