2013 - Relações Brasil-Portugal na Museologia contemporânea

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Relações Brasil-Portugal na Museologia contemporânea Manuelina Maria Duarte Cândido Doutora em Museologia pela ULHT (Lisboa-Portugal), profa. de Museologia da FCS/UFG (Brasil)

Este texto irá analisar as pontes científicas entre a Museologia portuguesa e a brasileira, que é das mais sólidas e profícuas, ainda que as importantes colaborações para a construção do pensamento museológico contemporâneo entre os dois países não sejam muito conhecidas fora deste âmbito específico. Compreendemos que apresentar esta reflexão fora dos eventos e publicações diretamente ligados ao campo da Museologia constitui uma significativa reverberação do que tem sido feito na área. É evidente que um ponto de confluência aparece na história dos museus, na origem das instituições brasileiras, que seguiu o padrão de toda a América e de outras colônias, ao importar modelos já implantados na metrópole. Porém, queremos realçar aqui as relações e parcerias na trajetória do campo científico. No Brasil há três projetos em andamento sobre a história da Museologia. Cada um sob seu viés está construindo uma memória da Museologia brasileira comprometida com uma escola ou tradição. São eles: - Memória da Museologia no Brasil (UNIRIO) - Observatório da Museologia Baiana (UFBA) - Memória do Pensamento Museológico Paulista (USP) A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), herdeira do primeiro Curso de Conservador de Museus no Brasil, se arroga o direito de constituir a partir de sua própria trajetória uma memória da Museologia nacional. Possui um acervo de 8.000 itens, 2.000 deles inventariados, segundo informação do site da Escola de

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Museologia da UNIRIO (s.d.). O projeto, coordenado pelo professor Ivan Sá, está ligado, portanto, à memória da formação em Museologia iniciada pelo Museu Histórico Nacional em 1934, e continuada pela UNIRIO, incluindo atualmente mestrado e doutorado. O Observatório “pesquisa a trajetória de museus e outras instituições culturais na Bahia, a relação da Museologia e manifestações de memórias identitárias afrobrasileiras e os vínculos da Museologia com a Ciência da Informação” (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 2009). Coordenada pelos professores Suely Cerávolo e Marcelo Cunha, a pesquisa tem relação intrínseca, portanto, com o curso de graduação em Museologia em funcionamento na Universidade Federal da Bahia há mais de 40 anos, o segundo do Brasil. Ao longo de todo o século XX a formação em Museologia no Brasil se ateve a estes dois estados com cursos de graduação1 e a uma série cursos de especialização2 organizados em diversos estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Amazonas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Goiás e São Paulo3, além da formação em serviço e diversos cursos de extensão, seminários e congressos que procuravam suprir as lacunas e demandas. Da formação em nível de especialização, a experiência mais duradoura foi a de São Paulo, em um primeiro momento pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (a partir de 1978) e depois pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Com a duração do primeiro se estendendo por mais de 20 anos e do segundo em quatro turmas de um ano e meio cada, até 2006, é natural que os envolvidos também 1

Houve também um curso de graduação na então Faculdade, hoje Universidade Estácio de Sá (RJ), por volta de 1980 a 1995. 2 Uma análise muito acurada da contribuição destes cursos de especialização e profissionais deles oriundos para o fortalecimento da Museologia Brasileira e também dos desconfortos gerados pelo conflito de interesses no exercício profissional pode ser encontrado em Marshall (2008). 3 Apesar de extensa, a lista pode estar incompleta, pelo que pedimos desculpas.

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procurassem construir sua memória no âmbito da Museologia brasileira. O projeto Memória do Pensamento Museológico Paulista realça/constrói a tradição na qual São Paulo se insere, agora fortalecida com a aprovação do mestrado em Museologia na USP, em março de 2012. Estes três núcleos acadêmicos da Museologia no Brasil são também centros onde estão calcadas relações fundamentais com a Museologia portuguesa, especialmente no que ela se cruza com a história do MINOM, Movimento Internacional para uma Nova Museologia. Portugal tem hoje por volta de 1.200 museus, segundo Isabel Victor (2011), com uma forte tendência para museus polinucleados e de território, o que pode denotar uma marcante influência do movimento citado. Após o fim da ditadura de Salazar, o associativismo, que já era forte, foi incrementado. Com isso foram criados muitos processos de defesa do patrimônio, visto que as associações sempre tiveram ligações fortes com a memória e a cultura locais. Porém a organização do setor museológico em Portugal é anterior, a APOM - Associação Portuguesa de Museologia, existe desde 1965, com a finalidade, entre outras, de “agrupar conservadores de museus, restauradores de obras de arte, historiadores e críticos de arte, arquitectos e outros técnicos e cientistas ligados aos problemas museológicos actuais.” (Ramos in RochaTrindade, 1993, p. 59) Antes de 1974 a economia era basicamente rural, e o Estado Novo português não fomentava a industrialização. A partir daí começam a surgir pequenas indústrias e as populações rurais, temerosas de perder rapidamente suas características identitárias começam a organizar seus núcleos de memória. “Actualmente, o que marca o cenário museológico português é o crescimento, quase descontrolado, do número de museus locais face a uma realidade museológica nacional incontestada, um pouco esquecida dos consumidores nacionais (bastante mais procurada pelo turismo

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internacional), ou progredindo a um ritmo demasiado lento, por se encontrar fortemente condicionada por razões de ordem económica e política e até patrimonial/monumental (dado que muitos destes museus são igualmente edifícios classificados), e permanentemente em tensão com outros projectos de Estado e outros investimentos noutras áreas da Cultura nacional. A grande maioria dos novos museus locais não são, como outrora, um projecto de Estado mas projectos autárquicos e "locais", com variadíssimas origens, e para os quais o Estado tem dificuldade em encontrar enquadramentos institucionais (...)” (Faria, 2000)

O momento de efervescência e renovação no panorama museal português não descartou as estruturas tradicionais e pesadas dos grandes museus nacionais ou das grandes fundações privadas4, e veio também imbuído de reações estatais como: - A criação do Instituto Português dos Museus (IPM), em 1991 (Hoje Instituto dos Museus e da Conservação) e da “Rede Portuguesa de Museus”, em 2000 - A criação, em 2000, da Seção de Municípios com Museus da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, ressaltando o dinamismo dos museus municipais, já identificado no sucesso e continuidade dos Encontros de Museologia e Autarquias; - A institucionalização da Lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto), com parâmetros legais para os museus do país (Direcção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, 2009). Portugal, assim como o Brasil, tem contribuído fortemente com a discussão do papel social dos museus e uma inflexão destes a uma Museologia cada vez mais participativa e mais voltada para o elemento humano na relação Homem-Objeto-Cenário, advogada como fato museal, matéria de estudo da Museologia. Pensada desta forma, a Museologia constituiria uma Nova Museologia, também chamada ora de Museologia Social, Ecomuseologia ou Sociomuseologia: “No queremos en absoluto dar soluciones fáciles y maravillosas a nuestros problemas museológicos. Pero intentamos que la Nueva Museología "haga propuestas que sirvan para vincular toda ésta problemática, muy especialmente en lo que es esencial para el hecho museológico: la 4

Ao contrário, assim como a Fundação Calouste Gulbenkian, mais antiga, outras constituíram também seus grandes museus e centros culturais, como o Berardo e o Serralves.

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confrontación vivencial y estimulante del hombre con su realidad, por medio de los elementos representativos de esta realidad, que son fundamentalmente tridimensionales, presentes en el tiempo y en el espacio". Pero recordando siempre que los museos no son sólo espacios para la exhibición de memorias, sino también agentes del progreso al servicio de las comunidades. Reconociendo también que “el objeto en sí mismo no es en absoluto la verdad absoluta de nada", como decía Jacques Hainard y, sobre todo, sabiendo que el objeto de la Museología es el hombre.” (Tinoco, 2010)

Em relato sobre visita de estudos a Portugal em 1993, Cristina Bruno recupera a memória de Mário Moutinho sobre a criação do ecomuseu de Monte Redondo: "... nessa época passamos por um dilema real que se podia resumir da seguinte maneira: - Museu Tradicional com participação formal da população, voltado para os testemunhos do passado e Museu Incógnita voltado para os problemas do meio material e social que o rodeava. A primeira situação apresentava-nos um caminho suficientemente estudado, sem outras dificuldades de realização que não fossem a maior ou menor disponibilidade de recursos financeiros para manter o museu aberto. A segunda situação deveria avançar por terrenos mal conhecidos, afrontando a incompreensão das outras instituições museológicas, socorrendo-nos dos conceitos, então mal definidos, do que se constituía como sendo expressões de uma nova museologia" (Moutinho, apud Bruno 1996, p. 90-91)

Este foi um dos processos que tomou o segundo rumo, assim como outros em alguma medida identificáveis tanto como museus de novo modelo como ‘museus tradicionais com participação formal da população’5: Ecomuseu do Seixal, Vila-Museu e Campo Arqueológico de Mértola, Museu do Trabalho de Setúbal, entre outros. Muito dessas experiências deve à disseminação de idéias da chamada Nova Museologia em Portugal por membros fundadores do Movimento Internacional por uma Nova Museologia, formalizado em solo português em 1985 a partir de premissas da declaração de Québec, do ano anterior. Estiveram em Québec, em 1984, os portugueses Mário Moutinho, António Nabais, Lino Rodrigo, Miguel Pessoa e Manuela Carrasco6. Seu retorno significou a disseminação de um novo fazer museal e de reflexões inusitadas, a partir da realização de jornadas sobre a função social do museu e de 5

Ainda assim muito distantes do que usualmente é considerado um museu tradicional, aquele totalmente voltado para os objetos e onde cabe ao público um papel de observador e visitante passivo. 6 Moutinho, comunicação pessoal, mensagem eletrônica, 2010.

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publicações (Moutinho, 1993). Em pouco tempo também significaria a formulação de um modelo de formação em Museologia, inicialmente atrelado à Universidade Autônoma de Lisboa: “Posteriormente, por falta de condições científicas e de desenvolvimento de um contexto organizacional antidemocrático a equipa docente transferiu-se para o antigo ISMAG dando desde então continuidade ao seu projeto na atual ULHT” (Universidade Lusófona. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes, 2010), Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, onde a área de Museologia existe desde 1991. Iniciado como um curso de especialização, que experimentou diversos formatos, este modelo sempre contou com colaboradores externos, em um primeiro momento do Canadá e da França, logo se estendendo a professores do Brasil. Aqui queremos centrar nossa reflexão, sublinhando a construção lusobrasileira de uma possibilidade acadêmica e editorial consolidada ao longo de 20 anos e coroada com o primeiro curso de doutorado em Museologia em língua portuguesa, que foi criado em 2007. Enquanto no Brasil nosso primeiro mestrado em Museologia só foi criado em 2006, desde 1998 a Lusófona transformou sua especialização em mestrado e permitiu inclusive alguns brasileiros avançarem em seus estudos. Mas foi com a criação do doutorado, especialmente a organização de já duas edições dos Cursos Avançados em Museologia, que os brasileiros acorreram em massa a esta possibilidade de titulação também anterior aos caminhos em solo brasileiro. Cursar no Brasil a parte das aulas presenciais e desenvolver a pesquisa e elaboração da tese com orientação à distância, muitas vezes com professores brasileiros, atendeu uma demanda antiga de doutorado em Museologia. Este caminho também se beneficiou da simplificação logística já que à medida que o curso avançava em Portugal a proporção de professores brasileiros convidados aumentou, de forma que as aulas

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serem no Brasil (Rio de Janeiro ou Bahia como nas duas primeiras edições), até facilitava em relação à organização das mesmas aulas em Lisboa, sem comprometer qualidade e carga horária. Mais recentemente um convênio com a USP garantiu aos egressos de suas quatro turmas de especialização o reconhecimento destes créditos como o 1º ano do mestrado ou do doutorado na Lusófona, a depender de outros títulos que o candidato já possuir. Isto foi possível porque a especialização da USP contava com estrutura bastante similar aos cursos de pós-graduação da ULHT, inclusive partilhando professores, mas com corpo docente incrementado e carga horária muito superior. Desta forma, a tendência é que nos próximos anos aumente significativamente o número de brasileiros inscritos regularmente nos cursos de pós-graduação em Museologia da ULHT. A universidade publica desde 1993 os Cadernos de Sociomuseologia, que já teve outras denominações, mas não solução de continuidade. A publicação é apresentada como a “principal colecção de língua portuguesa dedicada à museologia em estreita colaboração com investigadores e professores de museologia de universidades e museus brasileiros.” (Universidade Lusófona. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes, 2010). Para nós, que iniciamos a aproximação com a Museologia portuguesa e especialmente com a Universidade Lusófona desde 1997 por intermédio de viagens de estudos e, mais recentemente, do doutorado, sempre chamou a atenção a expressiva quantidade de títulos brasileiros nas publicações da Lusófona7 (enquanto aqui no Brasil não tínhamos sequer uma publicação regular) e a abertura cada vez maior do corpo docente da universidade aos professores brasileiros.

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Nos primeiros 20 números, sem contar aqueles organizados com vários autores (5) e considerando Judite Primo, que possui dupla nacionalidade, na conta portuguesa, os títulos de autores residentes no Brasil superou muito em número (12) os de portugueses, e só Mário Moutinho e Judite Primo haviam publicado por Portugal.

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Creditamos esta superior presença dos brasileiros nas publicações e na docência da Lusófona ao resultado, além da abertura e generosidade da universidade, que despida de preconceitos aceitava a publicação dos originais brasileiros sem ajustes ortográficos, malgrado qualquer crítica que viesse a receber, de uma contingência: o fato de que alguns expoentes da Museologia portuguesa, comprometidos com a implantação de processos de musealização inovadores e revolucionários estivessem menos afeitos, naquele momento, à reflexão acadêmica sobre os mesmos e especialmente não priorizassem o avanço em titulação, o que os afastou da docência quando a pós-graduação na Lusófona passou de lato sensu a stricto sensu. Agora, com a proliferação de cursos8 e de doutores em Portugal, vemos a retomada de contratação de professores portugueses e há uma diretriz para manutenção nesta universidade de 50% de professores portugueses e estrangeiros, agora também pretendendo ampliar as colaborações com outros países da Europa. A ligação de alguns dos docentes da ULHT ao Movimento Internacional para uma Nova Museologia representa, para essa universidade, não só “permanente atualização de conceitos como tem beneficiado de uma rede alargada de parcerias internacionais.” (idem) Ao discutir o enquadramento histórico da Sociomuseologia, Mário Moutinho (2007) situa seus momentos de criação em Québec, mas tendo como antecedentes a Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972. Documento fundador do MINOM, a Declaração de Québec se baseia na reflexão sobre as transformações ocorridas no cenário museológico internacional, da qual decorrem fatores como: o reconhecimento da necessidade de ampliar a prática museológica e de integrar nessas ações as 8

“Em termos nacionais foram criados desde então cursos de Mestrado nas Universidade de Évora, de Lisboa, de Coimbra, do Porto, Universidade Nova de Lisboa, e ISCTE e no último ano letivo foram criados programas de Doutoramento na Universidades do Porto e de Évora.” (Universidade Lusófona. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes, 2010)

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populações; a convocação ao uso da interdisciplinaridade e de métodos modernos de gestão e comunicação; e a priorização do desenvolvimento social. “O MINOM nasceu de experiências fragmentadas, se pensa fragmentado e estimula a criação de novos fragmentos museais. Ora, não é difícil perceber nesse caráter fragmentário uma dimensão política diversa daquela que está patenteada nos museus que ensaiam grandes sínteses nacionais ou regionais que, a rigor, também são fragmentárias.” (Chagas, 2003, p. 55)

Ou seja, os museus tradicionais apenas pretendem ser totais, mas não o são. A chamada Nova Museologia assume o fragmento, o resíduo, como motor para a reflexão que motiva a ação no meio social, indo realmente de dentro para fora dos museus ou processos de musealização. A Declaração de Québec deu seguimento ao desejo de criação de estruturas internacionais do Movimento Internacional para uma Nova Museologia, com a intenção de fundação de um comitê sobre Ecomuseus / Museus Comunitários no âmbito do ICOM e uma federação internacional da Nova Museologia. Ao abordá-la, Moutinho enfatiza a idéia de participação da comunidade na definição e gestão das práticas museológicas e a Museologia como fator de desenvolvimento, além de realçar a consigna da Declaração de Santiago segundo a qual “(...) o museu é uma instituição a serviço da sociedade”, interpretando-a com um viés para perceber o museu como prestador de serviços. Para tanto, ressalta a idéia presente na Declaração de 1972 de que a transformação das atividades dos museus exige mudança na mentalidade dos seus responsáveis. Provavelmente por isto, tomou para si o desafio de contribuir com formação e atualização de profissionais, criando as jornadas e os cursos já mencionados. É interessante discutir aqui o conceito de Sociomuseologia, proposto por Moutinho como alternativa a conceitos anteriores de Museologia. Segundo ele “A Sociomuseologia constitui-se assim como uma área disciplinar de ensino, investigação e actuação que privilegia a articulação da museologia em particular com as áreas do conhecimento das Ciências Humanas, dos

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Estudos do Desenvolvimento, da Ciência de Serviços e do Planeamento do Território”. (Moutinho, 2007, p. 01)

Esta definição, a nosso ver, situa-se em pleno diálogo com aquela formulada 38 anos antes por Hugues de Varine quando apresenta os três domínios principais cuja articulação permitirá à Museologia preparar profissionais em sintonia com a demanda de servir ao desenvolvimento do homem, quais sejam: - Antropologia Social e Cultural, Sociologia, Psicologia, Economia (aplicadas aos problemas nacionais e locais de desenvolvimento); - Estudos de metodologia (do trabalho multidisciplinar, das comunicações de massa, da pedagogia, das pesquisas de avaliação); - Elaboração de técnicas de desenvolvimento adaptadas ao caráter específico do museu (Varine, 1969 in Desvallées, 1992, p. 64). Fernando Neves situa a Sociomuseologia como uma das várias inovações trazidas pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, especialmente, neste caso, de Mário Moutinho. Dá a entender que a Sociomuseologia é de fato a Nova Museologia, nomeada desde o início pelos portugueses daquela forma, mas conectada com o movimento internacional (Neves, 2008). Queremos, pois, ousar e defender mais uma vez a idéia de que a Museologia é uma só, com necessárias ondas de renovação (Duarte Cândido, 2003, p. 253), ainda que a uma teoria geral correspondam diferentes modelos de aplicação. Este foi o ponto de vista expresso pelo simpósio do ICOFOM de Hyderabad (1988) conforme mencionado por Van Mensch: “A opinião geral, expressa pelos museólogos de diferentes partes do globo, admitiu que no nível mais elevado de abstração, só há uma museologia. No nível prático, no entanto, podem haver muitas diferenças de acordo com as condições culturais e sócio-econômicas locais” (Van Mensch, 1994, p. 02).

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Ou seja, uma só Museologia Geral, ainda que modificada por diferentes textos e contextos museológicos. O próprio Moutinho também foi capaz de reproduzir a afirmação: “Que esta nova concepção não implica que se acabe com os museus actuais nem que se renuncie aos museus especializados mas que pelo contrário esta nova concepção permitirá aos museus de se desenvolver e evoluir de maneira mais racional e lógica a fim de se melhor servir a sociedade...” (Declaração de Santiago, in Moutinho, 1993, p. 08).

Isto não diminui, de maneira alguma, a importância das transformações conceituais e nem, no caso português, o papel precursor de Mário Moutinho, a fantástica proliferação e longevidade apreciável de experiências baseadas nas idéias oriundas do MINOM, como também não abranda o reconhecimento do extraordinário desempenho da ULHT na acolhida acadêmica, no fomento da reflexão e da divulgação de todas as idéias e práticas relacionadas a esta chamada Nova Museologia ou Sociomuseologia. O que queremos aqui é asseverar a necessidade de que toda Museologia seja social, porque também defendemos o quarto paradigma entre aqueles alinhados por Van Mensch (1994, p. 03) e não desejamos uma Museologia que estude apenas os museus, ou suas atividades, ou seus objetos, mas que estude uma relação específica do homem com a realidade, ainda que exatamente por ela ser específica e relacionada à herança e à memória, precise, para isto, passar pela compreensão dos museus, de suas atividades e da musealidade dos objetos. Maria Célia Santos, também professora dos cursos de pósgraduação da Lusófona, considerava ser redundante a expressão Museologia Social, pelas mesmas razões, já que a Museologia é sempre uma ação social (Comunicação pessoal, 2000)9.

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Fala durante os Encontros Museológicos “Linguagens, processos, novas tecnologias”, organizado pelo Curso de Especialização em Museologia da Universidade de São Paulo [CEMMAE-USP], em 24 de março de 2000.

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Fora a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, que conhecemos mais a fundo, é possível identificar hoje várias formações em Portugal, ainda se considerando que o país caminha por outras opções em relação ao campo, onde o profissional é chamado mais de conservador de museus que de museólogo e geralmente trilha o aprendizado na prática ou na pós-graduação: “Os cursos de pós-graduação e de mestrado em museologia são compreendidos como vias preferias de acesso à profissão de conservadormuseológo ainda que a formação contínua em exercício seja apresentada como essencial no desenvolvimento da carreira” (Semedo in Semedo e Lopes, 2006, p. 81)

Diferentemente, no Brasil a profissão de museólogo é regulamentada e investe-se especialmente no alargamento dos cursos de graduação, o que não existe por lá. Sem pretender dissecar as diferentes possibilidades acadêmicas de estudos em Museologia em Portugal, vamos destacar mais uma apenas, a Universidade do Porto, que em sua Faculdade de Letras, mantém um curso que pode ser concluído em nível de especialização ou mestrado. No momento, o corpo docente da Universidade, especialmente a figura da pesquisadora Alice Semedo, tem atuado fortemente na ampliação dos horizontes de debates museológicos, promovendo anualmente o Seminário de Investigação em Museologia em Países de Língua Portuguesa e Espanhola. O evento, já realizado em três países e em uma edição em parceria com o ICOFOM (Comitê para Museologia do Conselho Internacional de Museus), juntamente com iniciativas mais informais de difusão como a rede virtual Museologia.Porto (premiada recentemente como uma das melhores comunicações on-line pela Associação Portuguesa de Museologia - 2008), tem inserido a Faculdade de Letras do Porto e o seu Departamento de Ciências e Técnicas do Património em um âmbito maior de projeção internacional.

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Para Hernández-Hernández (2006, p. 68), há diferenças entre duas escolas de pensamento museológico, uma representada por museólogos da França e do Canadá, outra pelos da Tchecoslováquia e da Alemanha. Esta tende a uma orientação mais cognitiva, enquanto aquela, mais programática, criou as condições para o surgimento do Movimento Internacional pela Nova Museologia. Queremos adicionar à idéia de uma escola representada por franceses e canadenses, a indefectível presença de museólogos portugueses na raiz do Movimento, e, pelo menos de maneira mais intensa, desde a década de 1990, em profunda troca intelectual e colaboração com a Museologia brasileira, alimentando-se mutuamente de expertise, desafios e encorajamento.

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http://redemuseusmemoriaemovimentossociais.blogspot.com/2010/08/definicao-desociomuseologia-mario.html. Acedido em 30 de novembro de 2010. Neves, Fernando Santos. (2008). De entre os vários maiores ou menores ‘ex-libris’ da ‘Lusófona’, poderíamos citar, a título de exemplos, os seguintes: – cursos que foram criados na ‘Lusófona’ pela primeira vez e alguns ainda são únicos em Portugal. In Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 12, pp, 36-43. Lisboa: ULHT. Acedido

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Referência para citação: DUARTE CÂNDIDO, Manuelina Maria. Relações Brasil-Portugal na Museologia contemporânea. In: Atas do 6º Colóquio do PPRLB (Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras) – Portugal no Brasil, Pontes para o Presente. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2013. Disponível online em http://www.mygead.com/geadmedia/packages/giadrgpl_rgpl/documentsmain/20130612 121687039f_manuelinamduarteoriginal.pdf

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