2014 - Apresentação III Jornadas Mercosul (“É raciocínio, é cérebro, não é coração”: democracia e ditadura na narrativa do Diário Político de Sereno Chaise)

May 31, 2017 | Autor: Douglas Angeli | Categoria: Trabalhismo, Sereno Chaise
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III Jornadas Mercosul - Unilasalle

“É raciocínio, é cérebro, não é coração”: democracia e ditadura na narrativa do

Diário Político de Sereno Chaise

Douglas Souza Angeli (Mestrando em História UNISINOS/CAPES) Orientadora: Dra. Marluza Marques Harres

2014

Objetivo Analisar a narrativa sobre a democracia e sobre a ditadura presente na obra O diário político de Sereno Chaise – 60 anos de história, escrita pelo jornalista Luciano Klöckner a partir do depoimento daquele político trabalhista, entendo-a enquanto fonte com base no debate acerca dos aportes teórico-metodológicos pertinentes ao uso dos testemunhos.

A obra Em 2007, a editora AGE publicou O diário político de Sereno Chaise – 60 anos de história de Luciano Klöckner.

Como podemos classificar tal obra? Sua ficha catalográfica classifica-o como: 1. Biografia; 2. Político. I. Sereno Chaise. II. Título. A contracapa revela algo a mais: “O diário político de Sereno Chaise – 60 anos de história é o relato autêntico de quem acompanhou os principais momentos do país desde 1946”. Mais adiante, o texto da contracapa introduz um elemento novo: “O livro, em linguagem testemunhal, conta detalhes da convivência com personagens marcantes da política gaúcha”. Trata-se de um testemunho? O mesmo texto não para por aí: “O livro-depoimento revela passagens inéditas da história brasileira”, incluindo nessa listagem a expressão depoimento. Biografia, relato, testemunho, depoimento e, incluindo um termo proveniente do título do livro, trata-se ainda de um diário.

Prefácio de Moacyr Scliar O prefácio, escrito por Moacyr Scliar, insere outros elementos neste debate: “Há ocasiões em que memória e História se fundem, [...]. Quando isso acontece, temos todos os motivos para celebrar. [...] O diário político de Sereno Chaise: 60 anos de história enquadra-se nessa categoria” (2007, p. 05). Apresentação, por Luciano Klöckner Na apresentação, intitulada Testemunha e protagonista da história, uma explicação começa a acomodar um pouco as coisas: “O projeto foi deflagrado em uma manhã do outono gaúcho, em 2004, quando um familiar me ligou [não fica clara qual a relação entre eles] perguntando do interesse e da disposição em organizar uma publicação destas memórias” (2007, p. 11). O passo seguinte foi a organização de um plano de trabalho para a pesquisa e a organização de documentos e de fotografias e também de um cronograma para as gravações das entrevistas. A ideia inicial era desenvolver uma “biografia clássica, narrada em terceira pessoa”. No entanto, “após 30 encontros e 17 horas de gravações, por mais de dois anos, sobressaiu-se o Sereno Chaise contador de minúcias da história e, com isso, a narrativa concentrou-se na primeira pessoa do singular” (2007, p. 11-12).

Dessa forma, temos em parte, as etapas que resultaram na obra acabada: pesquisa em documentos pessoais e fotografias, gravação dos depoimentos (realizados entre junho de 2004 e dezembro de 2006) e a escrita em forma de diário (em primeira pessoa). Podemos considerá-lo como um testemunho mediado – quando não há coincidência entre o informante e o transcritor/editor, sendo que uma de suas categorias é o testemunho jornalístico: aquele que “se dispõe a escrever uma narrativa de natureza jornalística a partir da ótica de um determinado personagem” (ALÓS, 2008, p. 05).

O testemunho enquanto fonte para os historiadores

Beatriz Sarlo: faz uma crítica dos testemunhos, analisando a transformação do testemunho em um “ícone da Verdade” e do discurso em primeira pessoa “no recurso mais importante para a

reconstituição do passado” (2007, p. 19). Um dos problemas colocados por Sarlo é que o testemunho, “por sua auto-representação como verdade de um sujeito que relata sua experiência,

exige não ser submetido às regras que se aplicam a outros discursos” (2007, p. 38). Como relação à autobiografia, a autora ressalta que, como na ficção em primeira pessoa, tudo o que ela consegue mostrar é “a estrutura especular em que alguém, que se diz chamar eu, toma-se como

objeto. Isso quer dizer que esse eu textual põe em cena um eu ausente, e cobre seu rosto com essa máscara” (2007, p. 31).

Quando se trata de utilizar

Valentina Isolda Salvi: enfatiza que na autobiografia

relatos, testemunhos, discursos de

não se trata “da verdade”, mas sim de uma construção

memória referentes aos processos

narrativa na qual estão presentes “una serie de

políticos de um passado por vezes

estrategias de representación que son las que le otorga

bastante recente, o trabalho do

historiador se vê cercado de antigas e novas questões acerca

da subjetividade, do ficcional, da verossimilhança e da narrativa.

sentido a la trayectoria vital de narrador” (2010, p. 79). Cláudio Elmir: considera que em alguns casos, seja por ingenuidade ou por identificação política, tem sido

negligenciada “a precaução de método primária de que o relato não é o duplo do ‘acontecido’ e sim uma percepção subjetiva da experiência” (2010a, p. 193).

O interesse do historiador pode estar na própria narrativa, sendo que nesse caso “o que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor a expressa” (GOMES apud ELMIR,

2010a, p. 193). É nessa perspectiva que parece filiar-se a análise que Cláudio Elmir empreende com relação ao texto de Flávio Tavares (Memórias do esquecimento): “Nesses casos importa não apenas as ‘informações’ trazidas

mas também a forma de organizá-las textualmente” (2010a, p. 192). No caso da literatura testemunhal, uma característica a considerar é que sua enunciação muitas vezes é feita a

partir de um locus eminentemente político (ALÓS, 2008, p. 02). Conforme Eliana de Freitas Dutra, a investigação crítica não pode desconsiderar que os depoentes têm um interesse na narrativa que constroem, e que nessa intervenção no depoimento “eles decidem o que lembrar; qual história contar; o que contar; o que esquecer” (2000, p. 77). Os testemunhos de militantes podem tomar a forma de um discurso de mobilização, de ativismo e mesmo de “ajuste no percurso político, de defesa e legitimação dos princípios da ação” (2000, p. 81).

“Naquele tempo, era com cédula”: a democracia (1945 – 1964)

Os capítulos intitulados Anos de dilemas: as primeiras derrotas e a

“Apesar das discordâncias

implantação das bases políticas do PTB e Anos de vitórias: a

políticas, de 1947 até 1964, a

legalidade e o PTB no governo, correspondem ao período que vai do

política rio-grandense conviveu

início da carreira política de Chaise até o governo de João Goulart,

com a democracia, através das

coincidindo portanto com o regime democrático que vigorou no

eleições, com muitos avanços,

Brasil entre 1946 e 1964. Primeiramente, interessa saber como O

independentemente do partido

diário político de Sereno Chaise narra essa experiência democrática

da fase 1946-1964.

que estava no poder” (p. 19).

“Entramos na longa noite”: a ditadura (1964 – 1979) De algumas poucas conversas que Chaise teve com Getúlio Vargas, O

“Fomos advogar na frente

diário político de Sereno Chaise destaca um “ensinamento” passado pelo

da Prefeitura, na esquina da

então ex-presidente: “Política é coisa muito séria. Política a gente faz

rua Uruguai [...]. Foi um

com o cérebro e não com o coração. [...] Essa é uma lição, em

período muito difícil para

ensinamento que ficou para mim: política é raciocínio, é cérebro, não é

nós. Convivíamos com o

coração” (2007, p. 30). Moacyr Scliar dá ênfase a esta frase, no prefácio,

preconceito, como se todos

completando: “Uma afirmativa admirável, quando se considera que ela provém de uma pessoa que foi perseguida, que foi presa várias vezes” (2007, p. 05-06). Assim, passa a fazer parte da nossa análise o capítulo 3: Anos de golpe: da ascensão de Jango ao exílio.

portassem

uma

doença

contagiosa.

As

pessoas

queriam

distância

gente” (p. 93).

da

Conclusão

No conjunto de suas páginas, O diário político de Sereno Chaise contém um número muito maior de textos e imagens sobre o período pré-64 do que sobre a fase ditatorial e pósredemocratização. Mais da metade do livro foi dedicado à narrativa sobre a experiência democrática que vigorou no Brasil entre 1946 e 1964: nela, Sereno Chaise participou de um grande número de campanhas eleitorais, sendo eleito vereador, deputado estadual e prefeito. A trajetória política de Sereno Chaise, como a de tantos outros, foi interrompida pelo golpe civilmilitar de 1964. Isso explica, ao menos em parte, a forma como aquela experiência foi narrada com mais ênfase ao longo da obra. Assim, os dois primeiros capítulos tratam das candidaturas, das campanhas, dos comícios, da relação com os eleitores, enfim, de tudo aquilo que Chaise foi proibido de fazer após perder seus direitos políticos em 1964.

Considerando o rompimento político com seu antigo amigo Brizola e sua desfiliação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), é possível pensar num discurso de “ajuste do percurso político”, conforme destacado por Eliane Dutra (2000, p. 81). E dessa forma, ressaltar que tanto ele como Brizola começaram juntos no antigo PTB e ainda sua relação histórica com o trabalhismo, cumpre um papel importante no contexto de recepção do livro: Chaise exercia um cargo na CGTEE, por indicação de seu novo partido, o Partido dos Trabalhadores (PT).

Ao tratar das primeiras décadas da vida política de Chaise, a obra constrói uma narrativa sobre a democracia e sobre a ditadura. É o personagem Sereno Chaise quem traça uma descrição dos dois momentos: a democracia, foi o tempo dos comícios, das campanhas, de utilizar trem, jipe e avião para percorrer as diferentes regiões do Rio Grande do Sul; foi a época da costura de alianças, dos discursos até mesmo em cima de caminhões. Já a ditadura, foi retratada como “a longa noite”, sendo a fase das prisões, do exílio dos amigos, da cassação, da solidão. O personagem do livro é narrado de forma coerente: jovem de origem humilde que se torna militante do trabalhismo; político em ascensão cassado pela ditadura. A narrativa, em seu conjunto, parece seguir o conselho do Doutor Getúlio: “política é raciocínio, é cérebro, não é coração”.

Referências ALÓS, Anselmo Peres. Literatura de resistência na América Latina: a questão das narrativas de testimonio. Especulo, n.37, p. 1-12, jan. 2008. DUTRA, Eliana de Freitas. Para uma sociologia histórica dos testemunhos: considerações preliminares. Locus, Juiz de Fora, vol. 6, n. 2, p. 75-82, 2000.

ELMIR, Cláudio Pereira. A palavra como um bisturi. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: ed. Mulheres, 2010, p. 191-207. ELMIR, Cláudio Pereira. Desafios metodológicos da literatura de testemunho para o trabalho do historiador. In: TETTAMANZY, Ana Lúcia Liberato [et al] (orgs). Sobre as poéticas do dizer: pesquisas e reflexões em oralidade. São Paulo: Letra e Voz, 2010, p. 154-163. KLÖCKNER, Luciano. O diário político de Sereno Chaise. Porto Alegre: AGE, 2007.

SALVI, Valentina Isolda. Interrogaciones sobre el valor de la palavra. Violencia y narración. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 2, n.1, p. 71-85, jan/jun. 2010. SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.

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