2014. Exílio e Imaginário: as primeiras diásporas judaicas em Portugal nos romances de Mário Cláudio. IJPD - Anderson University

May 30, 2017 | Autor: D. Vecchio Alves | Categoria: Portugal, Romance, Marvelous realism, Oppression, Discoveries
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Exílio e Imaginário: As Primeiras Diásporas Judaicas em Portugal nos Romances de Mário Cláudio Daniel Vecchio Alves

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Resumo: A recriação histórica encetada pelos romances Oríon (2002) e Peregrinação de Barnabé das Índias (1998) aponta para o preenchimento de vazios e lacunas deixados pela extensa tradição de narrativas que recorreu ao tema da expansão marítima, envolvendo secundariamente o tema do exílio judaico. Nesse vazio, a subjetividade ganha força por meio da manifestação do maravilhoso que contribuiu para desmistificar a imagem esplendorosa de Reis e Capitães, e exaltar a figura dos Judeus, vagamente representados nas crônicas e vítimas de diversas atribulações. Esses fatores proporcionam originalidade à escrita de Mário Cláudio, garantindo um texto literário de grande poder criativo e densa representação histórica, literária e sociológica sobre a cultura e, especificamente, sobre o passado português. Palavras-Chave: Portugal, descobrimentos, romance, maravilhoso, opressão. Abstract: The reconstruction of history introduced by the novels Orion (2002) and Peregrinação de Barnabé das Índias (1998) points to the filling of voids and gaps left by the long tradition of narratives that appealed to the issue of maritime expansion, and which secondarily involves the theme of Jewish exile. In this void, subjectivity gains strength through representation of the marvelous, in order to help demystify the radiant image of Kings and Captains, and exalt the silenced Jews. These aspects provide originality to Mário Cláudio’s writing, ensuring a literary text of great creative power and dense historical, sociological, and literary representation of Portuguese culture. Keywords: Portugal, discoveries, romance, marvelous, oppression.

Mesmo com mais de quinhentos anos transcorridos dos infelizes e censuráveis eventos de expulsão dos judeus da Península Ibérica em 1493 e 1497, se engana quem acha que seja polêmica ou missionária a tendência de estudos sobre esse tema. A sua finalidade não é outra senão manifestar a lição acerca do direito de cada um à liberdade de consciência, de posição religiosa ou filosófica assumida por tradição ou por vontade própria. Através de duas obras do romancista português Mário Cláudio, pretendemos estudar as representações sobre os episódios acima mencionados. Esses cenários agressivos ainda se impõem como problemas para os conceitos e 197

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preocupações da atualidade vigente, cuja crítica através da história e da literatura repensada se constitui numa preciosa lição pela qual os homens aprendem com os seus próprios erros. Tais estudos tornam-se mais do que necessários, visto que ainda em nossos dias há defensores das práticas inquisitoriais que ocorreram em Portugal antes do estabelecimento de seu tribunal no ano de 1536 1. Esforçam-se muitos autores em comprovar a defasagem reflexiva daqueles que fazem passar o inquisidor por monstro, difamando a instituição que desempenhava o papel histórico de proteger a fé e de garantir a ordem pública da cristandade. No entanto, esse julgamento anula completamente a crueza para com as vítimas desses tristes episódios e, por isso, pergunta Elias Lipiner: Onde ficam neste cenário as almas afligidas dos presos colhidos na sua rede, os queimados vivos por terem resistido até ao fim sem reduzir-se, os garroteados, os penitentes humilhados e ofendidos, os reduzidos à fome pelo confisco dos bens e impossibilitados de recorrer à esmola dos homens, sequer, por motivo da exibição pública obrigatória do sambenito que provocava não só os murmúrios dos circunstantes, mas também a recusa da ajuda? Onde fica neste cenário o homem que é a matéria primeira e objeto fundamental da atividade da inquisição? [. . .]. De que adiantará a pura e exata pesquisa histórica, desatenta ao destino do homem? O condicionamento teológico ou cientifico aplicado com exagero na pesquisa acerca da inquisição, resulta em perspectivação distorcida da atividade inquisitorial e das ocorrências negativas que a antecederam. (465–466)

Mas infelizmente, há estudiosos modernos que não viram ou não querem ver os milhares de processos individuais, em que se constata que os réus envolvidos eram punidos a ferro e fogo, unicamente por terem repelido uma religião que lhes fora imposta à força, não levando em conta o sofrimento humano, desprezando a lição histórica e sociológica que proporcionam esses fatos. Assim se faz o verdadeiro motivo desse trabalho, que pretende analisar as representações literárias problematizadoras dos exílios judaicos em Mário Cláudio, não deixando de usufruir de fontes e estudos históricos condizentes com uma percepção mais aguçada e mais humanista de tais ocorridos. Os exílios de 1493 e 1497 Com o título Quando entrarom os judeos de castela em Portugal (1553), narra o português quinhentista Samuel Usque (1500–1555?) as peripécias dos expulsos da Espanha em 1492, por se terem mantido constantes na sua lei religiosa. A maior parte deles, afirma o cronista judeu, foi para Portugal com uma autorização temporária do rei D. João II (1455–1495), por meio do pagamento de taxas e mediante a promessa “de os deixar viver na sua lei, e os que quisesse partir, dar-lhes embarcação” (III / XXVII). Segundo as informações encontradas nas crônicas de Rui de Pina (1440– 1521) e Garcia de Resende (1482–1536), os judeus admitidos provisoriamente no reino, mas que não puderam dele sair no prazo estipulado pelo rei, foram considerados cativos e vendidos como escravos 2. Em 1493, por punição aos

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judeus infratores, seus respectivos filhos foram dados ao Capitão Álvaro de Caminha (?–1499?) para levá-los consigo, depois de batizados, à capitania de São Tomé, uma ilha recém-descoberta. Era, pois, esse o primeiro exílio português dos judeus e não o de 1497, como vulgarmente se admite. A ilha, descoberta em 1470 ou 1471, provavelmente a 21 de Dezembro, dia em que a Igreja venera o apóstolo São Tomé, era tida por lugar impróprio à colonização, pela insalubridade e pelo perigo das feras que a habitavam 3. Por isso, tinham malogrado tentativas de povoá-la a partir de 1485, com seguidas desistências. No princípio do seu governo, em 1495, D. Manuel (1469–1521) praticara atos de altruísmo para com os judeus, libertando generosamente os que tinham se tornado escravos por ordem do seu antecessor, D João II, inclusive aqueles com os filhos expatriados à força para a perigosa ilha dos lagartos, São Tomé. Pouco tempo depois mudou de procedimento para com eles. Prova disso é o suposto exílio de 1497, planejado para ocorrer nos seus últimos meses, na ocasião em que se encontravam reunidos nos Estaus de Lisboa milhares de judeus convocados enganosamente. Quando reunidos os judeus para receber a embarcação prometida em decreto real, dando com isso mostras de que preferiam a partida à conversão, foram todos arrastados às igrejas para serem batizados em cerimônia feita às pressas e à força: “e a hus pelas pernas e braços, e a outros pelos cabelos e pelas barbas arrastando per força os levaron tee dentro as ygrejas, e aly lhe deitarom sua aguoa [de batismo] . . .” (III / XXX). Segundo Elias Lipiner, tal contraste fora determinado em grande parte pelo interesse particular do monarca, o qual estava então cobiçando o casamento com a princesa Isabel, filha dos reis católicos Fernando e Isabel, da vizinha Espanha, os quais haviam decretado semelhante expulsão de judeus dos seus reinos em 1492. . . . D. Manuel, elevado ao trono a 27 de Outubro do mesmo ano, viu-se atraído pelo sonho de união ibérica sob a égide portuguesa que vislumbrava no horizonte político e familiar, como conseqüência do casamento com a princesa de Castela. (10)

Porém, dessa vez o plano do rei português não dera certo, pois, depois da expulsão e da conversão forçada, deu-se a morte da rainha no parto do príncipe Miguel, morrendo também esse futuro herdeiro da coroa de Castela e Portugal com a idade de dois anos apenas. Nem por isso esvaeceu-se o projeto de D. Manuel de estabelecer um império ibérico sob seu reinado 4. Exílio e imaginário Considerando as respectivas fontes cronísticas de tais episódios, podemos perceber que através delas apresentam-se narrativas polêmicas ora por sua dramaticidade, como em Usque, ora por sua celebrativa memória que exalta os reis e seus mandos, amenizando e ocultando informações detalhadas mais realistas e denegridoras dos fatos opressivos supracitados. Essa postura elogiosa ocorre, sem dúvida, em Garcia de Resende e em outros cronistas reais.

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Até agora não se apurou ao certo o destino dos pequenos cativos na tão temerosa ilha de São Tomé. Muitos podem ter morrido durante a viagem, mas alguns podem ter sobrevivido no local. Muito pouco também se sabe da existência e do destino dos judeus que conseguiram escapar da compulsória conversão executada por D. Manuel em 1497, seja antes, durante ou depois do ocorrido. O que se sabe de fato é que “as correntes emigratórias para o Estado da Índia e o Império Otomano fazem parte do fenômeno global da emigração judaica e cristã-nova que se iniciou nos finais do século XV, a partir da Península Ibérica, [. . .] devido à forçada conversão” (Cunha 17). Na zona obscura desses episódios históricos é que o excelente romancista português contemporâneo Mário Cláudio parece ter encontrado o seu campo de trabalho 5. Na escassez de dados concretos, ele recorreu à contextualização, sobretudo, no que diz respeito aos imaginários historicamente possíveis de tais acontecimentos. A matéria para representar seus personagens e cobrir tais ausências está de acordo com o que foi apontado pelas pesquisas da historiografia cultural recente, verificando Mário Cláudio que, em diversas circunstâncias, os hábitos mentais e as formas fantásticas reaparecem em quase todos os domínios da vida corrente do final da Idade Média e do início do Renascimento, especialmente no que diz respeito ao povo judeu 6. Portanto, há nesse ponto imaginário certa coerência histórica. Não se trata de uma invenção gratuita do escritor que muito bem pesquisou sobre a psicologia judaica e portuguesa da época: É igualmente próprio das personagens de Mário Cláudio o embate de Adamastor do homem contra o meio, concorrendo com todas as suas pulsões vitais para a domesticação do ambiente, [. . .], numa espécie de balanceio entre uma acracia individualista, em que cada um faz as suas regras, e um comunitarismo religioso de tendência pagã, prestes a desafiar a morte em atitude nobre, mas também senhor de um reles pensamento calculista onde, não raro, a especulação e a grandeza se asfixiam medidas, abandonadas ao gozo dos sentidos, ao bucolismo do terrunho e à acumulação do património próprio. (Real 154)

Adentrando nesse universo sintomático dos personagens marioclaudianos, observamos que as manifestações de um maravilhoso com base na representação psicológica dos judeus exilados, sejam portugueses ou não, podem ser efetivamente encontradas em duas obras que aqui serão analisadas respectivamente: Oríon (2002) e Peregrinação de Barnabé das Índias (1998). Vale ressaltar que optamos, nesse artigo, por inverter a ordem cronológica de publicação na análise das duas obras, pela preferência de manter a ordem cronológica das duas diásporas judaicas representadas. Considerando esses dois romances como parte da produção literária da nova geração de escritores surgida com mais intensidade após a Revolução dos Cravos, em 1974, cabe inferir que, como a maioria das obras ficcionais desse contexto, tais romances são recriados a partir de dimensões alternativas e críticas para narrar a rica e não menos problemática história da nação lusa:

Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 201 [. . .], a literatura portuguesa, em consonância com o que sucedia em outros países, e na esteira do pensamento demolidor das vanguardas do início do século, encaminhou-se para uma atitude de negação dos mitos, para uma suspeita cada vez maior sobre ideologias e estéticas construídas a partir de suportes considerados como verdades inquestionáveis [. . .]. (Calvão 16)

Com base no processo de desmistificação do elogio à tradição cristã e expansionista na cultura portuguesa, torna-se latente, entre os principais escritores contemporâneos de sua literatura, que “nenhum regime totalitário dá azo a que se faça História como deve ser. Todos eles necessitam, em maior ou menor grau, de ocultações e de mitificações” (Lepecki 388–389) que precisam ser desconstruídas ou substituídas. Mas, é preciso deixar claro que esse suprimento crítico mencionado por Lepecki pode ocorrer de formas diversas. Ao se libertar do monologismo representativo de uma dada ideologia ou de um dado discurso, o romance português contemporâneo tem ressonâncias muito amplas, que vão além de somente apresentar uma versão paródica pronta dessa tradição, sendo livre para investigar o fenômeno da alienação e da opressão em diferentes circunstâncias e formas alegóricas: “Isso significa que a ficção contemporânea também partilha da mais arcaica ficcionalidade, a que no conto e no mito enraízam, ou que o conto e o mito configuram” (Lourenço 95), proporcionando à literatura múltiplas alegorias da existência imaginária de seus personagens. O acúmulo e a regularidade de alegorias do imaginário no texto literário marioclaudiano permitem mostrar como as formas e os motivos ali fixados, além de constituir concatenações de enredos psicologizantes divergentes, são uma via privilegiada para entrarmos em contato também com o imaginário da época histórica em discussão, época que, inclusive, viu surgir com força imaginária o próprio gênero narrativo do relato de viagem. Nessa perspectiva, os romances Oríon e Peregrinação de Barnabé das Índias se circunscrevem coletivamente através de uma representação subjetiva da história, evidenciando esse outro povo censurável, que sempre ficava à margem das crônicas e relatos oficiais: os judeus. Os romances apresentam sucessivos personagens que miram o horizonte do mar com base nas vagas e imaginárias notícias sobre a existência de grupos hebraicos sobreviventes na Índia e na Etiópia, inebriados por uma perspectiva de “traduzir em realidade terrena lendas ultraterrestres, e de ver transladada para a esfera da geografia a sua velha quimera messiânica” (Lipiner 28–29). Retira-se desse contexto cultural o mito do judeu errante, que retrata um personagem que vagabundeia mundo afora, fugindo das instituições que o persegue e procurando qualquer resquício dos reinos antigos do seu povo de origem. O mito do judeu errante sintetizou em um único personagem séculos de antissemitismo arraigado na Europa. A submissão de todos os fiéis a essa tradição, fundamentada em uma busca comum pela terra idealizada, é impulsionada pelas inúmeras diásporas judaicas ocorridas desde muito antes de Jesus Cristo, com a destruição dos reinos hebreus de Israel e de Judá.

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Por isso, cientistas e mercadores judeus ibéricos de carreira e cultura itinerante, possuíam o mais vivo interesse no descobrimento da Índia e da Etiópia empreendido primeiramente pelos portugueses, porque para eles isso “significava uma surpreendente aproximação das regiões de sua geografia até então puramente imaginária, em que se situariam reinos independentes formados outrora por famílias exiladas da antiga terra de Israel e de Judá” (Lipiner 17). No final do século XV e o início do XVI, temporalidade apresentada nos romances mencionados de Mário Cláudio, havia um grande número de judeus na Península Ibérica. Na verdade, eles já haviam se estabelecido em terras lusitanas muito antes da formação do reino. Por seu amplo conhecimento geográfico e cultural, eles atuavam como cientistas, conselheiros confiáveis e também como enviados e exploradores de reis. No entanto, os judeus ibéricos mesmo sendo muito preparados para o desenvolvimento da técnica, do comércio, da expansão e das trocas culturais, nesse tempo viviam contraditoriamente imersos nesse imaginário messiânico, intensificado pela repressão aos não cristãos peninsulares promovida pelas Cortes Reais lusitanas e pelas autoridades clericais que, muito antes das primeiras décadas de navegação portuguesa, começaram a persegui-los. Nesse contexto sociocultural, intensifica-se o imaginário judaico que profetiza a vinda do Messias que imporia um fim às perseguições religiosas e às privações de seu povo, glorificando-o com a terra prometida. Em busca dessa profética terra, muitos ficaram pelo caminho e outros tantos seguiram para lugares longínquos através das viagens marítimas. É realçada, através dessas premissas, a forma pela qual as navegações estão enraizadas na história e cultura judaicas. Em Oríon, o segundo romance da chamada trilogia das constelações 7, é narrado o destino das crianças judias deportadas no mencionado exílio de 1493, rumo à ilha de São Tomé. Em Peregrinação de Barnabé das Índias, conta-se a história de Barnabé, um judeu que conseguiu fugir para as Índias em pleno ano de 1497, quando se dificultava a saída de seu povo das terras portuguesas, se infiltrando em uma das naus da esquadra de Vasco da Gama (1469?–1524). Juntos, os dois romances se apresentam como um importantíssimo legado literário que empreende novas perspectivas na representação dos dois primeiros exílios judaicos de Portugal. Em Oríon, a cena inicial do exílio de 1493 merece atenção por sua carga de realismo que desmistifica o seu cenário omisso e celebrativo apresentado nas crônicas oficiais. Primeiramente, expõe-se a mensagem do bispo de Lisboa proferida no evento criado para a partida das crianças: “Ide pois, ide e que a culpa de toda uma raça sirva de exemplo a vossos irmãos . . .” (Cláudio, Oríon 20). Na sequência, descreve-se o evento, que se revela aparentemente alegre e festivo, sendo desconstruído de forma crítica pelo narrador-personagem Abel, uma das crianças judias deportadas que mostra o sofrimento e a opressão suscitados por tal ocorrido, retirando o véu oficioso e a gloriosa memória de cena:

Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 203 Quem poderá descrever aquela Praça da Ribeira no dia nefasto em que ali se reuniam as crianças? Originárias das mais distantes regiões do Reino de Portugal, juntavam-se elas em magotes que os grandes fiscalizavam . . . Era uma manhã de Abril, tão suave que mais parecia um agouro de acontecimentos festivos do que o limiar de um holocausto que se preparasse. E os gritos das judias, descabeladas diante da tragédia do furto dos seus rebentos, apegavam-se aos guinchos das gaivotas na luz da beiraTejo. (15)

Durante a comprida viagem limitaram-se as crianças “a roer alguma côdea de pão, a beber água salobra, a repousar os músculos e os ossos num estrado emporcalhado pelo vómito” (Cláudio 15). Já na dita ilha, Abel não enfrentou maiores problemas para se habituar, aprendeu “a designar as árvores, os arbustos e as ervas, [estudar] a sua utilidade e a sua reprodução, [debruçar] para a ilha como quem se dobra para um livro, munido da lente que lhe amplia os caracteres” (46). Abel mostra-se na condição de um exilado maravilhado, amando a ilha como um éden sem limites, mesmo sendo arrebatado dos braços dos pais. Mas é principalmente através do sentimento de desterro formado no crescimento das crianças deportadas que tal ilha servirá de palco de prodígios e lendas várias, alimentando a índole imaginária desses hebreus que sempre imaginavam se aproximar do reino de onde foram retirados ou mesmo da lendária terra prometida que desejavam alcançar: “Não se extirpara a fé desvairada do povo. A cada instante se disseminavam atoardas extraordinárias . . .” (120). Em Oríon, degredados, fugitivos e exilados viviam presos nesse tipo de imaginário. Distanciados da metrópole inquisitorial e conscientes das preferências da coroa na colonização com base nas tarefas missionárias, alguns faziam questão de, na medida do possível, retornar aos seus hábitos e suas crenças religiosas. A existência de criptojudeus em São Tomé, observada veementemente nessa obra literária, pode ser averiguada historicamente pelas proibições da presença de cristãos-novos na ilha, expedidas por D. Manuel e novamente pelo bisneto desse monarca, o Rei D. Sebastião (1554–1578): Com efeito, por alvará de 21 de novembro de 1569, determinou D. Sebastião que “daqui em diante não possa ir à ilha de São Tomé para nela residir, nem viver, pessoa alguma da nação de cristãos-novos, salvo indo à dita ilha ida por vinda”. Prossegue o alvará dizendo: “E assim hei por bem que pessoa alguma da dita nação, não possa na dita ilha servir ofício algum de justiça”. (Lipiner 33)

No romance em questão, o criptojudaísmo está claramente exposto através do narrador-personagem Abel, que se responsabiliza pela autoria da narrativa presente no livro. Ele diz que originalmente sua escrita atravessa “as páginas da Tora, com letras apertadinhas umas de encontro às outras”, e acrescenta que se “não conservasse na memória o que lá se diz, não alcançaria ler os versículos sagrados” (Oríon 12). Agradece ele ao franciscano que lhe ensinou as letras na sua infância longe dos pais, relembrando o que o frade insistia em dizer: “cuida de a exercer [a escrita] que nela é que acharás os portões de saída do exílio” (12).

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Tais circunstâncias existenciais e históricas fizeram o judeu considerar a escrita e o livro como uma espécie de pátria que podia ser transladada para onde quer que fosse. “Nessa pátria portátil, encontrava os legados da memória ancestral, a razão de ser e, principalmente, de teimosamente continuar a existir num tempo que, muitas vezes, negou-lhe dignidade humana” (Roani 76). A leitura da Tora, bem como a própria escrita, eram para Abel a criação de um espaço de reencontro da integridade do seu mundo, um lugar que complementava o desterro, onde um povo disperso pelos exílios encontrava a cada palavra sua redenção. Diante das proibições religiosas, o oculto exercício de Abel, de escrita e leitura na e da Tora, assume o caráter de um ato socialmente simbólico, admitindo-se, assim, no romance de Mário Cláudio em análise, uma forte presença de criptojudaísmo, posicionando-se o escritor portuense perante as polêmicas teses relacionadas à existência ou não desse aspecto cultural em tal época histórica: Um dia veio ter comigo um freizinho picado das bexigas, com o qual encetara na travessia extensa conversação. [. . .]. Vai o santo, e interpela-me nestes termos, “Eu bem sei, Abel, meu filho, que nunca haverás de te converter em bom cristão, e nisso, podes crer, residia o meu anseio, mas apegaste-te às falsas doutrinas da tua raça, julgarás tu que não percebo que lês às escondidas o livro nefando?, mas é a vontade de Deus”. (Oríon 37)

O criptojudaísmo consiste no que exatamente faz o narrador-personagem Abel: pratica escondido os costumes de sua religião antiga, mesmo sendo essa prática reduzida a escrita ou a uma mera leitura usual da Tora. Para Elias Lipiner, “à imposição violenta da nova religião, responderam os ex-judeus, ou grande parte deles, com simulação, adotando apenas as formas externas da crença imposta, mas conservando na intimidade o judaísmo” (395). Para ele, esses “pseudocrístãos” não aceitaram a crença imposta senão com profunda reserva mental. Para António José Saraiva, em contrapartida, lhe parece inteiramente inadequada a expressão “criptojudeus”, pois para ele judeus e cristão-novos eram “entidades inteiramente existentes e distintas, embora haja entre elas uma ligação histórica” (Saraiva 24). Reforça o estudioso português que, em pouco tempo, devido à intensa pressão exercida no reino, os cristãos-novos deixaram quase por completo sua velha lei. No entanto, não é isso que vemos na história e mesmo na construção dos personagens judeus de Mário Cláudio, sejam convertidos ou não, como nos casos de Abel e Barnabé respectivamente. Suas mentalidades são embasadas nas crenças e nos imaginários da religião de origem que, intensificados pelos desterros, os tornam eternas crianças: “[. . .] o meu único encantamento consistia em fixar por horas perdidas o maravilhoso de estrelas a que chamam Oríon” (Oríon 154). Esse sintoma pode ser claramente percebido no fato de que Abel, ao herdar o governo do engenho que antes pertencia ao seu antigo chefe

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e um dos descobridores da ilha, João de Santarém, pouco dedica a vida aos trabalhos diários: Se dantes avaliava a alegria pelo número de fardos de açúcar produzidos e negociados, calculava agora que só a descoberta do segredo da figura que na abóbada se estampava me obteria a paz de que tanto carecia . . . Impossibilitada de compreender a obsessão em que me debatia alongava-se de mim Perpétua [sua segunda mulher], supondo-me apanhado pela loucura que deriva dos vapores dos lodaçais. E não me cansava de tentar conceber quantos astros naquele conjunto se incluiriam, visíveis uns, invisíveis outros, e que preciosas mensagens na posição deles se achariam encerradas. (155)

O caso foi acentuado pelo fato de que também os demais engenhos foram aos poucos sendo abandonados e seus escravos começaram a sofrer visões generalizadas, conturbados pela imagem de um menino que chamavam de Benjamin, a quem os judeus aclamavam como Salvador e que acreditavam ser o soberano de “um reino que só ele compreendia, testemunhavam-lhe obediência e louvor os habitantes da Fuzeta, local remoto da ilha açoriana onde governava” (111). Portanto, via-se diminuída a produção de açúcar da ilha pela intranqüilidade em que persistiam viver os escravos e seus senhores criptojudeus. E assim esgotavam-se as semanas, e nenhuma figura divina cruzava o firmamento, mas nem por isso se extinguira a fé desvairada do povo. “A cada instante se disseminavam atoardas extraordinárias, de que descortinara alguém Benjamim na sua alimária, e de que largava ele um rasto que à luz do poente se ia dourando” (120). A imagem do garoto se não os libertava das dificuldades do exílio e da escravidão, concedia-lhes o alívio para os sofrimentos cotidianos que não se revelavam poucos, nem pequenos. Andava agora inteiramente conquistada a multidão da ilha por tal miragem que se difundia gradualmente, conforme se cita: [. . .] toparam com as ruínas de uma cidade mui antiga, e que se implantava entre elas um templo que resplandecia, e que pela escadaria dele testemunharam que ia descendo um cortejo, formado pelas crianças executadas a mando de El-Rei Dom João II de Portugal. E mais aduziram que à frente marchava o Menino com uma bela capa de veludo vermelho, debruada a arminho, e que à sua direita se avistava Elisa [sua companheira], e que a ambos assistia muita freguesia de ministros e de vassalos e de pajens. . . . Acabaram por referir que ao encontro do pai infantil veio correndo uma récua de unicórnios . . . e que a mesma ajoelhara, a fim de que trepassem Benjamin e Elisa para a garupa, e que em continente disparara à desfilada, transportando os pequenos para os longes do poente. (130)

Transformava-se, desse modo, a índole dos trabalhadores hebreus, cientes da aproximação do Reino, e mais relapsos se faziam, passando o tempo entre rezas e benzeduras à espera da hora em que se anunciasse a chegada de seu messias. Enquanto isso, surgiam pregações cristãs contra o Menino, concordando os padres e frades da ilha em como era falsa a doutrina de Benjamin, se doutrina existia, e como isso não passava de um “embuste grosseiro” (135).

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Mas enganavam-se quem pensasse que fora por inteiro extirpada a mensagem do Menino por causa dessas pregações. “Afirmavam e reafirmavam que fora Benjamin o messias não reconhecido, e nesta fé interpretavam as profecias, e em nome dele baptizavam, e realizavam milagres . . .” (135). Com isso, pergunta o narrador: “O que acontecera então a tanta riqueza, fardos e fardos de açúcar, carregados para os cais de Portugal, que daí subiriam às cidades da forte Inglaterra, que se arrecadariam nas tulhas dos mercadores da Flandres opulenta?” (138). Observa-se com esse questionamento que a narrativa de Oríon, mesmo se posicionando com o sentimento de tristeza pelo batismo forçado e pelo desterro violento das crianças, não se limitou, como boa parte dos cronistas hebreus, aos aspectos da periculosidade da ilha, ignorando o seu desenvolvimento econômico e agrícola que corria paralelamente. Tal atitude unilateral justifica-se em autores como Samuel Usque, que se restringem em citar a ocorrência das perseguições contra os judeus de Portugal, sobrepujando as notícias acerca da fertilidade da terra que, segundo alguns historiadores, se mostrariam posteriormente verdadeiras através da sua produtividade, de proveito inclusive para os colonos de origem judaica. A esses, ademais, atribuem o mérito de terem introduzido na província africana a lavoura da cana-de-açúcar, corroborando essa afirmação histórica o que se retrata no romance de Mário Cláudio: Segundo Manuel de Oliveira Lima, os feitores e operários qualificados da indústria de açúcar trazidos da Madeira e de São Tomé para o Brasil eram “pela maior parte judeus, que constituíam o melhor elemento econômico do tempo, que lucravam com fugir à fúria religiosa que grassava na península” (História da colonização portuguesa no Brasil, vol. III, p.199; apud Arnold Wiznitizer, Os judeus no Brasil colonial, São Paulo, 1966, p.9). Tal assertiva é adotada também por autores estrangeiros como Werner Sombardt, Knapp e outros . . . Gilberto Freyre também reconhece o concurso dinâmico do judeu para a produção de açúcar e para o movimento e expansão dessa atividade econômica de uma área para outra. (Ver Conferências na Europa 81–82, citado em Lipiner 27–28)

Por outro lado, mesmo com tal atividade comercial, é de se presumir também de que os meninos e seus descendentes hebreus não permaneceram na ilha, retirando-se como os demais colonos, para o Brasil, em períodos de decadência, especificamente dos engenhos, que seria a principal atividade econômica do local. Tal decadência poderia ser oriunda de causas históricas diversas como incêndios, invasões ou ataques de corsários, ou possivelmente por conta de uma inquietação imaginária messiânica e geográfica como registra ficcionalmente a obra de Mário Cláudio, já que se descreve a ilha daquela época como um lugar onde “ninguém recebia notícia. Fustigam-na os vendavais, dardeja sobre ela o sol . . .” (Oríon 183). Para concluir a breve exposição desse romance, vale ressaltar que a representação do maravilhoso serve inicialmente à narrativa marioclaudiana para dar voz aos desvalidos da história oficial, nos mostrando, posteriormente,

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o imaginário de um povo levado às últimas consequências, até seu estágio efetivo de alienação frente aos problemas do mundo sensível. Nessa perspectiva, o fantástico, forma literária muito cultivada no século XIX, continua inovando e redimensionando suas manifestações nos séculos XX e XXI ao configurar a possibilidade de uma análise crítica das mentalidades no tempo presente, permitindo um olhar crítico e paradoxalmente realista a respeito da cultura e da história, ainda que elaborado pelo viés da construção de uma realidade absurdamente imaginária e transgressora. Essa é uma crítica que empreende o escritor portuense ao seu próprio tempo, “exprimindo um desejo profundo de mudança interior, uma necessidade de experiências novas” que rasgue o véu épico que ainda cobre o olhar que o português tem sobre si próprio (Calvão 7). O mesmo tratamento histórico-sociológico a partir das históricas representações imaginárias dos descobrimentos ibéricos encontra-se no romance Peregrinação de Barnabé das Índias, que abarca a temporalidade da segunda diáspora judaica em Portugal e cuja análise iniciaremos a partir daqui. Nesse romance, temos a representação da pioneira viagem de 1497 como seu núcleo gerador. Essa empresa marítima liderada por Vasco da Gama era a grande aposta de fuga para os judeus perseguidos. É preciso realçar que essa obra literária não é uma mera reprodução da forma através da qual muitos cronistas narraram tal empresa, registrando o protagonismo dos grandes vultos da história oficial. Diante das imagens fornecidas pela Relação de Álvaro Velho acerca da primeira viagem à Índia, resumidas com esplendor em seu poderio militar e com tecnicismo na exposição de novos roteiros, cálculos e práticas de navegação, o que temos na realidade é um grande silêncio sobre as fraquezas físicas e mentais da tripulação, bem como um silêncio sobre os pontos de vista das comunidades orientais que receberam tal empresa. Enquanto essa viagem descobridora é representada gloriosamente pelas crônicas quinhentistas por ter cumprido o caminho marítimo planejado, o romance Peregrinação de Barnabé das Índias, publicado no período das celebrações do quinto centenário dessa viagem marítima, evidencia o espaço imaginário onde se cumprem as aventuras da tripulação, revelando uma geografia e uma história lendária sem aparente relação com o espaço físico oriental vivido após o século XVI. Nessa ordem de ideias, o marinheiro inebriado é posicionado como fermento ou doador de sentidos do relato com sua derrota face ao encanto da imagem idealizada e pintada pela tradição épica e maravilhosa dos relatos de viagens antigos e medievais sobre o Oriente. O romance nos mostra que Vasco da Gama, Barnabé e os outros marinheiros não tinham cultura suficiente para combater os fantasmas de Ptolomeu, Plínio, Pompónio Mela, Estrabão e tantos outros que escreveram seus Imago Mundi 8. Nesse romance, a hidra de sete cabeças é símbolo da ansiedade descontrolada de descobrir, triunfo dos espaços imaginados, uma busca “no subterrâneo de si mesmo é que o monstro se alojava, e que a um

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sinal do exterior, raio do luar ou queda da temperatura, tornado erguido ou maré viva, haveria de se enfurecer e de se avolumar, a fim de ir catalisando a devastação deste Mundo” (Cláudio, Peregrinação 39). Estamos lidando, sobretudo, com uma peregrinação imaginária, e nela Vasco da Gama é acompanhado de perto pelo fictício cozinheiro Barnabé, judeu português que viverá perturbadoramente a discriminação praticada contra aqueles que possuíam raízes judaicas. Na intermediação dessa dupla de personagens-narradores, temos o auxílio de um narrador em terceira pessoa que revolve o passado, pontuando e reinventando através de suas memórias os detalhes dramáticos da viagem. É no desconhecimento comum do percurso e, sobretudo, no desconhecimento geral do Oriente que a narrativa ganha espaço para a representação de uma linha opressora dos imaginários. No capítulo “As Cordas”, encontramos a primeira parte da viagem percorrida sob plena união perceptiva entre os tripulantes, como se a cada momento um nó fosse dado entre eles, atando-os aos mesmos imaginários: “prendem-no as cordas que não logra romper, e atormenta-se nas ânsias de lhes desmanchar os nós . . . (132–133). Uniam-se os marujos pelo tato da corda que apertavam ao manejar as velas, amarrando metaforicamente com tais nós o imaginário fabuloso na mente de cada um dos soldados embarcados: havia “um João Lopes que de temperamento se mostrava assomadiço, e que era calaceiro . . ., jurava e trejurava que esbarrara no Cacheu com um gigante assustador . . .” (134–135) e havia, também, outro rapaz que, segundo relata Barnabé, julgava ter visto uma sereia. Conversando com seus companheiros, alimentava-se também Barnabé de “descrições que me povoavam o entusiasmo que não esmorecia” (93). Se perguntassem a Barnabé “que saúde trazia da Índia, e abanaria a cabeça numa grande dúvida, conhecedor de que autêntico se não manifesta o que nos não sobrevive na imaginação” (248). Sintonizados às bestas imaginárias, partiam os marinheiros, “meninos sem defensão, naquela cegueira extremada de para Sul navegar” (149). No princípio do romance, tanto Barnabé quanto Vasco da Gama, apesar de toda a diferença cultural que há entre eles, percorrem ambos o caminho marinheiro dos enganos, consumindo-se entre os símbolos, os sonhos e as fantasias que determinavam os mares e as terras desconhecidas naquele momento. Nem a diferença religiosa manchava de incoerência esses dois viajantes, porque terror mais vasto aprendera ele [Barnabé] no semblante de Vasco da Gama, o que os tornava idênticos nesse plano onde de modo único as razões da fraternidade se exprimem . . . De nada valeria portanto ocultar a pessoa da pessoa que formamos, já que na antecipação do limite é que nos equipararam . . . .(111)

Historicamente, sabemos que os portugueses cristãos também recorriam às lendas ultraterrestres, como os judeus, que apontavam a existência de reinos cristãos no Oriente. Sem dúvida os descobrimentos foram um dos meios

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propícios para tal contágio cultural; entretanto, eles não fizeram desaparecer as antigas divergências entre as duas religiões em questão: “Tanto um quanto outro supõe ser o povo eleito e aquele com a mais importante missão, mas os dois estavam atrás da terra prometida juntos nas mesmas caravelas, atravessando os mesmos oceanos” (Cruz 10). Através desses fatores, define-se, portanto, a singularidade cultural do povo português como um povo de existência miraculosa, resultado de uma predileção divina específica de que só encontraremos caso semelhante no povo judaico. Contudo, a maneira com que os portugueses se comprazem nessa adoração é bastante singular, apesar dos traços comuns com a cultura judaica. A cultura portuguesa, por sua vez, tendo como referente mítico um catolicismo assimilado à “história ideal de cruzados de Cristo durante séculos, integra em si uma espécie de imperativo a defesa dos valores do cristianismo” (Lourenço 51). No entanto, muitos pensadores da cultura portuguesa foram sensíveis às analogias entre o messianismo judaico e o português. A diferença é que o messianismo português se mostrou sempre mais universalizante: “Em nome de Cristo, os reis desse país, então senhor dos mares, do Brasil ao Japão, ousaram colocar-se no centro do mundo” (10). Trata-se do sonho de um Rei e a formação de um império universal, em que o messianismo inculcado na imagem do Rei D. Sebastião é apenas uma das muitas prefigurações do intenso imaginário português, mas “seria exagero dizer que o povo português é o único que merece a designação de fanático, pois o fanatismo é a coisa mais bem partilhada do mundo” (106). Em resumo, na Peregrinação de Barnabé das Índias, portugueses judeus e cristãos confundem-se em muitos aspectos. Isso implica na obra um reposicionamento na descrição da viagem que é readequada também sob a perspectiva imaginária da cultura judaica, ambientando-se a sua representação peregrinante através de figuras ultraterrestres e messiânicas. Desse modo, o romance de Mário Cláudio “revê o passado colocando parte da glória da conquista do caminho para as Índias na essência do conhecimento e esforço da cultura judaica, e não só nos cristãos-velhos, como conta a historiografia oficial” (Cruz 12). Afinal, Barnabé, personagem principal dessa obra escrita por Mário Cláudio, é um judeu que conseguiu escapar à conversão forçada instaurada pelo édito manuelino de 1496, infiltrando-se, como se cristão-novo fosse, na primeira esquadra que em 1497 se destinava ao Oriente. A própria constituição do seu nome disfarçado confirma essa tensão de fuga, pois, contrastando com sua religião judaica, o nome Barnabé, apesar de ser de origem hebraica, representa um dos primeiros apóstolos cristãos mencionados no Novo Testamento. A peregrinação que esse apóstolo realizou a Síria e a Salamina pregando o evangelho, acabou lhe trazendo a morte, porque alguns judeus, irritados com o seu extraordinário sucesso, o atacaram enquanto pregava na sinagoga, arrastaram-no para fora e apedrejaram-no até lhe tirarem a vida: “os judeus incitaram as mulheres devotas de alta posição e os principais da cidade,

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suscitaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e os lançaram fora dos seus termos” (Atos 13–50). Sendo assim, o Barnabé da Peregrinação, de origem judaica, utiliza o nome de um apóstolo cristão assassinado por judeus com o intuito de não lhe desconfiarem da sua verdadeira religião. Com esse nome, ele se inscreve como marinheiro da nau São Rafael comandada por Paulo da Gama, irmão de Vasco. Pelo próprio título, sabemos que é Barnabé quem de fato realizará essa peregrinação, sendo o mais importante dispositivo antiépico da obra, que efetivará a proposta de uma ficção dedicada a personagens anônimos ignorados pelas crônicas, pelas relações de viagem e, no geral, pela memória celebrativa produzida sobre as navegações em Portugal ao longo dos séculos: Barnabé é o símbolo desses anônimos, desapossando do palácio da história tronos e cadeirões com fundo de couro, dando lugar aos rostos tisnados pelo sol, fazendo-os passar pelos corredores da história, descalços, ou de botas gastas e enlameadas, desrespeitando a honorabilidade de perfis solenes estáticos nos seus quadros a óleo. Com Barnabé, a nossa gesta marítima perde a iluminação dos espelhos, onde reis, príncipes e nobres se viam nos rostos dos outros, nas suas obras. (Matos 95–96)

A trajetória de Barnabé é narrada no livro desde sua adolescência em Ucanha, vila próxima a Lamego, norte de Portugal. Nessa pequena vila, junto a sua família e amigos vive Barnabé a existência comum aos pobres. Ele próprio contará parte de sua história em muitos trechos do romance. Observamos que Barnabé teve uma infância confusa envolta em sonhos, transes, convulsões e perversidades. O futuro cozinheiro da nau São Rafael cresce entre os vícios, os misticismos e as crendices populares no entorno dos templos e das romarias da sua região. Alimentado por esses comportamentos, Barnabé aprende desde cedo a pensar e agir por instinto e por crenças, buscando sempre a plena harmonia de seus sentidos para com o mundo que o rodeia. As visões do espectro de seu amigo André, as ladroagens que praticava, as confusões que arrumou com o cafetão da prostituta “Cono de Ferro”, com quem se envolvia, e as doenças sexuais que lhe foram, por essa, transmitidas, revelam todas as mazelas que Barnabé carregará para as naus, um currículo sortido de experiências de todo o tipo de trapaças e feridas que refletiam as chagas de seu corpo e de sua alma. Diante dessas forças malignas presentes no espírito de Barnabé, seu primo Joseph de Lamego anuncia sua necessidade de luta para a libertação do feitiço provocado pela “mordedura da besta” (Cláudio, Peregrinação, 83) através do cumprimento de uma peregrinação espiritual, avisando o primo da importância desse desígnio divino em sua vida. Mirou-me de frente, e colheu um espelho, e dobrou-se para ele, e pôs-se a discorrer o seguinte, “tão seguro como ser eu Joseph de Lamego e sapateiro, e venerar a arca desaparecida onde se depositam as tábuas da Lei, te juro, Barnabé, que haverás de copiar os nossos que se libertaram do cativeiro do Egipto, e como eles, e para além

Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 211 do medo, e sem que a morte te assuste, intacto atravessarás as soerguidas vagas da imensidão dos mares”. (80)

Barnabé e a viagem em desencanto Durante grande parte da viagem, Barnabé, assim como Vasco da Gama e toda a tripulação, imergia nas maravilhas de que tanto ouvia-se falar sobre o Oriente. Contudo, nos percursos vinculados aos cinco últimos capítulos, o grumete passa por uma espécie de fase de purificação das doenças e de expurgação dos erros, especialmente dos pontos de vista imaginários, na qual “a descrição dos pesadelos e do surto, que em seu início é feito em tensão crescente, termina em tom patético . . .” (Sousa, 84). Barnabé passa a se conscientizar de sua verdadeira ambição onírica ao viver intensas provações provocadas pelos acidentes em que se envolvera durante a viagem, a exemplo do que ocorre com as demais obras históricas e apologéticas da literatura judaica do século XVI, como na obra de Samuel Usque, em que há uma citação no fim de cada narração histórica, mostrando uma profecia bíblica cumprida através de cada atribulação narrada: Dentro desse plano divino preconcebido, o curso da História judaica é um contínuo processo de calamidades e sofrimentos, em castigo e expiação por constantes transgressões de preceitos divinos. É uma relação constante e fatal de causa e efeito . . . Atribuir ao sofrimento valor transcendente e purificador é próprio da psicologia do marrano. A natureza compensatória dessa atribuição é salientada por Usque como uma das principais vias pelas quais esperava-se oferecer consolo às tribulações de Israel. . . . Ademais, o conceito da purificação por meio de sofrimento, apoia-se em bases tradicionalistas, tomadas de empréstimos à Bíblia. (Lipiner, 137)

Com base nesse processo, observamos que o grumete só aprende a olhar a si mesmo quando passa, durante sua peregrinação, por acidentes navais diversos. O choque desses acidentes o fez com que se sensibilizasse para o fato de que toda aquela geração de marinheiros não percebia a grande moléstia imaginária em que vivam. Temos a partir dessas cenas, evidentemente, a substituição do enredo imaginário “por um princípio estruturante radicalmente diferente, que é fundamentado pela abertura do texto ao diálogo” com outras realidades (Ricoeur, 168). Essa abertura não surte no personagem, entretanto, uma percepção meramente empírica da viagem, mas uma dimensão negadora dos mitos, na qual o imaginário mostra-se a Barnabé não mais como uma assimilação da realidade, mas como uma utopia em que se inscreve uma visão do mundo política, social e moral perfeitamente ordenada e ritualizada pela tradição do maravilhoso da época. É a partir do capítulo “Os Peixes” que Barnabé se aproxima do desconhecido de forma diferente já feita até então, redimensionando sua visão. A viagem para as Índias torna-se para ele uma espécie de libertação dos desacertos anteriores: “Uma subterrânea metamorfose fora nele trabalhando, a irmaná-lo com os peixes do vasto oceano . . .” (150). É possível apontar que a equiparação de Barnabé com os peixes é sustentada pelo vínculo que essa parte

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do texto mantém com a simbologia desse animal manifestada no texto do Padre António Vieira intitulado Sermão de Santo Antonio aos Peixes. Tal sermão surge diretamente de forma reveladora no final desse capítulo: “Mas ao pensar no taumaturgo Santo António de Lisboa, o qual afirmavam os cristãos mostrar-se tão afeiçoado aos peixes que para eles só proferira um magnífico sermão . . .” (178). Nesse trecho, revela-se o intertexto do capítulo “Os Peixes” com o Sermão de Vieira que, por sua vez, constitui um documento de surpreendente imaginação, oratória e poder satírico: “Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam, nem domesticam. [. . .], vós, peixes, longe dos homens vivereis só convosco, como peixe na água” (Vieira, 15–16). O sermão pretende louvar algumas virtudes humanas e, principalmente, censurar com severidade os vícios humanos. Todo esse sermão é uma alegoria, porque os peixes representam o ideal de pureza e de não domesticação, virtuosidades essas muito desejadas pelos humanos. A fantástica metamorfose de Barnabé em peixe ocorre conforme sua simbologia cristã, revelando-se através do personagem certo poder de pureza que o faz se posicionar de forma questionadora frente às crenças e às ideias imaginárias que lhe domesticavam a mente e molestavam a viagem. Sua maturação exige uma metamorfose cada vez mais inserida em um modo crítico em relação aos imaginários que o assolavam, pois, como dizia o padre Antônio Vieira, com base no pensamento de Aristóteles, o peixe é um dos raros animais que não se domestica, mantendo o animal sua visão isenta de preconceitos e demais conflitos psicológicos. Podemos perceber com isso que “a grandeza de Barnabé, ao contrário da de outros, como Vasco da Gama, não está no poder e na fama, mas na superioridade do olhar e do espírito, que lhe darão a vitória sobre os temores que o afligem desde quando vivia em Ucanha” (Sousa, 101). Há, desse modo, em Barnabé, uma circularidade perfeita entre a pintura metafórica do seu texto imaginário e o texto da aventura não imaginária que ele tem, por assim dizer, diante dos olhos. Com efeito, Barnabé, na sua peregrinação iniciática, em busca da cura das suas chagas mentais e corpóreas, se permitirá, aos poucos, a revelação redentora que o permitirá diferenciar as realidades que cercam o Oriente daquela fantasiada pelos portugueses. Esse processo de desencantamento pode ser observado principalmente pelo seu novo papel adquirido na esquadra de conselheiro muito procurado pelos marinheiros mais inebriados: Capitulava o de Ucanha em face do que lhe pediam, afagando a testa dos desassossegados, tomando o sofrimento que como um vapor deles se ia desprendendo, e eis que espontaneamente aos beiços lhe aflorava uma antiga ladainha, [. . .], e não se cansavam os homens de render graças a Deus pelo guia com que os contemplara. (Cláudio 250)

Essas graduais transformações, ademais, nos preparam para o episódio central do livro: o desvanecimento dessas miragens se efetiva através da viagem

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realizada pelo grumete com o Arcanjo Rafael. O contato visionário com o Arcanjo se inicia com o salvamento de Barnabé do acidente causado pelas tempestades do Grande Cabo. Os ritos de iniciação da metamorfose ocorrem por meio de afogamentos e outros acidentes que quase o levam à morte, mas o Arcanjo Rafael, imagem que figurava a proa do seu barco, intervirá sempre nessas trágicas cenas, curando-o e alertando-o para o segredo da vida. Seguindo esse longo rito de iniciação, sua experiência de regresso da morte terá seu auge no Índico, onde as naus enfrentam uma fortíssima tempestade e durante a qual uma imensa viga atingida por um raio desaba sobre sua cabeça: “E um poderosíssimo raio deflagrou, a meio escachando a mezena, e eis que se abateu sobre o de Ucanha o pau com as velas rasgadas e as cordas num sarilho, e se quedou o moço como que despedido da existência, e de fronte empapada em salsugem e sangue” (198). O acidente o deixa todo ensanguentado e desmaiado. Mas, antes que lhe chegue a morte, o fantástico é convocado à narrativa ao aparecer o Arcanjo, que o recolhe e o conduz a um bíblico vôo também pelas paragens orientais, que antes para Barnabé eram preenchidas somente por sopros de mistérios e imaginações: E um clarão se alçou diante dos olhos que repentinamente se lhe descerraram, e por cima do próprio corpo estilhaçado viu ele pairar o esbelto São Rafael que de sentinela se postava na proa da sua nau. . . . E estendeu para ele Barnabé os braços desimpedidos, e tomou-o a visão que se ampliara até ao firmamento, e na capa enfunada o abrigou, protegendo-o como se infante fosse o mancebo, e contra as fúrias disparadas. E uma cintilante planície se espraiava, e não correspondia a oceano, nem a nuvem, nem a terra, nem a estrela, mas à aragem fresquíssima do que não alcança termo, e em si se dissolve, e na doçura de que se compõe. E pelos espaços o arrebatava a entidade que o socorrera, arrastando-o para um futuro onde o tempo se extinguia, e desdobrava-se a Ásia como o império sem limites, tão achegada à alma que nela se ia engastando, tão fecunda das preciosidades que formam a coroa dos conquistadores da glória da promissão. E voaram a par, marinheiro e arcanjo, reunidos na máquina que o Espírito sustém, e desgrenhavam-se no azul os cabelos de ambos, e um luzeiro se lhes incrustara nas órbitas, e em sua esteira de centelhas flutuavam os que pelo Planeta tinham vagueado desde o princípio do Mundo, e na unidade se congregavam, e nem lhes pertencia o rosto, porquanto lhes retirara Rafael a máscara que os corrompera. E num sussurro o incitava deste modo o companheiro, “agora te visito, Barnabé, para que compreendas, e te despojes das algemas que te ferem os pulsos, e se te desvende o que para além das dunas do medo se situa, e atravessaste a morte de novo, e te alimpaste das chagas que te atormentavam, porque está morto o que vive, e vivo está o que morre, e transpuseste as fronteiras que submetem as criaturas, e por todos os quadrantes do Universo viajarás, e hás-de tocar com os dedos a refulgência dos astros, e na harmonia das esferas te correrás o líquido das veias, . . . e às Índias verdadeiras aportaste, pois que sempre se alojaram elas nos ocultos de ti, e de tamanha riqueza te revestes que nenhum reino te ultrapassará . . . .(199–201)

O Arcanjo faz aportar Barnabé em terras que serão, mais tarde, alcançadas por Vasco da Gama. Só à vista das futuras terras portuguesas do Oriente, nos sítios onde mais tarde se ergueriam os fortes de Calicute, Cochim e Cananor, é

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que Barnabé poderá relacionar-se com um espaço não evocado pelos prodígios e seres imaginários. Esse processo de libertação dos mitos pelo personagem Barnabé é retratado no capítulo “Os Anjos”, no qual essa viagem celestial, tão significativa para a sua transformação mental, é narrada. A princípio, é estranho pensarmos no fato de que uma figura mística e religiosa como a do Arcanjo sirva de dispositivo no texto para o desvanecimento desses imaginários, como se estivéssemos diante de um mito que age contra a validade de outros mitos. No entanto, o Arcanjo Rafael não representa qualquer figura mítica, pois na tradição religiosa ele é o responsável por executar todos os tipos de cura, inclusive a cura mental. Enviado à Terra por Deus para curar em Seu nome, Rafael significa “Deus cura” em hebraico, no qual a palavra correspondente a médico é Rophe. Levado por tal divindade, Barnabé aporta antes que toda a tripulação nas verdadeiras Índias, descobrindo que o lugar é bem diferente daquele que se alojara antes em sua mente. Portanto, como observado no referido texto, o Arcanjo Rafael é um elemento chave para o desfecho do romance, ao possibilitar que Barnabé se “despoje das algemas que lhe ferem os pulsos, e se desvende o que para além das dunas do medo se situa” (200). Não podemos deixar de observar que essa cena está muito interligada aos temas referentes aos textos bíblicos posteriores ao Exílio da Babilônia (após 538), como o aparecimento do carro divino no primeiro capítulo de Ezequiel, a tônica sobre os seres intermediários, a figura do Angelus Interpretator, a maneira como Deus exerce sua providência com a ajuda dos sete planetas em Zacarias. Esses temas serão retomados e ampliados com o surgimento, no contexto do mundo helenístico, dessa nova escritura cujo conjunto de obras formam o que se convencionou chamar de literatura apocalíptica. Ela nasceu na época da revolta dos Macabeus contra os gregos da Síria. Sua primeira produção é o Livro de Daniel, redigido em 165 a.C., que é a única obra desse tipo a ser integrada posteriormente no cânone da Bíblia hebraica. Os outros escritos apocalípticos se desdobram daquela data até o século II da era comum. Assim, são contemporâneos de acontecimentos ao mesmo tempo trágicos e decisivos para os destinos da nação judaica confrontada pelo desafio espiritual e intelectual do helenismo e pelo combate político com Roma, que culminará na destruição do Segundo Templo, em 70, e no esmagamento da revolta de Bar Kochba, em 135. A literatura apocalíptica constitui uma das respostas da fé judaica a esse desafio da história. É uma literatura de protesto redigida por oprimidos, mas é também uma mensagem de esperança. Anuncia que o Deus de Israel não esquece seu povo e proclama a inelutabilidade e a proximidade da redenção. (Goetschel 11)

Na maior parte da literatura apocalíptica também é um anjo que dirige todos os acontecimentos que compõem a história universal 9. Como na experiência de viagem de Barnabé, em tais textos apocalípticos foca-se em segredos revelados sobre o conhecimento do mundo, as leis que regem os fenômenos naturais ou a descrição dos céus e do trono divino em detrimento de uma carga imaginária fundada pelos mitos provenientes da época áurea do helenismo no império romano, cultura essa combatida intensamente pelos macabeus.

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O apocalipse transgride, portanto, os limites da antiga literatura sapiencial de base helenística. Seus viajantes, como Barnabé, se veem transportados ao céu para ali realizar uma viagem no decorrer da qual lhes serão revelados os segredos de cima e de baixo, desvanecendo os mitos de uma cultura não legitimada pelos hebreus. A Peregrinação de Barnabé das Índias sem dúvida se corresponde com essa literatura bíblica, adaptando-se Barnabé como o herói combatente das mitologias que assolam atualmente a sociedade portuguesa, que continua a conviver com seus próprio mitos constituídos de navegadores virtuosos, descobridores de ilhas afortunadas, caçadores de monstros temíveis e difusores da verdadeira religião. Com essas significativas provações em que “voaram a par, marinheiro e arcanjo, reunidos na máquina que o Espírito sustém” (Cláudio, Peregrinação 199), considerava-se seguro Barnabé por ter atravessado como profetizara Joseph, seu primo de Lamego, o percurso divino que lhe traria a salvação do mal que o abrigava, não se afoitando mais “aos monstros que pelas voltas da peregrinação se lhe avantajam. E em seu corpo tinham sarado as chagas que o afligiam, deixando-o limpo da miséria do pus e do ferrete da culpa . . .” (202). É importante novamente salientar que tal experiência visionária e celestial proporcionada pelo Arcanjo Rafael não é perspectivada através de Barnabé por uma noção empírica do espaço e, sim, pela negação dos mitos que lhe vendavam a viagem. Enquanto Vasco se apresenta molestado pela sua imaginação até a velhice, Barnabé se destaca por fazer a viagem interior, sendo essa “a maior e verdadeira viagem, pois se trata do descobrimento de si mesmo” (Cruz, 6). Através do vôo que realiza com o Arcanjo, Barnabé se conscientiza de seus excessos imaginários e se permite à aceitação de uma nova vivência que anula “o maravilhoso tradicional, substituindo-o por outro fator, o da miséria humana existencial, corporal e mental, que com as suas vidas, as suas doenças e as suas mortes são os obreiros dos grandes cometimentos” (Matos 101–102). Barnabé, melhor do que ninguém, percebe a cegueira que todos aqueles mitos e símbolos provocavam nos marinheiros, tanto que, adquirindo serena sabedoria ao longo da viagem, passa a ser, como já mencionamos, uma espécie de conselheiro do seu navio, cuja tripulação continuava física e psicológica-mente desorientada: “. . . e na verdade, e em silêncio, dos companheiros e de mim inquiria, e do Altíssimo . . .” (Cláudio, Peregrinação 149). Em “As Luzes”, mostra-se o rapaz de Ucanha diante de um caminho percorrido iluminado pelo Arcanjo, ultrapassou os obstáculos imaginários e sobreviveu às doenças e também às guerras que surgiram ao longo das jornadas. Retorna Barnabé a salvo ao porto de Belém, junto com somente um terço da tripulação que partira. Ao chegar, finalmente, em sua cidade natal, trancadas se encontravam as portas da casa paterna. Ficara sabendo pela vizinhança que sua mãe havia morrido. Sem mais essa referência familiar, se esmaecia “a prole que tinham botado ao Mundo” (272). A população

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conterrânea tomou-lhe por mendigo, e ninguém sabia precisar “se arribado da peregrinação a Compostela” (272). Andarilho, pobre, mas sábio de muitas coisas que ali ainda eram desconhecidas, passou Barnabé a ser chamado, no norte de Portugal, por Santo Zagal, porque “em objecto de maravilha se lhes convertia a visão do vagueante, não faltando quem pelas circunvizinhanças espalhasse uma fama que, decorrida a dúzia de anos, terminaria por atingir Bragança, Miranda do Douro e Alfândega da Fé” (272). O Santo Zagal, como ficava conhecido, passou a vaguear constantemente e de pregação a pregação percorria trajetos difíceis, vivendo em peregrinação. Transformado em mendigo, santo milagreiro e desprovido da vida material, mesmo sob essas condições ainda assim Barnabé é mais integrado à vida do que o histórico Capitão que comandou a esquadra e que, no livro, tem sua importância empalidecida, por não ter sido submetido às experiências viscerais que deram a Barnabé uma espécie de domínio sobre o medo e sobre a morte, em benefício, afinal, do tempo da vida. (Calvão 8)

No entanto, admirado como o Santo de Ucanha, Barnabé se converte em “objeto de maravilha” da população lusa, mergulhando cada vez mais em uma vida tomada de fantasias, realizando périplos e mais périplos espirituais entre miragens e milagres. Com isso, fecha-se um ciclo, retornando Barnabé ao nível dos atordoamentos imaginários de outrora, como em Oríon, cujos imaginários levam Abel e os demais personagens até as últimas consequências destrutivas da vida material da ilha. Esse plano estático de percepção sugere aos romances um efeito semântico que busca ir além de um insistente e não convincente movimento pendular entre o mito e a razão, que tem a loucura e a racionalidade como pontos extremos da percepção de mundo. Mário Cláudio ultrapassa a dicotomia entre uma noção empírica e uma prática imaginária ao configurar nos romances aqui analisados a inexistência de racionalidade, pois nada como o infortúnio para nos ensinar com que linhas se cose o nosso destino. Quando caímos num poço de atribulações, olhamos para trás, e tudo parece corresponder à vontade de Deus. Desconhecemos o futuro, e o que importa para o merecermos, mas achamo-nos na posse de um tesouro luminoso, capaz de nos guiar na peregrinação. (137)

A originalidade dos romances analisados consiste justamente no fato de que o escritor não se limita ao marxismo, ao dar voz às crianças exiladas e à tripulação anônima e subalterna de uma nau, e nem ao freudismo, ao submeter a construção dos personagens a partir de suas intensas psicologias. Mário Cláudio não é dualista, não pretende opor a realidade à aparência, como faz, em desespero de causa, o racionalismo que tem como chave mestra a volta do recalque. O romancista, ao contrário, afasta as banalidades tranqüilizadoras, os objetos naturais em seu horizonte de prometedora racionalidade, a fim de

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devolver à realidade representada, a única, a nossa originalidade irracional tão inquietante, histórica e, sobretudo, sociológica. A recriação histórica encetada pelos romances aponta para o preenchimento de vazios e lacunas deixados pela extensa tradição de narrativas que recorreu ao tema da expansão marítima, envolvendo secundariamente o tema do exílio judaico. Nesse vazio, a subjetividade ganha força por meio da manifestação do maravilhoso que, por sua vez, com seus aspectos excessivos, contribuiu para desmistificar a imagem esplendorosa de Reis e Capitães e exaltar a figura dos judeus, vítimas de diversas atribulações. Esse eixo representativo revela muito da originalidade e da genialidade de Mário Cláudio e permite que sua obra, sem sair da essência crítica de sua geração de escritores, não seja equivocadamente interpretada sob o funcionamento de estratégias narrativas em moda na pós-modernidade literária que legitimam somente uma construção de sentenças antitéticas, formando as tradicionais paródias e ironias em detrimento do discurso oficial. Nessa estratégia semântica, é necessário assinalar, o maravilhoso que atua sobre o imaginário das tripulações dos dois romances é muito significativo em três níveis representativos: no nível histórico, no literário e no nível sociológico. Como mencionado, tal estratégia empreende um reposicionamento historiográfico ao retratar as respectivas viagens em patamares mais socioculturais, nos quais a sugestiva substituição de Capitães como Álvaro de Caminha e Vasco da Gama por Abel e Barnabé revela todo o espaço imaginário que se acentuam em função da representação histórica de seus desvalidos. Em segundo lugar, a representação do maravilhoso empreende um reposicionamento literário pela forma complexa como sua narrativa manifesta o imaginário épico sem deixar de compreender aspectos antitéticos e paródicos que problematizam as narrativas míticas que celebram o tema expansionista. É preciso entender que a alegoria do imaginário maravilhoso organiza os múltiplos conteúdos dispersos e gera, em torno de si, um complexo metafórico que exige, para sua leitura, a compreensão de, no mínimo, duas chaves interpretativas: a da alegoria como parábola, na medida em que funciona como um recurso literário-pedagógico tradicional e historicamente moralizante; mas também como uma metáfora moderna, ampliando ou modificando outros sistemas de imagens para representar as irregularidades identitárias entre grupos culturais diversos. Por último, há um importante reposicionamento sociológico, pelo fato de que o maravilhoso revela-se como uma potencial condição alienante pelo modo predominantemente comemorativo no qual a história e a cultura da nação lusa se manifesta atualmente. Essa condição alimenta a ação dos personagens marioclaudianos, que levam seus imaginários até as últimas conseqüências, associando-se esse comportamento com o que ainda se passa no país recentemente. Esse fator cognitivo infere que, mesmo após a Revolução dos Cravos que pôs fim ao regime ditatorial salazarista, a maioria dos portugueses

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continua indiferente ao modo de narrar o passado, acostumada ao mundo celebrativo e comemorativo que o circunda. Na passagem do século XX para o XXI, momento inundado pela vaga cultural “de todas as formas de irracionalismo ou de obscurantismo triunfalistas, recalcada ou contrariada durante séculos pela exigência de um espírito crítico, [. . .], uma evocação do destino português em perspectiva mítica ou mitológica seria uma afronta ao conformismo universal” (Lourenço 92). Com base nesse “conformismo”, as maravilhosas errâncias dos portugueses, representadas nos romances em questão, apontam para uma situação que urge a necessidade de mudança por parte de uma sociedade em crise, a qual se mantêm nos valores de uma tradição saudosista que a condena a uma retrógrada dimensão do passado, resultando na sua estagnação do presente. Ou seja, em uma alienação cada vez mais profunda diante da realidade, visto que “o retorno não é nada mais que negação dessa mesma realidade, ou ainda, a vivência de uma realidade vicária, projetada num espaço imaginário” (Gomes 87–88). O que mais poderia significar para a atual sociedade portuguesa as várias esculturas públicas de heróis do ultramar e as arquiteturas manuelinas com seus ricos ornamentos fantasistas? Nessa interação imaginária surge parte da consciência do povo português, fundada na emoção coletiva do pertencimento à pátria, insinuando a união da gesta com a esperança e a promessa de melhorias em meio à contradição de uma vida gloriosa com as experiências árduas da recente decadência político-econômica do país.

Notas 1 Para verificar essa tendência, bastará um olhar breve pelas publicações modernas. Deparam-se, com freqüência, ao leitor, opúsculos da autoria de pessoas que pretensamente divulgam “a verdade sobre a inquisição”. No seu posfácio à obra A Inquisição espanhola do estadista francês José Maistre, por exemplo, queixa-se o historiador Pinharanda Gomes da atitude dos clássicos monografistas que se dedicam ao tema em relação ao Santo Ofício em Portugal, e considera-a complexada, de tendência antirreligiosa, antipática para com o Tribunal e de qualidade jornalística. 2 Segundo a versão “de gloriosa memória do rei D. João II”, do cronista Garcia de Resende, o objetivo desse rei com o desterro forçado das crianças para tal província ultramarina era mantê-los “apartados dos pays, & suas doutrinas, & de quem lhes pudesse falar na ley de Moisés, para que fossem bons Christãos; & tambem pera que, crecendo e casando se, pudesse com elles povoar a dita ilha, que por esta causa dahi em diante foy em crecimento” (Resende 111). 3 “É incerta a data exata do descobrimento da ilha, que provavelmente foi realizada por João de Santarém e Pedro Escobar, quando da sua viagem pelos anos de 1471–72 às costas da Mina, de Benim e do Gabão. Foram aí enviados por Fernão Gomes, que obtivera, em 1469, de D. Afonso V, o arrendamento do comércio da Guiné, com a obrigação de descobrir novas terras” (Lipiner 23). 4 Com efeito, tal projeto não se escreceu depois da morte de Isabel e do príncipe Miguel. Maria, a sua segunda esposa, será também filha dos Reis Católicos. Isabel de Portugal, filha de D. Manuel, casará com Carlos I de Espanha. Tudo isso irá parar à Monarquia Dualista filipina. Até o terceiro casamento de D. Manuel foi com uma princesa espanhola visando efetivar futuramente a união ibérica.

Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 219 5 Segundo o Dicionário de Literatura Portuguesa de Álvaro Manuel Machado, Mário Cláudio é pseudônimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa. Nasceu no Porto em 1941. Ficcionista, poeta e ensaísta, trata-se de um intelectual dotado de uma sólida carreira, com destaque para sua formação em Direito pela Universidade de Coimbra, onde se diplomou também como bibliotecário-arquivista, e para sua atividade docente na Escola Superior de Jornalismo do Porto. 6 Somente com os estudos de história dos imaginários, como O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval, de Jacques Le Goff e Monstros, Demônios e Encantamentos no Fim da Idade Média, de Claude Kappler, por exemplo, é que foi plenamente reconhecida uma forte presença da mentalidade maravilhosa ainda no Renascimento. 7 A trilogia das constelações é composta pelas seguintes obras: Ursamaior (2000), Oríon (2003) e Gémeos (2004). A informação de que as três obras fazem parte da Trilogia das Constelações foi facultada pela editora portuguesa Dom Quixote. 8 Imago Mundi é o título latino de vários livros antigos e medievais, incluindo a mais famosa cosmografia escrita em 1410 pelo teólogo francês Pierre d'Ailly (1351–1420). Imago é uma imagem ou representação no significado latino. Assim, o título é traduzido por Imagem do Mundo, sendo comum nessas obras a apresentação de listas e mais listas de híbridos pavorosos que preenchiam o orbe, segundo a mentalidade da tradição. 9 “Tem-se o exemplo de uma situação semelhante no Livro de Enoc (Enoc I), de cerca de 164 a.C. No capítulo 14, Enoc vê-se transportado ao céu e chega a um muro de cristal que rodeia o palácio divino, sendo este cercado por línguas de fogo. Ao se aproximar do palácio, porém, o medo e o terror o dominam. Em seguida ele acede à visão da glória divina em seu trono: “A glória divina estava instalada, suas vestes mais fulgurantes que o sol e mais brancas que a neve” (XIV, 21). Enoc contempla o que nenhum anjo ou ser de carne e osso pode perceber. A sua é sem dúvida a visão mais antiga do carro divino (Merkabah) que conhecemos fora das Escrituras” (Goetschel, 12–13).

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Daniel Vecchio Alves é Mestre em Literatura e Doutorando em História Cultural. Seu interesse abrange os estudos sobre a Literatura Portuguesa de Viagens, a História e a Historiografia dos Descobrimentos, fazendo parte de grupos de pesquisa como o NEP (Núcleo de Estudos Portugueses da Universidade Federal de Viçosa-MG) e o Mare Liberum (Centro de Estudos e Referências sobre a Cartografia Histórica da Unicamp).

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